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FRAUDE FISCAL
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
VIOLAÇÃO DO DIREITO AO JULGAMENTO EM PRAZO RAZOÁVEL
Sumário
1 - O crime de fraude fiscal consuma-se quando o agente, com a intenção de lesar patrimonialmente, o Fisco, atenta contra a verdade e transparência exigidos na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação previstas no n.º 1 do art.º 103.º do RGIT;
2 - Para se falar de simulação fiscal, é necessária a ocorrência de dois requisitos: primeiro, a simulação do acto ou contrato, segundo, dessa simulação resultar um prejuízo do imposto que, de outro modo, seria pago, isto é, a simulação criar aparência à qual não corresponda impossibilidade ou corresponda ou determine uma prestação tributária inferior à que resultaria da vontade real das partes.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora (2.ª Secção Criminal):
1. Relatório.
1. J. foi submetido a julgamento, no processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º … do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Loulé, ao qual está apenso o processo comum com intervenção do tribunal singular ---/04.2IDFAR, sendo naquele processo acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla agravada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, do Código Penal, um de ameaça (continuado), previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 2, do Código Penal, um de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), do Código Penal, um de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e um de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal, tendo aí sido deduzido pedido de indemnização civil contra ele por parte de G. contra e, neste, da autoria material do crime doloso consumado de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Regime Geral das Infracções Tributárias, sendo que neste processo o Ministério Público deduziu contra o Arguido pedido de indemnização a favor do Estado, para pagamento por aquele do valor do imposto ainda não satisfeito, e que é de € 70.234,54, acrescidos dos juros devidos, na sequência do que os Mm.os Juízes que compunham o Tribunal acordaram no seguinte:
a) Em absolver o arguido J., in totum, da acusação contra ele deduzida no processo principal (comum colectivo n.º…GBLLE).
b) Em absolver o demandado J. da instância cível contra ele instaurada no comum colectivo nº …GBLLE, remetendo o demandante G. para o processo civil comum, por nele residir a jurisdição destinada a apreciar as questões suscitadas pelo contrato de empreitada sub judice.
c) Em condenar o arguido J., por autoria material de crime doloso consumado de FRAUDE FISCAL, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1 e alínea a), do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de um ano de prisão (processo comum singular n.º …/04.2IDFAR).
d) Em suspender a execução desta pena de prisão pelo tempo de três anos, sob condição de que, nesse mesmo prazo, satisfaça o arguido a totalidade das quantias, em cujo pagamento vai condenado relativamente ao pedido cível deduzido no processo apenso (processo comum singular n.º …/04.2IDFAR).
e) Em condenar o demandado J. a pagar ao demandante Estado (processo comum singular n.º …/04.2IDFAR) as seguintes quantias:
1. Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) - € 70.234,54;
2. Juros compensatórios calculados sobre ela à taxa legal do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, e os quais se contarão dia a dia, durante 180 dias, desde o termo do prazo de apresentação da declaração;
3. Juros de mora, calculados sobre a mesma quantia de imposto à taxa de 1% ao mês, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, e contados a partir do primeiro mês do calendário em que finde o prazo de 180 dias acima referido - havendo a determinação do exacto quantitativo dos juros de fazer-se em liquidação, quando a decisão haja de ser executada.
2. Inconformado com o Acórdão, na parte em que o condenou, dele recorreu o Arguido, pugnando pela declaração da sua nulidade, por violação do disposto no art.º 410, n.º 2 al. a), determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do disposto nos art.º 426, n.º 1 e 427.º, todos do Código de Processo Penal, rematando a motivação com as seguintes conclusões:
1. O recorrente foi, nestes autos, condenado «pela prática, em autoria material, de um crime doloso consumado de fraude fiscal, p. e p. no art.º 103.º, n.º 1 al. c) do RGIT na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por três anos sob a condição de, nesse mesmo prazo, o arguido/recorrente satisfazer a totalidade das quantias em cujo pagamento foi condenado relativamente ao pedido cível deduzido (nos autos apensos com o n.º …/04.2IDFAR).
2. O recorrente interpôs recurso do douto Acórdão condenatório, proferido em 1a instância, que veio a julgar nulo o douto Acórdão recorrido, por violação do disposto no art.º 379.º, n.º 1 al. a) CPP e determinou que o Tribunal recorrido elaborasse novo Acórdão expurgado daquela nulidade.
3. O recorrente alegou, no anterior recurso, outros vícios da decisão recorrida, entre os quais a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
4. O douto Acórdão deste Venerando Tribunal, que anulou o Acórdão recorrido, considerou que, mercê da nulidade apontada, «o recorrente invocou os vícios de insuficiência de matéria de facto para a decisão de direito e de contradição insanável na fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. Contudo, dado que se considerou verificada a nulidade, é inócuo, face ao supra referido, tecer mais considerações sobre os vícios apontados.»
5. O M.º Tribunal recorrido, veio a produzir novo Acórdão.
6. O novo Acórdão produzido padece do mesmo vício que já antes tinha motivado o anterior recurso a este Venerando Tribunal.
7. O douto Acórdão recorrido, não tem matéria de facto dada por provada suficiente e adequada a habilitar o Tribunal a decidir pela condenação do recorrente pelo crime que lhe é imputado, e por que foi condenado.
8. Do elenco da matéria dada por provada da douta decisão recorrida, não consta especificadamente que o arguido e recorrente tenha recebido a quantia de Esc. 90.000.000.
