CITAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário

I – Na definição do art. 228º, n.º1 do CPC, “a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa
II - O art.º 237º do CPC, estabelece um formalismos especial quando a citação diga respeito a pessoas colectivas, alterando assim o “iter” dos procedimentos normais da citação das pessoas singulares.
III - A disciplina prevista no art.º 237º do CPC, visa garantir esse efectivo conhecimento por parte da sociedade demandada, de que foi proposta contra si um dada demanda e a forma mais eficaz de o fazer é dar conhecimento directo desse facto à pessoa dos seus representantes legais, que são pessoas singulares, têm residência (e tais elementos estão à disposição do Tribunal por consulta do registo comercial) podendo por isso tomar conhecimento pessoal da citação.

Texto Integral








Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc.º N.º 565/09.1TBEVR-B.E1
Apelação
1ª Secção

Recorrente:
Sociedade agro-pecuária do .........................., lda.
Recorrido:
Maria...........................

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A recorrente veio arguir a nulidade da citação que lhe foi efectuada no âmbito do processo de que estes autos de recurso foram extraídos. Apreciando o requerimento a Srª juíza indeferiu-o com os seguintes fundamentos:
«Importa, em primeiro lugar, determinar o modo de citação/notificação das pessoas colectivas, considerando' se o disposto no Código de Processo Civil na redacção em vigor à data da entrada dos autos em juízo e, por isso, aplicável.
Nos termos das disposições conjugadas dos ares 231°, 1, 3 e 5, e 236°, 1, a citação das pessoas colectivas faz-se por via postal, mediante carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, àquela dirigida e endereçada para a respectiva sede ou para o local onde funciona normalmente a administração, prima facie, na pessoa do(s) seu(s) legal(s) representante(s).
Caso não seja possível efectivar a citação na pessoa do(s) legal(is) representante(s), será a mesma efectuada na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração, devendo este ser advertido de que a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
Não sendo possível a entrega da carta - ao(s) legal(s) representante(s) ou a qualquer empregado' será deixado aviso, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado.
Vejamos se no caso concreto foi dado cumprimento ao procedimento que acabou de explanar-se.
Conforme resulta de fls. 17 e 18, deu-se integral cumprimento a todas as normas legais supra citadas e, 8 dias decorridos sobre a data em que o aviso foi deixado (prazo a que alude o artO 236°, 5), sem que a carta fosse levantada na estação de correios respectiva, foi a mesma devolvida ao tribunal.
Ou seja, frustrou-se a citação por via postal.
Nestes casos, manda o artO 239°, 1 e 8, que a citação seja efectuada por agente de execução ou, caso o autor assim o requeira na petição inicial, por funcionário judicial.
Não se verificando a hipótese prevista no n.º 8 do citado artO 239°, foi a citação efectuada por solicitador de execução - cfr. fls. 19 a 21, o qual deu cumprimento ao disposto no artO 240°, 1 e 3 - cfr. fls. 22 a 24 e 30 a 32.
De seguida, deu a secretaria cumprimento ao disposto no artO 240 - cfr. fls. 34. Invoca a requerida que frustrada a citação via postal, deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no artO 237° e não ao disposto no artO 239°, 1 e 8.
Vejamos se assim é.
O artO 237° prevê as situação em que a frustração da citação por via postal registada na sede da pessoa colectiva ou sociedade ou no local onde funciona normalmente a administração, resulte do facto de nesses locais não se encontrar nem o legal representante, nem qualquer empregado ao seu serviço.
Sucede, porém, que no caso em apreço, não se verificou tal situação: a carta de citação foi devolvida com a menção de "não reclamada" e não com a menção de "encerrado", "mudou-se" ou "desconhecido", casos em que, aí sim, teria aplicação o disposto no artº 237°.
Em conclusão, foram aplicados todos os procedimentos correctos com vista à citação da requerida, a qual devidamente efectuada».
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Inconformada com o decidido, veio a requerida interpor recurso de apelação, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes
Conclusões:

1- O presente recurso vem interposto da douta decisão de fols 92 e segs dos autos, com o número do Citius 1560247, que indeferiu a arguição de nulidade da citação da Ré.
2- Interpretação feita pela meritíssima juiz sobre as normas aplicáveis à citação das pessoas colectivas viola, por erro de interpretação e aplicando o disposto nos artigos 24011 e 237º do Cpc.
3- A Ré não tem escritório aberto na sua sede, nem ninguém disponível para receber a correspondência registada.
4- As notificações e aviso postais foram todos devolvidos sem que a Ré tivesse tido conhecimento dos mesmos.
5- Foi indevidamente utilizada a citação por afixação de nota de citação, o que no caso da Recorrente impossibilitou o conhecimento da mesma, por a sua sede ser numa Herdade com muito hectares e vários portões, encontrando-se vedada no seu perímetro com uma rede de cerca de dois metros.
6- Não consta dos autos onde foram depositados pelos serviços postais os avisos do correio registado expedidos pelo Tribunal.
7 - Ora a citação de pessoas colectivas, no caso não se encontrar ninguém na sua sede, ou no local onde funciona normalmente a administração, esta expressamente regulado no artigo 237Q do CPC não se lhes aplicando sem mais o disposto no artigo 240Q n 2 do Cpc.
8- Ai se prescreve que no caso de situações como as que ocorreram nos autos, a citação deve ser efectuada na pessoa de um dos gerentes ou administrador, através de carta registada remetida para a sua residência ou local de trabalho.
9- Nada na lei diz que o só se aplica o preceituado no artigo 2370 do CPC caso as cartas registadas venham devolvidas com a menção de " encerrado", "mudou-se" ou " desconhecido" como se diz no douto despacho recorrido.
10- No caso dos autos até uma das cartas foi devolvida com a menção de falecido, ocorrência que certamente, ainda, não se aplica às sociedades.
11- Ora nos autos foi realizada a citação com omissão total desta formalidade e usou-se indevidamente a citação por afixação de nota de citação nos termos artigo 240 nQ 3 e do CPC, norma aplicável apenas às pessoa singulares, pois existe norma especial para as pessoas colectivas que é a do artigo 2370 do CPC.
12- Tal facto, ao contrário do que erradamente foi decidido nos autos, configura a omissão de formalidades essenciais, o que gera a nulidade da citação nos termos do disposto no artigo 1980 CPC. 13- Com efeito da omissão das formalidades prescritas na lei resultaram prejuízos para a defesa da Ré que não teve conhecimento da citação e se viu, assim, impedida de contestar a providência e por via disso foram julgados provados todos os factos alegados na petição e a Recorrente acabou condenada de preceito.
14- A nulidade da citação gera a nulidade de todo o processado posterior à petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 194º do CPC.
15- Nestes termos e nos mais de direito deve ser julgada procedente o presente recurso de apelação revogando-se o douto despacho recorrido e em consequência declarar-se a nulidade da citação da recorrente, e determinando-se a anulação de todo o processado posterior à petição, ordenando-se a notificação da requerida, nos termos do disposto no artigo 198º-A do CPC, para deduzir oposição à requerida providência cautelar seguindo-se os demais termos ate final».
Não houve contra-alegações.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 685-A e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões decorre que as questões a decidir consistem em saber
- se a citação do recorrente padece ou não de nulidade.
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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
Analisados os autos e a documentação relativa à citação, verifica-se que após a primeira tentativa de citação postal na sede e perante a devolução da carta por não ter sido reclamada foi de imediato ordenada a citação da sociedade através de solicitador de execução, que tentou a citação de novo e não tendo encontrado quem a recebesse deixou aviso para citação com hora certa no dia seguinte.
Defende a recorrente que, na citação de sociedades ou pessoas colectivas, ante a frustração da citação postal na sede da pessoa, não se pode passar de imediato para as diligências de citação com hora certa, mas deve antes tentar-se a citação nos termos do art.º 237 do CPC ou seja na residência do seu representante. Não podemos deixar de concordar com o recorrente, porquanto o art.º 237º do CPC, estabelece um formalismos especial quando a citação diga respeito a pessoas colectivas, alterando assim o “iter” dos procedimentos normais da citação das pessoas singulares. E compreende-se que assim seja, porquanto as sociedades, tem representantes que são pessoas singulares, têm residência (e tais elementos estão à disposição do Tribunal por consulta do registo comercial) podendo por isso tomar conhecimento pessoal da citação.
