Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PACTO DE PERMANÊNCIA
NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR
Sumário
1. Na vigência do Código do Trabalho de 2003, a validade jurídico de um pacto de permanência depende da verificação dos requisitos exigidos pelo respectivo art.º 147º, nº 1: realização de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador.
2. A natureza extraordinária, ou não, dessas despesas, prende-se com a sua essencialidade para o trabalhador poder continuar a exercer as funções para que foi contratado, devendo nesse caso as mesmas inserir-se no âmbito do dever genérico que ao empregador é cometido pelo art.º 120º, al. d), do referido código.
3. Deve ser considerada nula a cláusula contratual que, para além do mais, reportou a compensação devida pelo trabalhador a um valor pré-determinado, diverso do montante das despesas comprovadamente efectuadas com a formação profissional do mesmo.
Texto Integral
ACÓRDÃO
Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal do Trabalho de Santarém, e em acção com processo comum, instaurada a 8/4/2008, W. – SA, S.A., identificada nos autos, demandou L., piloto de linha área, residente no Cartaxo, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 40.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, e a restitui-lhe também mais € 675,00, que lhe foram entregues como fundo de maneio, e bem assim o material e equipamento de utilização profissional, requerendo ainda a compensação entre aqueles valores e o débito de € 3.024,98, que assume manter com o R., a título de créditos emergentes do contrato e da sua cessação. Para o efeito, alegou em resumo ter mantido com o R. uma relação de trabalho em cujo âmbito celebrou com ele um acordo mediante o qual suportaria as despesas de formação do mesmo para o habilitar a pilotar aviões Airbus A300-600 e A-310, tendo como contrapartida a obrigação de permanência do mesmo ao serviço da empresa por um mínimo de três anos após o voo de largada, e taxando-se o incumprimento com o pagamento da quantia de € 40,000; o R. veio porém a denunciar o contrato com efeitos a partir de 13/5/2007, não cumprindo aquele período mínimo, não entregando também algum material e equipamento que lhe havia sido cedido para o exercício das suas funções, nem a quantia a ele entregue como fundo de maneio.
Efectuada a audiência de partes prevista no art.º 54º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), o R. veio contestar de seguida, excepcionando desde logo a ilegitimidade da A., por alegadamente não estar demonstrada a liquidação à S., S.A., empresa que ministrou a formação profissional do contestante, do custo do contrato que sustenta o pedido da demandante; afirmou ainda o contestante ter sido coagido a assinar o contrato de permanência, após o início da formação, e tendo sido a A. quem fixou o montante da cláusula penal envolvida, sendo por isso esse mesmo contrato anulável, nos termos do art.º 282º do Cód. Civil; para além disso, o contrato a termo que vigorava entre as partes tinha uma duração inferior àquele período de permanência obrigatória do trabalhador, obrigando-o por isso a não denunciar um contrato precário.
À contestação respondeu a A., reafirmando a posição que assumira na p.i..
Foi proferido despacho saneador, que considerou improcedente a excepção deduzida, dispensando a selecção da matéria de facto.
Procedeu-se a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, sendo finalmente proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R.:
- a pagar à A., após compensação de créditos, a quantia de € 10.495,14, a título de incumprimento da obrigação de permanência e restituição do fundo de maneio, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal supletiva, vencidos desde 14/5/2007, no valor de € 741,85, e vincendos até integral pagamento;
- a entregar à A. a farda, as malas, os auscultadores, os manuais e cartões.
Inconformado com o assim decidido, dessa sentença veio apelar o A. Na respectiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
- não se pode admitir que o Tribunal fixe o montante da cláusula 6ª do Acordo de Formação alheando-se se foram ou não deduzidos os encargos fiscais, e se o valor pago em sede de IVA foi ou não devolvido à recorrida, não devendo o recorrente suportar o custo de uma quantia que não é da sua esfera jurídica;
- é perante o resultado positivo ou negativo da prova que o Tribunal deve retirar as suas ilações;
- devendo ser declarada nula a cláusula sexta do Acordo de formação, porque contrário à boa fé, que norteia os negócios jurídicos;
- atentos os factos assentes e a prova documental junta aos autos, a recorrida sempre soube que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada não correspondiam ao montante fixado na cláusula sexta, no entanto preferiu alhear-se de tal facto, onerando o recorrente com um pacto de permanência desfasado da situação real;
- a prova produzida e vazada na douta sentença impunha ainda que o Tribunal declarasse a nulidade da cláusula penal, obtendo-se a destruição do acto inquinado, atenta a conduta da recorrida, a falta de seriedade na declaração, a reserva mental, a sua motivação ilícita, indevidamente fixa um montante indemnizatório que em nada corresponde à despesa realizada (fazendo tornar o recorrente à frota L-1011, caso não obtivesse aproveitamento no curso de A310, quando tinha optado por deixar de operar tal aeronave);
- o art.º 147º, nº 1, do Cód. do Trabalho, contrariando as garantias e os direitos dos trabalhadores, mais não é que um aval do Estado concedido às entidades empregadoras, para, através de uma alegada cláusula penal, limitarem a liberdade dos trabalhadores e abusiva e unilateralmente alterarem os contratos de trabalho;
- nos autos o trabalhador manteve, até à data da rescisão do contrato, um vínculo precário com a entidade patronal, sujeitando-se à discricionariedade, caso esta pretenda resolver o mesmo vínculo; - alheio às garantias do trabalhador, o Tribunal admite que a relação laboral seja regulada por um pacto de permanência de onde só o recorrente, que fica obrigado ao pagamento de uma indemnização caso viole o pacto de permanência, admitindo que a recorrida impeça o trabalhador de exercer o seu direito, rescindir livremente o contrato de trabalho, e aceitando que aquela, sem respeitar o dever de informação ao trabalhador, altere o termo do contrato, arts.º 101º, nº 1, e 98º, nº 1, al. e), do Cód. do Trabalho, agravado pelo facto de, com manifesta violação dos ditames da boa fé, obrigar o trabalhador a uma indemnização francamente excessiva, quarenta mil euros, em nada correspondentes ao valor efectivamente despendido pela recorrida na formação ministrada ao recorrente, arts.º 97º e 93º do Cód. do Trabalho;
- quando, ab initio, deveria o Tribunal declarar a nulidade da cláusula, não podendo considerar o advérbio de modo, comprovadamente, ínsito no texto da lei, um mero e dispensável formalismo, pugnando por uma interpretação abrogante, pondo em causa a segurança e boa fé negocial, nomeadamente o sujeito passivo, que assim se vê submetido à álea da recorrida, que conscientemente fixa um valor a título de cláusula penal em nada correspondente com a situação real;
- pois, dos factos assentes e da prova documental junta aos autos ressalta que em momento anterior à outorga do acordo de formação, a recorrida sabia que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada não correspondiam ao montante fixado na cláusula sexta, no entanto preferiu alhear-se de tal facto, com manifesta violação dos ditames da boa fé que devem prevalecer nos negócios jurídicos, obrigou o recorrido a um montante que em nada correspondia à realidade, abstendo-se de comprovar a quantia despendida;
- é sobre a recorrida que recai o ónus de demonstrar quanto despendeu na formação do recorrente, não basta a remissão para o contrato de prestação de serviços celebrado entre esta e a ‘SATA Internacional, S.A.’, e onde, atentas as combinações dos cursos ministrados é impossível determinar em que categoria se insere o curso do recorrido, dois comandantes e um co-piloto, dado não ter sido apurado o custo de formação de cada uma das categorias profissionais em questão;
- acresce que a formação ministrada mais não é do que o cumprimento da obrigação patronal de contribuição para a elevação do nível profissional do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional , art.º 120º, al. d), do Cód. do Trabalho. Mais, a recorrida é uma empresa de transporte aéreo, o que pressupõe, para a realização do seu objecto social, que a mesma deva possuir aeronaves e pilotos qualificados nas mesmas, não podendo considerar-se extraordinária a despesa que resulta do exercício corrente da actividade da empresa, e que a própria administração, como aliás reconheceu em juízo, determinou em meados de Novembro de 2004 que iria ser realizada e afecta à continuidade e manutenção da empresa e respectivos postos de trabalho;
- dependendo a licitude da cláusula penal da demonstração que a despesa afecta à formação não corresponde ao dever genérico do art.º 120º, al. d), do Cód. do Trabalho, ora perante a prova produzida conclui-se que nas companhias aéreas, à excepção da primeira qualificação ministrada aos pilotos, em que os mesmos se vinculam a pactos de permanência, tal situação não se verifica com nenhuma das qualificações posteriores ministradas aos tripulantes técnicos, não podemos olvidar que as companhias aéreas em decorrência do seu objecto social tendem sempre a possuir equipamentos mais fiáveis e adequados ao tipo de operação que realizam, encargos estes que nunca podem ser imputados ao trabalhador que, por inerência profissional deverá beneficiar sempre da respectiva formação;
- a cláusula em apreço visa conferir ao trabalhador uma salvaguarda contra condutas abusivas, como a ora controvertida, impondo à entidade patronal, para segurança da relação jurídica sob pena de nulidade da mesma, que esta demonstre, no momento da outorga do pacto de permanência, o quanto custa a formação individual do trabalhador;
- não sendo de admitir, em manifesta violação com o disposto no art.º 58º da Constituição, que o plano global de formação de todos os pilotos da recorrida, verificado no ano de 2005, limite a liberdade de trabalho da recorrente, não sendo neste contexto tal opção uma despesa extraordinária, considerando-se esta todo o encargo assumido pela entidade empregadora, a seu custo, com vista ao enriquecimento profissional do trabalhador.
Terminou o recorrente pedindo a revogação da sentença recorrida, e a sua absolvição.
