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MURO
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
Sumário
I - Os muros que sustentam uma construção presumem-se propriedade exclusiva do dono da construção que é suportada pelo muro. II - o que releva para efeitos de presunção de propriedade exclusiva não é a maior ou menor dimensão em termos de comprimento do muro ou parede na parte em que sustenta a construção mas, tão só, que essa sustentação se faça em toda a sua largura, irrelevando a sua dimensão no que ao comprimento respeita.
Texto Integral
Apelação nº 2018/07.3TBFAR.E1 (1ª secção cível)
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
G…, residente na T…, Vila Velha de Rodão, intentou no Tribunal Judicial de Faro (2º Juízo Cível) a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra M…, residente na R…, em São Brás de Alportel, peticionando a condenação desta:
a) a reconhecer o direito de propriedade da A. relativamente ao prédio urbano sito na Rua T…, em S. Brás de Alportel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro, com o n.º … e inscrito na respectiva matriz predial do Serviço de Finanças de Faro sob o artigo …;
b) a restituir a área do quintal daquele prédio pertença da autora invadida pelo muro meeiro construído pela ré e actualmente aí existente;
c) a demolir o actual muro meeiro e a construir um novo muro divisório e delimitador das duas propriedades que respeite as áreas originais;
d) a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, nº 1 a 3, do Código Civil, de valor não inferior a € 10,00 por cada dia a contar da citação, em que a Ré não promova o cumprimento do peticionado em b) e c) do pedido.
Como sustentáculo do peticionado alega em síntese:
É proprietária do prédio urbano descrito na CRP de Faro com o n.º … o qual confina com um prédio propriedade da ré, sendo que as duas propriedades são separadas por um muro meeiro que delimita também o seu quintal e a propriedade daquela.
Em Novembro de 2001 a ré procedeu à demolição do aludido muro meeiro, sem a sua autorização, construindo novo muro divisório, o qual tem uma espessura cerca de 50 cm inferior à espessura do muro que existia anteriormente, tendo sido deslocado para o interior da propriedade da autora cerca de meio metro, subtraindo ao quintal desta a área de 3,57 m2.
Citada a ré veio contestar, impugnando parcialmente os factos articulados pela autora defendendo que o muro em questão não é meeiro, e com a obra levada a cabo não subtraiu ao quintal da autora qualquer área.
Tramitado e julgado o processo em sede de 1ª instância foi proferida sentença, que no que se refere ao seu dispositivo reza:
“Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência decido:
a) Condenar a Ré, M…, a reconhecer que a A. G…, é proprietária do prédio identificado no ponto 1. da matéria de facto, abstendo-se de quaisquer actos lesivos desse direito de propriedade;
b) - Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados.
c) Condenar a A. nas custas, uma vez que o primeiro pedido que logrou vencimento, de reconhecimento da propriedade sobre o prédio identificado no ponto 1. da matéria de facto, não foi posto em causa pela R. (artigos 446.º, nºs 1 e 2, e 449.º, nº 1, do C.P.C.).”
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Desta decisão foi interposto, pela autora, recurso de apelação com vista à alteração da mesma, tendo apresentado alegações e terminado por formular as seguintes «conclusões»,[1] que se transcrevem: “A) De acordo com a resposta ao quesito 2º da base instrutória decidiu o tribunal “a quo” que terá ficado provado que o muro que delimita as duas propriedades “tinha uma largura de 55 cm” (Cfr. Ponto 10 da página 5 da sentença recorrida) enquanto que em resposta ao quesito 9º da base instrutória o mesmo tribunal decidiu que actualmente o novo “O muro (8) que separa os quintais tem uma espessura de 24 centímetros” (Cfr. ponto 14 da página 6 da sentença recorrida).
Salvo melhor opinião, de acordo com as regras básicas da lógica a espessura implica sempre uma largura, embora nem sempre a largura implique necessariamente uma espessura, o que, ainda assim é raro. (sendo certo que a versão original que consta dos quesitos 2º e 9º da base instrutória falam ambos em espessura e em lado nenhum se fala em “largura”).
Pelo que subtraindo 55 cm por 24 cm resulta que o muro ficou reduzido em 31 cm, o que, em face do seu comprimento de 18 metros (Cfr. ponto 12 da página 5 da sentença recorrida), significa uma alteração de área de 5,58 m2 (=0,31 m x 18,00 m).
