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CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONTRAPROVA
INVALIDADE
Sumário
I - O acto de requerer contraprova significa uma impugnação não apenas do resultado produzido pelo analisador/alcoolímetro como do bom funcionamento desse mesmo analisador, enquanto máquina. A contraprova é uma garantia de defesa do arguido.
II - Ao fazer-se o teste da contraprova no mesmo alcoolímetro em que se efectuou o teste da prova, não se está a fazer contraprova alguma, está antes a repetir-se o teste da prova, o que constitui em si mesmo a negação da contraprova que o nosso ordenamento jurídico pretendeu implementar.
III – Realizando-se a contraprova através do mesmo alcoolimetro está-se perante prova inválida.
Texto Integral
Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora:
I 1. Nos autos com o número acima referido do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, o arguido A. foi submetido a julgamento, em processo sumário, sob imputação da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º n.º1 e 69.º, n.º1, alin. a) do Código Penal, vindo a ser condenado, por Sentença de 25 de Janeiro de 2010, a fls.30 a 38, pela prática desse crime, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária € 6,00, (seis euros), o que perfaz o montante global de €480,00 (quatrocentos e oitenta euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 6 (seis) meses.
2. Não conformado, o arguido veio interpor recurso da sentença, nos termos constantes de fls.43 a 45, pugnando pela sua absolvição.
Extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões:
I- O arguido, que conduzia um veículo automóvel, foi sujeito a exame de pesquisa de álcool no ar expirado e, em face do resultado apresentado, porque dele discordava, requereu contraprova, como era seu direito decorrente do princípio do contraditório, mediante a realização de novo exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
II- O exame de contraprova foi realizado no mesmo aparelho analisador que havia sido utilizado no exame inicial, de forma ilegal porque fora das condições impostas por Lei, não se apurando, assim, o valor prevalecente da contraprova e ficando afastado o valor do exame inicial, não ficou provada a TAS com que o arguido conduzia.- cfr. Ac. Relação do Porto de 9 de Dezembro de 2009 - Proc. nº 197/09.4PAESP.P1, l- Secção; no mesmo sentido, Ac.s da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2009, 30 de Abril de 2009 e 8 de Julho de 2009, da Relação de Coimbra, de 18 de Fevereiro de 2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
III- Embora o arguido tenha confessado a ingestão de bebidas alcoólicas, não podemos ter por validamente apurada a TAS que o arguido apresentava no momento que foi sujeito à fiscalização, e não sendo possível neste momento proceder à repetição do exame de contraprova, devendo proceder-se à alteração da matéria de facto provada nos termos constantes dos documentos de fls. 12 e 13 dos autos.
IV- Não se provando, assim, um dos elementos objectivos do tipo legal de igual ou superior a 1,20 gramas/litro.
V- A prova dos autos impõe decisão diversa da plasmada na douta sentença, ora sob recurso, indicando-se os talões de teste de álcool de fls. 12 e 13, referentes ao exame inicial e ao exame de contraprova, os depoimentos do arguido e das testemunhas militares da Guarda Nacional Republicana, todas estas gravadas no sistema informático Habilus Media Studio, nos termos e para os efeitos do artigo 412º, nºs 3-a) e b), e 4, do Código de Processo Penal.
VI- O Tribunal a quo violou as normas do artigo 32°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 97º, nº 5, 127°, 340°, 365°, n° 3, e 374°, n° 2, do Código de Processo Penal, dos artigos 153°, n°s l, 2, 3-a), 4 e 6 do Código da Estrada e do artigo 3° do Regulamento aprovado pela Lei n° 18/2007, de 17.05.
Razão porque,
VII- Deve o arguido ser absolvido.
Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, deve proceder-se à alteração da matéria de facto provada, nos termos constantes dos documentos de fls. 12 e 13 dos autos, conforme a conclusão III, revogando-se a douta sentença recorrida, absolvendo o arguido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez,
Assim se fazendo, JUSTIÇA! “
3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido veio responder ao recurso nos termos constantes de fls.49 a 61, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, dizendo, em sede de conclusões, o seguinte:
“1 - O recorrente assenta o seu recurso alegando que, tendo sido usado o mesmo aparelho, não foram observados os requisitos legais, pelo que a contraprova «não é válida», e, consequentemente, não se encontra provado «um dos elementos objectivos do crime»: a condução com uma TAS igual ou superior a l,2g/l.
2 - Ora, afigura-se-nos que não assiste razão ao ora recorrente, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista substancial.
3 - A questão da validade da "contraprova" obtida, com uso do mesmo aparelho de medição (alcoolímetro), não foi suscitada antes ou durante a audiência de 1a Instância (por escrito, em sede de contestação, ou oralmente, através de requerimento ditado para a Acta, tal como se alcança da análise dos autos), pelo que a decisão de 1.ª Instância não se pronuncia, expressamente, sobre a mesma.
4 - Ora, constituindo o recurso, o mecanismo processual, que permite a reapreciação (revisão), em outra instância (duplo grau de Jurisdição), de decisões expressas sobre matérias e questões já decididas no Tribunal de que se recorre, nele não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido objecto de decisão pelo Tribunal a quo.
5- O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
6 - A contraprova deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado, ou análise de sangue.
7 - Na realização de novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado, pode ser utilizado o mesmo analisador.
8 - Pois importante não é se o exame e contraprova são efectuados em diferentes aparelhos, mas que os aparelhos sejam aferidos com regularidade, que os mesmos reúnam determinadas características; que sejam oficialmente aprovados, como é o caso.
9 - Ademais, o legislador consagrou expressamente a possibilidade de o arguido, quem seja diagnosticada uma taxa de alcoolemia eventualmente geradora de responsabilidade contra-ordenacional ou criminal, requerer a realização de uma contraprova, designadamente através da realização de exames hematológicos que são aqueles que dão maiores garantias, do ponto de vista analítico, de aproximação ao «real» valor da taxa de álcool no sangue.
10 - Constituindo a letra da Lei, simultaneamente o ponto de partida e o limite da fixação do seu sentido e alcance, nada no texto das normas aplicáveis, permite a interpretação de que "prova" e "contraprova", têm de ser obtidas através da utilização de aparelhos de medição (alcoolímetros) distintos, e, muito menos, que a utilização do mesmo aparelho, constitua "um método proibido de prova" e determine a nulidade da prova assim obtida, como já fora defendido.
11 - Se o legislador quisesse estabelecer que "prova" e "contraprova", teriam de ser efectuadas em aparelhos de medição (alcoolímetros) distintos, tê-lo-ia estabelecido expressamente (assim o impunha, e impõe, a mais elementar técnica Legística), sendo o local indicado, não as normas regulamentadoras, mas o referido art.° 153.° do CE onde se estabelece o procedimento atinente à fiscalização da condução sob o efeito do álcool.
12 - Não o fez, apenas estabelecendo que a contraprova, pode ser obtida através de "novo exame", "a efectuar através de aparelho aprovado", o que foi efectuado no caso sub Júdice.
13 - Por último, na legislação especial aplicável (Código da Estrada e Lei n.° 18/2007, 17/05 - Regulamento de Fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas), em nenhuma norma está determinada a nulidade do procedimento prosseguido nos autos.
14 - No caso, estamos perante prova obtida através de exame (de pesquisa de álcool no ar expirado), realizado pela autoridade competente, com utilização do aparelho aprovado para o efeito, e com respeito - tal como decorre do acima exposto -do procedimento legal estabelecido.
15 – O recorrente foi submetido a dois "testes quantitativos" sucessivos (mas realizados com um certo intervalo de tempo), efectuados em aparelho (alcoolímetro), de modelo aprovado, e com verificação válida, tendo no primeiro (denominado de "prova"sido obtida uma TAS de 3,12g/l e no segundo (que prevalece sobre o primeiro) sido obtida uma TAS de 2,92g/l.
16 - Da prova produzida resultou assente ter o arguido sido notificado pelo agente da autoridade para a possibilidade de requerer, de imediato, a realização de contraprova, tendo decidido realizar novo teste, pelo mesmo método, pelo que se mostra cumprido o dever imposto à autoridade policial acima transcrito, nenhum reparo se vislumbrando.