*
Notificada da interposição do recurso, a A. veio por sua vez interpor recurso subordinado, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: - na vigência de um contrato de trabalho, seja qual for a natureza do vínculo, ou mesmo antes de este estar concluído, é lícito à entidade patronal/empresa estabelecer com um trabalhador (ou ainda simples candidato/formando), um pacto de permanência de três anos como compensação ao empregador por despesas avultadas com um curso de formação profissional extraordinária (ou não, desde que de custo elevado), convencionando, liquidando e tarifando desde logo, para não mais ser discutido, o montante a pagar pelo trabalhador (candidato/formando) pelas despesas feitas pela entidade que suportou os custos de formação por ele recebida, caso denuncie o contrato individual de trabalho em qualquer momento do prazo de permanência acordado;
- na procedência da conclusão anterior, o acordo de formação dos autos estabelecido entre demandante e demandado não enferma de qualquer vício que o torne nulo, sendo absolutamente lícito, nomeadamente quanto ao montante de € 40.000 nele fixado, por estar na disponibilidade das partes, não estando nenhuma delas afectada no momento da sua assinatura de qualquer vício ou incapacidade que lhe afectasse a vontade e determinação, não tendo também a demandante incorrido em dolo, coacção ou usura, sendo que, por outro lado, aquele acordo não impõe qualquer limitação à liberdade de trabalho nos termos constitucionalmente protegidos;
- concorre para esta conclusão o facto de a formação profissional dos pilotos ter um custo elevado, facto conhecido em geral e particularmente pelos destinatários, incluindo o demandado no caso concreto;
- o Acordo de Formação Profissional celebrado entre demandante e demandado, nomeadamente no que tange à cl. 6ª, casa perfeitamente com o art.º 147º do Cód. do Trabalho ao tempo em vigor, compatibilidade que mais se evidencia, se dúvidas houvesse, com a expressão verbal interpretativa/aperfeiçoada daquela norma passada ao art.º 137º na versão entretanto revista do mesmo diploma, pelas razões acabadas de alegar;
- acresce que o valor compensatório estipulado pelas partes é absolutamente consentâneo com os valores reais demonstrados nos autos, dos quais resulta que o custo da formação ministrada ao A. (curso integrando dois comandantes e um piloto – o próprio demandado) foi de € 36.013,34;
- a relevância que o valor acabado de referir pode ter para a boa decisão da causa deve conduzir por aplicação do disposto nos arts.º 685º-B, nsº 1 e 2, e 712º, nº 1, al. a), do CPCivil, à sua fixação por aditamento à matéria assente, propondo-se a seguinte formulação:
‘O preço/custo da formação do R., beneficiário de um curso conjunto com dois comandantes, foi de € 36.013,34, incluindo IVA à taxa de 19%’;
- o valor referido na conclusão anterior é consentâneo com os valores encontrados para a categoria ‘Piloto’ nas outras hipóteses de agregação de formandos por curso, isto é, € 48.565,61 e € 34.515,50, consoante a formação se tenha realizado apenas com um comandante e um piloto ou conjuntamente com um titular daquela função e dois pilotos;
- é do conhecimento dos pilotos em geral, e no caso era-o do demandado em particular, que o investimento/custo nele feito pela demandante ao ministrar-lhe, como lhe ministrou, um curso de qualificação nos aviões Airbus A 310-300 e A 310-600, que ele antes não detinha, para ser minimamente rentabilizado impõe a observância rigorosa do pacto de permanência, além do mais também para minimizar os custos de recrutamento de um substituto;
- a não ser acolhido o valor estipulado pelas partes no acordo de formação, e não se vê razão para tal, muito menos face à evolução da letra do preceito que regula os pactos de permanência – claramente consentâneo com os tempos convencionados pelas partes e aqui reclamado pela demandante – então o demandado deve ser condenado a compensar a demandante pelos valores que é fora de dúvida lhe custou a formação ministrada, no mínimo o valor dos custos efectivamente demonstrados, isto é, € 30.684,02;
- em qualquer caso, o valor arbitrado na douta sentença recorrida, ainda que através de princípios de boa fé e equidade, é manifestamente exíguo, posto que se situa muito abaixo do montante dos custos/prejuízos suportados pela demandante;
- ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida terá feito errada aplicação do art.º 147º do CT, errada interpretação da cl. 7ª do acordo SATA/W. (YES), e da cl. 6ª do Acordo de Formação Profissional demandante/demandado, não tendo aplicado os princípios consignados nos arts.º 9º, 227º e 762º do CCivil, tendo feito errada aplicação do art.º 280º, nº 1, deste diploma e, outrossim, não tendo aplicado, no que se refere ao demandado, o disposto no art.º 119º, nº 1, do CTrabalho.
Terminou a recorrente pedindo a revogação da sentença recorrida, e a condenação do R. nos termos formulados na p.i., ou, quando assim se não entenda, no valor de € 30.684,02 (custo da formação sem IVA).
*
Notificado o A. do recurso subordinado interposto, o mesmo não contra-alegou, tal como a R. o não fizera relativamente ao recurso principal.
Admitidos os recursos, e subidos os autos a esta Relação, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso interposto pela A..