9. A falta de tal factualidade especificamente provada impede o Tribunal de decidir, à luz dos factos estabilizados e fixados pelo Tribunal recorrido, sobre se há algum benefício da demais conduta do arguido.
10. Nos termos do disposto no art.º 103.º, n.º 2 do RGIT, a punibilidade pela demais conduta típica do crime de fraude fiscal, é afastada se «a vantagem patrimonial legítima for inferior a 15.000 €.» 11. Não estando fixado o valor que o arguido recebeu, não se pode entender — em respeito ao princípio da presunção de inocência — que o arguido obteve benefício superior ao previsto no art.º 103.º, n.º 2 RGIT.
12. A decisão recorrida, falha assim no substrato fáctico dado por provado que a habilite a decidir pela condenação do arguido e recorrente, como fez.
13. A douta decisão recorrida, ao decidir da forma que fez, padece do vício previsto no art.º 410, n.º 2 al. a) do CPP.
14. Deverá ser declarada nula a decisão recorrida, por padecer daquele vício e, em consequência, determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no art.º 426.º, n.º 1 e 427.º, ambos do CPP.
15. O tempo decorrido desde o início do presente processo, viola o direito ao julgamento em prazo razoável, previsto no art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica.
16. A continuação do presente processo ofende um direito constitucionalmente consagrado, pelo que deve ser determinado o seu arquivamento, com todas as demais consequências legais, o que expressamente se alega para efeitos da Lei de Processo do Tribunal Constitucional.
17. Os direitos Liberdades e Garantias são directamente aplicáveis e vinculam todas as Entidades Públicas e privadas.
3. Contramotivou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo do seguinte modo:
1) Somos de parecer que a decisão está perfeita e que o recurso deve improceder - não se verificando o vício previsto no art. 410.º, n.º 2 al. a) do CPP.
2) Também pelos fundamentos que expusemos no corpo desta resposta á motivação de recurso, não vislumbramos que os fundamentos deduzidos pelo Recorrente com vista ao arquivamento dos autos se possam ter por verificados.
3) O recurso deve improceder, devendo a decisão da primeira instância ser totalmente confirmada, não se nos afigurando que nenhuma disposição tenha sido violada.
4. Nesta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta secundou a fundamentação expendida pelo Colectivo no douto Acórdão recorrido.
5. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417°, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do Arguido.
6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir. [1]
II - Fundamentação. 1. Da decisão recorrida. 1.1 Factos julgados provados: (…) Processo apenso n.º 36/04.2IDFAR:
18p. Em data não concretamente apurada, o arguido J. acordou com A. e H. em vender-lhes um imóvel identificado por moradia A do lote 2 TR/3, sito em Vilamoura, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé.
19p. Assim, na sequência do acordado, e para formalizar o negócio, a 16 de Maio de 2001 foi celebrado entre as partes contrato-promessa de compra e venda, sendo acordado o preço de Escudos 90.000.000 (448.918,11 Euros), a pagar da seguinte forma: Escudos 30.000.000 (149.639,37 Euros) com a assinatura do referido contrato-promessa, e os restantes Escudos 60.000.000 (299.278,74 Euros) aquando da outorga da escritura de compra e venda.
20p. A 14 de Agosto de 2001, foi celebrada, no 3.º Cartório Notarial de Lisboa, a escritura de compra e venda, na qual o arguido J., NIF …, com domicílio fiscal em …, Vilamoura, alienou a A. e esposa, residentes na Avenida do Restelo,…, em Lisboa, aquele provado imóvel, tendo indicado como valor da venda o preço de Escudos 30.000.000 (149.639,37 Euros).
21p. Nessa sequência, os outorgantes A. e H. pagaram sisa no quantitativo de Escudos 2.614.100 (13.039,08 Euros), correspondente ao valor declarado na escritura de compra e venda do imóvel. 22p. Por sua vez, o arguido apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2001, não declarando o preço real do negócio - Escudos 90.000.000 - para determinação dos ganhos de mais-valia efectivamente resultantes da alienação, os quais ascendem a 197.119,95 Euros.
23p. Sabia o arguido que estava obrigado a declarar o preço real pelo qual tinha celebrado o referido negócio com os compradores e, apesar disso, quis omitir tal valor a fim de pagar uma quantia de IRS mais reduzida, assim obtendo uma vantagem patrimonial ilegítima e causando uma diminuição de receitas à Fazenda Pública no valor de 70.234,54 Euros.
24p. Agiu o arguido mediante prévio acordo e em conjugação de vontades e de esforços com os ditos A. e H. cada um aceitando a conduta do outro, de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas.
Factos comuns a ambos os processos:
25p. O arguido foi no dia 18 de Março de 2003 condenado em multa por crime de ameaça cometido no dia 5 de Abril de 2000.
26p. O arguido está habilitado com o 11.º ano de escolaridade e não tem, à presente data, família a seu cargo.
