RESOLUÇÃO DO ARRENDAMENTO
CADUCIDADE DO SUBARRENDAMENTO
EXECUÇÃO DO DESPEJO
Sumário


1 – O subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer forma, do contrato de arrendamento.
2 – A sentença que decreta a resolução do contrato de arrendamento e ordena a entrega do locado ao seu proprietário é título executivo válido e eficaz para, numa acção executiva para entrega de coisa certa, se proceder à entrega coerciva do locado, independentemente da ocupação, ser agora efectuada por um subarrendatário e não pelo arrendatário, demandado na acção declarativa.
3 – O subarrendatário não pode impedir a entrega da coisa ao seu legitimo proprietário, tão só, pode suspender precariamente as diligências executórias desde que se verifiquem os requisitos a que alude o artº 930º - B, n.º 2 al. b) do CPC (artº 60º do RAU).

Texto Integral


Apelação n.º 1030/06.4TBOLH-A.E1 (1ª Secção Cível)











ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



Laura …………………………. e José……………….., residentes em Lisboa, vieram instaurar no Tribunal Judicial de Olhão (3º Juízo) acção executiva contra Maria ……………, residente em Olhão, apresentando como título executivo uma sentença condenatória e requerendo a citação da executada para no prazo de 20 dias, fazer a entrega do rés do chão do prédio com os n.ºs 83 a 85 da Rua 18 de Junho e 1 a 9 da Rua Serpa Pinto, em Olhão, da qual são proprietários.
Após citação da executada, que não deduziu oposição, nem entregou o imóvel, veio o Solicitador de Execução a “não levar a cabo a diligência de despejo” em virtude de no requerimento executivo dizer-se que “o rés-do-chão despejando tem os n.ºs de polícia 83 e 85 da Rua 18 de Junho e 1 a 9 da Rua Serpa Pinto”, verificando- -se que “a parcela ocupada por Filomena Santos tem entrada pelo n.º 11 da Rua Serpa Pinto”, informando desse facto os exequentes.
Estes através de requerimento argumentaram e solicitaram ao Tribunal que ordenasse o prosseguimento da execução “com efectivo despejo in totum do rés-do-chão dos autos.”
Na sequência deste requerimento apresentado pelos executados foi o processo concluso ao Juiz que, apreciando a questão, proferiu decisão cujo dispositivo reza:
“Em consequência, sendo certo que os Executados apenas pretendem a entrega de coisa certa na parte em que está ocupada pela Maria Filomena ……………, pois é esta que se recusa a entregar a parte do imóvel, indefere-se liminarmente a execução, nos termos do disposto no artigo 820°. n.° 1 e 812°, n.° 2, alínea b), extinguindo-se a presente execução.”
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Irresignados com esta decisão, vieram os exequentes interpor o presente recurso de apelação e apresentar as respectivas alegações, terminando por formularem as seguintes conclusões, que se transcrevem:
a) O despacho recorrido, ao indeferir in limine a execução e ordenar a sua extinção, ofendem o caso julgado formado pela sentença exequenda;
b) Com tal ofensa o despacho em causa violou o disposto nos arts. 671º-1 e 673º do C.P.C.; ora,
c) Os exequentes têm o direito à realização coerciva do despejo decretado pela sentença exequenda;
d) A extinção da execução, sem que se procedesse ao requerido despejo, consubstancia denegação do direito dos exequentes à realização judicial coerciva do despejo, com violação do preceituado no art. 2-2 do C.P.C.;
e) O despacho recorrido, ao inculcar ser obrigatória a intervenção no processo da sublocatária Filomena, aventa uma exigência infundada e, do mesmo passo, viola a regra do art. 55-1 do C.P.C..
f) A acção de despejo (processo principal) correu entre os interessados com legitimidade jurídica para tal e a sentença nela proferida declarou extinto o arrendamento em causa;
g) Daí resulta que os subarrendamentos outorgados pela inquilina Licete, incluindo o da Filomena, caducaram por força do disposto no art. 1089 do Cód. Civil, o que foi ignorado pelo despacho recorrido;
h) A sentença exequenda é título executivo com plena validade legal, pelo que recusar executá-la nos seus precisos termos é flagrante violação do preceituado nos arts. 47-1 e 673 do C.P doutro passo,
i) A fundamentação insita no despacho em recurso para o indeferimento liminar da execução — art. 820, n°. 1 e art. 812, n°.2-b do C.P.C. — é inoperante para o fim em vista, donde se tira a consequência do atropelo desses dispositivos legais; finalmente,
j) O despacho de extinção da execução, além de extemporâneo, corresponde à negação do dever de administrar justiça (violação do disposto no art. 156-A do CPC), sendo curial referir que, no caso sub judice, houve total omissão do uso dos poderes conferidos ao Juiz pelo art. 265 do C.P.C.
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Não foram apresentadas contra alegações.
Apreciando e decidindo

