DIVISÃO DE COISA COMUM
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
REDUÇÃO DO PREÇO
Sumário


I - Sendo necessário proceder à venda dum imóvel comum e tendo as partes deliberado que a mesma se faria na modalidade de venda por negociação particular, o juiz, ouvidas as partes e perante a dificuldade de se obter comprador que se disponha a cobrir o preço mínimo, pode autorizar a venda por preço inferior, mesmo que as partes não se tenham pronunciado nesse sentido.
II – No entanto não deve fazê-lo sem proceder à averiguação, nomeadamente, através de perícia adequada, de qual será, efectivamente, o valor de mercado do imóvel, para após e em consciência, mesmo com a não anuência de alguma das partes (não anuência, que nem se justificará após a verificação do valor real do imóvel), poder autorizar a venda pelo preço que efectivamente se venha a constatar ser o verdadeiro e real preço de mercado.

Texto Integral


Agravo n.º 150-E/1991.E1 (1ª Secção Cível)






ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA




No âmbito de acção de divisão de coisa comum, processo n.º 150/1991, a correr termos no Tribunal Judicial de Loulé (1º Juízo Cível), em que Pa…………… Lda., demanda Veiga………………., Lda., na qual se pretende pôr fim à comunhão que ambas detêm sobre um bem imóvel, foi em 29/01/2009 proferido o seguinte despacho.
Considerando a posição da ré e o valor proposto (aquém do valor mínimo da venda), notifique a encarregada da venda para diligenciar pela obtenção de melhor proposta, informando nos autos o resultado obtido, em 20 dias.
Sobre este despacho foi solicitado, pela autora, aclaramento tendo o Julgador feito consignar, em 11/03/2009, o seguinte:
Perante as dúvidas suscitadas pela autora, cumpre esclarecer que foram as partes que, por acordo e sem recorrer ao mecanismo previsto no artº 866º - A, n.º 2 do Código de Processo Civil, fixaram o valor mínimo para a venda, sendo certo que, como se evidencia, as propostas apresentadas ficam aquém daquele valor.
Assim sendo, não poderá o Tribunal determinar, contra o decidido pelas partes, na venda do bem por valor inferior, a menos que exista acordo da autora e da ré.
Como tal acordo não se evidencia, sendo certo que, como bem refere a autora, não é obrigada a permanecer na indivisão, cumpre que esclareça, em face do requerido, quais os procedimentos que pretende sejam adoptados.
Destarte, entendendo que nada mais haverá a esclarecer, notifique a autora para, em 10 dias, informar ou requerer o que tiver por conveniente, designadamente se pretende a avaliação do bem, caso em que, por acordo, indicará perito/avaliador, ou adquirir a metade que pertence à ré.
Por não se conformar com o despacho e respectiva aclaração, veio a interpor o competente recurso, que viria a ser admitido como agravo, tendo apresentado as respectivas alegações, terminado por formular as seguintes conclusões:
I - Na venda de imóvel com vista a pôr fim á compropriedade, o regime a seguir é o da venda executiva, tal como aliás já foi decido nos presentes autos;
II - Na venda por negociação particular, é possível fixar o valor mínimo da venda abaixo do valor mínimo inicialmente indicado pelas partes, sem o acordo de uma delas, designadamente executado ou demandado;
III - Cabe o Juiz do processo determinar o abaixamento, quando, em face das circunstâncias concretas, designadamente quando o encarregado da venda tenha sido diligente e decorrido prazo razoável, não seja encontrada melhor proposta para a venda, e desde que haja pelo menos a concordância de uma das partes, designadamente do exequente ou do autor;
IV - Dada a finalidade da venda executiva por negociação particular, enquanto modalidade legalmente escolhida quando as demais se frustrem, o abaixamento do preço mínimo para a venda, uma vez verificada a impossibilidade de ser concretizada, só não deverá ocorrer quando ambas as partes, por disporem do processo, nisso estejam de acordo, mas o douto despacho recorrido perfilha exactamente entendimento contrário, do que poderá resultar que fique aberto o caminho para aquele que não esteja interessado na venda (em regra, o executado na execução e o Réu na divisão de coisa comum) empecilhar e impedir ad eternum que o direito ao recebimento do crédito ou o direito à divisão, se concretizem. No caso, isso é bem patente em todas as delongas processuais que a Ré concitou ao processo, traduzidas em inúmeros recursos, sempre sem êxito, em todas as instâncias, que trazem ao processo a duração de já 19 anos.
V - A venda por negociação particular representa a modalidade de recurso ou de “escape ”para que a venda frustrada no regime regra, que é o da venda por propostas em carta fechada, se realize, e nesse sentido não pode deixar de ser feita mesmo que haja oposição de uma das partes quanto ao abaixamento do preço mínimo, desde que se mostre com razoabilidade que é impossível a venda por tal preço, como é o caso vertente;
VI - No caso essa impossibilidade está razoavelmente demonstrada pelo conjunto de diligências que constam dos requerimentos da Encarregada da Venda e pelo longo e mais do que suficiente tempo por que as mesmas perduram.
VII - O douto despacho recorrido, ao fazer depender a venda por negociação particular do acordo de uma das partes, quanto o valor da maior oferta não atinja o inicialmente indicado por acordo, interpreta e aplica erradamente ao caso a regra do art° 904°, n.º 1, al. d) e 905°, n° 1, ambos do C.P.C. e é contrário à realização do direito à divisão previsto no art° 1412° do C. Civil.
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Foram apresentadas contra alegações nas quais se pugnou pela manutenção do decidido.
O Julgador a quo sustentou o julgado.
Apreciando e decidindo

