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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Sumário
I - No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um certo resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
II - O prestador pode, na execução do serviço, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer.
III – O prestador do serviço responde pelo incumprimento defeituoso do trabalho, independentemente de quem o realizou e a sua responsabilidade só é afastada se o facto é imputável ao credor ou a terceiro ou se resultar de circunstância de força maior ou de caso fortuito.
IV – Recai sobre o devedor o ónus da prova que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não lhe é imputável, face à presunção de culpa do n° 1 do artigo 7990 do Código Civil.
V – Não sendo possível apurar o valor dos danos imputáveis ao prestador de serviços, haverá que recorrer ao critério da equidade.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * “A” demandou, no Tribunal da comarca de …, “B” tendo alegado, em síntese, que se dedica, entre outras, à actividade de assistência turística a pessoas e veículos, nomeadamente, presta serviços de assistência em viagem aos segurados de “C”.
No dia 2 de Fevereiro, o veículo de matrícula MU, seguro na “C”, através de apólice que incluía a assistência em viagem, entrou em despiste e ficou imobilizado numa ravina existente na berma direita, tendo sofrido danos nas laterais, no valor de 1.000,00 euros.
O condutor contactou a autora, a qual solicitou os serviços de reboque da ré.
Ao efectuar o serviço de reboque, o funcionário da ré engatou o cabo apenas num dos ganchos de engate existentes no veículo sinistrado, o que ocasionou que se tivesse partido o gancho de reboque, arrancando o pára-choque traseiro.
Após, o veículo sinistrado caiu desgovernado por uma ribanceira e foi embater num aqueduto em cimento, provocando danos no valor de 5.635,34 euros, o que determinou a perda total do veículo, uma vez que este, à data do sinistro, tinha o valor venal de 6.750,00 euros.
A autora indemnizou o segurado da “C” pelo valor correspondente ao valor venal do veículo e diligenciou pelo aluguer de uma viatura de substituição, entre 3 de Abril de 2007 e 28 de Maio de 2007, no que despendeu 2.787,83 euros.
Terminou a pedir a condenação da ré no pagamento da quantia de 9.357,83 euros, acrescida de juros de mora à taxa comercial, desde o pagamento efectuado pela autora.
A ré contestou no sentido da improcedência da acção, salientando, inter alia, que utilizou as regras e procedimentos adequados e que foi o mau estado do gancho de engate que levou a que se tivesse partido.
Impugnou, ainda, o montante dos danos sofridos pelo veículo, ao resvalar pela ribanceira, invocando que foi o despiste que causou danos avultados ao veículo.
Procedeu-se ao saneamento do processo, com selecção da matéria de facto relevante.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.
Inconformada, a autora apelou, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem:
1ª. Contrariamente ao decidido em 1ª instância, entre a apelada e a apelante estabeleceu-se um contrato de prestação de serviços.
2a. Na execução do contrato verificou-se a falta de diligência por parte da apelada.
3a. De tal circunstância resultou a ocorrência de danos acrescidos no veículo a rebocar.
4a. A apelante viu-se forçada a indemnizar o lesado por força dos prejuízos que este sofreu.
5a. A apelada constitui-se, assim, na obrigação de indemnizar a apelante por via do direito de regresso que a esta assiste.
6a. Não tendo sido possível determinar com rigor a extensão e repartição dos danos, deverão os mesmos ser assumidos em igual proporção por apelante e apelada.
A ré não contra-alegou.
Os Exmos Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos.
São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:
1. A autora é uma empresa que se dedica, entre outras, à actividade de assistência turística a pessoas e veículos.
2 . No âmbito da actividade referida em 1. presta serviços de assistência em viagem a segurados de várias seguradoras, entre os quais, aos segurados da “C”.
3. O veículo MU encontra-se seguro na “C”, através da apólice n° …, que inclui a cobertura de assistência em viagem.
4. No dia 2 de Fevereiro de 2007, pelas 19:00 horas, ocorreu um acidente de viação na E.N. …, ao Km 61,80 do concelho de …, em que foi interveniente o veículo MU.
5. No dia e hora indicados em 4. o MU circulava no sentido SM quando entrou em despiste para o lado direito, atento o seu sentido de marcha, ficando imobilizado numa ribanceira existente na berma direita.
6. A cerca de 7 metros da estrada onde circulava.
7. Em posição paralela à estrada.
8. Após o despiste o MU apresentava danos.
9. O despiste ocasionou danos nas laterais do MU.
10. Contactados os serviços de assistência em viagem da autora, foram solicitados os serviços de reboque da ré.
11. Deslocada ao local no veículo de matrícula SV, a ré efectuou o reboque do MU engatando o respectivo cabo num dos ganchos existentes neste.