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal recorrido:
Da petição inicial: a) O réu foi admitido ao serviço da autora, por contrato de trabalho a termo, com início em 16 de Abril de 2004, pelo qual se obrigou a executar as funções próprias de Oficial Piloto, cuja natureza supõe uma especial relação de confiança, sob as ordens, direcção e fiscalização da demandante; b) No exercício das funções de piloto, o réu teve acesso/conhecimento a informação sobre procedimentos técnicos, operacionais e de emergência, métodos, sistemas, rotas, critérios, planos e equipamentos de voo, adoptados pela demandante; c) Em 13 de Março de 2007, o réu denunciou o contrato de trabalho que o ligava à autora, com efeitos a partir de 13 de Maio de 2007; d) Apesar do interesse e vontade da autora em manter a relação laboral; e) Na vigência da relação laboral, em Janeiro de 2006, embora com data de 14 de Novembro de 2005, autora e réu assinaram um documento intitulado “Acordo de Formação Profissional” em cuja cláusula 6.ª se mostra escrito:
“1. Concluída com aproveitamento a acção de formação aqui acordada, incluindo voo assistido em linha (voo de largada) e observado o ordenamento da lista de classificação, o 2.º outorgante obriga-se a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante o período mínimo de três anos a contar da data do voo de largada, sem prejuízo de poder ser afectado pela W. ao referido equipamento por período inferior ajustado às necessidades da Empresa;
2. Em caso de recusa por parte do 2.º outorgante, ou impossibilidade a ele imputável da aceitação do exercício de funções no equipamento para que foi qualificado pela W., pelo período mínimo acima referido, o 2.º outorgante incorre no dever de indemnizá-la pelos encargos decorrentes do Curso ministrado, fixando-se desde já o montante total da indemnização em EUR 40.000”; f) A obrigação de permanência ao serviço da empresa formadora é, na actividade de transporte aéreo, uma obrigação comummente estabelecida, quer ao nível internacional, quer em Portugal, e encontra razão no elevado custo da formação profissional específica; g) A autora facultou ao réu, a suas expensas exclusivas, um curso, incluindo voo assistido em linha, que ele concluiu com aproveitamento, que o habilitou/qualificou para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto nos equipamentos/aviões AIRBUS - A310-300 e A300-600; h) Qualificação que o réu antes não detinha, e cuja obtenção enriqueceu o seu “curriculum vitae”; i) O referido curso pago pela A., ministrado por uma terceira empresa - SATA Internacional – Serviços e Transportes Aéreos, S.A. (actual entidade patronal do demandado) -, envolveu formação teórica e prática, incluindo sessões de simulador e de voo assistido em linha naquele equipamento; j) Esta formação, que inclui um voo de largada, enriqueceu particularmente os conhecimentos, formação e o currículo profissional do Réu; k) Habilitando-o, de imediato e para o futuro, a operar ambos os referidos modelos daquela marca de avião; l) A qualificação para operar AIRBUS A310-300 e A300-600, que o réu operava à data da denúncia, as horas de voo nele realizadas como piloto ao serviço da demandante, enquanto elementos valorizadores do seu “curriculum” pessoal, estão a beneficiar o demandado na sua carreira e actividade profissional, que prossegue e continua a exercer como piloto de linha aérea, agora na SATA Internacional – Serviços e Transportes Aéreos, S.A., para a qual se mudou depois de qualificado à custa da demandante, ali voando no mencionado equipamento AIRBUS A310; m) Sempre lhe aproveitarão no futuro em termos de progressão na carreira profissional, no seu acesso a outros tecnicamente mais evoluídos e eventualmente a comando, bem como na sua contratação por outros operadores de transporte aéreo, o que aliás já aconteceu na sua vinculação à dita SATA; n) A qualificação proporcionada ao réu pela autora, relevou significativamente no seu recrutamento pela SATA, na qual está a operar AIRBUS A310; o) Na sequência da qualificação naquele avião, a autora assegurou ao réu sessões de Simulador de Voo, nos prazos fixados pelas autoridades aeronáuticas, para que o réu continuasse a manter válidas as qualificações adquiridas à custa da demandante e em conformidade com as exigências legais: p) A SATA Internacional é uma conhecida companhia de transporte aéreo regular; q) Com uma frota mais ampla e com aviões mais sofisticados; r) Por carta datada de 21 de Março de 2007, dirigida ao réu e enviada para o seu domicílio por correio registado com aviso de recepção, por ele recebida, a autora interpelou o demandado para o pagamento da quantia de quarenta mil euros (40.000,00), no prazo de oito dias, oferecendo disponibilidade para estabelecer um plano de pagamento faseado no tempo; s) O réu não aceitou a disponibilidade para negociar, nem satisfez até hoje o pagamento daquela importância; t) O réu não restituiu à autora a importância de € 675,00, que pertencem à demandante e que esta lhe havia adiantado a título de Fundo de Maneio; u) O réu, pese embora interpelado para tal, também não restituiu à autora o seguinte material/equipamento que pertence à demandante e que lhe havia sido entregue para o exercício das funções contratadas:
Farda;
Malas (porão e brief case);
Auscultadores;
Manuais (airport analysis, QRH-A310, FCOM, Vol. I e II, AOPM, ETOPS e ROV);
Cartões (identificação de trabalhador da W., acesso ao parque de estacionamento, seguro de saúde e certificado de tripulante);
Da contestação: v) Quando foi contratado pela autora, o réu já era piloto de linha aérea, qualificado em Lockeehd 1011-500; x) Em Janeiro de 2006, e já largado em linha, assinou o contrato identificado como documento número quatro, onde a autora, por sua iniciativa, apôs a data de 14 de Novembro de 2005, data em que o réu partiu para Berlim a fim de realizar sessões simulador no âmbito do curso de Airbus 310 que lhe estava a ser ministrado; z) No acordo de formação, e para o caso de o réu concluir sem aproveitamento o curso de A310, a autora inscreveu o seu regresso à frota Lockheed 1011; aa) A autora pagou formação a pilotos, a quem já havia sido ministrada a formação teórica na “SATA INTERNACIONAL”; bb) No curso ministrado ao réu, juntamente com mais dois pilotos-comandantes, houve um deles que não ficou vinculado ao pagamento de qualquer indemnização, nem tão pouco outorgou com a autora qualquer acordo de formação profissional; cc) A autora ministrou ao réu o curso de A310, porquanto iria deixar de operar a única aeronave que possuía, um Lockheed 1011, tendo no ano de 2005, formado diversas tripulações; dd) Foi a autora quem decidiu proceder à renovação da frota, não sendo prática usual, entre as maiores e mais conceituadas companhias aéreas europeias, que os pilotos, já funcionários das empresas, fiquem obrigados a qualquer pacto de permanência, à excepção da formação inicial que lhe é ministrada;
ee) O A-310 pertence à primeira geração da Airbus, e à geração onde se insere o Lockheed 1011; ff) O equipamento em causa não permite o acesso directo à mais recente geração Airbus, as grandes companhias europeias já iniciaram o seu “phase-out”, sendo actualmente preferido por congéneres menores, dedicadas a voos charter, de alta densidade, voos “acmi”, - aircraft, crew, maintenance and insurance -, e voos de carga; gg) No momento da contratação do réu pela “SATA”, esta admitiu pilotos com e sem qualificação, para integrarem as frotas A310 e A320; hh) Foi a autora quem marcou a sessão de simulador, fazendo-a publicar na escala de serviço do mês de Março de 2007, continuando o réu a voar para a autora até ao dia 1 de Abril de 2007; ii) A autora, mercê das constantes avarias da sua única aeronave, nos anos 2004 e 2005 esteve à beira de cessar a sua actividade; jj) O réu é piloto de linha aérea, profissão a que só acedem pessoas cujos perfis psicológicos integrem elevados índices de determinação da vontade, fortaleza de carácter, percepção, ponderação, avaliação de perigos e riscos e capacidade de decisão;
Factos resultantes da discussão e importantes para a boa decisão da causa: kk) A Sata Internacional, S.A. facturou à autora a quantia de euros cinquenta e nove mil, setecentos e trinta e sete euros, oitenta e dois cêntimos (59.737,82), acrescida de vinte e um por cento de IVA, pelo oitavo curso de formação A310, o qual foi composto pelos Comandantes M., A. e pelo réu; ll) A Sata Internacional realizou seis cursos de formação durante o ano de 2005, nos quais formou quinze pilotos, pelo preço global de trezentos e quarenta e quatro mil, um euros, dez cêntimos; mm) O Autor fez o seu voo de largada em Janeiro de 2006. * Girando a presente acção em torno da validade e do alcance jurídico do pacto de permanência celebrado entre A. e R., no âmbito da relação laboral que vinculava as partes, a sentença recorrida orientou-se no sentido de considerar admissível e válido um semelhante negócio acessório do contrato de trabalho, entendendo no entanto ser nula a cláusula sancionatória que aí reportou a € 40.000 o montante dos encargos decorrentes do curso de formação ministrado ao R., e estabeleceu nesse valor a indemnização devida em caso de incumprimento, pelo trabalhador, do período de permanência convencionado.
Considerando que a referida cláusula contrariava disposições legais imperativas, no caso o art.º 147º, nº 1, referido ao art.º 4º, nº 3, ambos do C.T. [1] , o Ex.º Juiz a quo declarou a nulidade da mesma, nos termos do art.º 280º, nº 1, do Código Civil (C.C.), operando todavia a redução do negócio, ao abrigo do art.º 292º do mesmo C.C., e nessa medida reportando a indemnização em causa ao montante das despesas efectivamente despendidas pela parte empregadora com a formação profissional do R.; avaliando esse dispêndio num total de € 23.671,67, a sentença recorrida considerou depois, relativamente aos três anos de obrigação de permanência, os 16 meses e 14 dias em que o trabalhador ainda se manteve ao serviço da empresa A., concluindo em termos proporcionais ascender a € 12.845,12 o valor da prestação incumprida; nessa lógica, a parte dispositiva da sentença condenou o R., para além do mais, a pagar à A. um total de € 10.495,14, valor a que chegou considerando também os € 675,00 de fundo de maneio não restituídos pelo demandado, e após compensação operada com o crédito de € 3.024,98, que assistia ao R. e que respeitava a quantias vencidas pela cessação do contrato de trabalho.