Como se sabe o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil.

Caberá então, apreciar, se bem andou o Julgador em solicitar ao encarregado da venda que diligenciasse pela obtenção de uma melhor proposta sobre o bem a vender, atendendo a que as, até então, apresentadas se cifravam em valor inferior ao mínimo anunciado, ou se, pelo contrário, se imporia, tal como defende a recorrente, que, desde logo, autorizasse a realização da venda pelo melhor preço até então oferecido, mesmo que inferior ao valor mínimo e sem a concordância da requerida.
Com interesse para a decisão haverá que ter em conta o seguinte circunstancialismo factual:
Após ter sido decidida a questão da indivisibilidade do imóvel em causa, foi ordenada, em 11/09/2007, a sua venda, por meio de propostas em carta fechada por um valor base de € 10 750 000,00, sendo o valor a anunciar igual a 70% deste valor base.
Na data designada para a abertura das propostas, 06/11/2007, foi apresentada, apenas, uma proposta, no valor de € 3 000 000,00, que as partes não aceitaram, pelo que foi requerida e ordenada a venda negociação particular, pelo preço mínimo equivalente ao já antes anunciado para venda por meio de propostas em carta fechada.
No âmbito da das diligências efectuadas pelo encarregado da venda e até pelo menos, 29/01/2009, a melhor proposta que lhe chegou e de que deu conhecimento ao tribunal foi no valor de € 4 350 000,00.
A autora, ora recorrente, em 16/01/2009, requereu ao Tribunal que autorizasse a venda por tal preço, uma vez que se lhe afigurava que não seria conseguido melhor preço, tendo-se a ré oposto a que a venda se realizasse por esse valor.
Na sequência do requerido pela autora veio a ser proferido o despacho impugnado, de 29/01/2009, bem como a respectiva aclaração de 11/03/2009.
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Vejamos então!
Pelas disposições citadas referentes ao CPC, quer pelo Julgador a quo, quer pelas partes, evidencia-se que no âmbito da tramitação do processo de venda a que se seguiu à fase em que não houve acordo relativamente à adjudicação, foram aplicadas as disposições legais vigentes para a venda executiva, à data em que a mesma foi ordenada (Setembro de 2007).
Todavia, caberá ter em atenção que os autos foram instaurados no ano de 1991 e, com o tal, deve-se ter-se em conta essa realidade, já que todas as alterações efectuadas na lei processual cível, no que ao processo executivo em geral e à venda em particular respeitam, só vigoram para futuro, apenas sendo aplicáveis aos processos iniciados após a data da respectiva entrada em vigor, tal como decorre dos artºs 16º do Dec. Lei 329-A/95 de 12/12 na versão introduzida pelo Dec. Lei180/96 de 25/09; artº 4º n.º 1 e 2 do Dec. Lei 199/2003 de 19/09; artº 2º n.º 1 do Dec. Lei 38/2003 de 08/03.
Desta forma no que a tramitação da venda respeita as normas reguladoras a ter em conta serão as constantes do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo Dec. Lei 329-A/95 de 12/12.
No que concerne à venda por negociação particular, consigna-se no artº 887º do CPC que “no despacho que ordene a venda, designar-se-á pessoa que fica incumbida da efectuar, podendo logo fixar-se preço mínimo”, mas “se não tiver sido fixado preço mínimo, não pode o mandatário fazer a venda por preço inferior àquele por que os bens teriam de ser postos em praça e mais um quarto, salva autorização especial do juiz, ouvidas as pessoas que houverem requerido a venda” (cfr. n.ºs 1 e 2).
No caso em apreço as partes previamente acordaram sobre o preço do bem a vender, e requereram que a venda se fizesse por negociação particular, depois da modalidade por propostas em carta fechada não ter produzido os efeitos desejados, tendo o bem sido posto à venda com base nesse preço acordado, ou seja, no montante equivalente a 70% desse valor (€ 7 525 000,00), não se tendo ab initio fixado qualquer outro preço mínimo com que a mesma se pudesse efectuar.