17 - Assim, e contrariamente ao defendido pelo recorrente, não verificamos qualquer ilegalidade na interpretação dada pelo Tribunal, quanto à validade da contraprova efectuada pelo mesmo aparelho.
18 - As garantias de defesa do arguido, previstas no art.° 32° da Constituição da República Portuguesa não foram beliscadas com tal situação, a opção do meio de realização da contraprova foi do arguido e importante e essencial para o mesmo é que o respectivo aparelho estivesse devidamente aprovado e homologado, nos termos da lei, a fim de garantir que o resultado do exame e a taxa de álcool no sangue era fiável.
19 - Por todas as razões ora aduzidas entende-se que a sentença proferida pelo tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado qualquer provimento ao recurso interposto e mantida aquela decisão nos seus precisos termos.”
4. O recurso foi admitido por despacho de 13.04.2010.
5. Nesta instância o Exmo. Senhor Procurador da República emitiu o parecer constante de fls.59 a 76 no sentido da procedência do recurso, aduzindo, para tanto, o seguinte:
"(...) Analisada a decisão sindicada, estamos em crer que a mesma reclama censura no que tange à dita questão de o arguido/recorrente ter sido submetido a contraprova através do mesmo aparelho/analisador quantitativo.
Vejamos. O artigo 153°, do Código da Estrada, dispõe:
1 - (...)
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova (...).
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado. (...)”
No caso dos autos, o recorrente foi submetido a contraprova através do mesmo aparelho, visto ter objetado ao resultado do exame quantitativo e à fiabilidade do alcoolímetro.
Ora, a realização de contraprova através do mesmo aparelho é, quanto a nós, uma «denegação» do direito legal de requerer a infirmação do resultado inicial, uma «aparência» do exercício do direito de defesa, assentando a condenação, pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, numa prova inválida.
Como vem decidindo alguma jurisprudência, na qual encontramos arrimo,
"I - A lei, ainda que nunca o afirme de forma directa, inculca que a contraprova realizada através de novo exame, deverá ser feita num outro aparelho, porquanto a alínea a), do n° 3, do art. 153°, do C. da Estrada, se refere a novo exame, a realizar através de aparelho aprovado. Daí que, se o exame de pesquisa de álcool previsto no n° l do artigo citado tem que ser feito em aparelho aprovado para o efeito e se o novo exame [o da contra-prova] pudesse ser feito no mesmo aparelho, se tornava desnecessária a menção no n° 3 a aparelho aprovado.
II. - O Dec. Regulamentar 24/98, de 30 de Outubro, que regulamentou a condução sob o efeito do álcool até 15 de Agosto de 2007 [apenas foi revogado pela Lei 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas], previa no seu art. 3°, n° l, a possibilidade de a contraprova referida na alínea a), do n° 3, do art. 159°, do C. da Estrada [na redacção anterior à do Dec. Lei n° 44/2005, de 23 de Fevereiro, e que era idêntica à do actual art. 153°, n° 3, a), do C. da Estrada], poder ser efectuada no mesmo analisador, se não fosse possível recorrer a outro, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste.
Porém, não se encontrando no actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, norma idêntica teremos que concluir não ser hoje possível, ao menos como principio, a realização da contraprova no mesmo alcoolímetro onde foi efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool (cfr. Acs. da R. de Coimbra de 10 de Dezembro de 2008, proc. n° 288/07.6GTAVR.C1 e da R. do Porto de 20 de Abril de 2008, proc. n° 0810062, in http://www.dgsi.pt).
III. - A contraprova efectuada através de novo exame realizado no mesmo analisador quantitativo em que havia sido efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool, traduz-se em obtenção de prova de forma não válida, por violação do disposto no artigo 153°, n°s 3, a) e 4, do C. da Estrada. (...)[1]
"No âmbito do regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool, aprovado pela Lei n.° 18/2007, de 17 de Maio, a contraprova a que se referem os n°s 3, alínea a), e 4 do art. 153° do Código da Estrada terá de ser realizada em aparelho distinto do que foi utilizado no exame a que alude o n° l do mesmo preceito.”[2]
"I - O novo exame/contraprova de ar expirado, nos termos da Lei n° 18/2007 de 17 de Maio, deve ser feito noutro aparelho analisador quantitativo, o que está de acordo com a necessidade de o examinando ser conduzido ao local onde possa ser feito o novo exame de contraprova, previsto no n° 3 do artigo 153° do Código da Estrada.
II - O regime actualmente vigente não contém norma idêntica à do artigo 3°, n° l do Decreto Regulamentar 24/98 de 30/10, revogado pela Lei 18/2007, o que só pode significar que o legislador quis afastar a possibilidade de realização da contraprova no mesmo analisador quantitativo, única forma de conceder à defesa oportunidade de se livrar de um eventual defeito do aparelho ou do procedimento técnico do seu operador."[3]
"l. No âmbito do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, a contraprova a que se referem os n.°s 3, alínea a. e 4, do art.º 153° do Código da Estrada terá que ser realizada em aparelho distinto do que foi utilizado no exame a que se refere o n.° l da mesma disposição legal.
2. Se tal não for respeitado não há contraprova, o que conduz à absolvição do condutor por não se provar um dos elementos objectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.°, n.° l do Código Penal: condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l."[4]
"l - Na vigência do Decreto Regulamentar n° 24/98, de 30 de Outubro, tendo o arguido pedido a contraprova e aceitado que ela fosse realizada em aparelho aprovado, não sendo possível recorrer a outro analisador, o agente da autoridade, antes de usar o mesmo aparelho, devia informar da situação o examinando, a fim de este poder optar então e ainda pela contraprova através de exame sanguíneo.
II - Não sendo prestada essa informação e realizando-se a contraprova através do mesmo analisador, está-se perante prova inválida, que conduzirá à absolvição do arguido.”[5]
“I - Tendo o arguido sido submetido ao teste para pesquisa de álcool no ar expirado, o qual se revelou positivo, o novo exame realizado, a solicitação do arguido, não pode ser efectuado no mesmo aparelho que havia sido utilizado para o primeiro exame.
II - A prova obtida com o «novo exame» realizado naquelas condições não permite sustentar a existência de um dos elementos objectivos do crime imputado ao arguido, ou seja, que conduziu o veículo com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à permitida por lei."[6]
No mesmo sentido, e mais recentemente, o acórdão da relação do Porto de 9 de Dezembro de 2009 ponderou: [7 ] “1- Se o condutor contestar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no sangue a que foi submetido e requerer contraprova, esta pode ser feita através de análise ao sangue ou mediante novo exame a efectuar através de aparelho legalmente aprovado, cabendo a escolha àquele.
II - Neste último caso, tem que utilizar-se aparelho diferente do que serviu para o primeiro exame,
III - A utilização do mesmo aparelho na contraprova é ilegal, não podendo, por isso, o respectivo resultado ser valorado."
Por fim, no acórdão desta relação de Évora de 10 de Dezembro de 2009, sobre a questão em apreço ponderou-se: [8]
“(..)
A contraprova é (...) a prova destinada a contrariar uma primeira sobre o mesmo objecto, ou a segunda experiência que tem o objectivo de verificar a exactidão da primeira.
Por definição, a contraprova não pode ser realizada pelo aparelho que realizou a prova. Caso contrário estava-se a negar a possibilidade do exercício de defesa em que o novo exame [contraprova] se traduz ou, dito de outra forma, recusava-se a possibilidade de demonstrar defeito do aparelho que realizou a prova e no qual não se confiou. (...)
(...), o disposto no n° 4 do art. 153° do Código da Estrada não permite interpretação diversa da que conduz à realização do novo exame [contraprova] por aparelho diverso daquele onde foi feito o primeiro exame.
O exame para quantificação da taxa de álcool no sangue é um meio de obtenção de prova e a prova obtida através desse meio é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 171° e art. 127°, ambos do Código de Processo Penal.