Como se sabe o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 685º-A todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, no que ao recurso respeita, a questão é a de saber se o título dado à execução – sentença condenatória decretando o despejo - é título executivo bastante para proceder à entrega do locado ao seu proprietário, mesmo que ocupado, não por o arrendatário contra o qual foi deduzido a acção de despejo, mas por um subarrendatário.
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Para apreciação da questão há que ter em conta o seguinte circunstancialismo factual:
1 - O título dado à execução é uma sentença condenatória, proferida no âmbito de acção de despejo que os ora exequentes moveram à ora executada e dela resulta que:
a) - Os exequentes são donos e possuidores do prédio urbano composto por dois pavimentos sito na Rua 18 de Junho n.ºs 81, 83 e 85, fazendo esquina para a Rua Serpa Pinto, para onde tem os n.ºs 1 a 11, concelho e freguesia de Olhão, inscrito na matriz sob o artigo 1275.
b) - A executada era arrendatária de todo o rés do chão do aludido prédio, com acesso à via pública pelos n.ºs de polícia 83 e 85 da Rua 18 de Junho e 1 a 9 da Rua Serpa Pinto, tendo no locado instalado um estabelecimento comercial de sapataria.
c) - Em data não apurada, anterior a Dezembro de 2005 a executada dividiu em três parcelas a colocado tempo proporcionado o gozo temporário de cada uma delas a terceiras pessoas, sendo uma dessas pessoas Maria Filomena …………., mediante contrapartida mensal de € 100,00.
d) - Os exequentes não autorizaram verbalmente ou por escrito, o gozo por terceiros, nem foram informados da sua ocorrência.
e) - Por decisão proferida nesta aludida acção de despejo foi decretada “ resolução do contrato de arrendamento entre os AA Laura…………. e José …………… a R. Maria Licete………..l, que teve por objecto o rés-do-chão do prédio sito na Rua 18 de Junho, com acesso à via pública pelos n.ºs 83 e 85 da Rua 18 de Junho e números 1 a 9 da Rua Serpa Pinto” e foi a ré condenada “a despejar imediatamente o arrendado, entregando-o aos AA livre de pessoas e bens.”
2 - Na data em que o agente de execução procedeu à diligência com vista à entrega do imóvel aos exequentes uma parte do mesmo estava a ser ocupado por Maria Filomena………… a qual acedia ao mesma pelo n.º 11 da Rua Serpa Pinto.
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Conhecendo da questão
O Julgador a quo no despacho impugnado ao apreciar o requerimento apresentado pelos exequentes no qual solicitavam, em face do titulo que dispunham, o “efectivo despejo in totum do rés-do-chão dos autos” concluiu que, em face do título dado à execução, Maria Filomena……….. apresenta-se como um terceiro, que não figura no mesmo, donde “o pedido não se harmoniza com o título, há uma contradição entre aquele e este, sendo que o título funciona como causa de pedir, ocorrendo uma ineptidão do requerimento executivo, nos termos do disposto no artigo 193.º, n.° 2 alínea b) do C.P.C., na parte em que se verifique aquela contradição, por excesso de execução”, tendo declarado extinta a execução a coberto das disposições constantes nos artº 820º n.º 1 e 812º n.º 2 al. b) do CPC.
Não podemos perfilhar de tal entendimento, pois em nossa opinião o pedido formulado na execução harmoniza-se perfeitamente com o título que o suporta, uma sentença condenatória.
Caberá primeiramente apreciar a alegada eventual contradição com que se deparou o Solicitador de Execução ao proceder à diligência, consubstanciada no facto de na parte condenatória da sentença se fazer alusão, relativamente ao locado aos n.ºs 1 a 9 da Rua Serpa Pinto e a ocupante Maria Filomena…………., aceder ao mesmo através do n.ºs 11, o que poderia inculcar estar-se perante outro prédio, que não o locado, a que se alude no título dado à execução.