Tal preço de venda não foi coberto por qualquer das ofertas recebidas pelo encarregado da venda, pelo que caberá aos interessados ou ao Juiz autorizarem a venda por preço mais baixo, ou insistirem, com novas diligências, pelo preço fixado.
Os interessados na venda, mesmo sabendo das dificuldades que tem tido o encarregado da venda de conseguir o preço acordado por ambos para a venda do imóvel, não se puseram de acordo no sentido de concederem autorização para que a venda se possa realizar por preço inferior, ficando assim, nas mãos do Juiz a decisão de adoptar o procedimento que julgue mais adequado, sendo certo que a autora, ora recorrente é da opinião que o juiz deve autorizar a venda por preço inferior.
Todavia, não obstante o Juiz poder dar, após audição dos interessados, “autorização especial” para se proceder à venda por preço inferior ao valor indicado, não podemos, por um lado, olvidar que ele deve acatar o que os interessados deliberarem no âmbito da venda por negociação particular, cuja modalidade tiveram liberdade de optar e, por outro lado, ter em consideração que não estamos perante a venda de um bem de reduzido valor em que independentemente da posição dos interessados sempre seria lícito e adequado ao Julgador, para resolver qualquer situação de impasse, usar dos seus poderes e conceder autorização especial para a venda, mesmo à revelia da posição de todos ou de qualquer quer um deles.
Acresce, e tal não se mostra irrelevante, que no caso em apreço, não temos uma litigância antagónica, em que num dos lados surge o interesse do exequente em ver cobrado o seu crédito total ou parcialmente, pretendendo que a venda dos bens se realize quanto mais depressa melhor, e do outro lado, o interesse do executado em não se ver despojado dos bens tudo fazendo para que tal ocorra, quanto mais tarde melhor.
No caso dos autos em que o que está em causa é uma divisão de coisa comum, a posição das partes é idêntica e de igualdade, pois, ambos são interessados e com a venda do bem não há perdas de um em benefício do outro, já que, após a venda, o seu produto é distribuído de acordo com a posição que as partes já anteriormente detinham sobre o bem em venda e de que são comproprietários.
O bem em venda é um imóvel ao qual as partes atribuíram o valor de € 10 750 000,00, pelo que entendemos não fazer sentido o Juiz, sem acordo dos interessados, e sem previamente se estribar em avaliação efectuada por técnico idóneo, usar da faculdade prevista na lei, e conceder autorização especial para a venda por um preço inferior a metade daquele que as partes acordaram ser ao ajustado, mesmo que presentemente uma delas preconize e exija essa solução.
O facto do presente processo se “arrastar” desde 1991, não pode, por muito que custe à autora (que certamente também terá a sua quota de responsabilidade por tal arrastamento aliada à quota que caberá à ré) sindicar uma actuação do julgador que possa pôr em causa a certeza na tomada de posição por não ter elementos concretos sobre o real valor do bem onde possa alicerçar a sua convicção.
A decisão tomada pelo Julgador a quo, embora alicerçado no fundamento (que discordamos) de que “não poderá o Tribunal determinar, contra o decidido pelas partes, na venda do bem por valor inferior, a menos que exista acordo da autora e da ré”, à luz da “jurisprudência das cautelas”, quanto a nós, terá de prevalecer, atendendo ao bem em questão e ao valor indicado por ambas as partes para a alienação do mesmo.
Em face das normas do CPC aplicáveis ao processo de venda, tendo em conta a data da entrada em juízo da acção, mesmo discordando-se parcialmente dos fundamentos, nenhuma censura merece a decisão recorrida devidamente aclarada, o mesmo se dirá, em face das normas presentemente em vigor e chamadas à colação, quer pelo Julgador, quer pelas partes, muito embora, ao contrário do que aquele afirma, tenha poderes para autorizar a venda por preço inferior ao valor indicado para alienação.