Todavia, no caso sub judice, em vez da contraprova fez-se um exame que mais não foi do que a repetição do primeiro que havia sido realizado. (...)
Este segundo exame, tendo sido efectuado no mesmo analisador quantitativo, traduz-se em prova inválida - por não ter sido respeitado o direito à contraprova -, não podendo, por essa razão, ser valorado. (…)
Temos (...) como assente que a contraprova efectuada no mesmo alcoolímetro [analisador quantitativo] constitui contraprova inválida e que não pode, por isso, ser valorada.
(...)."
No entendimento acabado de expor, deve o recurso ser julgado procedente. “
6. Foi cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, não tendo o arguido/recorrente usado do direito de resposta.
7. Efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência cumpre, agora, decidir.
II 1. O julgamento sobre a matéria de facto, em 1.ª instância.
1.1 - O Tribunal a quo julgou provado o seguinte acervo de factos:
1 - No dia 22 de Dezembro de 2009, pelas 17 horas, no Bairro Cadete, Gavião, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ---DD, sob a influência de uma TAS de 2,92 gramas de álcool/litro de sangue;
2 - O arguido conduzia o referido veículo na via pública apesar de saber que não podia fazê-lo após ter ingerido bebidas alcoólicas e com a taxa de álcool apurada;
3 - Agiu de modo voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei;
4 - A. é servente de pedreiro, com vencimento médio de € 500/ mês;
5 - É casado e a esposa é pasteleira, auferindo o salário mínimo nacional;
6 - Tem um filho, maior de idade, que já não reside consigo;
7 - Reside em casa própria;
8 - Possui de habilitações literárias o 8º ano de escolaridade;
9 - Não possui antecedentes criminais.
1.2 – A respeito de factos não provados foi consignado na sentença que “Não houve factos não provados, nem se provaram quaisquer outros com relevância para a decisão da causa ou que não estejam já prejudicados pelos que foram dados como provados”.
1.3 – O tribunal fundamentou o julgado em matéria de facto nos seguintes termos:
“A decisão do tribunal fundou-se, desde logo, nas declarações do arguido, na parte em que reconheceu ter sido surpreendido a conduzir, no dia, hora e local acima indicados, após ter ingerido bebidas alcoólicas (assumindo ter bebido, pelo menos, umas 7 cervejas «mini») e em que confirmou a TAS que lhe foi apurada após a realização dos testes (quantitativos) de pesquisa de álcool no sangue (primeiro teste e exame de contraprova).
Consideramos igualmente o teor dos talões de pesquisa de álcool de fls. 12 e 13, corroborados pelos militares da GNR B e C, as declarações do arguido quanto às suas condições sócio- económicas e o CRC de fls. 19.
Quanto ao mais, a versão do arguido, segundo a qual não tinha qualquer consciência de que estaria sob a influência de uma TAS superior à legalmente permitida e de que tudo não passa de uma «cabala» urdida contra si, em nada convenceu o tribunal, por não ser verosímil que alguém que ingira (pelo menos) 7 cervejas (ainda que «minis») não tenha consciência de que poderá estar a conduzir sob uma TAS proibida por lei (salvo se tal inconsciência derivar do estado altamente alcoolizado em que se encontre…), tanto mais que os agentes autuantes (que não têm quaisquer relações pessoais com o arguido, como este referiu) esclareceram que, na altura em que foi interceptado, o arguido conduzia aos ziguezagues, fazendo «tangentes» a uns caixotes do lixo existentes no local, pelo que se afigura muito mais plausível que o arguido tenha ingerido uma quantidade de álcool bem superior à referida em audiência (sendo disso sugestivo o alto teor etílico que lhe foi apurado).
Por outro lado, nada nos faz duvidar da fidedignidade do aparelho de pesquisa de álcool no sangue que foi utilizado pelos militares da GNR – o que foi posto em causa pela defesa aquando da suas alegações finais –, pois a testemunha B asseverou que o equipamento usado estava em perfeitas condições de funcionamento, pelo que, a nosso ver, nenhuma consequência se pode extrair da circunstância de ter sido o mesmo aparelho a fazer as duas medições da quantidade de álcool apresentada pelo arguido (sendo que o regular funcionamento do aparelho em causa resulta, aliás, do facto de a TAS ter baixado da primeira para a segunda medição, em consequência do compasso de espera feito entre os dois testes).