B) Se levarmos em consideração a foto 3 da página 4 do relatório pericial, e em particular, a fls. 124 dos autos, na qual se pode ver que o próprio muro da retaguarda do logradouro que faz perpendicular com o muro derrubado sofreu alterações significativas e ainda a constatação da foto 7 da página 6 do relatório pericial e da resposta ao quesito 9 do relatório pericial, em conjugação com o disposto no nº 3 do artigo 342º do Código Civil, resultar que o quesito 10º deveria ter sido dado por provado, pelo menos, na medida de um avanço de 31 cm – até porque o quesito 12º, a contrario, não foi dado por provado e, na presente acção, não foi deduzida qualquer reconvenção.
C) Porém, caso assim não se entenda, ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº1, alínea a) 1ª parte do C.P.C, no mínimo, o tribunal “a quo” deveria ter dado como provado, relativamente aos quesitos 10º e 12º (embora sem confirmar em que sentido se deu o recuo), que o muro recuou 31 cm, dado que para tal bastaria fazer o cálculo aritmético das respostas ao quesito 2º com a do quesito 9º.
D) E salvo o devido respeito, entende-se que a consideração que o tribunal “a quo” faz no final do 1º parágrafo da página 5 do seu despacho sobre a matéria de facto ao afirmar “que o facto do muro ter na actualidade uma estrutura menos espessa não significa que tenha sido deslocado do local, antes que terá ocupado um menor espaço na sua base” (O destaque é nosso) carece de sentido lógico formal porquanto, de acordo com as regras de experiência comum e da física, em particular, se o muro passou a ter uma dimensão muito menor (24 cm) do que a anterior (55 cm) foi porque a área da sua base de implantação foi reduzida, pelo que necessariamente terão também que diminuir, de um lado, e aumentar, do outro, as áreas úteis dos respectivos prédios, na medida em que haverá um dos espaços que ficou mais livre.
E) Entre as respostas aos quesitos 6º, 1º e 8º verifica-se, salvo melhor opinião e o devido respeito, uma inegável contradição, pois se o muro foi construído pelos familiares da Autora, ora Recorrente, não podia, em simultâneo, por falta de sentido e de lógica, ter sido igualmente construída, em parte, pelos anteriores proprietários da casa da Ré., como parece ser defendido no parágrafo 5º da página 11 da sentença recorrida, para depois no último parágrafo da página 11 da mesma sentença recorrida, entender, por fim, que a questão da propriedade e da autoria da construção do muro original, afinal, é secundária e irrelevante para o caso sub judice.
F) O tribunal “a quo” aplicou erradamente o nº5 do artigo 1371º do Código Civil por ter considerado que o muro é afectado na sua totalidade pela construção (garagem) da Recorrida (Cfr. 4º Parágrafo da página 11 da sentença recorrida), esquecendo-se que o mesmo muro serve igualmente de confrontação com os dois quintais existentes nas traseiras dos dois prédios urbanos (Cfr. Matérias assentes A), B), D) e E)) que, por sua vez, configuram-se exteriormente como “edifícios iguais” (Cfr. Matérias assentes B) e E), pelo que, no entender da Recorrente, seria de aplicar os nºs1 e 2 do artigo 1371º do Código Civil e nunca o seu nº5.
G) O nº5 do artigo 1371º do Código Civil nunca seria de aplicar porquanto nem nas respostas aos quesitos 1º e 8º da matéria dada por provada nem na resposta ao quesito 1º de fls 121 do relatório pericial (onde apenas se questiona “Qual a espessura dos muros que envolvem o quintal do prédio da Autora, na parte não confinante com o prédio da Ré?”) consta que o muro em causa sustenta em toda a sua largura a construção da Recorrida.
Logo, não se pode aplicar lei a um facto que não foi dado por provado.
H) De acordo com Antunes Varela e Pires de Lima, o disposto no nº5 do artigo 1371º apenas prevalece quando em nenhum dos lados existam, em simultâneo, dois pátios ou dois quintais, mas apenas um pátio ou um quintal (Cfr. 4º parágrafo do ponto 5 da página 247 do Vol. III do Código Civil Anotado. 2ª Edição revista. Coimbra Editora. 1987). Ora, de acordo com a resposta ao quesito 5º do relatório pericial, a fls. 122, o muro em causa confina com ambos os quintais, em mais um metro, isto é, numa dimensão maior (9,17 m) do que aquela que confina com a parede da garagem do prédio da Recorrida (8,17 m).
