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ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
VALOR DA CAUSA
Sumário
I – Uma acção que tenha por objecto a impugnação de acto eleitoral de órgãos sociais e a realização de um novo acto eleitoral para os seus órgãos sociais não tem para a Sociedade qualquer “equivalência económica”, preço ou valor estipulado, nem para ela representa qualquer “interesse patrimonial”. II – Esta acção, ainda que respeitante a uma deliberação social, não tem, pelo seu alcance, um valor pecuniário, situando, sim, no âmbito dos interesses imateriais. Como tal o seu valor deverá coincidir com o da alçada da relação, acrescida de um cêntimo.
Texto Integral
Agravo nº 112/06.7 TBMRA-G.E1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:
Relatório
No âmbito da acção sumária, pendente do Tribunal Judicial da Comarca de Moura, sob o nº 112/06.7TBMRA, em que são Autores José ............, residente ...................., José Joaquim..............., morador.............., e outros, e Ré “Caixa..............., CRL”, com sede na ..................., onde se solicita ao Tribunal que, nomeadamente, seja declarada a nulidade “(…) ou, se for entendido que ao caso cabe a anulabilidade, seja anulada a deliberação social tomada na Assembleia Geral de 31 de Março de 2006 por diligência e imposição do Presidente da Mesa da Assembleia Geral de Caixa .............., pela qual se declarou vencedora das eleições marcadas e realizadas nesse dia para os órgãos sociais a lista B, em detrimento da lista A, com base em votos por correspondência recolhidos nos quinze dias anteriores, os quais devem ser declarados nulos, ou anulados (…)”, veio a demandada impugnar o valor da causa indicado pelos demandantes - € 12.500,00 -, requerendo que o mesmo seja fixado em € 100.000,00, para tanto articulando factos que, em seu critério, conduzem ao deferimento do requerido, que, no entanto, foi rejeitado, sem prejuízo de o valor inicialmente proposto ser corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários “(…) nos termos do artigo 308º, nº 3 do C.P.C.”.
Inconformado com esta decisão, interpôs a Ré o presente agravo, culminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:
- Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador de fls. 217 e seguintes, na parte em que indeferiu o incidente de valor da causa suscitado pela ora recorrente Caixa .............., por entender que, por ora, “não existem elementos seguros que permitam avaliar em concreto o dano concreto” resultante da deliberação que, com a presente acção, os recorridos pretendem ver anulada, “sem prejuízo do valor inicialmente proposto seja corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários, nos termos do artigo 308º., nº 3 do C.P.C.”;
- Decidiu, assim, o Tribunal a quo, nos termos do artigo 308º., nº 3 do Código de Processo Civil, relegar para momento posterior a fixação do valor da causa, indeferindo o incidente de valor da causa suscitado pela recorrente Caixa...................., nos termos do artigo 315º., nº 3 do Código de Processo Civil;
- Tal despacho foi proferido numa acção de anulação de deliberação social, estando em causa, em suma, a validade da deliberação tomada em Assembleia Geral, do dia 31 de Março de 2006, pela qual se declarou vencedora para os órgãos sociais da recorrente Caixa ........................., a Lista B, em detrimento da lista A;
- Nos termos do artigo 305º., nº 1 do Código de Processo Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade imediata do pedido;
- Valor esse a que se atenderá para determinar a competência do Tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do Tribunal (nº 2 do citado artigo 305º. do Código de Processo Civil);
- Resulta do nº 1 do citado artigo 305º. do Código de Processo Civil que a utilidade económica do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. E a utilidade económica a ter em conta é a que resulta do pedido combinado com a causa de pedir;
- Como critério geral para a fixação do valor da causa, estabelece o artigo 306º., nº1 do Código de Processo Civil que, se pela acção se pretende obter uma quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício;
- O artigo 660º., nº 2 do Código de Processo Civil impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, sendo entendimento jurisprudencial dominante que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias a admitir;
- E o artigo 514º., nº 2 do Código de Processo Civil que dispõe que estão dispensados de alegação e prova, os factos de que o juiz toma conhecimento em virtude do exercício das suas funções;