2. Como é amplamente sabido, o objecto do recurso é tão-somente a decisão recorrida, ou seja, a sentença que, no final do julgamento, foi proferida na 1.ª instância e não as questões a montante desta e ali não decididas, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades insanáveis.
O âmbito do recurso é definido pelas conclusões e por elas limitado, sem embargo das sobreditas questões de conhecimento oficioso.
Uma vez que se procedeu à gravação dos actos de audiência, este Tribunal pode conhecer de facto e de direito, art. 428.º do Código Penal.
Das conclusões apresentadas pelo recorrente na minuta de recurso extrai-se que ele impugna a matéria de facto que o tribunal deu como assente, ainda que não concretize os específicos pontos de facto sobre os quais incide a sua divergência, nem na motivação, nem nas conclusões, como determina o n.º3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Insurge-se contra o facto do exame de contraprova ter sido levado a cabo com a utilização do mesmo alcoolímetro, o que, no seu entender, é ilegal e inquina o resultado obtido, devendo, em consequência, dar-se como não provada a TAS e ser absolvido do crime que lhe foi imputado.
3. Na sequência de acção de fiscalização do trânsito por agente da autoridade, o recorrente sujeitou-se a exame realizado mediante utilização de aparelho aprovado para o efeito (Drager 7110 MKIII P — ARAC - 0093), que acusou uma TAS de 3,12 g/l, com a qual não se conformou, requerendo a realização da contraprova, como lhe permitia o n.º2, do art.153.º do C.E.
A contraprova realizou-se no mesmo aparelho, como decorre do auto de notícia de fls.2 e talões de fls.12 e 13, acusando uma TAS de 2,92 g/l, elemento probatório em que o tribunal recorrido se apoiou para concluir que o arguido conduzia com essa taxa.
O recorrente questiona a validade da prova, defendendo que a contraprova teria de ser realizada em aparelho diferente do usado no primeiro exame, pelo que, não sendo possível realizar novo exame de contraprova, deve ser absolvido.
A questão não é nova e já foi objecto de algumas decisões jurisprudenciais, como decorre do douto parecer do Ministério Público neste Tribunal, acima transcrito, todas elas no mesmo sentido de que a contraprova tem de ser efectuada em aparelho diferente daquele que foi utilizado no primeiro teste quantitativo.
A nossa resposta não pode deixar de ser no mesmo sentido, por nos convencerem as razões aduzidas.
No art. 3.º do Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30/10 – diploma que até há pouco tempo regia a matéria – estava expressamente prevista a possibilidade de ser utilizado o mesmo analisador para a contraprova, ainda que a título excepcional e sob a condição de não ser possível recorrer a outro aparelho no prazo de quinze minutos após o primeiro teste.
Com a aprovação do novo Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/07, de 17/05, deixou de existir norma idêntica àquele art. 3.º, dispondo o actual art. 3.º do novo regulamento que “os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n.º 3 do art. 153.º, do Código da Estrada”.
O Código da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/05, de 3/2 (que se encontra em vigor), dispõe, no seu art.º 153.º n.º 3, que a contraprova subsequente a um exame com resultado positivo “... deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinado:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
E no n.º 4 do mesmo preceito expressamente se diz que no caso de opção pelo novo exame através de ar expirado “... o examinado deve ser de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.”
Resulta deste normativo, que o examinado, escolhendo o meio de contraprova, se escolher novo exame por aparelho aprovado, se necessário, deve ser conduzido a local onde possa fazer esse exame. É necessário quando não possa ser feito ali, ou seja, prima facie quando não estejam reunidas as condições para o efeito.
Na citada alínea a) do nº3, não se menciona expressamente que o novo exame tenha de ser feito em aparelho diverso do utilizado no primeiro exame, exigindo apenas que seja utilizado “aparelho aprovado”. Exigência que não fará muito sentido caso se entenda que a contraprova possa ser feita no mesmo aparelho utilizado no primeiro exame, o qual pressupõe ser um “aparelho aprovado”.