1.2. Factos julgados não provados: (…) - MATÉRIA NÃO INCLUÍDA –
Não se apuraram outros factos com interesse para a decisão da causa. Não foram consignadas, igualmente, considerações gerais, nem foram incluídos factos implicitamente decorrentes de outros, e já explicitamente provados ou não provados na sede própria. 1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto:
1 -a - Começando pelos factos respeitantes ao Fisco, importa salientar que o arguido se absteve de prestar declarações sobre eles, sendo certo que a sua prova resulta cabal e completa, quer das declarações prestadas pelas testemunhas A. e H., que confirmaram os valores realmente envolvidos no contrato de compra e venda, quer das declarações prestadas e das explicações fornecidas pela testemunha M., a qual remeteu para os documentos juntos aos autos - apenso nº …/04.2IDFAR - sobre os quais, de resto, e tendo em consideração os esclarecimentos desta testemunha, foi possível corrigir o lapso constante da acusação quanto ao valor das mais-valias, e que deu lugar ao incidente de alteração de factos que ficou assinalado.
b - Os documentos juntos aos autos, levados em consideração no presente acórdão e confirmados pelas indicadas testemunhas, maxime pela testemunha M., são os seguintes:
1. Fotocópia de escritura de folhas 21 a 26, para onde se remete, onde se vê, de harmonia com o confirmado pelas testemunhas, que o valor declarado foi 30.000 contos.
2. Fotocópia de declaração de sisa de folhas 27, para onde se remete, onde se vê, de harmonia com o confirmado pelas testemunhas, que o valor declarado foi 30.000 contos, tendo pago sisa somente sobre ele.
3. Fotocópia de contrato-promessa de folhas 28 a 31, para onde se remete, onde se vê, de harmonia com o confirmado pelas testemunhas, que o valor efectivamente estipulado foi 90.000 contos. 4. Extracto de conta de folhas 33, para onde se remete, onde se vê, de harmonia com o confirmado pela testemunha M., a entrada de 30.000 contos na conta do arguido J.
5. Extracto de conta de folhas 34, para onde se remete, onde se vê, de harmonia com o confirmado pela testemunha M., a entrada de Escudos 47.528.843 na conta do arguido J.
6. Talão de depósito de folhas 35, para onde se remete, onde se vê, de harmonia com o confirmado pela testemunha M., o depósito de 30.000 contos na conta do arguido J.
7. Fotocópias de cheque de folhas 36 e 37, para onde se remete, onde se verifica, de harmonia com o confirmado pelas testemunhas, a entrega de 30.000 contos ao arguido J.
8. Talão de depósito de folhas 38, para onde se remete, onde se vê, de harmonia com o confirmado pela testemunha M., o depósito de Escudos 47.528.843 na conta do arguido J., cifra em que não se contam 250 contos, por nada terem a ver com os autos.
9. Fotocópias de cheques de folhas 39 a 42, para onde se remete, onde se verifica, de harmonia com o confirmado pelas testemunhas, a entrega de Escudos 17.278.843 mais 30.000 contos ao arguido J.
10. Extracto de conta e talão de depósito de folhas 44 e 45, para onde se remete, onde se verifica o distrate de hipoteca pelo arguido J.
11. Cálculo de mais-valia efectivamente sujeita a tributação de 197.119,95 euros, bem como de imposto efectivamente a cobrar, mas ainda por pagar, de 70.234,54 euros, de folhas 45 e 46, para onde se remete, e em harmonia com o confirmado pela testemunha M.
2 - Quanto aos factos aduzidos no douto requisitório do Ministério Público constante do processo principal - processo nº ….6GBLLE - cumpre desde logo dizer que a prova assentou, sobretudo, no declarado pelo arguido J.
3 - Sublinhe-se, desde logo, que não se fez qualquer prova de que o arguido tivesse subtraído coisas pertencentes ao demandante, o que se provou é que removeu, e levou a que fossem removidas da obra, coisas que nela não se mostravam ainda incorporadas e que ainda não foram pagas - restando saber se houvera já translação do direito de propriedade sobre elas, e em caso afirmativo para a órbita jurídica de quem, sendo certo que esta dúvida tem de aproveitar ao arguido.
4 - Outrossim, não se fez qualquer prova de que o arguido tivesse provocado danificações na construção, nem que tivesse ameaçado o património ou a pessoa do demandante.
5 - O demandante G., de resto, preocupou-se fundamentalmente em explicar todas as minudências do contrato de empreitada, que é, na verdade, o objecto deste processo, dando cópia de pormenores sobre remessas de dinheiro, pagamentos, fornecimentos, episódios vários - e referiu, com efeito, que o arguido lhe fez ameaças, por força das quais, afirmou, fez ainda ao arguido a entrega de 2.000 contos, sem que, no entanto, ficasse claro para o Tribunal a razão pela qual os seus temores não foram ao ponto de entregar ao arguido o que este exigia, e que era mais do que aquela importância, conforme o próprio demandante não deixou de salientar.
6 - Aliás, a testemunha R. vem dizer coisa diferente do demandante, ou seja, que o arguido ameaçou, sim, mas de remover coisas da obra, não ameaçou de violência, e a testemunha M. explicou que houve discussões acaloradas entre o arguido e o demandante, mas nenhuma ameaça de remover ou de partir coisas - sendo certo que nenhuma outra testemunha denotou conhecimento desta matéria, e sendo igualmente certo que o arguido também confirmou que ameaçou o demandante de remover as coisas que estivessem por pagar, a não ser que fossem pagas entretanto, negando, todavia, que tivesse ameaçado proceder a destruições ou que tivesse ameaçado com agressões.
7 - Não se provou, também, que o arguido tivesse deixado de tratar da licença de construção, levando o demandante a acreditar que já a obtivera - o que se provou é que a licença de construção, à data deste acórdão, ainda não foi outorgada, visto que a obra teve licença de construção, todavia caducada antes de que o arguido e o demandante entrassem em cena, e entretanto nem o arguido, nem o demandante, nem outros intervenientes a pedido deste conseguiram a legalização do que entretanto se construiu, já que o demandante veio a conseguir terminar a obra, agora com o estatuto de clandestina.
8 - Igualmente não se provou que o arguido, maliciosamente, exigisse dinheiro ao demandante para fazer prosseguir outras obras, e nem mesmo se provou que obras, precisamente, fossem essas, ou quanto dinheiro, daquele que o demandante entregou ao arguido, foi afecto a essas outras obras - o que se provou é que, desde o princípio (e claramente o afirmou a testemunha R.) a obra não podia ser realizada na sua totalidade com o orçamento acordado entre o arguido e o demandante, e as despesas que este fez para acabá-la foram determinadas, não porque tenha o arguido deixar de aplicar o dinheiro que foi recebendo, mas porque o dinheiro recebido jamais poderia bastar para executar o contrato até ao fim.
9 - A prova que persiste e que subsiste recai sobre um contrato de empreitada, porventura não cumprido por parte do empreiteiro (o arguido), e o que na realidade se discutiu ao longo de muitas e trabalhosas sessões foi a celebração, execução e contabilidade desse mesmo contrato.
10 - Danificações, expressões de ameaça dirigidas à pessoa e bens do demandante, maliciosas exigências de dinheiro por parte do arguido, aplicação por este, em proveito próprio e pessoal, ou em outras obras, de quantias recebidas do demandante - nada disso ficou provado nesta sede, sendo certo que o arguido explicou longamente, e com detalhe, tudo quanto lhe foi perguntado, insistindo num ponto que as declarações da testemunha R. tornam crível: é que o arguido não somente não distraiu da obra qualquer importância entregue pelo demandante, como ainda nela incorporou dinheiro saído do seu próprio bolso.
11 - Aliás, a prova testemunhal que se formou concentrou-se no verdadeiro objecto do processo, e que é o contrato de empreitada, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas conhecia qualquer dos factos que, na acusação, vêm indicados como integradores de algum dos ilícitos criminais nela referidos e imputados ao arguido.
12 - Os documentos juntos aos autos, sobretudo pelo demandante, nada provam do objecto da acusação - quando muito, constituirão meios auxiliares de prova relativamente ao contrato de empreitada e suas vicissitudes, designadamente a responsabilidade que nele porventura caiba ao arguido.
1.4. Enquadramento jurídico:
- QUALIFICAÇÃO JURÍDICO-PENAL -
1 -a - Temos, pois, que o arguido J., tendo em vista a não liquidação da prestação tributária devida por mais-valias oriundas da venda de um imóvel, ocultou na declaração apresentada o valor do preço daquela, sobre o qual deveria recair a determinação, pela administração fiscal, da matéria colectável que lhe diz respeito, deste modo subtraindo ao fisco a quantia de imposto de 70.234,54 Euros, que o arguido, aliás, ainda não pagou.
b - Esta conduta constitui autoria material do crime doloso consumado de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103.º, nº 1 e alínea a), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), em abstracto, com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
(…) - PUNIBILIDADE - Não emerge da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que o arguido, lúcido e imputável, não agiu no exercício dum direito ou no cumprimento dum dever, e muito menos coagido por uma situação apta a desculpar a sua conduta - além de que não ocorrem outras causas, típicas ou atípicas, de não punibilidade.
- ESCOLHA DA PENA - ELEMENTOS A PONDERAR -
1 - Considerações gerais, dolo e ilicitude –
a - O dolo do arguido é directo, pois a sua vontade dirigiu-se conscientemente à prática dos factos provados quanto ao ilícito fiscal de natureza criminal.
b - A ilicitude, por sua vez, é relativamente elevada, tendo em atenção o valor do imposto não pago. c - O arguido tem passado criminal pouco relevante, sobretudo porque não foi punido por qualquer ilícito ligado aos seus deveres de contribuinte.
d - Não beneficia o arguido do facto de ter pago, ou tentado pagar, ainda que tardiamente, o imposto em dívida.
e - É o arguido, no entanto, pessoa integrada e com hábitos de trabalho, havendo que censurar-lhe, por certo, o atavismo, enraizado ainda na mentalidade dos portugueses em geral, de defraudar o fisco - o qual, por sua vez, nem sempre suscita da parte dos cidadãos o brio e a dignidade de cumprir para com o Estado (porventura porque não pareça o Estado, em todas as circunstâncias, pronto por sua vez a cumprir para com os cidadãos).
