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INSOLVÊNCIA
Sumário
I - Se os factos revelam que a requerida, embora com dificuldades, tem capacidade de cumprir e vai cumprindo as suas obrigações, não pode legitimamente afirmar-se como verificada uma situação de incumprimento generalizado das obrigações por parte da requerida, nem que a mesma não tem capacidade de cumprir. II - Demonstrando-se que a requerida (insolvente), à data da sentença que decretou a insolvência, afinal e genericamente, vinha cumprindo as suas obrigações e manifestava vontade de continuar a cumprir e vem cumprindo não pode considerar-se verificado o fundamento previsto artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, de incumprimento generalizado das obrigações da requerida, com base no qual foi decretada a sua insolvência,
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc.º N.º 675/10.2TBOLH-A.E1
Apelação
2ª Secção
Recorrente:
Paula Cristina .....................
Recorrido:
Domingos .................... SA e Fábrica de Calçado .................... Lda.
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I- Relatório[1]
« Paula Cristina Madeira Gomes, na qualidade de sócia, deduziu embargos à sentença declaratória da insolvência da ...................., Comércio de Artigos Desportivos, Lda que foi requerida por Fábrica de Calçado Campeão Português, SA e Domingos ...................., SA, tendo sido declarada a insolvência com fundamento numa situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.
A embargante alegou, em síntese e após convite ao aperfeiçoamento, que não há suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas.
Assim, refere que logo que foi citada, na qualidade de legal representante da insolvente, para o processo de insolvência, a insolvente entrou em contacto com as sociedades requerentes com vista a chegar a um acordo de pagamento da dívida de € 13.944,46, estando a pagar a quantia em causa em prestações, pagamento que está a cumprir na integra.
Ora, sendo, tais factos posteriores à interposição da acção de insolvência, são factos novos que se dão conhecimento ao Tribunal.
Por outro lado, das acções executivas interpostas contra a sociedade devedora e referidas na petição inicial, aquela conseguiu chegar a um acordo para pagamento.
Assim, no processo executivo interposto pela Puma Portugal – artigos Desportivos, Lda que corre termos no 3º Juízo deste Tribunal Judicial de Olhão- processo n.º 731/08.9TBOLH-, com o valor de € 4.120,23, a insolvente já liquidou parcialmente a quantia exequenda, faltando pagar cerca de € 800,00 (tendo posteriormente junto comprovativo do pagamento dessa quantia em 1 de Setembro de 2010).
Por sua vez, no processo executivo interposto pela ELO– Distribuição de Calçado, Lda que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras- processo n.º 2172/08.7TBFLG-, com o valor de € 2.693,35), a insolvente já pagou integralmente a quantia exequenda.
Actualmente, a insolvente também tenta chegar a um entendimento para pagamento faseado da quantia devida à Maresias, Comércio e Representações, Lda, a qual intentou processo executivo que corre termos no Juízo de Execução do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 2345/09.5TBVNG»
Concluiu, afirmando ter demonstrado que a requerida ...................., Comércio de Artigos Desportivos, lda não se encontra numa situação de insolvência e pedindo a revogação da sentença que decretou a insolvência da requerida.
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As requerentes e o administrador de insolvência, notificados nos termos do artigo 41º, n.º 2 do CIRE, não apresentaram contestação nos autos, tendo as requerentes confirmado os pagamentos alegados pela embargante.
De seguida foi proferido saneador/sentença, onde se decidiu julgar os embargos improcedentes.
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Inconformada com o decidido, veio a embargante apelar, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
«I. As sociedades requerentes alegaram que a sociedade devedora se encontrava em situação de insolvência nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do ClRE, invocando a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas.
II. As sociedades credoras e a sociedade devedora chegaram a um acordo de pagamento da dívida de € 13.944,46, antes de propalada a sentença declaratória de insolvência.
III. Até à data, a sociedade devedora tem cumprido pontualmente o acordo de pagamento da dívida perante as sociedades credoras, tendo já liquidado mais de metade da dívida.
IV. O acordo firmado entre as partes constitui, em nossa opinião, fundamento para a revogação da sentença de declaração de insolvência.
V. Das acções executivas interpostas contra a sociedade devedora, que fundamentaram o pedido de insolvência, a Sociedade devedora conseguiu chegar a um acordo para pagamento das quantias exequendas em dois processos, o da Puma e o da Elo, tendo liquidado ambas as quantias exequendas.
VI. Das situações que o tribunal a quo se baseou para considerar que a sociedade devedora suspendeu de forma generalizada o cumprimento das suas obrigações, duas já estão totalmente pagas e a terceira está a ser cumprida de forma faseada.
VII. A suspensão generalizada do cumprimento das obrigações vencidas por parte de um devedor verifica-se nos casos em que existe uma incapacidade real e de facto em liquidar as suas dívidas.
VIII. A obrigação da sociedade devedora para com os seus credores começou a ser cumprida antes da declaração de insolvência, cumprimento faseado este que afasta, com os pagamentos das quantias exequendas no âmbito dos processos executivos referidos, o requisito previsto no artigo 20.º n.º 1 alínea a) do ClRE.
IX. Na verdade, a invocação de factos supervenientes modificativos da realidade apresentada na petição inicial de uma acção judicial é legalmente e processualmente admissível nos articulados supervenientes - artigo 506.º e seguintes do CPC-, tal como é perfeitamente admissível após a data da prolação de uma sentença artigo 712.º n.º 1 alínea c) do cpc.
X. Antes e depois de proferida a decisão de insolvência, a sociedade devedora praticou factos - pagamentos no âmbito do acordo firmado que por si afastam a sua insolvência, fundando-se aquela numa situação que não existe de facto.
XI. Nos termos do artigo 40.º n.º 2 do ClRE, a embargante, ora recorrente, apresentou factos novos que não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo na sentença declaratória de insolvência e que afastam os fundamentos que estiveram na génese dessa declaração.
XII. Segundo o disposto no artigo 3.º n.º 1 do CIRE, "é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir a suas obrigações vencidas."
XIII. Portanto, o que se conclui é que a sociedade .................... cumpriu e está a cumprir as suas obrigações vencidas, não preenchendo o requisito previsto no artigo 20.º n.º 1 alínea a) do CIRE para a declaração da sua insolvência.
Nestes termos e nos demais de direito, a sentença que indeferiu a oposição de embargos à insolvência de .................... - COMÉRCIO DE ARTIGOS DESPORTIVOS, LDA deve ser revogada, por não se verificar o pressuposto para a sua insolvência previsto no artigo 20.º n.º 1 alínea a) do CIRE…»
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Não houve contra-alegações.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 684º, n.º 3, 685-A do Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
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Vistas as conclusões, verifica-se que a questão objecto do recurso é meramente jurídica e consiste em saber se à data em que foi proferida a sentença, a insolvente estava ou não numa situação de incumprimento generalizado.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Dos factos
Na primeira instância foram considerados assentes os seguintes factos:
1) A requerente Fábrica de Calçado ...................., SA tem por objecto a indústria e comércio de calçado e qualquer outro ramo de comércio e industria que venha explorar.
2) ...................., Comércio de Artigos Desportivos, Lda tem por objecto a comercialização de material e equipamento desportivo.
3) Fábrica de Calçado Campeão Português, SA, no exercício da sua actividade, vendeu mediante o pagamento de um preço artigos da sua especialidade para a requerida, por sua vez, comercializar no âmbito da sua actividade.
4) Fábrica de Calçado Campeão Português, SA, forneceu várias mercadorias, que constam de fls. 20 a 36 e que se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais:
- Factura n.º 1286/420 emitida em 02/08/2007 no montante
de € 2.958,09;
- Factura n.º 1376/420 emitida em 14/08/2007 do montante
de € 2.302,03;
- Factura n.º 1458/420 emitida em 25/09/2007 no montante
de € 4.636,96;
- Factura n.º 1516/420 emitida em 26/09/2007 no montante
de € 1.016,28;
- Factura n.º 1743/420 emitida em 16/10/2007 no montante
de € 996,44;
- Factura n.º 1791/420 emitida em 30/10/2007 no montante de € 314,60.
