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ANOMALIA PSÍQUICA
INIMPUTABILIDADE
PERÍCIA PSIQUIÁTRICA
Sumário
1. Para efeitos da decisão sobre a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, nos termos do art. 20.º, nº1 do C. Penal, a prova da anomalia psíquica e sua caracterização constitui facto probando necessariamente objecto de prova pericial, pois trata-se da percepção, avaliação e caracterização de factos que apenas pode ser feita por peritos de psiquiatria forense, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 163.º do CPP;
2. Por se indiciar matéria factual que, em larga medida, exige para a sua percepção e avaliação especiais conhecimentos técnicos e científicos, não pode o tribunal dispensar a prova pericial por considerar, a partir das declarações do arguido em audiência e da análise perfunctória dos factos em julgamento, que, não obstante os elementos indiciários ora desatacados, não se suscita a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido, pois os elementos referidos contrariam tal avaliação.
Texto Integral
Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
1. Nos autosde inquérito com o número em epígrafe que correm termos nos Serviços do MP junto do 3º juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em que é arguido A., foi proferido em 3.11.2009 despacho judicial de indeferimento de requerimento para realização de perícia psiquiátrica ao arguido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento, nos seguintes termos:
«Pedida a palavra pelo ilustre mandatário do arguido, tendo-lhe sido concedida, o mesmo, no seu uso, disse:
“O arguido foi notificado, via fax, do douto despacho a fls. 165 e sobre o mesmo vem requerer, ao abrigo do disposto nos art.s 350º e 351º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), o seguinte:
No âmbito do processo ---/06.2GDSTB que correu os seus termos no 2º Juízo Criminal deste Tribunal de Setúbal, foi considerado, por douta sentença, que o arguido sofria à data dos factos de síndrome traumático pós guerra. O lapso temporal da ocorrência dos factos neste processo, não anda muito longe da data dos factos de que o arguido vem acusado neste processo.
Por que se entende ser importante para a descoberta da verdade material dos factos, requer-se a audição da Dra. L., médica psiquiátrica na Associação Apoiar, cujo endereço já consta dos autos, bem como a audição do Dr. J, autoridade de saúde do concelho de Palmela. Requer-se ainda, e uma vez que os tratamentos com fármacos que o arguido está actualmente a efectuar torna o seu discurso muito mais lúcido, o que provavelmente e em face disto já seja possível efectuar os exames médicos que não foram efectuados com êxito uma vez que o arguido entrava em pânico.”
Dada a palavra à Digna Procuradora Adjunta, a mesma, no seu uso, disse nada ter a opor ou a requerer.
Dada a palavra à ilustre mandatária do assistente, a mesma, no seu uso, disse:
“Pese embora considere que o requerimento ora em apreço, bem como o apreciado anteriormente, se tratem apenas e tão só de manobras meramente dilatórias, porquanto o arguido teve o prazo para o efeito, ou seja, requerer todos os meios de prova que entendesse em momento oportuno, o que não fez, sendo como alega sê-lo uma situação já conhecida, ainda assim, nada tenho a opor ao requerido.”
Seguidamente, a Mmª Juiz proferiu o seguinte:
Despacho
“Resulta do requerimento agora apresentado pelo arguido que o mesmo pretende que seja efectuada uma perícia. Resulta do disposto no art. 151º do CPP, que a prova pericial apenas tem lugar quanto a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Conforme resulta do despacho proferido a fls. 165, é do entendimento do Tribunal que, face à prova produzida, designadamente, às declarações do arguido, o mesmo, à data dos factos, não padecia de qualquer perturbação grave que o colocasse num estado de Inimputabilidade ou imputabilidade diminuída. Ou seja, das declarações do arguido resultou claro que o mesmo tinha o perfeito entendimento do que estava a fazer e, consequentemente, daquilo que fez, tendo prestado declarações de uma forma clara e coerente.
Ademais, dos factos constantes da acusação, ao contrário dos que foram dados como provados no processo ---/06.2GDSTB, nada indicia que o mesmo sofra de qualquer tipo de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída. Além disso, tal requerimento afigura-se manifestamente dilatório, sendo que, ao abrigo do disposto no art. 315º do CPP, o mesmo já deveria ter sido requerido uma vez que a data da sentença proferida naquele outro processo é de 24/07/2009.
Refira-se ainda que das declarações hoje prestadas pelo arguido, o mesmo afirmou que na altura estava a ser medicado. Ora, salvo o devido respeito, a medicação a que as pessoas são sujeitas são precisamente para evitar eventuais problemas, sendo que neste caso, e uma vez que segundo o arguido que afirma que sofre de stress pós traumático, a medicação a que estaria sujeito seria precisamente para evitar tal situação e não para colocar o mesmo num estado de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída.
Pelo exposto, indefere-se a requerida perícia.
Custas do incidente a cargo do arguido, que se fixam em 1 UC. Notifique.»
2. Deste despacho interpôs o arguido o presente recurso, extraindo da sua motivação, as seguintes conclusões, espontaneamente corrigidas depois de notificado, nos termos do art. 417º nº2, do parecer do MP nesta Relação:
«CONCLUSÕES 7º O tribunal “a quo” não possui condições nem conhecimentos científicos para avaliar o estado psíquico e psicológico do ora recorrente à data dos factos.
8º A prova pericial, pode influir na apreciação da imputabilidade, do ora recorrente e pode ser ordenada a requerimento no decurso de audiência.
9º O tribunal “ a quo” ao indeferir a perícia médica violou o disposto no artº 120 nº 2 do C.P.P. Esta peça processual é constituída por _ fls, processadas e numeradas por computador, todas elas rubricadas pelo advogado que exerce o mandato no presente processo Judicial
10º Deve assim, ser revogado o despacho que indeferiu a perícia médica do ora recorrente, substituindo-o por outro que o admita.
ASSIM, SE FARÁ JUSTIÇA»
3. Quer em 1ª instância, quer nesta Relação, o MP pronunciou-se sobre os requisitos formais das conclusões de recurso.
Cumpre apreciar e decidir o presente recurso.
II. Fundamentação
1. Questão a decidir
Sendo pacificamente entendido que o objecto do recurso é definido pelas conclusões de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir no presente recurso é a de saber se é ilegal a decisão do tribunal a quo que indeferiu a realização de perícia psiquiátrica, nomeadamente por se mostrar violado o disposto no art. 120º nº2 do CPP como invocado pelo arguido recorrente.
2. Decidindo.
O arguido, através do seu defensor, requereu a realização de perícia psiquiátrica por, no seu entender, se suscitar nos autos a questão da sua Inimputabilidade ou Imputabilidade diminuída, invocando expressamente o disposto no art. 351º do CPP.
Do ponto de vista processual, nada obsta a que o tribunal a quo ordene a realização de perícia psiquiátrica a requerimento do arguido, nos termos do art. 351º do CPP. Os seus nºs 1 e 2 referem expressamente que, oficiosamente ou a requerimento, o tribunal pode ordenar a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico do arguido e o nº3 estipula que, em casos justificados, o tribunal pode mesmo requisitar a perícia a estabelecimento especializado (nº3).
Em qualquer dos casos, tal sucederá quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da Inimputabilidade do arguido (nº1) ou da sua imputabilidade diminuída (nº2), questão que se encontra no cerne da decisão a proferir no presente recurso.
Comecemos, então, pela caracterização da inimputabilidade em razão de anomalia psíquica prevista no art. 20º do C. Penal, pois afigura-se-nos que de tal caracterização e, subsequentemente, de uma melhor compreensão do seu regime processual, resultará, em grande medida, decida a questão sob recurso.
2.1. – Independentemente de discussão mais aprofundada sobre os seus efeitos (v.g. impedimento ou exclusão da culpa), é comum a todas as perspectivas doutrinárias sobre o seu fundamento e sentido que, do ponto de vista da teoria geral do crime, a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica obsta à condenação do agente respectivo com base na culpa, apenas podendo ser-lhe aplicada medida de segurança como reacção à perigosidade já verificada no facto típico e ilícito.
a) Ora, a inimputabilidade em razão da anomalia psíquica (simplificadamente, inimputabilidade) a que se reporta o art. 20º nº1 do C. Penal depende da verificação de dois requisitos cumulativos: a verificação do chamado elemento biopsicológico, que se traduz em ser o agente portador de anomalia psíquica no momento da prática do facto e do designado elemento normativo que consiste na incapacidade de o agente avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa mesma avaliação. Só pode, pois, ser julgado inimputável, nos termos do art. 20º nº1 C. Penal, quem pratique o facto por ser incapaz de avaliar a respectiva ilicitude ou de se determinar de acordo com ela, em virtude de anomalia psíquica que provoque esse mesmo efeito no agente.