- Os ora recorridos José .............. e outros, na sua petição inicial, pedem que seja declarada a nulidade, ou se for entendido que ao caso cabe a anulabilidade, seja anulada a deliberação social tomada na Assembleia Geral de 31 de Março de 2006 por diligência e imposição do Presidente da Assembleia Geral da Caixa .................., pela qual se declarou vencedora das eleições marcadas e realizadas nesse dia para os órgãos sociais a Lista B, em detrimento da Lista A (…) e consequentemente sejam por isso ainda declarados nulos, ou anulados, todos os actos posteriores praticados, ou a praticar, em resultado daquela deliberação ou com base nela, nomeadamente o pagamento de vencimentos, abonos despesas e quaisquer outra regalias aos elementos da lista B;
- A utilidade económica do pedido formulado (artigo 305º., nº1 do Código de Processo Civil) traduzir-se-á, pois, sem margem para dúvidas, nos montantes correspondentes a esses vencimentos, abonos, despesas e outras regalias dos elementos da Lista B;
- Os recorridos José ............. e outros, no requerimento inicial da providência cautelar, apenso aos presentes autos de processo sumário, invocaram que caso a deliberação fosse executada, teriam um prejuízo de € 100.000,00 / ano;
- Razão pela qual a recorrente Caixa ................., veio, no seu articulado, impugnar o valor da causa, entendendo que este deverá ser fixado, pelo menos, em € 100.000,00 (cem mil euros), correspondente ao valor das remunerações / ano, sem prejuízo de ser adoptado um critério subsidiário e em consequência serem os presentes autos levados à distribuição por forma a seguir a tramitação de processo ordinário (artigo 9º. da contestação);
- Pois, o valor de € 12.500,00 atribuído pelos recorridos José......... e outros à acção de anulação de deliberações sociais, não obstante ser passível de quantificação, em valor substancialmente superior por virtude dos factos e aplicação dos critérios trazidos por esses mesmos recorridos José ................. e outros e, assim, também ao conhecimento do Tribunal a quo (artigo 514º., nº 1 do Código de Processo Civil) além de constituir violação das normas legais de fixação do valor da causa (artigos 305º., nº 1 e 308º., nº 1), veda aos recorridos uma instância de recurso (artigo 678º., nº 1 do Código de Processo Civil);
- Ademais, a própria complexidade da matéria dos presentes autos, a natureza dos interesse em jogo - discute-se, grosso modo, a estabilidade social de uma instituição bancária, que necessariamente se reflecte e põe em causa a segurança da sociedade face a este sector, designadamente quando, como nos autos, se põe em questão até a validade dos créditos concedidos pela direcção - exige que se equacione e pondere um terceiro grau de jurisdição;
- Assim, e salvo o devido respeito por melhor opinião, de modo algum se poderá aceitar, porque ilegal, a aplicabilidade à questão em apreço, da excepção consagrada nos artigos 308º., nº 3 e 315º., nº 3 do Código de Processo Civil, por não se enquadrar no seu espírito;
- Pelo que, tendo sido levantada a questão do valor da causa competia em primeiro lugar julgar o incidente. Não se podia, por conseguinte, fixar um valor que estava a ser objecto de controvérsia;
- O valor do processo era uma questão ainda em aberto, e do processo resultavam, indubitavelmente, elementos dos quais resultava que o valor atribuído à causa pelos recorridos José Jacinto Sargento Valente e outros era muito inferior à utilidade económica do pedido formulado;
- Assim e porque o juiz pode, até oficiosamente, fixar o valor (artigo 315º., nº 1 do Código de Processo Civil) e não está sujeito às alegações das partes no que toca à interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664º. do Código de Processo Civil), a decisão quanto ao valor a fixar à causa, impunha-se;
- E adiar a sua apreciação no despacho saneador, como fez o Tribunal a quo, adiando-se para um momento posterior, sob o argumento de que se aguarda que o processo forneça os elementos necessários que já tem, equivale, pois, à negação de julgar a questão em causa, e a negar clamorosamente à recorrente Caixa ..................., ao arrepio das normas citadas, uma instância de recurso;
- Há pois que conhecer do incidente do valor, nos termos das disposições indicadas, designadamente de harmonia com o disposto nos artigos 305º., nº 1, 308º.,nº 1 e 315º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Termos em que deverá o presente agravo ser provido, revogando-se a decisão recorrida e fixando-se à acção o valor de € 100.000,00.