12. O MU possui à retaguarda dois ganchos de engate fixos ao chassis.
13. Ao ser puxado da forma descrita em 11. o MU rolou para a posição vertical em relação à estrada.
14. Estando o MU a ser puxado o gancho do engate partiu-se, arrancando o pára-choques traseiro.
15. O MU caiu de novo na ribanceira.
16. Ao cair novamente na ribanceira, o MU foi embater com a frente num aqueduto em cimento existente no fundo daquela.
17. Após a queda o MU apresentava danos no valor de 5.635,34 euros.
18. A autora indemnizou o segurado pelo valor correspondente ao valor venal do MU.
19. A autora despendeu 2.787,83 euros no aluguer de um veículo ao segurado entre 03.04.3007 e 28.05.2007.
Sendo as conclusões que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, vejamos as questões suscitadas:
Conforme resulta provado, a autora “A”, no exercício da sua actividade de assistência turística a pessoas e veículos, contratou com a ré o reboque de um veículo que havia sofrido um acidente rodoviário.
Com esta singela configuração, não surge dúvida em qualificar o contrato celebrado como de prestação de serviço, de acordo com a previsão do artigo 1154º do Código Civil: contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
O trabalho contratado, neste caso manual, foi o de reboque de um veículo.
No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um certo resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Como refere Galvão Teles, no contrato de prestação de serviço promete-se o resultado do trabalho, porque é o prestador que, livre de toda a direcção alheia sobre o modo de realização da actividade como meio, a orienta por si, de maneira a alcançar os fins esperados (Contratos Civil, pg, 62).
Ora, são aplicáveis ao contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente, como é o caso, as disposições sobre o mandato, com as necessárias adaptações (art. 11560 CC), pelo que o prestador pode, na execução do serviço, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer (art. 1165° CC).
Isto significa que o réu responde pelo incumprimento defeituoso do trabalho, independentemente de quem o realizou, uma vez que não se apurou quem foram as pessoas que, em concreto, procederam ao reboque.
Por outro lado, se a prestação debitória não é realizada em termos adequados, a responsabilidade do devedor - prestador do serviço - só é afastada se o facto é imputável ao credor ou a terceiro ou se resultar de circunstância de força maior ou de caso fortuito.
Cabendo ao devedor o ónus da prova que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não lhe é imputável, face à presunção de culpa do n° 1 do artigo 7990 do Código Civil.
Na situação que se aprecia, ficou provado que o veículo a rebocar tinha dois ganchos de engate fixos ao chassis, mas a ré engatou o cabo apenas num dos ganchos.
Então, ao ser puxado, o gancho do engate partiu-se, arrancando o pára-choques traseiro, e o veículo caiu de novo na ribanceira, indo embater com a frente num aqueduto em cimento existente ao fundo da ribanceira.
Perante esta factualidade, haverá que concluir que a ré não agiu com a necessária diligência, uma vez que prendeu o cabo apenas a um dos ganchos, quando a prudência e a segurança da operação aconselhavam que fizesse utilização dos dois ganchos de engate fixos ao chassis da viatura.
Assim, haverá que entender que a ré cumpriu defeituosamente o contrato, tendo a autora direito a exigir da ré os danos que teve de suportar em resultado do ilícito contratual - artigo 798° do Código Civil.
O veículo apresentava danos, no valor de 5.635,34 euros, sendo que sofreu danos em resultado do despiste e em virtude da queda na ribanceira, após a quebra do gancho de engate, na manobra de reboque a que a ré procedia.
Mas não foi possível quantificar os danos provocados por cada um dos eventos.
No entanto, a autora pagou ao proprietário do veículo acidentado o valor venal deste e, embora se desconheça este valor, sabe-se que lhe pagou a quantia de 6.570,00 euros, conforme consta do recibo de quitação de fls. 27.
Ou seja, o montante pago pela autora ao lesado inclui, inquestionavelmente, o valor dos prejuízos causados à viatura pelo incumprimento da ré, embora não se tenha apurado, como se viu, a quanto montam tais prejuízos.
Haverá, então, que lançar mão de critério de equidade, nos termos do n° 3 do artigo 566° do Código Civil, aplicável por analogia aos danos patrimoniais decorrentes de cumprimento defeituoso das obrigações (cf Vaz Serra, RLJ, ano 108, pgs. 221 e seguintes), uma vez que não se vê justificação para relegar para fase executiva a liquidação desse valor, dado que o acidente já ocorreu há mais de três anos, desconhecendo-se se a viatura ainda existe.
Deste modo, recorrendo à equidade, fixa-se em 2.500,00 euros o valor dos prejuízos causados pelo incumprimento defeituoso do contrato.
Não havendo que arbitrar qualquer outra indemnização, porquanto a autora não provou a desnecessidade de aluguer de viatura de substituição, caso a ré tivesse cumprido o contrato.
Por todo o exposto, julgando parcialmente procedente a apelação, acorda-se em revogar a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de 2.500,00 euros, acrescida de juros de mora à taxa comercial, desde a citação.
Custas na proporção do decaimento.
Évora, 28 de Abril de 2010