2 - Natureza, escolha e regime das penas –
a - As exigências de prevenção geral em relação aos deveres para com o fisco revelam-se cada vez mais instantes, e eis o que terá de levar-se em conta.
b - No tocante à prevenção especial, é de aceitar que o arguido pondere as suas condutas, no futuro, em termos mais adequados, prevalecendo-se da honestidade que proclamou na sala de audiências - e da qual não é lícito duvidar - e agindo em conformidade, designadamente através do pagamento dos impostos de que seja devedor.
c - Importa, no entanto, apetrechar o arguido com um estímulo que o encoraje, de modo veemente, a reflectir na sua atitude em relação ao fisco - e a pena de multa não oferece esse tipo de incentivo. d - Assim sendo, haverá o arguido de sofrer pena de prisão - mas será declarada suspensa a sua execução, pois é de crer que a simples censura do facto e a ameaça da prisão se mostrem suficientes para realizar o fim da pena.
e - A suspensão da execução da pena ficará, porém, e imperativamente, sujeita à condição de pagar o imposto - em conformidade, aliás, com os artigos 50.º e 51.º do Código Penal e com o artigo 14.º do RGIT.
f - Tudo ponderado, pois, impor-se-á ao arguido J. a pena de um ano de prisão, cuja execução ficará suspensa por três anos, sob a condição de que, no mesmo prazo, pague a totalidade do imposto devido mais os legais acréscimos - isto é, pague aquilo em que seja condenado no pedido cível do Ministério Público. (…)
- PEDIDO CÍVEL DO APENSO –
1 - No apenso, mostra-se provado que o arguido, aliás demandado J., deixou de declarar o preço real dum contrato de compra e venda, impedindo assim a cobrança, pelo Estado, da receita de 70.234,54 Euros, que o demandado embolsou.
2 - O demandado será, por isso, condenado no pagamento da referida quantia de imposto, à qual acrescem juros compensatórios calculados sobre ela à taxa legal do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, e os quais se contarão dia a dia, durante 180 dias, desde o termo do prazo de apresentação da declaração.
3 - Sobre a mesma quantia de imposto pagará o demandado ainda juros de mora, calculados sobre a mesma quantia de imposto à taxa de 1% ao mês, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, e contados a partir do primeiro mês do calendário em que finde o prazo de 180 dias acima referido. 4 - Será o demandado, pois, condenado em conformidade, havendo a determinação do exacto quantitativo dos juros de fazer-se em liquidação, quando a decisão haja de ser executada.
2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado. [2] Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso do Tribunal de recurso, como acontece é o caso dos vícios da sentença ou do acórdão a que se reporta o art.º 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal. [3] Daí que as questões a apreciar neste recurso sejam as seguintes:
1.ª O douto Acórdão recorrido padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, a que alude a alínea a) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal?
2.ª Ou de qualquer outro dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal?
3.ª Nesse caso, daí decorre a nulidade do mesmo e o reenvio do processo para novo julgamento?
4.ª O tempo decorrido desde o início do presente processo viola o direito ao julgamento em prazo razoável, previsto no art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica?
4.ª Sendo assim, que consequências se devem daí retirar?
2.2. Entrando agora decididamente nas duas primeiras das questões que atrás se isolou, importa, antes de mais, ter presente o que nos dizem as diversas alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal. Assim:
«(…)
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. (…).»
Discorrendo sobre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, diz o Prof. Germano Marques da Silva, [4] que a mesma «consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada.» E mais adiante, [5] esclarece o mesmo Autor que «para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.» Por isso, conclui o A. cit., «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.»[6]
Na verdade, naquele caso estamos já no domínio do erro de julgamento da matéria de facto e, portanto, do art.º 412.º (não do art.º 410.º, n.º 2), caso em que «o erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP.» [7]
2.3. Já o segundo dos referidos vícios, «respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do art.º 410.º a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de tacto. A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada.»[8]
Daí se compreenda que a Relação de Lisboa tenha decidido que «existe contradição insanável de fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica suficientemente esclarecida, face à colisão entre os fundamentos invocados.» [9] Valendo isto por dizer que «a contradição insanável da fundamentação (ou entre esta e a decisão) supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e fundamentação». [10]
2.4. Por fim, caracterizando o erro notório na apreciação da prova relevante, último dos enunciados vícios da sentença ou do acórdão, convém voltar agora aos ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva para lembrar que «erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.», [11]
No mesmo sentido aponta a Prof.ª Maria João Antunes, de acordo com a qual «é de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art. 127.º do Código de Processo Penal, quando afirma que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência.”»[12]
E nesta linha tem vindo a seguir a nossa jurisprudência, como foi no caso do já atrás citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-07-2008, segundo o qual «tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida.»[13]
Daí que bem se entenda que a jurisprudência refira que «não se pode confundir erro notório com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência.»[14] Destarte, «quando a invocação de erro na apreciação da prova se baseie em contradições entre depoimentos orais prestados na audiência, ou no resultado de diligências efectuadas perante o tribunal recorrido, será em regra manifesta a improcedência daquela, por não se tratar de situação em que seja possível o recurso às regras de experiência comum e de o vício não resultar do próprio texto da decisão que se pretende impugnar, e só excepcionalmente, isso se não verificará se, e quando, os autos puderem demonstrar por forma inequívoca a inexistência do alegado erro» pelo que «não se pode confundir erro notório com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência.»[15]
O mesmo rumo traçou a Relação do Porto, sustentando que «os vícios do art.º 410.º, 2 do CPP não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal forme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPP.» [16]
Por outro lado, seguindo novamente a lição do Prof. Germano Marques da Silva, «as regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece e respeitam à apreciação de quaisquer das hipóteses previstas no n.º 2 do art.º 410.°.»[17] Entendimento também já acolhido nesta Relação de Évora, explicitando-se então que «o erro notório na apreciação da prova é um vício da sentença que existirá e será relevante quando o homem médio facilmente se dá conta de que o tribunal errou manifestamente na apreciação e valoração que fez das provas produzidas em julgamento, seja porque violou as regras da experiência comum, seja porque se baseou em critérios ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios»[18]e que «… a notoriedade do vício há-de ser perspectivada como juízo próprio de quem decide em tribunal, embora exigindo-se que o erro se apresente como evidente, manifesto, perceptível pela mera análise do texto da decisão recorrida.»[19]
Posto isto, baixemos agora ao caso concreto.