Dos esclarecimentos prestados pelos exequentes no seu requerimento de 06/10/2009 e do teor da sentença condenatória que serve de título executivo resulta que a contradição é apenas aparente e não real. O arrendamento dizia respeito “a todo o rés do chão do prédio” que tinha acesso à via pública pelos n.ºs 1 a 9 da Rua Serpa Pinto e teriam sido, certamente, as obras de divisão do locado “em três parcelas” com vista a proporcionar “o gozo temporário” a três outras pessoas, entre as quais a Maria Filomena ……… que originaram que o acesso desta à sua parcela se fizesse pelo n.º 11, que, até então, só dava acesso ao 1º andar do prédio.
Mas independentemente das discrepâncias existentes relativamente ao acesso ao rés do chão locado, através dos n.ºs de polícia, não há a menor dúvida que o despejo, tal como se evidencia da sentença que serve de título à execução, diz respeito à totalidade do rés-do-chão do prédio, sendo, por tal, irrelevante a forma como presentemente a ele (ou a parte dele) se acede, que pode não condizer, nos precisos termos, com os números de polícia explicitados no contrato de arrendamento.
Não restam dúvidas, assim, pela apreciação global do título executivo que a resolução do contrato de arrendamento a que aí se alude diz respeito a todo o rés-do-chão, ou seja, também à parte ocupada por Maria Filomena ……………...
Verificando-se, desta forma, a existência de título que reconhece a resolução do contrato de arrendamento com a ora executada e a condena a “despejar imediatamente o arrendado,” não se pode defender, como o fez o Julgador a quo, que tal título executivo não vale contra terceiro (subarrendatário) porque o “terceiro nenhuma intervenção teve no processo principal.”
A subarrendatária Maria Filomena……………, até porque essa qualidade não lhe era reconhecida pelos ora exequentes, que nunca foram informados, nem autorizaram o subarrendamento, não tinha que ter intervenção no processo em que se pedia a resolução do contrato de arrendamento e o consequente despejo, já que esta acção aprecia somente as relações entre as partes contratantes do contrato que subjaz à pretensão – o de arrendamento.
A ocupação do imóvel à sombra do contrato de subarrendamento não autorizado e não reconhecido pelo senhorio, até porque não lhe foi comunicado, constitui acto ilícito que não poderá merecer a protecção da lei, [1] não podendo, por isso, relevar para o fim de obstar ao despejo, até porque o subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, conforme decorre do artº 1089º do CC, o mesmo acontecia no domínio da vigência do RAU, sendo que o aludido preceito traduz, ipsis verbis o que constava no artº 45º deste último diploma, que, por sua vez, correspondia ao artº 1102º (revogado) do CC, não tendo o sublocatário “qualquer outro direito a não ser o de ser indemnizado pelo sublocador.” [2]
É certo, que o subarrendatário pode obstar ao prosseguimento da execução suspendendo-a, caso demonstre o preenchimento de certos condicionalismos legais mas, de tal, não se pode retirar que o título que serve de base à execução não tenha força executiva no âmbito da pretensão formulada.
Desta forma, a execução só poderá deixar de ser efectuada, embora possa proceder-se à suspensão das diligências executórias se o ocupante, subarrendatário, munido de título de subarrendamento emanado do executado e de documento comprovativo de ter dado conhecimento desse facto ao exequente ou de este ter autorizado ou reconhecido o ocupante, como subarrendatário (v. artº 930º -B n.º2 al. b) do CPC, que correspondia ao artº 60º do RAU e, anteriormente ao artº 986º do CPC, no qual se estabelecia, como regra, que “o mandado de despejo executar-se-á, seja qual for a pessoa que esteja na detenção do prédio”).