É contra o entendimento acolhido na sentença proferida que vieram insurgir-se R. e A., o primeiro reafirmando a tese da nulidade do pacto de permanência em causa, nos termos em que o mesmo foi contratado, e a segunda, mediante o recurso subordinado que interpôs, defendendo a exiguidade do montante condenatório a que chegou a decisão da 1ª instância, alegadamente aquém das despesas que a empresa efectivamente teria feito com a formação profissional ministrada ao demandado.
Ainda que esse recurso subordinado tenha obviamente sido interposto em segundo lugar, há um aspecto nele suscitado que importa conhecer previamente à abordagem do objecto da apelação principal. Tem ele a ver com a matéria de facto considerada provada no Tribunal recorrido, que a A. pretende ver aditada de um ponto concreto. Essa pretensão, a ser satisfeita, poderá obviamente influir no conhecimento e na solução jurídica do litígio, e como tal há que dela decidir antes de mais.
Tal como fez consignar na respectiva alegação, pretende a recorrente que se dê como provado, também, o seguinte facto:
‘O preço/custo da formação do R., beneficiário de um curso conjunto com dois comandantes, foi de € 36.013,34, incluindo IVA à taxa de 19%’.
Em abono da posição assim assumida, a A. não se fundamenta porém em qualquer meio de prova que porventura tenha sido, em seu entender, incorrectamente valorado, e que agora cumpra reapreciar. O valor aludido resulta apenas, e tão só, duma lógica argumentativa que assenta em operações aritméticas decorrentes do valor referido no ponto kk) da decisão de facto, e que dela pretendem extrair qual foi o valor concreto da formação ministrada aos dois comandantes que se formaram juntamente com o R., sendo o remanescente naturalmente imputado à formação deste, enquanto co-piloto.
Semelhante raciocínio, mesmo que se possa considerar-se verosímil, não nos reconduz todavia a um facto que deva ser tido por relevante, e que como tal tenha sido alegado na p.i.. Representa apenas uma mera conclusão que, em tese, resultará de aspectos parcelares da matéria de facto apurada, essa sim constituída por factos concretos e objectivos. Está por isso à partida excluído o pretendido aditamento, sendo assim de considerar como definitivamente assente a factualidade dada como provada na 1ª instância, que não foi por qualquer outra forma objecto de impugnação.
A este propósito, importa apenas sublinhar que a decisão de facto proferida encontra-se fundamentada de maneira exaustiva, cabal, e proficiente, de modo a não deixar quaisquer dúvidas quanto ao cuidado dispensado pelo Ex.º Juiz à valoração da prova produzida em audiência, para mais numa área acentuadamente técnica e especializada como é o mundo da aviação comercial.
*
Arrumada que está a questão suscitada em torno da matéria de facto a que deverá atender para a boa decisão da causa, ocupemo-nos então, agora e em primeiro lugar, do objecto da apelação principal, interposta pelo trabalhador R..
Como se disse, na recurso que interpôs, tal como o fizera na contestação, o demandado vem questionar a validade jurídica do pacto de permanência estabelecido entre ele e a empresa A..
A sede legal da matéria em causa, como se sabe, consta do art.º 147º, nº 1, do C.T., que reproduz aliás, com alterações de pormenor e sem relevância prática, o que antes constava já do art.º 36º, nº 3, da LCT (regime aprovado pelo Dec.-Lei nº 49.408, de 24/11/1969). Recordemos o que ali se estatui:
‘É lícita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas’.
No âmbito de uma relação laboral, a celebração de um pacto de permanência configura pois um óbvio desvio à regra da liberdade de desvinculação contratual que assiste ao trabalhador. No dizer do Prof. Monteiro Fernandes (in ‘Direito do Trabalho’, 14ª ed., pág. 655), ‘a garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da estabilidade do emprego, mas a favor de uma pretensão razoável do empregador, que é a de tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação’.
Ora, como decorre da letra da lei, a licitude de semelhante cláusula está dependente, para além do mais, da existência de ‘despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador’. Semelhante expressão, a nosso ver, sem dúvida acentua a ideia de anormalidade que um qualquer pacto de permanência assume nas realidades do mundo do trabalho, como é sabido cada vez mais dominadas por práticas de flexibilidade funcional, de concorrência, e de mobilidade contratual e profissional.
Desde logo, as despesas em causa devem ser ‘extraordinárias’, não se reconduzindo portanto a despesas normais que decorram da normal prossecução do objecto empresarial do empregador, e que se inserem no dever genérico deste, enunciado no art.º 120º, al. d), do C.T., que o obriga a levar o nível de produtividade do trabalhador e a proporcionar-lhe formação profissional.
Como decidiu a Relação de Lisboa, em Ac. de 22/1/2003, proferido embora ainda no âmbito da LCT, ‘provado que os cursos de formação que a R. proporcionou ao A. foram essenciais para este poder exercer as funções para as quais fora contratado, estamos dentro da obrigação genérica prevista no art.º 4º, nº 1, da LCT, de a entidade patronal proporcionar aos seus trabalhadores meios de formação e aperfeiçoamento profissional e não em face de um investimento na valorização profissional do trabalhador que se deva qualificar de excepcional, em face de uma despesa extraordinária, como é a prevista no nº 3 do art.º 36º da LCT’.
Depois, a lei exige ainda que tais despesas sejam ‘comprovadamente’ feitas. Ou seja, exclui-se que o pacto de permanência seja reportado à celebração de uma cláusula penal negociada em termos aleatórios, e que fixe uma sanção pecuniária desfasada do efectivo dispêndio suportado pelo empregador com a formação profissional ministrada.
O particular rigor com que aquele art.º 147º, nº 1, regulava a admissibilidade de um pacto de permanência, é evidenciado, e surge hoje consideravelmente mitigado, com a solução que a temática em causa merece no C.T. de 2009, revisto pela Lei nº 7/2009, de 12/2. O actual art.º 137º tem uma formulação substancialmente diferente, em que o acento tónico é colocado, não na natureza extraordinária das despesas feitas, mas sobretudo no quantitativo mais ou menos elevado das mesmas. Aí se diz:
‘1. As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional.
2. O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante o pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas.’
A análise comparativa dos dois preceitos referidos, o art.º 147º, nº 1, do C.T. de 2003, e o art.º 137º, nsº 1 e 2, do C.T. de 2009, ajuda-nos a compreender que a correcta solução da causa deve ter em conta, não tanto a soma envolvida na formação do R., que em qualquer caso será sempre relativamente elevada, mas sim a natureza extraordinária, ou não, da despesa a esse título efectuada pela A..
E é precisamente neste ponto que, sem prejuízo de reconhecermos o mérito da elaborada construção jurídica que o Ex.º Juiz a quo emprestou à solução de mérito que acolheu, divergimos do entendimento prevalecente na sentença recorrida. Recordemos o que aí se afirmou quanto à referida natureza das despesas em causa:
‘...importa afirmar desde já que a formação profissional que a autora pagou pelo réu vai para além da formação profissional ordinária, destinada a prover à conservação dos recursos humanos, isto é, a formação contínua adequada à qualificação já angariada pelo trabalhador, v.g. os testes de simulador que o réu obrigatória e periodicamente fazia. A formação em causa habilitou-o a desempenhar funções de pilotagem de outros aviões, habilitação profissional muito enriquecedora do seu currículo e cujo custo é da ordem das dezenas de milhares de euros.
E nem o facto de a autora estar então em pleno processo de renovação da sua frota pode convencer o Tribunal de que estamos perante despesas ordinárias, visto que a autora não tinha a obrigação de formar pilotos para tripularem os seus novos aviões, pois que não existia dever legal, convencional ou contratual que fizesse impender sobre autora o dever de habilitar os seus pilotos para tripularem outras aeronaves. Uma despesa será ordinária quando decorre do normal funcionamento da companhia de aviação e não está demonstrado que este comporte aquele tipo de valorização profissional dos pilotos.’
Convenhamos que esta lógica argumentativa, com todo o respeito que nos merece opinião diversa, não nos parece minimamente convincente. Uma despesa não é extraordinária, nem deixa de o ser, pelo facto de ser mais ou menos dispendiosa para quem a suporta, ou pelo facto de dela resultar um maior ou menor enriquecimento do currículo profissional de um trabalhador.
Acompanhamos porém o entendimento acolhido na sentença recorrida quando aí se afirma que uma despesa será ordinária quando decorre do normal funcionamento de uma empresa, no caso a companhia de aviação A.. No entanto, e para aferir dessa normalidade, o que importa será contextualizar a despesa em causa com a realidade fáctica que a envolveu, de modo a apreender as circunstâncias que relevaram na realização desse gasto, por forma a enquadrá-lo na gestão patrimonial da empresa.
Nesse sentido, há que lembrar que, tal como se apurou, a A. nos anos de 2004 e 2005 esteve à beira de cessar a sua actividade, em virtude das constantes avarias da sua única aeronave que então possuía, um Lockheed 1011 (facto ii)); decidiu por isso proceder à renovação da sua frota, porquanto iria deixar de operar com aquele aparelho (factos cc) e dd)); por tal motivo, e através da congénere ‘SATA Internacional’, ministrou ao R., tal como o fez relativamente a outras tripulações, num total de quinze pilotos, a formação que o habilitava a pilotar outro tipo de avião, o Airbus A-310, que era a aeronave que o demandado operava quando veio a desvincular-se da ‘W.’ (factos i), l), cc), e ll)).
Perante este panorama, não parece que as despesas da formação ministrada ao R. devam ter-se por extraordinárias, antes se inserindo no âmbito do dever que ao empregador incumbe por força do já referido art.º 120º, nº 1, al. d), do C.T.. Extraordinária terá sido a decisão da R. proceder à renovação da sua frota, e extraordinárias terão sido também as despesas que acarretou a aquisição de novas aeronaves. A partir daí, as despesas inerentes à utilização comercial desses aparelhos, em que se incluem não só a necessária formação das tripulações, como quaisquer outras que respeitem à operacionalidade daqueles, devem considerar-se ordinárias, porque se inserem já no normal funcionamento da empresa que é subsequente à decisão tomada no sentido de renovação da frota.
É neste sentido que aponta aliás um aspecto fáctico que se apurou, e que se nos afigura particularmente elucidativo: não é prática usual, entre as maiores e mais conceituadas companhias aéreas europeias, que os pilotos, já funcionários das empresas, fiquem obrigados a qualquer pacto de permanência, à excepção da formação inicial que lhe é ministrada (facto dd)).
E é compreensível que assim suceda: a formação inicial ministrada a um trabalhador, ou a um candidato a determinado cargo, que o vai habilitar ao desempenho de uma função específica, para a qual o formando não tem qualquer habilitação, representa um investimento da empresa, e uma mais-valia conferida ao currículo profissional daquele, que deve ter como contrapartida a obrigação de permanência no lugar por um certo período de tempo. No entanto, e na plena vigência de uma relação de trabalho os dados da questão alteram-se significativamente, na precisa medida em que empregador e trabalhador estão já contratualmente vinculados por um desiderato comum: contribuir para a melhoria da produtividade da empresa, que resultará designadamente da formação profissional que ao segundo deve ser proporcionada (arts.º 120º, al. d), e 121º, nº 1, al. g), do C.T.).
No caso dos autos, a contratação do R. ocorreu aliás quando o mesmo era já piloto de linha aérea, qualificado em Lockheed 1011 (facto v)), o que só pode significar não ter sido a A. quem suportou as despesas com essa formação inicial.
Também por tal motivo, a acrescer às demais considerações que se referiram, entendemos não dever qualificar como ‘extraordinária’ a despesa inerente à formação profissional ministrada ao R. que o habilitou a operar com o A-310. Desnecessário por isso se mostra averiguar as razões (que noutro contexto poderiam ser relevantes) que terão levado a A. a não vincular ao pagamento de qualquer indemnização um dos pilotos-comandantes que se formaram no mesmo curso que o R. (facto bb)), ou a só outorgar em Janeiro de 2006 um acordo de formação cuja execução se iniciara, pelo menos, a 14/11/2005, data aposta como se fosse a da celebração do negócio (factos e) e x)).
Concluímos assim ser contrária à lei (o citado art.º 147º, nº 1) a cláusula 6ª, nsº 1 e 2, do Acordo de Formação Profissional celebrado entre A. e R., não pelo facto de aí se convencionar um montante indemnizatório diverso das despesas efectivamente realizadas, como se decidiu na sentença recorrida, mas antes porque o pacto de permanência aí previsto foi fixado como contrapartida de despesas que consideramos não serem extraordinárias.
Essa desconformidade é fonte de nulidade do negócio, nos termos do art.º 280º, nº 1, do Cód. Civil, já que neste domínio não pode prevalecer qualquer hipotética autonomia da vontade das partes. É que de acordo com a regra do art.º 4º, nº 3, do C.T., a norma daquele art.º 147º, nº 1, só poderia ser afastada por contrato individual de trabalho se este estabelecesse condições mais favoráveis para o trabalhador, e não é esse o caso.
E a nulidade da cláusula contratual referida impede naturalmente que a mesma produza os efeitos pretendidos pela A., designadamente no que toca ao peticionado reembolso das despesas efectuadas com a formação do R..
*
A procedência da apelação do R. prejudica naturalmente o conhecimento do recurso subordinado, cujo objecto se cingia ao montante indemnizatório que à recorrente seria devido.
Subsiste assim, e apenas, o crédito da A. relativo aos € 675,00 entregues ao R. a título de fundo de maneio, e que o mesmo não restituiu quando se desvinculou da empresa. Porém, a existência de um outro crédito, de montante superior, a favor do R., respeitante a quantias devidas em consequência da cessação do contrato, e relativamente ao qual a A. pretendeu fazer operar a compensação, impede que agora se condene o demandado em qualquer prestação de natureza pecuniária.
Daí que, não tendo também sido deduzida reconvenção quanto a tal montante, a decisão condenatória a proferir se resuma ao material e equipamento fornecido ao R. para o exercício das suas funções ao serviço da A., e por ele ainda não devolvido.
*
Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar procedente a apelação principal, interposta pelo R., em consequência revogando a sentença recorrida na parte em que condenou o R. a pagar à A. o montante de € 10.495,14, acrescido de juros, e nessa medida absolvendo o demandado do pedido de pagamento de indemnização por incumprimento da obrigação de permanência ao serviço da A., e de restituição do fundo de maneio.
No mais, no que toca à restituição à A. da farda, malas, auscultadores, manuais e cartões, confirmam o decidido na mesma sentença.
Custas pela A..
Évora, 9/2/2010
(Ass.) Alexandre Ferreira Baptista Coelho Acácio André Proença Joaquim António Chambel Mourisco
______________________________
[1] Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/8, sob cuja vigência se desenvolveu a factualidade em causa nos autos.