2.5. Comecemos pelo vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de resto o único dos previstos nas três alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal que foi invocado pelo Arguido / Recorrente.
Diremos, antes de mais, ser conveniente deixar aqui expresso os termos em que a lei desenha o crime de fraude fiscal que cuja comissão foi imputada ao Arguido / Recorrente, [20] pois que será daí que há-de resultar compreensível os pressupostos de facto da sua responsabilidade criminal. São eles:
«1. Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7.500. (…).»
Decorre deste normativo que, além do mais que aqui não interessa relevar, «para se falar de simulação fiscal, é necessária a ocorrência de dois requisitos: primeiro, a simulação do acto ou contrato, segundo, dessa simulação resultar um prejuízo do imposto que, de outro modo, seria pago, isto é, a simulação criar aparência à qual não corresponda impossibilidade ou corresponda ou determine uma prestação tributária inferior à que resultaria da vontade real das partes.»[21] Sendo que «os requisitos para que haja um negócio simulado são três (sendo necessária a sua verificação simultânea):
1.º uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
2.º o intuito de enganar terceiros (enganar não é a mesma coisa que prejudicar);
3.º um acordo entre declarante e declaratário - acordo simulatório.»t [22]
Pretende o Arguido / Recorrente que do douto Acórdão recorrido não constam todos os factos que permitiriam imputar-lhe a prática de um crime de fraude fiscal pois que dele não consta ter recebido a quantia total de 90.000.000$00. Ou seja, o douto Acórdão recorrido parte do suposto que ele recebeu do comprador do imóvel o preço que supõe como real (no valor de 90.000.000$00) e não apenas o que considerou como sendo simulado (no valor de 30.000.000$00).
A serem as coisas como pretende o Arguido / Recorrente, naturalmente que o imposto devido ao Estado pela transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel em causa, incidindo sobre o preço escriturado de 30.000.000$00, era o devido e não faria sentido algum falar em fraude fiscal, pois que o devido fora por ele liquidado e pago. Porém, a serem elas como entendeu o Tribunal na fundamentação jurídica que encontrou para os factos que deu como provados, o caso muda substancialmente de figura uma vez que considerou como real o preço de 90.000.000$00 acordado verbalmente entre eles e depois formalizado no contrato-promessa de compra e venda outorgado por eles no dia 16-05-2001 e não de 30.000.000$00 que fizeram constar no contrato ali prometido, pelo que assim faltaria por liquidar e pagar ao Estado a diferença de sisas decorrente desses dois valores.
Olhando ao douto Acórdão recorrido, importa dizer que efectivamente dele não consta com a secura que se exigiria que o contrato prometido foi simulado pelas partes quanto ao preço, sendo que para que assim fosse bastaria dizer que o preço efectivamente pago pelo comprador ao Arguido / Recorrente fora de 90.000.000$00 e não de 30.000.000$00. No entanto, sem procurar saber porque assim foi, o que para a todas as evidências releva é saber se os factos dados por provados permitiam ou não ao Tribunal recorrido chegar à solução jurídica a que chegou.
De entre os mais, o Tribunal recorrido deu por provados os seguintes factos: [23]
18p. Em data não concretamente apurada, o arguido J. acordou com A. e H. em vender-lhes um imóvel identificado por moradia A do lote 2 TR/3, sito em Vilamoura, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé.
19p. Assim, na sequência do acordado, e para formalizar o negócio, a 16 de Maio de 2001 foi celebrado entre as partes contrato-promessa de compra e venda, sendo acordado o preço de Escudos 90.000.000 (448.918,11 Euros), a pagar da seguinte forma: Escudos 30.000.000 (149.639,37 Euros) com a assinatura do referido contrato-promessa, e os restantes Escudos 60.000.000 (299.278,74 Euros) aquando da outorga da escritura de compra e venda.
20p. A 14 de Agosto de 2001, foi celebrada, no 3.º Cartório Notarial de Lisboa, a escritura de compra e venda, na qual o arguido J., NIF …, com domicílio fiscal em ,,,, Vilamoura, alienou a A. e esposa, residentes na Avenida do Restelo, …, em Lisboa, aquele provado imóvel, tendo indicado como valor da venda o preço de Escudos 30.000.000 (149.639,37 Euros).
21p. Nessa sequência, os outorgantes A. e H. pagaram sisa no quantitativo de Escudos 2.614.100 (13.039,08 Euros), correspondente ao valor declarado na escritura de compra e venda do imóvel. 22p. Por sua vez, o arguido apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2001, não declarando o preço real do negócio - Escudos 90.000.000 - para determinação dos ganhos de mais-valia efectivamente resultantes da alienação, os quais ascendem a 197.119,95 Euros.
23p. Sabia o arguido que estava obrigado a declarar o preço real pelo qual tinha celebrado o referido negócio com os compradores e, apesar disso, quis omitir tal valor a fim de pagar uma quantia de IRS mais reduzida, assim obtendo uma vantagem patrimonial ilegítima e causando uma diminuição de receitas à Fazenda Pública no valor de 70.234,54 Euros.