I) Caso se entenda, em face do referido em H) que estamos perante sinais exteriores contraditórios dos quais se podem extrair em simultâneo presunções de comunhão e de exclusividade da propriedade, entendem Antunes Varela e Pires de Lima que terá de se recorrer às regras gerais de prova para apurar a titularidade da propriedade do muro, enquanto Henrique Mesquita, por seu turno, perfilha a opção do Código Italiano que faz prevalecer a presunção de comunhão, sem prejuízo do recurso às regras gerais de prova (Cfr. 2º parágrafo do ponto 8 da página 249 do Vol. III do Código Civil Anotado. 2ª Edição revista. Coimbra Editora. 1987 e ainda artigos 880º e 881º do Código Civil Italiano).
Se assim for, das duas, uma: ou terá que se concluir que o muro pertence em exclusivo à Recorrente, em face do teor da resposta ao quesito 6º da base instrutória ou que é comum.
J) Ainda que se perfilhe a tese vertida nas páginas 11 e 12 da sentença recorrida, sempre se diria que, tal nunca poderia deixar de configurar uma situação de manifesto abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil, uma vez que implicaria, na prática, premiar o comportamento de alguém, a Recorrida, que demoliu e reconstruiu sem qualquer autorização da aqui Recorrente (Cfr. Resposta negativa ao quesito 13º da base instrutória) um muro anteriormente edificado pelos familiares desta (Cfr. Resposta ao quesito 6º da base instrutória) cuja espessura alterou, a seu belo prazer, (Cfr. Respostas aos quesitos 2º e 9º) para depois ainda beneficiar de uma alegada presunção de exclusividade de propriedade, tal como o tribunal a quo, na página 11 da sua sentença parece vir defender.
L) Entendendo-se, como o faz a Recorrente, que o muro, nos termos do nºs 1 e 2 do artigo 1371º do Código Civil, é comum, resulta que, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 1373º, metade da sua espessura é propriedade de cada um dos confinantes. Assim, se o muro tinha anteriormente 55 cm, a cada um pertenciam 27,50 cm. Mas se o muro actual passou a ter 24 cm, a metade da Recorrente passou a ser de 12,00 cm quando anteriormente era de 27,50cm, ou seja, perdeu 15,50 cm (=27,50cm-12,00cm de largura), o que, tendo em consideração os 18,00 metros de comprimento do muro (Cfr. Resposta ao quesito 5º da base instrutória) significa, em metros quadrados, uma subtracção de 2,79 m2.
Pelo que, mesmo que se considere não ser possível apurar em que sentido avançou o muro, a considerá-lo comum, sempre a Recorrente teria sido prejudicada em 2,79 m2 da sua área, pela redução unilateral do muro pela Recorrida de 55cm para 24 cm, razão pela qual o muro actual deve ser reposto de forma a que se recuperem os referidos 2,79 m2 perdidos com a diminuição unilateral e não consentida da espessura do anterior muro.”
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Não se evidencia terem sido apresentadas alegações por parte da ré.
* Apreciando e decidindo
O objecto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso - disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º, todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, a questões essenciais que importa apreciar cingem-se em conhecer:
1ª – Do alegado erro de julgamento da matéria de facto e da alegada contradição entre a factualidade dada como provada. 2ª – Do alegado erro de julgamento no que respeita a subsunção dos factos provados ao direito aplicável.