Mostram-se, assim, excluídos da noção de inimputabilidade as situações em que o agente padece de anomalia psíquica à data dos factos mas esta não gera o efeito legalmente exigido, desde logo por não poder estabelecer-se a relação causal entre a anomalia e o acto do agente que o art. 20º nº1 pressupõe [1], mas também os casos em que o agente poderia ser considerado incapaz de avaliar a ilicitude dos factos ou se determinar de acordo com tal avaliação em virtude de estados afectivos intensos (“cego pela raiva”, “cego pelo desejo de vingança”) [2] , desde que tal estado não tenha subjacente nem, por qualquer forma, constitua efeito de anomalia psíquica que afectasse o arguido no momento da prática dos factos.
Por outro lado, a anomalia pode já não se verificar em momento posterior, nomeadamente aquando do julgamento, mas tal não impede o juízo de inimputabilidade, independentemente da relevância que tal situação assuma no juízo sobre a perigosidade do agente enquanto fundamento da medida de segurança de internamento (cfr art. 91º nº1, parte final).
O conceito de anomalia psíquica é propositadamente vago e não é acompanhado de qualquer elenco, ainda que exemplificativo, dos estados anómalos que o podem integrar, de modo a abranger situações muito variadas, que não correspondem necessariamente a patologias reconhecidas enquanto tal pela psiquiatria, ao mesmo tempo que permite uma mais fácil adaptação do conceito legal à evolução das ciências do Homem mais directamente envolvidas, como sejam a psiquiatria e a psicologia.
b) Por sua vez, o art. 20º nº2 do C. Penal acolhe o que poderíamos chamar uma hipótese política de Inimputabilidade, uma vez que assenta em opções de política legislativa e implica escolhas no momento da aplicação da lei que não dependem da verificação de requisitos situados ao mesmo nível dos previstos no art. 20º nº1.
O art. 20º nº2 regula as chamadas situações de imputabilidade diminuída, que são mais exigentes no que respeita às características da anomalia psíquica legalmente exigida mas que, em contrapartida, não dependem do respectivo elemento normativo.
Exige-se, pois, que no momento da prática do facto o agente padeça de anomalia psíquica grave (e não qualquer anomalia psíquica), não acidental, isto é, que não seja de aparecimento súbito e que desapareça rapidamente, cujos efeitos não domine sem que por isso possa ser censurado. Por contraste com o elemento normativo da inimputabilidade em sentido próprio (20º nº1), pressupõe-se agora que o agente tenha capacidade para avaliar a ilicitude do acto ou de se determinar de acordo com ela - pois se faltar esta capacidade, o arguido portador de anomalia psíquica é inimputável nos termos do art. 20º nº1 – mas que tal capacidade se encontre sensivelmente diminuída.
Contrariamente ao que por vezes parece supor-se, o art. 20º nº 2 do C. Penal coloca a ênfase na afectação por anomalia psíquica grave cumulativamente com a capacidade de avaliação e determinação sensivelmente diminuída e não na diminuição desta capacidade independentemente da causa.
A solução acolhida no art. 20º nº2 do C. Penal permite resolver de forma satisfatória os problemas colocados pelos agentes de crimes que mercê da gravidade da patologia que os afecta vêem diminuída a sua capacidade de compreensão e/ou de inibição e, assim, diminuída a sua culpa, mas em que essa mesma compreensão e inibição diminuídas tornam o arguido especialmente perigosopara a sociedade. Isto é, evita-se a aporia a que se refere o Prof. F.Dias [3], permitindo-se respeitar os postulados do direito penal da culpa, pois não se aplica ao arguido pena desconforme com a diminuição daquela mesma culpa, mas asseguram-se as necessidades de defesa social através da aplicação de uma medida de segurança.
As situações em que a diminuição da compreensão e inibições do arguido fiquem a dever-se a causas diversas de patologia psiquiátrica, (nomeadamente os referidos estados afectivos intensos) podem, antes, convocar outros institutos do direito penal, quer em sede da decisão da culpabilidade, quer de determinação da sanção, como sejam, eventualmente, a legítima defesa putativa (art. 16º nº2), o excesso esténico de legítima defesa ou a atenuação especial da pena por acentuada diminuição da culpa do agente (art. 72º do C. Penal), mas não são reconduzíveis à chamada imputabilidade diminuída prevista no art. 20º nº2 do C. Penal.
Nos termos do nº2 do art. 20º, porém, perante um mesmo quadro biopsicológico e normativo, no plano abstracto, (anomalia psíquica grave e capacidade sensivelmente diminuída), podem corresponder decisões de sentido oposto, cabendo ao tribunal decidir se o agente deve ser declarado inimputável, aplicando-lhe uma medida de segurança (desde que preenchidos todos os pressupostos do art. 91º do C. Penal) ou, antes, ser considerado imputável, aplicando-lhe uma pena, ainda que, eventualmente, especialmente atenuada nos termos do art. 72º do mesmo Diploma legal.
Compreende-se, assim, que o legislador preveja expressamente como índice da declaração de Inimputabilidade nos termos do nº 2 do art. 20º a comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas. Num direito penal que se pretende orientado para as consequências jurídicas do crime, a opção pela declaração de Inimputabilidade ou imputabilidade naqueles casos, não pode abstrair-se da reacção criminal que legalmente lhes corresponde e das finalidades reconhecidas às penas e às medidas de segurança, no nosso direito penal (cfr art. 40º do C. Penal).
Se, por um lado, a culpa diminuída pelo facto do arguido imputável pode justificar ainda a aplicação de uma pena criminal, a incapacidade do agente para compreender o significado, sentido e alcance dessa mesma pena, torna inalcançáveis os respectivos fins, nomeadamente de ressocialização.
Já a declaração de inimputabilidade permitirá que o arguido portador de anomalia psíquica grave e não acidental possa ser internado em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança (cfr art. 91º nº1), adequando a sanção às assinaladas razões de defesa social mas também à situação pessoal do arguido com vista à sua melhor reintegração social, assim se prosseguindo as finalidades que o art. 40º nº1 assinala às penas e às medidas de segurança: protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
Como destaca Maria João Antunes, por referência ao pensamento de Eduardo Correia, «Esta protecção de bens jurídicos, a depender da influência da pena na pessoa do delinquente, não se realizaria quando em causa estivessem delinquentes incorrigíveis, aqueles que já não são influenciáveis pela pena, pelo que as exigências preventivas impõem, neste caso, a equiparação destes delinquentes aos inimputáveis, para dessa forma lhes poder ser aplicada uma medida de segurança, mecanismo mais adequado às mencionadas exigências preventivas.» [4]
Destes desenvolvimentos sobre os conceitos de inimputabilidade e de imputabilidade diminuída equiparável à inimputabilidade, resulta clarificado o conjunto de questões substantivas que, no decorrer do processo, importa considerar.
2.2. - Vejamos agora um pouco mais de perto os reflexos do modelo de inimputabilidade acolhido no nosso C. Penal no campo processual.
a) Desde logo - tomando por referência as soluções do C.P.P. de 1929 assentes no quadro substantivo do C. Penal/1886, - o CPP actual prevê que o facto do inimputável seja julgado em termos idênticos aos previstos para o facto do imputável, pondo-se termo à solução espelhada no incidente de alienação mental (arts. 125º a do CPP de 1929,que previa a suspensão do processo antes do julgamento e, pelo menos durante boa parte do seu tempo de vigência, a decisão de internamento independentemente de julgamento.
No modelo actual, a questão da inimputabilidade continua a poder ser suscitada em qualquer fase do processo, nomeadamente na fase de Inquérito, em regra por iniciativa do MP, só conduzindo, porém, a eventual arquivamento dos autos quando, concluindo-se pela verificação dos elementos biopsicológico e normativo da Inimputabilidade, não se mostrar ser necessária e/ou proporcional a aplicação de medida de segurança (cfr art. 91º nº1 C. Penal).
Se, pelo contrário, se mostrarem indiciados factos de onde resulte a necessidade e proporcionalidade da aplicação de medida de segurança – para além dos elementos da Inimputabilidade ou equiparada –, o processo deve prosseguir para julgamento, referindo-se expressamente o art. 283º nº2 à possibilidade razoável de vir a ser aplicada ao arguido, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
A questão da Inimputabilidade pode suscitar-se, porém, em fase ulterior do processo, prevendo o art. 351º do CPP, que aqui nos ocupa, um mecanismo aparentemente célere e expedito de suscitar e decidir a questão da inimputabilidade no decurso da audiência de julgamento, embora nada obste a que a questão seja fundadamente suscitada antes do início da audiência de julgamento, nomeadamente pelo arguido no momento da apresentação da sua contestação. A estas questões voltaremos mais adiante.
b) No que respeita à indiciação e prova dos factos essenciais à decisão sobre a inimputabilidade do arguido e à aplicação de uma medida de segurança, importa, sobretudo, delimitar o campo de intervenção ou aplicação da prova pericial.
b.1. - Tendo presente o que deixámos exposto sobre os conceitos de Inimputabilidade e imputabilidade diminuída equiparável àquela, podemos concluir que a declaração de inimputabilidade em sentido estrito (20º nº1) depende de poder concluir-se que:
- No momento da prática do ilícito típico, o arguido sofria de patologia do foro mental ou psicológico, susceptível de ser considerado, no campo médico-psiquiátrico, como anomalia psíquica, qual a sua gravidade intrínseca do ponto de vista médico e qual a sua influência nas capacidades cognitivo-intelectuais e volitivas do arguido;
- Em resultado daquela anomalia psíquica, o arguido não foi capaz de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com aquele mesmo juízo de ilicitude, no momento da prática do facto.
Na hipótese de imputabilidade diminuída, cabe apurar se:
- O arguido sofria de patologia do foro mental ou psicológico, medicamente caracterizável como anomalia psíquicaintrinsecamente grave,não acidental e cujos efeitos não domina, no momento da prática do ilícito típico e qual a influência da patologia verificada nas capacidades cognitivo-intelectuais e volitivas do arguido;
- Em resultado daquela anomalia psíquica, o arguido tinha a sua capacidade de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa mesma avaliação, sensivelmente diminuída.
b.2. - Considerando o preceituado no art. 151º do CPP, a primeira questão que se impõe decidir é a de saber se a percepção e/ou a apreciação de todos os factos relevantes para efeitosda decisão sobre a inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido, exige especiais conhecimentos técnicos e/ou científicos, ou apenas alguns deles, o que é determinante para decidir da necessidade de ordenar a realização de perícia psiquiátrica e, na afirmativa, para eventual definição do campo de intervenção médica e do campo de decisão do tribunal, face à regra do art. 163º do CPP, de que em processo penal, “ O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.”.
Na verdade, ao determinar que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou avaliação dos factos exigirem especiais conhecimentos, o art. 151º do C.P.P acolhe, em matéria de aquisição da prova, um caso de prova legal negativa, que excepciona o princípio ou regra da liberdade de prova ou prova livre estabelecido no art. 125º do CPP, pois não prescinde daquele meio probatório para prova de determinados factos, conforme resulta da própria razão de ser da prova pericial (serem exigíveis especiais conhecimentos) e tem sido entendido pelos nossos tribunais. [5]
Por outro lado, em sede de valoração da prova, a prova pericial em sentido próprio ou estrito (a que é prevista autonomamente como meio de prova nos artigos 151º e sgs do CPP) constitui um desvio ou limite ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), pois diferentemente do que sucede em processo civil, o tribunal não pode divergir do juízo técnico científico ou artístico sem fundamentar a sua divergência em juízos de igual natureza.
Reafirma-se, pois, a importância da determinação dos factos cuja percepção e apreciação exija conhecimentos especiais na decisão sobre a necessidade de realização da prova pericial e, subsequentemente, na definição da matéria reservada aos peritos e da que compete ao tribunal, no momento da valoração da prova.
De momento interessa-nos sobremaneira a primeira questão, a propósito do qual cumpre assinalar existir consenso doutrinal quanto a caber à perícia psiquiátrica a percepção e apreciação dos elementos relevantes para a decisão sobre a verificação, ou não, do chamado elemento biopsicológico da inimputabilidade, ou seja, no essencial, a verificação de anomalia psíquica (ou anomalia psíquica grave não acidental, para efeitos do disposto no art. 20º nº2 do CP), cabendo ao tribunal decidir plenamente sobre a verificação do chamado elemento normativo da inimputabilidade, decidindo se o arguido é ou não inimputável por considerar, ou não, que, naquele caso concreto, o arguido não foi capaz de avaliar a ilicitude do seu acto ou de se determinar de acordo com tal avaliação mercê da anomalia psíquica de que padecia no momento do facto.
Refere, por todos F. Dias a propósito do momento actual da evolução dos paradigmas de explicação e enquadramento legal da inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, em trecho cuja extensão nos aprece justificado pela sua oportunidade:
- «Na caracterização deste substrato biopsicológico, da sua gravidade e intensidade, a primeira e mais importante palavra pertence aos peritos das ciências do homem, sendo ai diminuta, para não dizer nula, a capacidade de crítica material por parte do juiz. (…) À luz do paradigma emergente nas ciências do homem, a distinção entre modos de actuação “compreensíveis” segundo o sentido” e modos de actuação só “causalmente explicáveis” é cientificamente aceitável e dominável pelos peritos. Por isso deve esperar-se destes um auxílio decisivo para o juiz também quanto à comprovação do elemento normativo; aqui, porém, a última palavra pertencerá sempre ao juiz e a sua capacidade de crítica material será irrestrita nesta parte e medida continuando a caber-lhe com justeza o cognome de peritus peritorum.» [6]
Perante o §20º do STGB, norma idêntica ao art. 20º do C. Penal, também Jescheck se pronuncia sobre a questão em termos semelhantes, referindo que o julgamento da capacidade de culpa é uma questão jurídica cuja resolução cabe ao juiz, embora, por regra, só com a ajuda do perito seja possível ao jurista decidir. – cfr. Tratado de Derecho Penal. Parte General. 4ª ed., Editorial Comares-Granada, 1993 p. 399.