Mas, tal situação “suspensiva” não poderá deixar de considerar-se excepcional, dado que “um dos traços mais característicos – e mais gravosos – do subarrendamento, enquanto subcontrato, está na sua normal extinção, como corolário da extinção do arrendamento que é a sua base.” [3] Tal suspensão, tendo havido correcta extinção do arrendamento principal, não se destina a obstar à entrega efectiva do locado ao seu proprietário, antes é, apenas, destinada a “conferir ao subarrendatário um prazo minimamente razoável para desocupar o imóvel” atenta a caducidade do subarrendamento com a extinção do arrendamento. [4]
Em suma, diremos que não faz qualquer sentido em face da lei, a posição defendida pelo Julgador a quo, de que os exequentes não estão munidos de título bastante oponível à subarrendatária que ocupa o locado, por não existir harmonia entre o título e a pretensão, declarou extinta a execução. Pois, o artº 1089º do CC, em consonância com o que acontecia no artº 45º do RAU, que correspondia, anteriormente, ao artº 1102º do CC, elimina quaisquer dúvidas, que pudessem existir, “quanto à possibilidade de ser executado despejo contra o subarrendatário que não tivesse sido ouvido ou citado para a acção”, mesmo que tal possa evidenciar eventual contradição relativamente a certas regras processuais. [5]
Nestes termos, merece procedência a apelação e censura a decisão impugnada, que deve ser substituída por outra que possibilite a normal tramitação da acção executiva.
Para efeitos do n.º 7 do artº 713º do Cód. Processo Civil, em conclusão:
1 – O subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer forma, do contrato de arrendamento.
2 – A sentença que decreta a resolução do contrato de arrendamento e ordena a entrega do locado ao seu proprietário é título executivo válido e eficaz para, numa acção executiva para entrega de coisa certa, se proceder à entrega coerciva do locado, independentemente da ocupação, ser agora efectuada por um subarrendatário e não pelo arrendatário, demandado na acção declarativa.
3 – O subarrendatário não pode impedir a entrega da coisa ao seu legitimo proprietário, tão só, pode suspender precariamente as diligências executórias desde que se verifiquem os requisitos a que alude o artº 930º - B, n.º 2 al. b) do CPC (artº 60º do RAU).
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DECISÂO
Pelo exposto, nos termos supra referidos, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão impugnada, determinando-se o prosseguimento da execução, com a realização das diligências executórias tendentes à entrega efectiva do rés-do-chão, em causa, aos exequentes.
Custas pela executada.

Évora, 17 de Março de 2010


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Mata Ribeiro



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Sílvio Teixeira de Sousa



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Rui Machado e Moura




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[1] - v. ac. STJ n.º 72188 de 17/01/85, referenciado por J.A.Santos in NRAU Anotado, 2006, 394.
[2] - v. Isidro de Matos i n Arrendamento e Aluguer, 271.
[3] - v. Pais de Sousa, Cardona Ferreira, Lemos Jorge in Arrendamento Urbano, Notas Práticas, 42.
[4] - v. Maria Olinda Garcia in A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, Anotado, 2006, 84; Maria Olinda Garcia in A Acção Executiva para Entrega de Imóvel Arrendado, 2006, 91.
[5] - v. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, 2ª edição, vol. II, 529.