*
Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual: 1. A Autora é proprietária do prédio urbano sito na Rua T…, S. Brás de Alportel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro com o n.º …. [A) da matéria assente]. 2. O referido prédio é composto de armazém e quintal [B) da matéria assente]. 3. Tal prédio encontra-se descrito na matriz predial sob o artigo 196, com a área de 290m2, sendo 240m2 relativos ao quintal [C) da matéria assente]. 4. A Ré proprietária do prédio urbano sito na Rua T…, S. Brás de Alportel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro com o nº … [D) da matéria assente]. 5. O referido prédio é composto de habitação e quintal [E) da matéria assente]. 6. Tal prédio encontra-se descrito na matriz predial sob o artigo 197, com a área de 105m2, sendo 42m2 relativos ao quintal [F) da matéria assente]. 7. O prédio da Autora confronta a norte com o prédio da Ré [G) da matéria assente]. 8. Em Novembro de 2001, a Ré realizou obras de reabilitação do prédio referido em 4. tendo demolido a estrutura que separava os dois prédios [H) da matéria assente]. 9. A delimitação que separava os prédios da A. e da R. era feita através de um muro que separava os dois quintais e noutra parte era constituída por parede dos anteriores proprietários da casa da Ré, que a separava do quintal da Autora [resposta aos pontos 1.º e 8.º da base instrutória]. 10. Esse muro tinha uma largura aproximada de 55 cm [resposta ao ponto 2.º da base instrutória]. 11. Era feito de uma mistura de cal, areia e pedra [resposta ao ponto 3.º da base instrutória]. 12. Esse muro tinha uma altura situada entre os 2,25 m e os 2,50 metros e o comprimento aproximado de 18 metros [resposta aos pontos 4.º e 5.º da base instrutória]. 13. E foi construído pelos familiares da Autora em data não concretamente apurada, mas há cerca de sessenta a cem anos [resposta ao ponto 6.º da base instrutória]. 14. O muro/parede que separa os quintais tem uma espessura de 24 centímetros [resposta ao ponto 9.º da base instrutória].
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Conhecendo da 1ª questão A recorrente vêm pôr em causa a matéria de facto, requerendo a alteração da mesma ao abrigo do disposto no artigo 712º n.º 1 do C.P.C., indicando, em concreto, os pontos factuais da Base Instrutória n.ºs 10º (Esse(a) muro/parede foi deslocado(a) 50 cm para o interior da propriedade da autora, por referência à localização original?), e 12º (Ou, o(a) novo(a) muro/parede recuou 5 cm para o interior da propriedade da ré?), que receberam a resposta de não provado a qual viola “as regras da lógica, prudência e experiência comum tendo em conta o que as respostas dadas aos pontos 2º e 9º da BI nos quais se reconheceu que o antigo “muro tinha a largura aproximada de 55 cm” e que o novo muro “tem uma espessura de 24 cm.
Nos termos do n.º 1 do citado artigo 712º do CPC “A decisão do Tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos da prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida”.
Não obstante afirmar-se que o registo de prova produzido em audiência tem por fim assegurar um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, a realidade, como todos sabemos, é bem diferente, já que “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.[2]
A recorrente põe em causa a objectividade de apreciação dos factos materiais que o Mmo. Juiz a quo manteve como razão da sua convicção/decisão, não obstante o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador consignada na lei – art.º 655º do C.P.C.
Ao tribunal de 2ª instância não é lícito subverter o princípio da livre apreciação da prova devendo, tão só, circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos e, a partir deles, procurar saber se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a prova testemunhal e outros elementos objectivos neles constantes, pode exibir perante si, sendo certo, que se impõe ao julgador que indique “os fundamentos suficientes para que, através da regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade d(aquel)a convicção sobre o julgamento de facto como provado ou não provado”.[3]
Assim, a constatação de erro de julgamento no âmbito da matéria de facto, impõe que se tenha chegado à conclusão que a formação da decisão devia ter sido em sentido inverso daquele em que se julgou, emergindo “de um juízo conclusivo de desconformidade inelutável e objectivamente injustificável entre, de um lado, o sentido em que o julgador se pronunciou sobre a realidade de um facto relevante e, de outro lado, a própria natureza das coisas”.[4]
No caso em apreço, no que se refere aos pontos da matéria que a recorrente pretende modificação, diremos, desde já, que as respostas à matéria de facto se mostram devidamente fundamentadas, com apreciação crítica dos vários depoimentos e documentos, não denotando, nem arbitrariedade nem discricionariedade – v. fls. 225 a 230 dos autos.