Daquela alínea só se pode tirar uma conclusão, porque é esse o único sentido da norma: tal como no primeiro teste quantitativo, também na contraprova só podem ser utilizados aparelhos previamente aprovados.
A revogação da anterior norma do art.3.º, n.º1 do Decreto Regulamentar n.º 24/98, conjugada com o teor do actual n.º4 do art. 153.º do CE, conduzem-nos à conclusão de que o legislador quis arredar de vez aquela situação excepcional em que podia ser utilizado o mesmo aparelho na contraprova, passando a observar-se sempre a regra, agora sem excepções: a contraprova tem de ser efectuada num outro aparelho, também aprovado.
Se na contraprova pudesse ser utilizado o mesmo aparelho que havia sido utilizado no primeiro teste, nunca seria necessária a deslocação a outro local, pois o aparelho está ali, no local do exame.
O acto de requerer contraprova significa uma impugnação não apenas do resultado produzido pelo analisador/alcoolímetro como do bom funcionamento desse mesmo analisador, enquanto máquina. A contraprova é uma garantia de defesa do arguido.
Ao fazer-se o teste da contraprova no mesmoalcoolímetro em que se efectuou o teste da prova, não se está a fazer contraprova alguma, está antes a repetir-se o teste da prova, o que constitui em si mesmo a negação da contraprova que o nosso ordenamento jurídico pretendeu implementar.
A utilização do mesmo analisador na contraprova não daria quaisquer garantias contraa eventual falta de fiabilidade do aparelho, de cujo resultado o examinando desconfia. Só a utilização de outro aparelho certificado para o efeito poderá confirmar (afastando as eventuais dúvidas), ou não, o resultado anteriormente obtido.
Como referimos, na contraprova pedida pelo arguido com recurso a novo exame ao ar expirado, foi utilizado o mesmo aparelho que havia sido utilizado no primeiro teste quantitativo.
Nessa conformidade, o segundo exame realizado violou o disposto no art.153.º, nºs3 al. a) e 4, do CE, não podendo valer como contraprova. Independentemente do valor do exame de contraprova em relação ao exame inicial [9] ,não tendo sido apurado de forma válida o respectivo resultado, nem sendo, obviamente, possível, repetir a contraprova, pois o tempo não volta para trás, há que concluir que o tribunal não dispõe de outro meio de prova válido para determinar a concreta taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido no momento em que foi sujeito a controlo, razão por que se declara não provado que o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no item 1 dos factos provados estivesse sob a influência de uma TAS de 2,92 gramas por litro de sangue e, por arrastamento, a matéria dos n.ºs 2 e 3 que lhe está associada.
Na sequência de tal alteração fáctica, não se mostra preenchido o tipo legal de crime imputado ao arguido, desde logo, o elemento objectivo, a condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, impondo-se a sua absolvição, como defende o Exmo. Senhor Procurador da República junto deste Tribunal da Relação no seu douto parecer.
Fica prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas pelo recorrente.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente o recurso do arguido A., revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se aquele do crime que lhe foi imputado.
Não são devidas custas.
Notifique.
(Este acórdão foi revisto pelo relator que assina e rubrica as demais folhas).
Évora, 08-06-2010
FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
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[1] - Ac. Rel. Coimbra de 18-2-2009, proc. N.º166/08.1PAPBL.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.
[6] - Ac. Rel. Guimarães de 28.4.2008, in Col. Jur., ano XXXIII, tomo II, pp. 303-304.
[7] - In Col. Jur., ano XXXIV, tomo V, pp. 200-202.
[8] - Processo n.º 22/09.6PTEVR.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtre
[9] - O tribunal Constitucional no seu aresto n.º 115/09, de 28 de Setembro de 2009, julgou organicamente inconstitucional, por violação do disposto no art. 165.º, n.º1, alin. c) da Constituição da República Portuguesa o art. 153.º, n.º6 do Código da Estrada, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução de veículo em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, efectuado mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.