- Factura n.º 468, de 27/03/2007, no montante de € 1.985,61.
5) A requerida enviou à requerente cheques para pagamento das mercadorias referidas em 4) que foram devolvidos por não terem sido pagos.
6) A requerida não procedeu ao pagamento das despesas com os cheques.
7) A requerida procedeu, com aceitação da requerente, à devolução de mercadoria, tendo a requerente emitido as correspondentes notas de crédito.
8) Em 19 de Maio de 2008, estava em dívida à requerente a quantia total de € 10.757,10, a que acrescem juros de mora no valor de € 2.011,26.
9) Apesar de instada pela requerente, a requerida, não procedeu até à citação para o processo de insolvência, ao pagamento da quantia referida em 8).
10) A requerente Domingos ...................., SA tem por objecto o comércio e indústria de produtos de calçado, artigos de desporto, vestuário, acessórios e similares, importação e exportação.
11) No âmbito da sua actividade, a Domingos ...................., SA vendeu à requerida artigos da sua especialidade, mediante o preço de € 907,86 no prazo assinalado na factura n.º2329/2007de fls. 47, que se dá por integralmente reproduzida.
12) Para pagamento do preço das mercadorias fornecidas e, discriminadas na factura referida em 11), a requerida emitiu o cheque n.º 5562540267 a favor da requerente que foi devolvido por falta de provisão, sendo que ao valor do cheque acrescem € 52,00 a título de despesas.
13) A requerida deve à requerente Domingos ...................., SA o valor de € 959,86 e ainda juros moratórios sobre a quantia de € 907,86 e desde as datas de vencimento juros moratórios no valor de € 216,24, cujo montante global € 1.176,10.
14) Apesar de instada pela requerente a pagar a requerida não procedeu ao pagamento do valor referido em 12) até à apresentação da petição inicial que requeira a declaração de insolvência.
15) Foram instauradas contra a requeridas as seguintes execuções na sequência das seguintes dívidas:
I. €4.120,23 a Puma Portugal – Artigos Desportivos, Lda, correndo termos processo executivo com n.º 731/08.7TBOLH, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, no âmbito da qual foi paga a última parte da dívida em 1 de Setembro de 2010- € 980,01;
II. € 2.693,35 a Elo – Distribuição de Calçado, Limitada correndo termos processo executivo com n.º 2172/08.7TBFLG, do Juízo de Execução do Tribunal do Tribunal Judicial de Felgueiras, no âmbito da qual em 23 de Março de 2010 foi paga a quantia de € 4.000,00 que seria suficiente para suportar todas as despesas da execução;
III. €10.485,72 a Maresias, Comércio e Representações, Lda, correndo termos processo executivo com n.º 2345/09.5TBVNG, do Juízo de Execução do Tribunal de Vila Nova de Gaia;
16) Não são conhecidos à requerida dinheiro, crédito ou quaisquer bens móveis ou imóveis.
17) Após a citação da ...................., Comércio de Artigos Desportivos, Lda, esta chegou a acordo com as requerentes, estando a proceder ao pagamento a prestações das quantias em dívida, já tendo pago a quantia de € 6.972,23 entre 16 de Julho e 15 de Setembro de 2010.
18) A Fábrica de Calçado ...................., SA., e Domingos ...................., SA aprestaram a petição inicial do processo principal para declaração de insolvência da ...................., Comércio de Artigos Desportivos, Lda em 22 de Abril de 2010, tendo a sentença de insolvência sido proferida em 3 de Agosto de 2010».
São estes os factos a considerar.