Se é certo, como afirma a recorrente que a espessura implica uma largura, e que se tivermos em conta que o muro antes de derrubado tinha uma largura de 55 cm e passou, após a reconstrução, a ter uma largura de 24 cm, como é evidente terá sofrido um “emagrecimento” de 31 cm mas tal diminuição na largura não implica, ao contrário do que a recorrente faz crer, que se tenha que proceder à modificação das respostas dadas aos pontos 10º e 12º da BI (resposta de não provado) por se ter de concluir que existiu deslocação, quer para o interior da propriedade da autora, retirando área de terreno no quintal desta, quer para o interior da propriedade da ré, concedendo mais área de terreno ao quintal da autora.
O que se pergunta nos aludidos pontos, é se com a reconstrução, o muro foi deslocado para o interior da propriedade da autora, ou se ou invés foi recuado para o interior da propriedade da ré, e tais situações ao resultarem não provadas são ambas conducentes com as respostas positivas supra referidas.
Sendo uma realidade que o muro “emagreceu”, tal não significa que o quintal da autora, tenha ficado, como foi alegado, com uma superfície menor do que até aí vinha tendo, a superfície poderá manter-se igual, sendo que a superfície do quintal da ré, é que terá beneficiado de um acréscimo correspondente à variação da largura entre o muro antigo e o muro novo.
Sendo o muro novo edificado face ao limite que do lado da autora o muro velho regulava, não se pode afirmar que o quintal da autora foi ocupado com tal construção. O que se poderá dizer é que o novo muro deveria ter sido erigido tendo como referência, em todo o seu comprimento, a linha central do muro antigo (linha que longitudinalmente atravessava pelo meio o muro) e não a linha lateral (lado da autora) de modo a que o ganho de área dos terrenos com redução da espessura do muro fosse distribuído, igualmente, quer pelo quintal da ré, quer pelo quintal da autora. Mas, tal apreciação caberá ser feita em sede de subsunção dos factos ao direito, caso se venha a reconhecer que, como defende a autora, se está perante um muro meeiro, pois, se assim não for, não terá relevância tal entendimento.
A recorrente também defende existir contradição na resposta dada ao quesito 6º com a resposta conjunta dada aos quesitos 1º e 8º.
Não vislumbramos a invocada contradição, já que apesar da resposta ao quesito 6º constar que o muro antigo foi construído há cerca de sessenta a cem anos por familiares da autora tal não colide com a resposta dada ao quesitos 1º e 8º, já que o que aí se relata é apenas a forma de delimitação do prédio da autora e da ré, a qual era feita “através de um muro que separava os dois quintais e noutra parte era constituída por parede dos anteriores proprietários da casa da ré que a separava do quintal da autora” não se afirmando que o muro foi construído pelos anteriores proprietários da casa da ré, nem tão pouco que foram esses anteriores proprietários da casa da ré que construíram a parede da casa e muito menos o muro.
Não vemos, assim, razões para pôr em causa a objectividade do Julgador a quo na apreciação da prova, designadamente no que concerne à matéria factual posta em crise pelos recorrentes, pelo que improcede nesta parte a apelação.
Conhecendo da 2ª questão
A autora defende que mesmo que a matéria de facto se tenha por imutável, o Julgador a quo não fez uma boa interpretação do disposto no artº 1371º do CC, ao excluir a presunção de compropriedade do muro, atribuindo a sua propriedade exclusiva à ré.
Dispõe o artº 1371º do Código civil epigrafado de presunção de compropriedade:
“1. A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.
2. Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.
3. São sinais que excluem a presunção de comunhão:
a) A existência de espigão em ladeira só para um lado;
b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele;
c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.
4. No caso da alínea a) do número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as construções ou sinais mencionados.
5. Se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção.”
Em face da matéria dada como provada o Julgador a quo entendeu estarem afastados os sinais aludidos nas alíneas do n.º 3 do citado artigo que excluem a presunção comunhão, mas entendeu estar verificada facticidade inerente à presunção de exclusividade a que alude o n.º 5 do citado dispositivo, atribuindo a propriedade do muro à ré.
Pensamos ser esta a posição que se mostra correcta em face do quadro factual apurado.
Pois tendo-se dado como provado que a delimitação que separava os prédios da autora e da ré era feita através de um muro que separava os dois quintais e noutra parte era constituída por parede dos anteriores proprietários da casa da ré que a separava do quintal da autora, temos que na realidade o muro vai encaixar na parede da casa da ré, dando dessa forma continuidade à delimitação dos prédios, sendo que essa parede em toda a sua largura sustenta a construção da casa da ré, ou seja, construção esta cuja implantação está apenas do lado da ré.