Os agravados contra - alegaram, votando pela manutenção do valor proposto - € 12.500,00.
O Tribunal a quo sustentou, tacitamente, a decisão recorrida.
Face às conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso [1] , o objecto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: determinar o valor da presente acção.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Fundamentação
A factualidade relevante para a apreciação e decisão do recurso é a seguinte:
A - Despacho recorrido
“(…)
Quanto ao fundo da questão, defende o Tribunal que neste tipo de acções e de acordo com a doutrina e jurisprudência maioritária, para determinação do valor da acção de anulação de deliberações sociais tem de atender-se ao que a deliberação, em si, representa para a vida e funcionamento da sociedade. Estando aqui essencialmente em causa a suspensão da deliberação tomada em Assembleia Geral da Ré, do dia 31 de Março de 2006, que considerou a Lista B vencedora das eleições para os órgãos sociais, é naturalmente complicado ao Tribunal definir, com segurança, qual o dano concreto que essa deliberação pode ter nos Autores e essencialmente na Ré.
Com efeito, não se pode assumir neste caso qual o dano concreto resultante dessa deliberação, não sendo, de todo, suficiente, fixar desde logo o valor do prejuízo que os Autores tiveram com a deliberação. Assim e assumindo, desde logo, que não se trata de fazer valer interesses imateriais, como determina o artigo 312º., nº 1 do C.P.C., não é possível ao Tribunal fixar como valor o prejuízo que os Autores, ora requerentes mencionam nos artigos 59º. a 62º. e 85º do requerimento inicial da providência cautelar, nem invocar a possibilidade de um dano inquantificável decorrente de operações de crédito aprovadas no decurso da pendência da acção ou do mandato putativo.
Quanto à questão da verdadeira razão que os Autores tiveram mente ao fixar tal valor, não dispõe o Tribunal de elementos que permitam esclarecer tal matéria.
Em caso de dúvida deve o Tribunal seguir o critério da utilidade económica do pedido, isto é, no sentido que o valor processual da causa consubstancie a sua utilidade económica, configurada na petição inicial, devendo o Tribunal, ao fixar o valor, considerar a situação existente ao tempo da propositura da acção, nos termos do artigo 308º. do C.P.C..
Não existindo, por ora, elementos seguros que permitam avaliar em concreto o dano, não sendo aplicáveis in casu os critérios indicados pela Ré, por ora, mantém-se o valor processual indicado pelos Autores, sem prejuízo do valor inicialmente proposto seja corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários, nos termos do artigo 308º., nº 3 do C.P.C., indeferindo, em consequência, o incidente de valor da causa, nos termos do artigo 315º., nº 3 do mesmo diploma.”
Considerando a questão submetida a apreciação e decisão, importa chamar à colação os seguintes princípios:
“A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal. A este valor se atenderá para se determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e se a causa excede a alçada do tribunal” [2] .
“O valor da causa há-de representar a utilidade económica imediata que pela acção se pretende obter”. Para o efeito “vê-se qual é o fim ou o objectivo da acção e depois procura-se a equivalência económica desse objectivo [3] .
Assim, se na acção se pede quantia certa em dinheiro, a importância pedida marca o valor da acção. “Se pela acção se pretende obter benefício diverso do pagamento de quantia certa, o valor da acção será a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício” [4] .
Porém, “estando em causa a existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um negócio jurídico, atende-se (…) ao valor sucessivamente resultante do preço, estipulado pelas partes ou decorrente das regras gerais” [5] .
