ERRO NA FORMA DE PROCESSO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário


1 - O erro na forma de forma de processo é uma excepção dilatória e pode, nos casos de cumulação de pedidos formalmente incompatíveis, conduzir a que fique sem efeito o pedido a que corresponda uma forma incompatível com a forma comum, desde que se verifiquem as mesmas causas e motivos que estão previstos como obstáculos à coligação (art.º 31º n.º 1 e 2).
2 - A forma especial prevista no art.º 1474º do CPC e os actos aí previstos, não contendem em nada, com os actos do processo comum ordinário e nem as partes vêm as suas garantias diminuídas, pelo contrário elas são aumentadas, no âmbito do processo comum.

Texto Integral


I. V…, S.A. intentou contra J… e outros, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, formulando os seguintes pedidos:
“A- a indemnização proposta pela V… de 2.175,00€ ser declarada como a indemnização resultante do regime legal e da apólice que titula o contrato celebrado entre a V… e o segurado.
B -ser declarado que o Exmo. Sr. J… está constituído em mora do credor, desde dia 12 de Agosto de 2008, com as inerentes consequências.
C- ser declarada, ao abrigo do artigo 70.°, n.º 2, do Código Civil, a inibição de o Jornal O Mirante publicar factos relativos à V… que sejam lesivos do seu bom-nome.
D- condenar-se o Jornal O Mirante e, pessoalmente, os Exmos. Srs. J…, A… e A… ao pagamento de 75.000€ à V…, S.A., a título de danos não patrimoniais.
E- condenar-se o Jornal O Mirante e, pessoalmente, os Exmos. Srs. J…, A… e A… ao pagamento de uma indemnização no valor de 25.000€ à V…, S.A., a título de lucros cessantes (15.000,00€) e de danos emergentes (10.000,00)
F- serem condenados os Réus na publicação no Jornal O Mirante da sentença que vier a ser proferida na presente acção, no número do jornal correspondente à semana seguinte à decisão, com idêntico destaque ao dos artigos publicados, bem como na página do jornal O Mirante na Internet onde conste a versão electrónica desse número da publicação, sendo ainda condenados, por cada semana de atraso na publicação ao pagamento de uma indemnização pecuniária compulsória de valor não inferior a 1.000€»”.
Proferido despacho saneador, veio o Tribunal “a quo” a conhecer da nulidade principal de cumulação de pedidos, nos seguintes termos:
“A dedução cumulativa de pedidos, entre outros requisitos, exige a identidade da forma do processo correspondente a todos os pedidos. No caso em apreço, os dois primeiros pedidos, bem como os pedidos formulados em d) e e) correspondem a uma acção comum com processo ordinário e aos restantes o processo especial que vem previsto no artigo 1474 e 1475 do CPC.
Porque em relação a estes pedidos o processo comum é impróprio verifica-se, assim, uma nulidade principal de conhecimento oficioso do tribunal atento o preceituado no artigo 202 do CPC e cuja sanção como escreve José Alberto dos Reis é fazer cair ou desaparecer esses pedidos - Com.CPC. vol.3 pág. 169, parte final-
Resta agora saber se o juiz pode autorizar a cumulação nos termos do artigo 31,n22, aplicável ex-vi do artigo 470 do CPC. Pensamos que não. Isto porque como refere Lopes do Rego in comentários ao CPC pág. 55 a coligação fica excluída quando se trata de pedidos a que correspondam processos com finalidades diferentes ou quando o tipo de tramitação estabelecido na lei se afasta substancialmente de um modelo comum. Ora, para os pedidos formulados em c) e f), o processo afasta-se substancialmente do processo comum, porquanto se lhe aplicam as disposições gerais do processo de jurisdição voluntária, cujos articulados se iniciam com um requerimento contra o autor da ameaça ou da ofensa, no qual o requerente deve expor os factos e os fundamentos que servem de base ao pedido de providência e oferecer logo o rol de testemunhas nos termos do artigo 302 do CPC aplicável ex-vi do artigo 1409 do mesmo diploma legal. Se não houver motivo para indeferimento liminar e a petição estiver em termos de ser recebida há então lugar à citação do requerido para contestar - art. 1475 do CPC - oferecendo, também as suas provas. E, como processo de jurisdição voluntário, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar a solução mais conveniente e oportuna - neste sentido vide Rabindranath Capelo de Sousa in o direito geral de personalidade pág. 480 e 481), pelo que afastamos a cumulação nos termos do referido normativo legal ( sobre esta questão vide, também, o Ac. da RL de 7-11-2006 in site da DGSI)
Concluindo pela não cumulação subsiste a excepção dilatória acima apontada cuja sanção é a absolvição dos réus da instância em relação aos pedidos formulados em c) e f) do petitório.
Em conformidade com o exposto, julga-se procedente a excepção de nulidade principal e, em consequência, ao abrigo do preceituado no artigo 288,n°1, alínea e), do CPC , absolvem-se os réus da instância em relação aos pedidos formulados em c) e f) .”