Partindo de idênticos postulados, como se vê do trecho transcrito em nota, entende Taipa de Carvalho, de forma igualmente consonante com F. Dias, que não estamos perante divisão de tarefas estanques, mas antes perante a interpenetração e colaboração entre o campo médico e judicial, em sentido estrito.
Como refere aquele autor, «… uma vez que estas diferentes competências não devem ser tomadas como partes estanques, mas sim como componentes de um juízo global, que é o da declaração, ou não, da inimputabilidade, deve existir uma cooperação entre os peritos e o tribunal, devendo este ver no parecer daqueles um auxílio indispensável à decisão normativa que tem de tomar.» [7]
A parte final dos trechos destes autores, quando afirmam que mesmo para a decisão jurídico-penal sobre a inimputabilidade do arguido o tribunal tem no parecer dos peritos elementos importante para aquela mesma decisão, resulta efectivamente, segundo cremos, do actual modelo de inimputabilidade, desde logo porque o art. 20º apela a uma ideia de causalidade em concreto entre a anomalia psíquica e a incapacidade de avaliação da ilicitude ou de determinação de acordo com ela, e parece-nos ser igualmente conforme com distinções que se impõe fazer entre as perícias em sentido próprio, enquanto meio de prova cujos pressupostos, regime e efeitos, se encontram especialmente previstos nos arts 151º do CPP e outras formas de intervenção técnica ou especializada desenvolvidas no processo penal [8].
No que aqui importa, parece-nos de realçar que também no âmbito de uma mesma perícia, maxime a perícia psiquiátrica (singularmente ou funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares) cabem não só os juízos específicos da ciência médica ou psicológica, gozando da especial força probatória reconhecida no art. 163º do C.PP., mas também outros contributos das respectivas disciplinas científicas para a melhor decisão de questões conexas, penalmente relevantes, mas que não se encontram abrangidos pela especial força probatória legalmente reconhecida à prova pericial.
Isto é, contributos para a decisão de questões ainda abarcadas pelo conjunto de conhecimentos técnicos, comuns e advenientes da experiência da vida que se supõe nos magistrados e nos juristas, mas cuja compreensão e decisão pode ser significativamente melhorada com aqueles mesmos contributos, dada a especial qualificação dos especialistas nas respectivas áreas, não só mercê da sua formação técnico-científica mas também pela experiência acumulada na sua intervenção profissional.
Em nosso entender é o que sucede precisamente com o contributo dos médicos psiquiatras e psicólogos que, no âmbito de perícia psiquiátrica, para além de avaliarem o estado mental ou biopsicológico do agente no período de tempo em causa, pronunciam-se (nomeadamente em abstracto) igualmente sobre a eventual relação entre a anomalia que identifiquem e a incapacidade do seu portador para avaliar a ilicitude de uma determinada categoria de factos ou entre a conduta e o historial clínico de certo tipo de portador de anomalia psíquica e a sua perigosidade, ou seja, a probabilidade de vir a repetir no futuro actos ilícitos de idêntica natureza.
No que podemos chamar uma intervenção de sentido contrário, também a decisão sobre a existência de anomalia psíquica não dispensa, em certos casos, a decisão do tribunal, o que sucede quando não está em causa a caracterização médica ou psicológica de um determinado estado de saúde mas, antes, o seu enquadramento, ou não, no conceito de anomalia psíquica, enquanto conceito juridicamente relevante.
Isto é, cabe exclusivamente à perícia médica a decisão sobre o estado de toxicodependência de um determinado arguido, nomeadamente para efeitos do disposto no art. 52º do Dec - Lei 15/93 de 20 Jan., mas já constitui decisão essencialmente jurídica a de saber se o conceito de anomalia psíquica usado pelo legislador no art. 20º nº1 e de anomalia psíquica grave usado no seu nº2, abrange, ou não, realidades médicas como a toxicodependência e outras similares, pois trata-se de interpretar o pensamento legislativo (cfr art. 9º do C.Civil) a tal respeito.
Do mesmo passo, a definição do âmbito e alcance da intervenção pericial (maxime a respectivas força probatória, tendo em vista o preceituado no art. 163º do CPP), constitui questão essencialmente jurídica a decidir pelo tribunal, quando está em causa- utilizando o mesmo exemplo – a interpretação do art. 2º da Portaria 94/96 de 26 de Março na parte em que prevê entre as finalidades da perícia a que se refere aquele mesmo art. 52º do Dec-lei 15/93, o apuramento dos eventuais reflexos do consumo na capacidade do arguido para avaliar a ilicitude dos seus actos ou para se determinar de acordo com a avaliação feita.
b.3. – Postos estes considerandos, estamos em condições de concluir que:
- Para efeitos da decisão sobre a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, nos termos do art. 20º nº1 do C. Penal, a prova da anomalia psíquica e sua caracterização constitui facto probando necessariamente objecto de prova pericial, pois trata-se da percepção, avaliação e caracterização de factos que apenas pode ser feita por peritos de psiquiatria forense, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 163º do CPP;
- Para além deste núcleo da pronúncia pericial e, portanto, sem a força probatória reconhecida pelo art. 163.º do C.P.P., os peritos devem, na medida do possível:
- Pronunciar-se sobre eventuais reflexos da anomalia psíquica eventualmente verificada na capacidade do arguido para avaliar a ilicitude dos seus actos ou para se determinar de acordo com a avaliação feita, designadamente à luz do que o saber médico e psicológico, aliado à experiência profissional dos peritos, permitem concluir sobre tais reflexos;
- Pronunciar-se eventualmente sobre a probabilidade de o arguido vir a repetir no futuro actos ilícitos de idêntica natureza, nomeadamente tendo em conta o seu historial clínico, igualmente à luz do saber e experiência acumulados enquanto peritos forenses. Esta última matéria destina-se a auxiliar o tribunal na decisão a tomar sobre a perigosidade criminal do arguido, para efeitos de eventual aplicação de medida de segurança de internamento, caso venha a declará-lo inimputável (cfr art. 91º do C.P.P.).
Na medida em que esteja igualmente em causa – como, antecipando, nos parece ser o caso dos autos – a hipótese de o arguido poder ser declarado inimputável nos termos do art. 20º nº2 do C. Penal, apenas há que adaptar as finalidades e conteúdo da perícia forense aos requisitos ali previstos, nomeadamente no que respeita à afectação de anomalia psíquica grave e não acidental, cujos efeitos o agente não domine.
2.3. – Conforme resulta já em larga medida do exposto, entendemos que o tribunal a quo não podia concluir fundadamente que se mostra afastada no caso presente a hipótese de declaração de inimputabilidade do arguido, quer em sentido próprio (art. 20º nº1 do C. Penal), quer por equiparação nos termos do nº 2 do mesmo art. 20º do C. Penal.
Na verdade, apesar de, para efeitos do disposto no art. 351º do CPP, o tribunal não estar vinculado a mera invocação da inimputabilidade do arguido, seja pelo próprio, seja por outro sujeito processual ou qualquer das pessoas (maxime familiares) a quem a lei atribui tal faculdade, no caso dos autos não se mostra devidamente suportada a convicção do tribunal a quo de que o arguido não sofria de anomalia psíquica no momento dos factos, uma vez que existem elementos nos autos que indiciam ser plausível o contrário, sendo certo que é de natureza indiciária e probabilística o juízo perfunctório sobre a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída, que o art. 351º do CPP pressupõe.
Na verdade, não só o arguido foi declarado inimputável em razão de anomalia psíquica em anterior processo-crime por factos idênticos aos que ora se encontram a ser julgados, como consta da matéria ali julgada provada que o arguido é acompanhado na consulta de psiquiatria desde Agosto de 2001, referindo-se naquela mesma decisão que o arguido sofrerá de stress pós-traumático, esteve internado algum tempo e que toma medicação para compensação de anomalia do foro psiquiátrico. Por outro lado, o trecho de declarações do arguido já prestado nos presentes autos e que foram transcritas na resposta ao recurso do assistente, indiciam igualmente traços de compulsividade compatíveis com a existência de anomalia psíquica à data dos factos ora em julgamento e não o contrário.
Suscita-se, pois, fundadamente, a questão da inimputabilidade do arguido ou da sua imputabilidade diminuída, dado ser plausível que o arguido padecesse de anomalia ou mesmo de anomalia psíquica grave à data dos factos, com reflexos na sua capacidade de avaliar a ilicitude dos factos ou de se determinar de acordo com a mesma.
Por se indiciar matéria factual que, em larga medida, exige para a sua percepção e avaliação especiais conhecimentos técnicos e científicos, não pode o tribunal dispensar a prova pericial por considerar, a partir das declarações do arguido em audiência e da análise perfunctória dos factos em julgamento, que, não obstante os elementos indiciários ora desatacados, não se suscita a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido, pois os elementos referidos contrariam tal avaliação.
Por último, a circunstância de o arguido e o MP não terem suscitado a questão em momento anterior [9], com todas as vantagens que daí adviriam para o bom andamento do processo, não dispensa o tribunal de o fazer em qualquer momento, pois trata-se de questão essencial para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa que sempre se impõe ao tribunal apurar, mesmo em audiência de julgamento, face ao princípio da investigação que tempera o nosso processo penal - cfr art- 340º do C.P.P..
Impõe-se, assim, a realização de perícia psiquiátrica, nos termos e para efeitos do disposto nos arts 20º do C. Penal, 91º, 151º, 152º, 159º e 351º, todos do CPP, 589º do C. Civil, 2º, 3º e 24º, da Lei 45/2004 de 19 de Agosto, que aprovou o regime das perícias médico-legais e forenses, a ter lugar no decurso da audiência de julgamento, sem prejuízo do disposto no nº 4 do art. 351º e nº6 do art. 328º, ambos do C.P.P..
III. Dispositivo
Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., revogando o despacho recorrido e determinando a sua substituição por outro que, por se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido ou da sua imputabilidade diminuída, ordene a realização de perícia psiquiátrica nos termos e para efeitos do disposto nos arts 20º do C. Penal, 91º, 151º, 152º, 159º e 351º, todos do CPP, 589º do C. Civil, 2º, 3º e 24º, da Lei 45/2004 de 19 de Agosto, que aprovou o regime das perícias médico-legais e forenses.
Sem custas
Évora, 20 de Maio de 2010
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)
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(António João Latas)
[1] É o que sucede, em regra, se o afectado por anomalia que o limita na sua relação com a propriedade alheia (ladrão) pratica crime contra as pessoas, ou se quem padeça de patologia de natureza sexual pratica crime contra a natureza [2] Vd Carlota Pizarro de Almeida, Modelos de Inimputabilidade. Da teoria à prática, Almedina, 2000 p. [3] Vd F. Dias, Direito Penal. Parte Geral. Tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora 2007 p. 584. [4] Cfr Maria João Antunes, O Internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis, Coimbra Editora, 1993 pp. 74 -5. [5] Vd, por todos, o Ac STJ de 2.02.1994 que conclui, « (…) 4. Sempre que a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, deve ter lugar a prova pericial. Só em tais termos a omissão da realização da prova pericial integrará a nulidade dependente de arguição do art. 120º nº2 al. d) …» (negrito nosso) - Cfr BMJ 434/423. [6] Cfr, ob. cit na nota 3 pp. 573-4. Em termos similares, Pedro Soares de Albergaria, Aspectos judiciários da problemática da inimputabilidade in RPCC Ano 14 (2004) nº 3 p. 387 No mesmo sentido, afirma Taipa de Carvalho: « Uma vez que a causa da perturbação da personalidade é a anomalia ou doença psíquico-mental, naturalmente que a competência para o exame e para a caracterização científico-médica da anomalia e dos seus efeitos cabe aos peritos (psiquiatras, psicólogos, criminólogos).
Por sua vez, a competência para a decisão, ou não, de inimputabilidade, como decisão normativa jurídico-penal que o é, cabe exclusivamente ao juiz.» - Cfr Direito Penal. Parte Geral. Vol. II, Teoria Geral do crime, Porto 2004, Publicações Universidade Católica, pp 308-9.
Perante o §20º do STGB, norma idêntica ao art. 20º do C. Penal, também Jescheck se pronuncia sobre a questão em termos semelhantes, referindo que o julgamento da capacidade de culpa é uma questão jurídica cuja resolução cabe ao juiz, embora, por regra, só com a ajuda do perito seja possível ao jurista decidir. – cfr. Tratado de Derecho Penal. Parte General. 4ª ed., Editorial Comares-Granada, 1993 p. 399. [7] Cfr Taipa de Carvalho, ob. cit. p. 309 [8] Para melhor enquadramento desta questão pode ver-se, do ora relator, Processo Penal e prova pericial in Psicologia Fiense, Almedina Coimbra 2006 p 97 e sgs. [9] O que sucederá frequentemente, conforme nota crítica que pode ler-se em Pedro Soares de Albergaria, est. citado p. 389