Tratando-se de deliberação social, “tudo depende do conteúdo e alcance da deliberação cuja anulação se pretende. Há-de atender-se, pois, ao que a deliberação, em si, representa para a vida e funcionamento da sociedade” [6] .
“Acções sobre interesses imateriais correspondem às acções cujo objecto não tem valor pecuniário (…). Visam à declaração ou efectivação de um direito extra-patrimonial” [7] .
“O juiz é livre na busca e na escolha da norma jurídica que considere adequada. O autor ou o réu invoca determinada disposição legal; se o juiz entender que tal disposição legal não existe ou que, apesar de existir, não é a que se ajusta ao caso concreto em litígio, põe de completamente de parte a indicação feita pela parte e via buscara a regra de direito que, em seu modo de ver, regula a espécie de que se trata. E tanto importa, é claro, que a norma seja invocada somente por um dos litigantes, como que ambos estejam de acordo em a considerar aplicável” [8] .
Relembrados os princípios conexionados com a questão subjudice, é altura de apreciar e decidir:
Considerando o pedido e a “relação jurídica com base na qual se pede” [9] , a presente acção tem como fim ou objectivo imediato a apreciação da legalidade da deliberação do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré “Caixa................”, que, na Assembleia Geral de 31 de Março de 2006, proclamou a lista B vencedora das eleições para os seus órgãos sociais, face às circunstância de os respectivos estatutos não acolherem o voto por correspondência, que, nas mesmas, foi admitido, não estando, pois, em causa a proclamação da lista perdedora - a A -, como vencedora das eleições em causa, uma vez não contabilizados os votos por correspondência.
Deste modo e em caso de procedência da acção, a consequência será, pura e simplesmente, a realização de novo acto eleitoral.
Ora, na vida da Ré “Caixa .....................”, a realização de um novo acto eleitoral para os seus órgãos sociais não tem qualquer “equivalência económica”, preço ou valor estipulado, nem para ela representa qualquer “interesse patrimonial” [10] .
O mesmo acontece, relativamente aos dos demandantes José ............. e outros - elementos integrantes da lista A -, que, com a presente acção, têm como objectivo imediato a observância dos Estatutos da mencionada demandada, benefício “ insusceptível de se expressar em quantia monetária” [11] .
Assim sendo, a presente acção, ainda que respeitante a uma deliberação social, não tem, pelo seu alcance, um valor pecuniário, situando, sim, no âmbito dos interesses imateriais.
Como tal o seu valor deverá coincidir com o da alçada da relação, acrescida de um cêntimo.
De referir, finalmente, tal como alude o Tribunal recorrido, que o facto de, no procedimento cautelar, a requerida “Caixa...............”, não ter contestado o seu valor, não a impede de o fazer na acção principal, uma vez que estão em causa duas acções distintas - com, por sinal, causas de pedir diferentes - apesar de interligadas.
Procede, pois, o agravo, ainda que por outro fundamento.
Decisão
Pelo exposto, acordam nesta Relação revogar ao despacho recorrido, fixando-se, em consequência, o valor da acção em € 14.963,95 (valor da alçada da Relação, acrescido de um cêntimo, aquando da propositura da acção).
Custas pelos recorridos.
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Évora, 21 de Outubro de 2009
Sílvio José Teixeira de Sousa
Maria da Conceição Ferreira
Rui Machado e Moura
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[1] Artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684, nº3 e 690º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. [2] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 577 e artigo 305º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. [3] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 591. [4] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 591 e artigo 306º, nº1 do Código de Processo Civil. [5] José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ªedição, pág. 596 e artigo 310º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. [6] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 622. [7] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 625, artigo 312º do Código de Processo Civil e Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, págs. 43 a 46. [8] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 93 e artigo 664º do Código de Processo Civil. [9] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 593. [10] Artigo 7º, c) do Código das Custas Judicias, vigente a quando da propositura da acção. [11] Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, pág. 45.