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Do Direito
Ante a factualidade descrita o Tribunal “a quo” efectuando a subsunção destes factos ao direito, concluiu que apesar dos novos factos, ocorridos posteriormente à propositura da acção de insolvência mas antes de proferida a sentença que a decretou e trazidos ao conhecimento do tribunal nos presentes embargos, nem assim ficava arredada a situação de incumprimento generalizado por parte da insolvente. Salvo o devido respeito não concordamos com este entendimento, que desvaloriza por completo o acordo referido no nº 18º do factos provados, celebrado entre a insolvente e os credores requerentes da insolvência e nos termos do qual foi aceite pelas requerentes um plano de pagamento dos seus créditos e que a insolvente começou a cumprir, ainda antes da sentença que decretou a insolvência e que continua a cumprir. Se é verdade que o sr. Juiz que decretou a insolvência não podia ter tomado tais factos em consideração, já que foram levados aos autos, já o mesmo se não passa com quem decidiu os embargos, pois conheceu deles mas não os valorou juridicamente ou melhor não lhe deu o devido relevo jurídico. Na verdade para afastar o espectro do incumprimento generalizado das obrigações da R. para com os credores requerentes, bastaria a prova do acordo porquanto embora não constitua uma novação das obrigações da R., determina uma alteração do conteúdo destas e faz cessar a situação de incumprimento na medida em que com tal acordo é concedida à R. (insolvente) uma moratória, um novo prazo de cumprimento e como tal não pode continuar a afirmar-se que a mesma está numa situação de incumprimento ou sequer de mora. Mas para além disso prova-se que a R. (insolvente), tem cumprido o acordo firmado com as requerentes, pagando as prestações a que se obrigou, quer as vencidas antes da sentença que decretou a insolvência quer as outras que se venceram depois.
Diz-se na sentença que decretou a insolvência da requerida ...................., Comércio de Artigos Desportivos, Lda, «o que verdadeiramente releva para a insolvência é a incapacidade de dar satisfação a obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos»[4].
Para além do acordo referido, apurou-se que a insolvente, na data em que foi proferida sentença, já não devia a quantia relativa à execução n.º 2172/08.7TBFLG, do Juízo de Execução do Tribunal Judicial de Felgueiras, a qual foi paga em 23 de Março de 2010, ou seja, antes da entrada em juízo do processo de insolvência, pelo que, na data em que foi declarada a insolvência, a requerida apenas tinha pendentes 2 execuções, sendo que numa delas apenas devia a quantia de cerca de € 800,00, que pagou em data posterior á prolação da sentença. Ora estes factos revelam que a requerida, embora com dificuldades, tem capacidade de cumprir e vai cumprindo as suas obrigações pelo que perante este quadro factual não pode legitimamente afirmar-se como verificada uma situação de incumprimento generalizado das obrigações por parte da requerida nem mesmo que a mesma não tem capacidade de cumprir, como foi decido na sentença de embargos. Ao invés, demonstra-se que a requerida (insolvente), à data da sentença que decretou a insolvência, afinal e genericamente, vinha cumprindo as suas obrigações e manifestava vontade de continuar a cumprir, como vem cumprindo.
Deste modo e pelo exposto entendemos que não está verificado o fundamento previsto artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, de incumprimento generalizado das obrigações da requerida, com base no qual foi decretada a sua insolvência, e por isso os embargos deveriam ter sido julgados procedentes.
Concluindo
Pelo exposto, acorda-se na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e julgando procedentes os embargos revoga-se a sentença que decretou a insolvência da requerida ...................., Comércio de Artigos Desportivos, Lda, sem prejuízo dos efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência (art.º 43º do CIRE).
Custas pelos requerentes da insolvência (art.º 304 do CIRE).
Registe e notifique.
Transitado proceda-se às publicações legais.
Évora, em 17 de Março de 2011.
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[1] Transcrito da sentença.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[4] Vide - Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, págs. 322 e segs.; Sousa Macedo, Manual de Direito das Falências, vol. 1, Almedina, Coimbra, 1964, págs. 257 e 258. Na jurisprudência, Assento do Supremo Tribunal de Justiça, n.° 9/94, de 2/MAR., in D.R., 1.ª S., de 20/MAI/94, e ainda, o Acórdão do S.T.J. de 11/JAN/79, in B.MJ., n.° 283, pág. 319 e, mais recentemente, o ac. da Rel. Porto, de 15/FEV/99, sum. in B.M.J., nº454, pág. 798