Inconformado, veio a A. interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
“«1- Não existe cumulação ilegal de pedidos na presente acção principal, pois todos os pedidos se podem tramitar sob forma comum ordinária.
2- A diversidade de formas de processo não é, desde 1995, obstáculo à cumulação de pedidos quando a tramitação processual não seja manifestamente incompatível
3- No presente caso, a tramitação conjunta dos pedidos formulados é indispensável à justa composição do litígio, existindo nessa cumulação interesse relevante.
4- A tramitação do processo especial previsto no artigo 1474.° e ss. do CPC não é incompatível com a tramitação de uma acção com forma de processo comum ordinária, podendo o pedido de inibição de publicação de artigos de jornal ilícitos ser tramitado juntamente com os demais pedidos sem necessidade de qualquer. adaptação processua, o mesmo sucedendo quanto ao pedido de publicação da sentença, pedido meramente acessóriol.
5- Ainda que alguma adaptação fosse requerida, o tribunal estaria vinculado a ordená-la quando tal fosse necessário à boa decisão do litígio.
6- O pedido de inibição formulado na p.i. como pedido c), bem como o pedido de publicação formulado como pedido f), podem ser apreciados na mesma acção ordinária, devendo sê-lo na acção sub judice.
7- Foram violados os artigos 470º e 31º n.º2, ambos do CPC.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente revogado o despacho recorrido na parte impugnada, sendo esta substituída por decisão que admita a cumulação de pedidos, mandando apreciar conjuntamente quanto ao mérito todos os pedidos formulados.

***
II. Nos termos do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
A questão a decidir resume-se, pois, a saber se deve ser autorizada a cumulação de pedidos, ao abrigo do disposto no n.º2 do art.º 31º do CPC.
Como este Tribunal já decidiu no Acórdão proferido no processo n.º 2747/08.4TBSTR-A.E1, que o Relator e o 1º Adjunto deste Acórdão subscreveram, enquanto Adjuntos, “O erro na forma de forma de processo é uma excepção dilatória e pode, como ensina Anselmo de Castro[1] , nos casos de cumulação de pedidos formalmente incompatíveis, conduzir a que fique sem efeito o pedido a que corresponda uma forma incompatível com a forma comum, desde que se verifiquem as mesmas causas e motivos que estão previstos como obstáculos à coligação (art.º 31º n.º 1 e 2). Ora no caso dos autos, mesmo aceitando, sem discutir, que a forma adequada de processo correspondente ao pedido formulado sob a al. c), se deduzido individualmente, seria a prevista no art.º 1474 do CPC, nem assim tal circunstância seria motivo para dar sem efeito tal pedido, quando cumulado com outros numa acção comum na forma ordinária. Na verdade, a forma especial prevista no art.º 1474º do CPC e os actos aí previstos, não contendem em nada, com os actos do processo comum ordinário e nem as partes vêm as suas garantias diminuídas, pelo contrário elas são aumentadas, no âmbito do processo comum.
Não há pois qualquer incompatibilidade que impeça a dedução do pedido no processo comum. Mas ainda que houvesse alguma competia ao Juiz adaptar o processo e remover as dificuldades e não criar obstáculos à realização do direito! É este o espírito da reforma do processo civil encetada a partir de 1995...”
O mesmo diremos quanto o pedido formulado sob a alínea f).
Acrescentaremos apenas, que é manifesto o interesse da apreciação conjunta dos pedidos formulados pela A., para a justa composição do litígio, dada a sua especial interligação.
E como acima dissemos, citando, a forma de processo escolhida pela A., por mais solene, assegura devidamente os direitos das partes.
Daí que não nos reste outra alternativa do que revogar o despacho recorrido, determinando-se que o processo prossiga para apreciação dos pedidos formulados pela A.
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela procedência do recurso, revogando-se o despacho recorrido, determinando-se que o processo prossiga para apreciação dos pedidos formulados pela A..
Custas pelos Apelados.
Registe e notifique.
Évora, 10 de Fevereiro de 2010
(Silva Rato - Relator)
(Abrantes Mendes - 1º Adjunto) (dispensei o visto)
(Mata Ribeiro - 2º Adjunto) (dispensei o visto)__________________________________________________
[1] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pag. 236, Coimbra Ed. 1982