24p. Agiu o arguido mediante prévio acordo e em conjugação de vontades e de esforços com os ditos A. e H., cada um aceitando a conduta do outro, de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas.
Não pretendendo de forma alguma glosar as motivações do Exm.º Sr. Procurador da República junto do Tribunal recorrido, a verdade é que se não consegue perceber onde está a dificuldade do Arguido / Recorrente encontrar factualizado no douto Acórdão recorrido o recebimento por ele da quantia de 90.000.000$00 a título de preço da venda do dito imóvel. Então do douto Acórdão recorrido não consta que entre ele e o comprador fora acordado o preço de Escudos 90.000.000, que na escritura eles mesmos indicaram como valor da venda o preço de Escudos 30.000.000, que aquele apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2001,não declarando o preço real do negócio - Escudos 90.000.000 -, que ele sabia que estava obrigado a declarar o preço real pelo qual tinha celebrado o referido negócio com os compradorese, apesar disso,quis omitir tal valor e, por fim, que em tudo isso agiu o arguido mediante prévio acordo e em conjugação de vontades e de esforços com os ditos A. e H., cada um aceitando a conduta do outro? Não vale isto por dizer, ainda que de uma forma desnecessariamente mais complexa, concede-se, que com o comprador acordou o preço de 90.000.000$00 para a venda do imóvel mas que com ele declarou na escritura pública de compra e venda que o preço era de 30.000.000$00? Não é isso e apenas isso que qualquer declaratário normalmente adestrado entende quando confrontado com esses factos? Claro que sim, não temos quaisquer dúvidas acerca disso e também estamos seguros que o próprio Arguido / Recorrente assim viu e vê as coisas. [24]
De todo o modo, do que também se não tem qualquer dúvida é que o acordado entre o Arguido / Recorrente e o comprador visou enganar o Estado acerca do conteúdo verdadeiro ou real do negócio e tanto basta para a comissão do tipo de crime em apreço.
Demonstrada que está a ocorrência de todos os pressupostos de facto objectivos do tipo de crime de fraude fiscal, diremos agora que a mesma conclusão se impõe relativamente aos subjectivos, pois que no douto Acórdão recorrido se deu por provado que sabia o arguido que estava obrigado a declarar o preço real pelo qual tinha celebrado o referido negócio com os compradores[25] e, apesar disso, quis omitir tal valor a fim de pagar uma quantia de IRS mais reduzida,[26] assim obtendo uma vantagem patrimonial ilegítima e causando uma diminuição de receitas à Fazenda Pública no valor de 70.234,54 Euros e que agiu o arguido mediante prévio acordo e em conjugação de vontades e de esforços com os ditos A. e H., cada um aceitando a conduta do outro, de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas.[27]
Em conclusão, diremos que não existe qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão jurídica encontrada no douto Acórdão recorrido, demonstrado que está a concorrência de todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo previsto na lei, ou seja, o acordo simulatório e o prejuízo para o erário público que daí decorreu. [28]
2.6. Vejamos agora se o douto Acórdão recorrido padece do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, para o que importa considerar, recorda-se, apenas no texto da douta sentença recorrida.
Diremos desde já que também se não descortina qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Pelo contrário, os fundamentos de facto dados por provados entre si harmonizam-se perfeitamente entre si (e se o mesmo se não diz relativamente aos não provados é porque nenhum dos que o Ministério Público inscrevera na acusação ficou por provar).
Na verdade, considerando agora apenas os factos provados, o douto Acórdão recorrido apenas deu por seguro que livre e voluntariamente o Arguido / Recorrente acordou com terceiros a venda a estes de um imóvel por 90.000.000$00 mas formalizou-a por apenas 30.000.000$00, deixando assim de pagar todo o IRS por isso devido ao Estado, o que quis fazer sabendo que tal lhe não era legalmente permitido, sendo evidente que todos esses factos são perfeitamente concordantes entre si, pois não se repelem uns aos outros antes se acomodam na realidade histórica.
Diga-se ainda que se não vê no douto Acórdão qualquer dissonância entre os factos nele dados por provados e a decisão de direito, pois que, quer na presença de todos os factos integradores do tipo de ilícito, quer também do elemento subjectivo, outra não poderia ser a mesma que não fosse a condenação do Arguido.
2.7. Resta dizer que se não vê na sentença qualquer erro notório na apreciação da prova (com o sentido atrás traçado).
Na verdade, os Mm.os Juízes que integraram o Colectivo explicaram que tomaram a decisão com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, sendo que duas delas eram os compradores do imóvel e, por conseguinte, quem poderia saber como as coisas se passaram entre as partes no contrato e, ainda, uma funcionária do fisco que tão bem enunciou os aspectos com relevo fiscal, incluindo os espelhados nos documentos juntos aos autos, que levou, inclusive, a uma alteração dos factos. Sendo certo que a valoração explicitada pelos Mm.os Juízes se mostra concordante com as regras da experiência, tendo sido seguramente por isso que o Arguido / Recorrente aceitou o julgamento da matéria de facto feita pelo Tribunal a quo como adequado aos meios de prova produzidos na audiência de julgamento.