Diferentemente do que acontecia no âmbito do normativo que regulava a venda executiva, no CPC, na redacção anterior ao Dec. Lei 329-A/95, presentemente inexiste norma expressa que permita ao Juiz proceder a “autorização especial” para que a venda se possa realizar por preço inferior ao anunciado, só podendo aceitar-se propostas de valor inferior caso todos os interessados acordem na sua aceitação, conforme decorre do artº 894º n.º 3 do CPC, que não obstante dizer directamente respeito à modalidade de venda por propostas em carta fechada, não deixa de poder ter relevância no âmbito da modalidade de venda por negociação particular, o que, contudo, não significa que o Juiz deixe de ter a palavra final, quer na fase inicial e no âmbito da fixação da modalidade da venda e do valor dos bens a vender, em caso de desacordo dos interessados, resolvendo a discórdia, sem sequer ser dada a possibilidade de recurso (cfr. artº 886º - A n.ºs 4 e 5), quer numa fase posterior, já em pleno processo de diligências de realização da venda por negociação particular, de a autorizar por preço inferior, caso não exista acordo dos interessados. [1]
Mas, mesmo sendo sempre possível, por autorização judicial (embora a lei expressamente o não diga), a realização da venda por preço inferior ao anunciado, no caso dos autos, sempre seria de averiguar, já que se trata de um imóvel, perante as dificuldades em atingir o preço anunciado, qual o valor de mercado (valor justo) do bem objecto da venda, antes de se proceder a qualquer autorização de venda por preço inferior, processo de averiguação esse, em que as partes poderiam e deveriam dar a sua contribuição (até porque estão as duas “no mesmo barco”, não existindo a dicotomia verificada entre exequente e executado), nomeadamente com a indicação de perito avaliador com competências exigíveis para o acto, conforme aliás, foi solicitado à recorrente no despacho de 11/03/2009.
Não podemos olvidar que ambas as partes escolheram a modalidade da venda e fixaram o preço base, havendo convergência de vontades e convergência de valores no âmbito de consensualidade com vista á prossecução do interesse comum no sentido do bem ser vendido pelo maior preço possível.
Tratando-se de um bem imóvel, normalmente com tendência de valorização, não é usual que se deprecie tão significativamente em pouco mais de um ano, mesmo com a crise económica que assola o país, ao ponto de se evidenciar uma desvalorização para cerca de metade do seu valor inicial, valor este que as partes, em convergência, reconheciam como sendo o seu valor de mercado. Ou, será que as partes, pretendendo «enganar» possíveis compradores, assaz descuidados, se enganaram a si próprias ao indicarem o aludido preço de venda do imóvel? Tal, só se poderá saber com razoável certeza se o bem for, caso não tenha, ainda, encontrado comprador, sujeito a uma avaliação por técnico com competências reconhecidas.
Assim, fará todo o sentido, em face da posição da ré sobre a realização da venda por preço inferior ao acordado, que o Julgador insista pela diligência de se angariar melhor preço ou proceda à averiguação, nomeadamente, através de perícia adequada, de qual será, efectivamente, o valor de mercado do imóvel, para após e em consciência, mesmo com a não anuência de alguma das partes (não anuência, que nem se justificará após a verificação do valor real do imóvel), poder autorizar a venda pelo preço que efectivamente se venha a constatar ser o verdadeiro e real preço de mercado.
Nestes termos, entendemos ser de manter a decisão recorrida e negar provimento ao agravo.
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DECISÂO
Pelo exposto, nos termos e fundamentos supra referidos, decide-se negar provimento ao agravo.
Custas pela agravante.



Évora, 03 de Março de 2010

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Mata Ribeiro
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Sílvio Teixeira de Sousa
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Rui Machado e Moura




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[1] - v. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes in Código de Processo Civil Anotado, 2003, vol. 3º, 601.