Ora tendo a formação composta pelo muro e parede da casa dos réus uma configuração em linha recta, tal como resulta dos suportes fotográficos juntos aos autos e se deduz do relato da inspecção ao local, deve presumir-se a exclusividade da propriedade por parte do dono do prédio que em toda a largura dessa formação faz sustentar a construção, por força do disposto no n.º 5 do artº 1371º do CC.
Não se pode acompanhar o que é defendido pela recorrente na conclusão H) chamando à colação a doutrina de Pires de Lima e A. Varela, pois da leitura do que é dito pelos Ilustres Mestres resulta o contrário do que é afirmado pela recorrente. A necessidade simultânea, de dois prédios ou de dois quintais é exigida para efeitos de presunção de compropriedade e respectiva exclusão de comunhão e não para efeitos de presunção de propriedade exclusiva prevista no n.º 5 do artº 1371º do CC, até porque a situação contemplada neste normativo foi autonomizada do elenco dos sinais contrários da presunção de comunhão que o artº 2337º do Código Civil de 1867 contemplava, sendo certo que o n.º 2 do artº 1371º do CC vigente continuou a manter como sinais que excluem a presunção de comunhão [al. a), b) e c)] os constavam no anterior Código de 1867 sob os n.º 1º, 3º e 4º do parágrafo 1º do artº 2337º, mas não manteve a que constava no n.º 2 do parágrafo 1º.
“Em relação aos muros que sustentam uma construção (que pode ser um pátio) situada só de um dos lados… deixou de figurar esse caso, no novo Código, entre os sinais que excluem a presunção de comunhão, para ser tratado com autonomia no n.º 5. Dele resulta somente uma presunção de propriedade exclusiva.”[5]
Acresce, que o que releva para efeitos de presunção de propriedade exclusiva não é a maior ou menor dimensão em termos de comprimento do muro ou parede na parte em que sustenta a construção mas, tão só, que essa sustentação se faça em toda a sua largura, irrelevando a sua dimensão no que ao comprimento respeita.
Por seu turno, como salienta o Julgador a quo “ a circunstância de se ter provado que o muro (e não parede) foi construído pelos familiares da A., desacompanhada de outra factualidade que esclareça qual a motivação subjacente (a existência do acordo celebrado entre as partes) a essa construção não é de molde a ilidir tal presunção” até porque “a questão da propriedade do muro é muito anterior à edificação da construção que foi levada a cabo pela Ré (e pelos antecessores) e se desconhece qual a situação dos prédios quando foi construído o muro, há pelo menos sessenta anos.”
Sendo o muro, como decorre da presunção que não se mostra elidida, propriedade exclusiva da ré não se vislumbra em que é que a sua actuação, de demolição do muro antigo e (re)construção de um muro novo, possa configurar uma situação de abuso de direito, dado que não se provou, apesar de alegado pela autora, que a ré com tal obra tenha invadido área do quintal pertencente ao prédio daquela.
Por seu turno, também, não haverá que distribuir entre autora e ré a área resultante do “emagrecimento” do muro uma vez, que como se salientou supra isso só se mostrava relevante se, se concluísse pela comunhão do muro, o que não aconteceu.
Improcedem, assim as conclusões da recorrente, não se mostrando violadas a s normas legais cuja violação foi invocada, sendo de julgar improcedente o recurso.
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DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Custas pela apelante.
Évora, 03 de Março de 2011
Mata Ribeiro Sílvio Teixeira de Sousa Rui Machado e Moura
__________________________________________________ [1] - Consignámos conclusões entre aspas, já que a recorrente limita-se a fazer o resumo, em onze artigos, da matéria explanada nas alegações, sem apresentar umas verdadeiras conclusões, as quais não devem conter citações doutrinais e tal como a lei prevê, para além de indicarem as normas violadas, devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas – v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25; Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73; Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 124. [2] - Preâmbulo do Dec. Lei 39/95 de 15/02. [3] - Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Cód. Proc. Civil, 1997, 348. [4] - cfr. Desembargador Pereira Batista, na apelação. n.º 1027/04-2 in www.dgsi.pt. [5] - V. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil anotado, 1984, vol. III, 247.