Assim e em jeito de conclusão, diremos que a matéria de facto julgada provada e não provada no douto Acórdão terá que se manter e, face a ela, impõe-se considerar que a conduta do Arguido preencheu todos os elementos objectivos do tipo de ilícito que lhe era imputado e o mesmo também aconteceu relativamente ao elemento subjectivo do tipo, pelo que outro caminho não restava ao Tribunal recorrido que não fosse aquele que seguiu, considerando o Arguido autor material do tipo de crime por que vinha acusado. [29] Com todas as consequências daí decorrentes, naturalmente, incluindo para o pedido de indemnização civil, sobre o que nada mais se dirá porque são matérias excluídas do objecto do recurso. A não ser que as últimas das questões enunciadas se venham a mostrar relevantes para o desfecho do recurso, naturalmente, pelo que de imediato passaremos a debruçarmo-nos sobre elas.
2.8. As duas últimas questões suscitadas pelo Arguido / Recorrente no presente recurso consistem em saber se o tempo decorrido desde o início do presente processo viola o seu direito a um julgamento em prazo razoável, tal como previsto no art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica e, se assim for, quais as consequências que daí se devem retirar.
Diga-se, no entanto, que neste caso melhor será começar pela última questão, pois que se a resposta a ela for no sentido de nenhuma consequência ter o decurso do tempo para o Arguido / Recorrente, [30] irrelevante será responder à primeira.
Salvaguardando o respeito por melhor opinião, cremos que neste processo apenas uma consequência se poderia daí retirar, a saber, a prescrição do procedimento criminal. Porém, essa é uma hipótese que deve ser liminarmente posta de parte.
Na verdade, basta considerarmos que o prazo prescricional é de cinco anos [31] mas que o mesmo se suspende, pelo período máximo de três anos, desde a notificação da acusação ao Arguido / Recorrente [32] e que, descontando esse período de suspensão, sempre haveria de considerar-se, além do mais, que ela se interrompe por um período máximo igual ao tempo normal acrescido de metade. [33]
Deste modo, se aos cinco anos de tempo normal da prescrição deste tipo adicionarmos três anos de tempo máximo da suspensão e a ambos mais dois anos e meio correspondente a metade daquele, atingimos o período máximo de dez anos e meio, contado desde a data da sua comissão, para que o crime prescrevesse. [34] Ora, tendo ele sido cometido no dia 14-08-2001, fica claro que o prazo da prescrição só se verificará no dia 14-02-2011.
Pelo exposto, teremos de concluir que a pretensão do Arguido / Recorrente em ver o processo arquivado por violação do seu direito constitucional a um julgamento em prazo razoável não poderá passar de uma mirífica miragem.
III - Decisão.
Termos em que se nega provimento ao recurso e se confirma integralmente o douto Acórdão recorrido.
Custas pelo Assistente, fixando-se a taxa de justiça do recurso em 6 UC’s [art.os 515.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais].
Évora, 25-02-2010.
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(António José Alves Duarte - Relator)
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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz - Adjunta)
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[1] Uma vez que o douto Acórdão da 1.ª Instância transitou em julgado relativamente aos crimes de que o Arguido / Recorrente fora acusado no processo principal, dispensamo-nos de fazer qualquer referência à parte que deles conheceu. [2] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. [3] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série-A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049. [4] Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, página 334. [5] Cfr. ob. cit., página 335, [6] Idem, ibidem. [7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009,em http://www.dgsi.pt. [8] A. e ob. cits., páginas 335 e seguinte. [9] Acórdão da Relação de Lisboa, de 02-07-2002, visto em http://www.dgsi.pt. [10] Acórdão desta Relação de Évora, de 19-02-2008, disponível em http://www.dgsi.pt. [11] Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, página 336. [12] Conhecimento dos Vícios Previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 4, página 120. [13] Consultado em http://www.pgdlisboa.pt. [14] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-10-2000, visto em http://www.trc.pt. [15] Acórdão da Relação de Coimbra, de 11-07-2001, visto em http://www.dgsi.pt. [16] Acórdão da Relação do Porto, de 17-06-2009, visto http://www.dgsi.pt. [17] Processo Penal, volume III, 3.ª edição, página 334. [18] Acórdão da Relação de Évora, de 10-10-2006, em http://www.dgsi.pt. [19] Acórdão da Relação de Évora, de 30-01-2007, http://www.dgsi.pt. [20] Art.º 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. [21] Hugo Lacerda, O Crime de Fraude Fiscal - Estudo e Reflexão, página 50. [22] Idem, página 49. [23] Já os sublinhados são nossos. [24] Assim nos permitimos concluir tendo em conta que o mesmo ocorreu com compradores, pelo que se viu da análise crítica da prova feita no douto Acórdão recorrido… [25] Elemento intelectual do dolo. [26] Elemento volitivo do dolo. [27] Consciência da ilicitude do facto que praticou. [28] Tudo conforme salientado pelo A. na ob. atrás citados. [29] Note-se que o montante de € 70.234,54 de IRS devido pelo Arguido / Recorrente afasta a aplicabilidade do n.º 2 do art.º 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. [30] Para o Estado tem uma outra, naturalmente, pois que esteve desde sempre privado do imposto a que tem direito. Mas isso poderá ser remediado pela cobrança dos juros compensatórios e moratórios. [31] Art.os 103.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal. [32] Art.º 120.º, n.os 1, alínea b), 2 e 3 do Código Penal. [33] Art.º 121.º, n.º 3 do Código Penal. [34] Cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, página 335.