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INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DO DIVÓRCIO
Sumário
I – O direito de um dos cônjuges a pedir uma indemnização com base no disposto no art.° 1792º do Cód. Civ., tem como pressupostos, que a dissolução do casamento se tenha dado por culpa única ou principal do outro cônjuge e que tal dissolução tenha provocado ao demandante da indemnização danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
II - Não se trata de reparar os danos não patrimoniais provocados pelos factos qualificáveis como violação dos deveres conjugais mas os prejuízos resultantes do desgosto, do sofrimento, da desilusão, da desconsideração social ou familiar, etc., que tal dissolução provocou no cônjuge demandante da indemnização.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
1. “A” intentou a presente acção de divórcio litigioso contra “B”, pedindo que seja decretado o divórcio com fundamento na separação de facto do casal há mais de três anos.
Alegou, em síntese, para o efeito que, apesar de viverem sob o mesmo tecto, há mais de três anos que apenas falam de assuntos respeitantes aos filhos, que deixaram de fazer refeições em comum, que passaram a dormir em quartos separados e que vivem em total indiferença um perante o outro.
A Ré contestou, deduzindo ainda reconvenção em que peticionou que seja decretado o divórcio entre ambos, que o Autor seja declarado único culpado do mesmo, que seja declarado que a coabitação cessou decisiva e definitivamente em Julho de 2005 e que o Autor seja condenado a pagar-lhe uma indemnização em valor não inferior a € 50.000 por danos morais que lhe causou pela dissolução do casamento.
Alegou para o efeito, em síntese que a separação conjugal ocorreu em meados do ano de 2004, na sequência de uma discussão conjugal, resultante de ter descoberto que o Autor mantinha uma relação extra-conjugal com outra mulher.
Mais alegou a Ré que, a partir dessa altura, passou a pernoitar num divã que montou numa pequena sala da casa de família, recusando-se ao débito conjugal com o marido e a acompanhá-lo em eventos sociais ou em encontros com familiares ou amigos e que aquele deixou de contribuir para o seu sustento, tendo passado a pressioná-la para deixar de residir na casa de morada de família e chegando a ameaçá-la que se não saísse a bem, sairia a tiro de caçadeira. Ainda assim e porque o seu salário de € 1.700 mensais não lhe permitia comprar uma casa com condições semelhantes àquela em que sempre viveu, manteve-se a viver na casa de morada de família, pelo que o Autor, percebendo que as suas ameaças não surtiram os efeitos por si esperados, a partir do Verão de 2005 passou a assumir publicamente a sua relação extra-conjugal. Para além disso, tirou a chave da porta do seu quarto de dormir e da casa de banho que utilizava; passou a fechar à chave o quarto onde dormia e o escritório que, até à data, era uma divisão de utilização comum por todos os elementos do agregado familiar; mandou desmantelar a sala de jantar e colocou os respectivos móveis na sala de estar, tomando tais divisões da casa inutilizáveis; mandou fechar à chave os portões da Quinta onde fica a casa de morada de família e proibiu os filhos e a nora de lhe darem os comandos automáticos dos mesmos; no dia 9 de Setembro de 2006 levou a sua amante e o filho dela a jantar nessa casa; no dia seguinte retirou a porta do quarto onde dormia e desmanchou a sua cama a pontapé, sendo seu objectivo com todas estas condutas tomar a sua vida insuportável em casa, obrigando-a a abandoná-la.
Alegou ainda que no dia 2 de Novembro de 2006, perante os filhos do casal, o Autor disse que mataria a Ré, caso esta não aceitasse as suas condições para viabilizar o divórcio por mútuo consentimento.
Entende a Ré que os factos sumariamente descritos constituem violações culposas e graves dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação e cooperação e que, pela sua gravidade e reiteração, comprometem de forma decisiva e definitiva qualquer possibilidade de reatamento da vida conjugal,
Alegou, finalmente, que a ruptura da vida conjugal causou em si gravíssimos danos morais, uma vez que depositou no casamento todas as suas esperanças de realização pessoal e familiar.
O Autor contestou o pedido reconvencional, admitindo que mantém uma relação afectiva com outra mulher desde meados de 2004 mas impugnando a restante factualidade alegada pela Ré e alegando que a dissolução do casamento assenta em culpas iguais, concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, em que se decidiu:
Por todo o exposto, julgo improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção e decido:
a) não decretar o divórcio entre “A” e “B”, com os fundamentos por aquele
invocados;
b) decretar o divórcio entre o Autor, “A”, e a Ré, “B”, com fundamento na violação culposa, por parte do primeiro, dos deveres de fidelidade e respeito e, em consequência declarar dissolvido o casamento que entre si celebraram a 9 de Agosto de 1973 e que foi objecto do assento n° 892, da Conservatória do Registo Civil de …;
c) declarar o Autor único culpado na dissolução do casamento;
d) condenar o Autor a pagar à Ré uma indemnização no montante de € 30.000 (trinta mil euros).
Inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
A) "Do divórcio decretado nos autos em referência, foi o Autor declarado o único e exclusivo culpado.
B) A separação do casal ocorreu em meados de 2004, na sequência de uma discussão motivada pelo facto da ora Apelante ter descoberto que o Autor mantinha uma relação extra-conjugal com “C”,
C) A separação conjugal ocorreu ao fim de mais de trinta anos de casamento,
D) Em que a ora Apelante depositou todas as suas esperanças de realização pessoal e familiar.
E) A ruptura conjugal ocorreu num quadro de grande sofrimento para a ora Apelante,
F) Retratado, aliás, na matéria de facto recolhida nos autos,
G) Em que se reveste de especial gravidade o facto dado como provado de, no dia 2 de Novembro de 2006, o Autor ter sugerido aos filhos … e … que, se a ora Apelante não saísse da casa que foi a de morada de família, a mataria, o que fez com que os filhos temessem pela segurança de sua mãe.
A ora Apelante, que casou no regime de separação de bens, 1) Ao longo dos seus trinta anos de casamento, utilizou todos os seus recursos económicos para o sustento e bem-estar da família,
J) Não tendo tido qualquer preocupação em economizar mmeios para uso exclusivo pessoal.
K) Para além disso, a ora Apelante sempre investiu muito em termos afectivos e pessoais na família.
L) Atento o atrás exposto, será óbvio que a indemnização de € 30.000,00 (trinta mil Euros), arbitrada à ora Apelante pela sentença recorrida para a indemnizar dos danos não patrimoniais para si decorrentes da dissolução do casamento, é manifestamente insuficiente,
M) Razão pela qual, e ao ter fixado tal indemnização, a senhora Juiz recorrida, tendo valorado incorrectamente os factos que ela própria deu como provados, acabou por interpretar e aplicar erradamente o disposto no nº. 1 do artº, 1792 do C. Civil,
Termos em que, deverá a sentença recorrida ser revogada nessa parte, por Acórdão a proferir por esse Venerando Tribunal, que deverá fixar tal indemnização na quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros) .. "
Também inconformado veio o A. interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1 - o cônjuge que em sede de Contestação/Reconvenção pugna pela dissolução do casamento por considerar que atentos os factos praticados pelo outro cônjuge levam de forma irremediável à rotura da vida em comum, não pode simultaneamente demandá-lo nos termos do art° 1792º nº 1 do Cód. Civil, para o ressarcimento dos danos emergentes da dissolução do casamento, que apenas foi decretado por ser procedente o pedido reconvencional por este deduzido.
2 - A norma constante do n.º 1 do Art.° 1792° prevê a indemnização pelos danos que decorrem da dissolução do casamento e não dos factos que deram origem ao mesmo e que determinaram a decisão de divórcio.
3 - Constando na matéria de facto dado por provada que:
" A ré depositou no casamento com o Autor todas as esperanças de realização pessoal e familiar", para em sede de fundamentação equacionar:
" Ora, tendo-se provado que a ré depositou no seu casamento (de mais de trinta anos) todas as esperanças de realização, pessoal e familiar e, por via dos inúmeros factos já referidos, considerando-se que o autor é o único culpado do divórcio, há que compensar a Ré com a indemnização prevista no Art.° 1792°, afigurando-se-me adequado e justo fixar o seu montante em € 30.000,00 (trinta mil euros).
"Isto é fixar indemnização não pelos danos que resulta do exercício do direito de peticionar o divórcio contra a vontade do outro cônjuge mas pelos danos causados pelos factos que fundamentaram o pedido e o decretamento do divórcio.
4 - Ou seja, a Mt.ª Juiz "a quo", até pela ausência de factos, não visou a fixação pelos danos causados pelo estado civil da Ré mulher divorciada mas, pelos factos que constituíram a fonte de violação dos deveres conjugais, como causa de divórcio.
5 - A Ré tinha o ónus de carrear a factualidade para demonstrar o mérito do pedido indemnizatório, ou seja, do elenco dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, o que não fez e são inexistentes tais factos na douta sentença recorrida.
6 - A norma constante no artº. 1792º do Cód. Civil, impõe que os danos morais cujo ressarcimento, o cônjuge culpado fica obrigado, seja de específico ou de particular prejuízo.
7 - De acordo com o disposto no Art." 496º n.º 3 e 4940 o recurso à equidade para a fixação do montante da indemnização tem de se fundar em factos demonstrativos de:
- Grau de culpabilidade do Autor;
- A situação económica deste;
- A situação económica da Ré;
- Demais circunstâncias do caso.
8 - Não tendo sido dada por provada a situação económica do Autor enquanto agente e não tendo sido carreado para o processo factos demonstrativos da situação económica da Ré, não estão reunidos os requisitos que permitam o recurso à equidade e à fixação da indemnização.
9 - Constitui-se em abuso de direito o cônjuge que peticionou o pedido de indemnização nos termos do Art.º 1792º n.º 1 do Cód. Civil quando, em reconvenção, pugna pelo divórcio.
A douta decisão violou as seguintes normas: 1792º n.º 1.496º n.º 3, 494º e 342º n.º 1 do Cód. Civil. Decidindo desta forma, revogando a douta decisão proferida no segmento que atribui e quantifica indemnização por danos não patrimoniais à Ré ... ".
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1) Autor e Ré casaram um com o outro no dia 9 de Agosto de 1973, tendo celebrado convenção antenupcial, outorgada em 21 de Julho do mesmo ano, em que convencionaram o regime de separação de bens.
2) Autor e Ré têm três filhos em comum, todos maiores de idade.
3) A separação do casal ocorreu em meados de 2004, na sequência de uma discussão motivada pelo facto de a Ré ter descoberto que o Autor mantinha uma relação extra-conjugal com “C”
4) Nessa altura o Autor almoçava em restaurantes acompanhado por “C” e era visita de casa daquela, onde por vezes passava a noite.
5) O Autor e “C” passeavam de mão dada.
6) No Verão de 2004 o Autor foi de férias à Madeira com “C”.
7) Ofendida na sua honra e dignidade com o comportamento do Autor atrás descrito, a Ré saiu do quarto conjugal, passando a pernoitar, a partir do Verão de 2004, num divã numa sala da casa de família.
8) Em Agosto de 2005 o Autor foi de férias com “C” para os Açores.
9) Em Junho de 2006 o Autor retirou móveis, tapetes, cortinados, quadros e loiça da casa de jantar, que transportou em vários caixotes para a sala de estar, a qual, por isso, ficou inutilizável.
10) O Autor mudou a fechadura de um dos dois portões de acesso com viaturas à "Quinta do …", onde se encontra a casa de morada de família, e instalou um sistema de comando no outro, proibindo os filhos e a nora de darem à Ré o comando.
11) Em Setembro de 2006 “C” e o filho desta estiveram na casa de morada de família do casal para jantar.
12) Nesse mesmo mês, o Autor tirou a porta da sala onde dormia a Ré, que a recolocou passado cerca de um mês.
13) Numa noite de Outubro de 2006, o Autor voltou a retirar a porta atrás referida e pontapeou a cama onde a Ré dormia, partindo-a.
14) No dia 2 de Novembro de 2006 o Autor sugeriu aos filhos … e … que se a Ré não saísse de casa, a mataria, o que fez com que os mesmos temessem pela sua segurança.
15) A Ré depositou no casamento com o Autor todas as esperanças de realização pessoal e familiar.
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III. Nos termos do disposto nos art.°s 684º, n.o 3, e 690º, n.o 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.° 660º do mesmo Código.
Pese embora A e Ré tenham interposto recurso, o objecto de ambos os recursos resume-se a saber:
a) Se é devida à Ré indemnização para reparação dos danos não patrimoniais que lhe foram causados pela dissolução do casamento;
b) No caso afirmativo, em que montante deve ser fixada essa indemnização.
Comecemos por analisar a primeira questão.
Nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 1792°, nº 1 e 496º, nº 1, ambos do Cód. Civil, o cônjuge declarado único ou principal culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento, que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
O direito de um dos cônjuges a pedir uma indemnização com base no disposto no art.° 1792º do Cód. Civ., tem assim como pressupostos, no que ao caso interessa, que a dissolução do casamento se tenha dado por culpa única ou principal do outro cônjuge e que tal dissolução tenha provocado ao demandante da indemnização danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Quanto à culpa na dissolução do casamento, reporta-se necessariamente a Lei, como é óbvio, à culpa na ruptura da relação conjugal que deu origem à dissolução formal do casamento.
E nada obsta a tal pedido, que a dissolução tenha sido peticionada pelo cônjuge que reclama a indemnização por danos não patrimoniais ao abrigo do disposto no art.° 1792º do Cód. Civ ..
Quanto aos danos não patrimoniais reparáveis ao abrigo deste dispositivo, são apenas os causados pela dissolução do casamento e não os advenientes da violação dos deveres conjugais que motivaram a ruptura conjugal (vide neste sentido Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 2003, Vol I, págs. 753 e 754), que tenham a relevância bastante para serem tutelados pelo direito.
No caso em apreço, está assente que a ruptura da vida conjugal se deveu única e exclusivamente ao comportamento do A..
Resta saber se estão provados factos que permitam concluir que da dissolução do casamento resultaram para a Ré danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
Como acima se referiu, não se trata de reparar os danos não patrimoniais provocados pelos factos qualificáveis como violação dos deveres de fidelidade ou de respeito, que motivaram a dissolução do casamento - em relação aos quais pode ser peticionada a competente indemnização -, mas os prejuízos resultantes do desgosto, do sofrimento, da desilusão, da desconsideração social ou familiar, etc., que tal dissolução provocou no cônjuge demandante da indemnização.
Com interesse para a decisão desta questão, está assente que "Autor e Ré
casaram um com o outro no dia 9 de Agosto de 1973", que "Autor e Ré têm três filhos em comum, todos maiores de idade" e que "A Ré depositou no casamento com o Autor todas as esperanças de realização pessoal e familiar".
Perante este quadro o que dizer?
Para avaliação dos danos não patrimoniais advindos da dissolução do casamento, o período da sua duração pode ser um elemento de ponderação.
E o facto de haver filhos do casamento pode sopesar nessa avaliação. Quanto ao facto da Ré ter depositado "no casamento com o Autor todas as esperanças de realização pessoal e familiar", o que é um pouco vago, apesar de permitir concluir que a Ré teve um forte empenho no seu casamento, é um factor comum àqueles, e são muitos, que vêm no casamento uma forma de realização pessoal e familiar.
Aliás, essa é a essência do casamento!
Para além disso nada sabemos quanto à relação deste casal antes dos factos que deram origem à ruptura conjugal.
Estamos perante um casal que viveu numa verdadeira comunhão de vida o seu casamento, até então?
O investimento que a Ré fez no seu casamento foi correspondido pelo seu cônjuge?
E a esperança da Ré na sua realização pessoal e familiar, através do casamento com o A, perdurou até à ruptura conjugal?
Nada sabemos, para além do que acima reproduzimos, para poder aquilatar da vivência do casal antes da ruptura conjugal e assim tentar perceber quais as consequências para a Ré da dissolução do casamento.
Não temos assim quaisquer factos dos quais se possa retirar que a dissolução do casamento tenha provocado à Ré dor, consternação, sofrimento, desconsideração social ou familiar, vexame, ou mesmo impossibilidade de manter viva a esperança de realização pessoal e familiar, que tenham particular gravidade para serem tuteladas pelo direito.
Por certo, a dissolução do casamento ter-lhe-á trazido aborrecimentos e incómodos, mas estes não são tutelados pelo direito!
Tudo isto ponderado, somos levados a concluir que dos factos dados como provados, não se pode retirar que existam prejuízos para a Ré, resultantes da dissolução do casamento, que mereçam a especial tutela do direito.
Face ao exposto, é de absolver o A. do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais provocados pela dissolução do casamento, revogando-se assim, nessa parte, a sentença sob recurso.
Consequentemente, improcede o recurso da Ré e procede o recurso do A ..
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IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se:
a) Pela improcedência do recurso interposto pela Ré;
b) Pela procedência do recurso interposto pelo A., absolvendo-se o mesmo do pedido de indemnização formulado pela Ré ao abrigo do disposto no art. 1792º do Cod. Civ., revogando-se assim, nessa parte, a sentença sob recurso.
Custas dos dois recursos pela Ré
Registe e notifique.
Évora, 21 de Outubro de 2009