Na definição do art. 228º, n.º1 do CPC, “a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.” E como flui do n.º1 do art. 3º do mesmo diploma, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. E o n.º2 prescreve que só em casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. É a afirmação do princípio do contraditório, que, nos termos do n.º3, o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo.
Tal princípio também expressamente consagrado no art. 32º, n.º5, in fine, da Lei Fundamental, tal como o princípio da igualdade das partes, imposto pelo art. 3º-A, consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 20º daquele diploma, na vertente em que todos têm direito a que uma causa em que intervenham decorra mediante um processo equitativo (parte final do n.º4).
O acto da citação, sempre que ela seja possível, deve, pois, garantir um efectivo ou eficaz chamamento à acção ou um efectivo conhecimento por parte do réu de que foi proposta contra ele determinada acção, sem o qual acaba postergado o direito fundamental de qualquer cidadão a um processo equitativo.[3] Deve tal acto processual fornecer garantias de efectivo conhecimento por parte do Réu da acção contra ele instaurada. Tais garantias não podem ser subalternizadas face a plausíveis razões de celeridade processual, sabido que frequentemente o demandado tudo faz para dificultar a citação, e sendo certo que o n.º4, 1ª parte, do art. 20º da Lei Fundamental também consagra o direito a uma decisão jurisdicional em prazo razoável. Como vem sublinhado no acórdão do Tribunal Constitucional - Acórdão n.º 678/98, publicado no DR, II Série, de 04.03.1999, “a celeridade processual, conquanto sendo um valor que deve presidir à administração da justiça, não poderá, claramente, ser erigida a um tal ponto que, em seu nome, vá sacrificar aqueles outros valores que, afinal, são componentes de direitos fundamentais, tais como os do acesso aos tribunais em condições de igualdade e de uma efectividade de defesa”.
A disciplina prevista no art.º 237º do CPC, visa garantir esse efectivo conhecimento por parte da sociedade demandada, de que foi proposta contra si um dada demanda e a forma mais eficaz de o fazer é dar conhecimento directo desse facto à pessoa do seu representante legal. Trata-se pois de uma formalidade essencial para garantir aquele desiderato, pelo que a sua preterição, não pode deixar de acarretar a nulidade do acto de citação com hora certa, maxime quando não é realizada em qualquer pessoa física. A “queima” desta etapa no iter processual da citação das pessoas colectivas e sociedades, constitui omissão duma formalidade essencial que acarreta a nulidade da citação, nos termos do disposto nos art.º 198º n.º 1 do CPC e porque é manifesto que prejudicou a defesa (n.º 4 do Art.º 198º do CPC) importa a anulação do processado posterior ou seja todos os actos praticados após a citação agora considerada nula.
Em síntese:
I – Na definição do art. 228º, n.º1 do CPC, “a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa
II - O art.º 237º do CPC, estabelece um formalismos especial quando a citação diga respeito a pessoas colectivas, alterando assim o “iter” dos procedimentos normais da citação das pessoas singulares.
III - A disciplina prevista no art.º 237º do CPC, visa garantir esse efectivo conhecimento por parte da sociedade demandada, de que foi proposta contra si um dada demanda e a forma mais eficaz de o fazer é dar conhecimento directo desse facto à pessoa dos seus representantes legais, que são pessoas singulares, têm residência (e tais elementos estão à disposição do Tribunal por consulta do registo comercial) podendo por isso tomar conhecimento pessoal da citação.

Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na procedência da apelação, revoga-se o despacho recorrido e em consequência declarar-se a nulidade da citação da recorrente, e determina-se a anulação de todo o processado posterior à petição, ordenando-se a notificação da requerida, nos termos do disposto no artigo 198º-A do CPC, para, querendo, no prazo legal, deduzir oposição à requerida providência cautelar, seguindo-se os demais termos ate final.
Custas pela parte vencida a final.
Registe e notifique.
Évora, em 27 de Outubro de 2010.
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(Bernardo Domingos – Relator)

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(Silva Rato – 1º Adjunto)

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(Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto)










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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3] É o direito fundamental de qualquer pessoa a um processo justo, a um processo que apresente garantias de justiça, no que concerne à sua estrutura, e que o art. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem também consagra, ao consignar que “toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”. Direito a um processo equitativo - ou nas expressões inglesas due process of law ou fair trial -fair hearing - também consagrado no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art. 14º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos.