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CONTRATO DE EMPREITADA
DESISTÊNCIA DO DONO DA OBRA
Sumário
I - O rompimento do contrato de empreitada, mediante desistência do dono da obra, à luz do artº 1229º, não tem eficácia retroactiva, não actua sobre o que, no uso da liberdade contratual”, as partes tenham estipulado, ou seja sobre as obrigações assumidas no acordo de empreitada e se considerem vencidas e exigíveis, na data em que se dá o rompimento do contrato, a sua extinção por desistência.. II – Embora o autor tenha fundado o pedido de indemnização na resolução por incumprimento definitivo do contrato e não em extinção do contrato por desistência, nada obsta a que o Tribunal, em face da qualificação jurídica efectivamente reconhecida e ao disposto no artº 1229º do CC, no âmbito da extinção, reconheça à autora direito indemnizatório. III – A indemnização não só comporta os danos emergentes, mas também os lucros cessantes “tal como se houvesse resolução pelo não cumprimento da obrigação imposta ao desistente”. Às despesas e ao trabalho será aduzido o proveito que o empreiteiro poderia retirar da execução da obra completa”, proveito este traduzido no “benefício económico que o empreiteiro auferiria daquele negócio”
Texto Integral
Apelação n. º 58/07.1TBFAR.E1 (2ª secção cível)
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
D… Lda. instaurou no Tribunal Judicial de Faro (2º Juízo Cível) acção declarativa com processo ordinário, contra A…, alegando em síntese que:
- Acordou com o réu a construção de uma moradia, que foi realizando, emitindo a certa altura a factura com o n.º 46, correspondente a trabalhos de tijolos no interior e no exterior da casa e trabalhos de escavação com máquina, a qual corresponde a metade da quinta prestação do acordo de pagamento, não tendo o réu procedido ao pagamento, tendo ordenado à autora que parasse as obras, alegando dificuldades financeiras.
- Esta actuação do réu causou prejuízos à autora já que havia renunciado a outras empreitadas para realizar a contratualizada com ele.
- O réu foi interpelado para pagar e não o fez, tendo entrado em mora, o que fez a autora perder o interesse na prestação e ver resolvido o contrato.
Concluindo peticiona que:
- seja declarado resolvido o contrato celebrado entre a A. e o R.;
- seja o R. condenado a pagar à A. a quantia de 16.790,98 euros (correspondente à factura 46), acrescida de juros vencidos no valor de 476,83 euros , e dos juros vincendos;
- seja o R. condenado a pagar uma indemnização a liquidar subsequentemente.
Citado o réu veio contestar e reconvir.
Em sede de contestação impugnou parcialmente os factos alegados pela autora, invocou que, após a realização de vários pagamentos, a autora abandonou a obra, informando que não trabalharia mais naquela casa, que os trabalhos contemplados na factura invocada não correspondem a trabalhos incluídos no acordado entre as partes, e que necessita de gastar 70.000 euros para acabar a obra, em virtude do estado em que a autora a deixou, quando contava gastar apenas 50.000 euros.
Em sede de reconvenção peticiona o pagamento de 20.000 euros, valor correspondente à diferença para mais que irá gastar na conclusão da obra.
Requereu também a apensação de um outro processo (proc. 486/07 em que a autora peticiona a quantia de € 4 114,00) pendente no tribunal, relacionado com outra factura referente à mesma obra (factura n.º 49), apensação que viria a ser deferida.
Na réplica a autora mantém a sua posição e pede a condenação do réu por litigância de má fé em multa e indemnização no montante de € 2 000 pelas despesas que lhe provocou.
Tramitado e julgado o processo em sede de 1ª instância foi proferida sentença cujo dispositivo reza:
“Pelo exposto, decido:
- absolver o R. dos pedidos formulados;
- absolver a A. do pedido reconvencional;
- julgar o R. litigante de má fé, condenando-o a pagar a multa de 2 (duas ) UC.
Custas pela A. na acção e pelo R. na reconvenção.”
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Desta decisão foi interposto, pela autora, o presente recurso de apelação no âmbito do qual apresentou as respectivas alegações e formulou as seguintes conclusões que se passam a transcrever: “A) Os factos que foram considerados provados não foram correctamente integrados nas normas de direito substantivo violando assim, a douta sentença proferida o disposto nos art.º, 801º, 805º 808.º, 798º 799º 883º, 1211º do Cód. Civil. B) Apelante e Apelado celebraram entre si contrato de empreitada tipificado no art° 1207° do CC., nos termos do qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra. C) Trata-se de um contrato sinalagmático, isto é, do qual resultaram obrigações para o R Apelado dono da obra de pagar à Apelante, empreiteira o preço convencionado e para a última a de realizar a obra. D) Os contratos devem ser pontualmente cumpridos no quadro dos princípios da boa fé envolvente de ambos os contraentes (art°s 406° n° 1 e 762° n° 2 do CC. E) Houve incumprimento unicamente imputável ao Apelado. F) Da perícia efectuada no processo de fls. resultou que a A realizou os trabalhos correspondentes até á 4ª e os da 6ª fase. G) Como assente ficou na resposta ao artigo 3º da B.I. que a A realizou os trabalhos de colocação de tijolo no interior e exterior da casa (trabalho interno de tijolo e paredes exteriores) deixou tijolos e ferro na obra e realizou trabalhos relacionados com a instalação eléctrica e o fornecimento de água. H) A A. solicitou o pagamento da factura ao R, que não procedeu ao pagamento da mesma (alínea G dos factos assentes) I) O R. não cumpriu o contrato celebrado com a A. ou seja, não procedeu ao pagamento que lhe era exigido em troca da prestação dos serviços de empreitada pela A. J) O R. não cumpriu o contrato celebrado com a A. por culpa que lhe é imputável. K) O não pagamento à A. das facturas emitidas constitui um incumprimento contratual por parte do R. L) Quando o R. ordenou que parassem as obras foi porque alegadamente se encontrava com dificuldades económicas. M) Esta declaração por parte do R. não encerra em si mesma declaração de desistência da obra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1229º doCC, pois da actuação do R não pode retirar-se esta ilação à luz da experiência comum e do homem médio. N) O R pediu ao gerente da A que parasse as obras por dificuldades económicas, não tendo efectuado o pagamento das facturas emitidas pelos serviços já prestados, O) mas nunca o R disse nem referiu que esta paragem seria definitiva, nem que pretendia desistir da obra, P) Nem a A. entendeu que esta declaração do R. para parar a obra fosse a titulo definitivo, tanto assim é, que o gerente da A. contactou diversas vezes com o R. para alcançarem um acordo quanto aos pagamentos e em momento algum o R. disse que não pretendia mais retomar a obra, Q) A A. alegou a perda do interesse na prestação por parte da A. que não podia continuar a esperar que o R. mandasse avançar a obra, verificando-se assim uma impossibilidade culposa por causa imputável ao R. R) Este facto é do conhecimento geral, do homem médio, tendo em conta que a A. aceitou esta empreitada e recusou entretanto outra porque estava a construir a casa do R, tal como consta dos factos provados (resposta ao artº 6 e 7º da BI). S) Não podia a A. continuar à espera que o R. decidisse avançar as obras razão pela qual solicitou que fosse declarado resolvido o contrato celebrado entre as partes, por incumprimento contratual imputável ao R. T) O R. é devedor á A. dos trabalhos prestados pela A. e que constam do relatório pericial e bem assim das facturas emitidas. U) As facturas emitidas referem-se não só ao pagamento faseado acordado mas a trabalhos extras contratados e prestados pela A. e ainda a material que foi adquirido para a obra. V) O Apelado criou na Apelante a expectativa jurídica da obtenção de lucro com esta empreitada, W) Razão pela qual a A. pediu a condenação do R. além do pagamento das facturas emitidas, no pagamento de uma indemnização a titulo de prejuízos patrimoniais e lucros cessantes. X) Tendo ficado provado que a A. foi contactada para realizar outra obra e recusou porque tinha esta empreitada da casa do R. em execução (resposta ao artigo 6º e 7º da BI). Y) O R. não cumpriu o contrato celebrado com a A por culpa que lhe é imputável, tornando impossível a prestação por parte da A nos termos e para o efeitos do artigo 801º do CC. Z) O R não efectuou à A o pagamento das facturas emitidas por trabalhos já prestados, sendo estas facturas devidas pelo R, em virtude do acordado no contrato de empreitada. AA) A sentença recorrida integrou erradamente o facto de o R. ter ordenado parar as obras no artigo 1229º do CC como desistência da obra. BB) O R. deveria assim ter sido condenado no pagamento das facturas nº 46 no montante de 16.790,98 € e nº 49 no montante de 4.114,00€ acrescidas de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento, e bem assim condenado CC) No pagamento numa indemnização á A a titulo de prejuízos patrimoniais e lucros cessantes em montante a calcular em sede de liquidação de sentença DD) Porque assim não decidiu, o juiz á quo aplica erradamente a norma vertida no artigo 1229º do CC, pelo que a sentença recorrida violou a norma dos artigos , 801º, 805º 808.º ,798º 799º 883º, 1211º do Cód. Civil devendo, por essa razão e nesta sede ser revogada. EE) Os factos que foram considerados provados não foram correctamente integrados nas normas de direito substantivo violando assim os artºs 798.º, 801º 808.º , 883º, 1211º do Cód. Civil FF) Ainda que por mera hipótese académica, mas que não se aceita, se considerasse que a declaração do R. ao pedir para parar as obras porque não tinha dinheiro para as custear, se integra no conceito de desistência por parte do dono da obra nos termos e para os efeitos do artigo 1229º CC, GG) Sempre poderia o Tribunal a quo declarar extinto o contrato pela desistência do dono da obra mediante convolação da qualificação jurídica do modo de extinção e condenando-se o R. a pagar as facturas nº 46 no montante de 16.790,98 € e nº 49 no montante de 4.114,00€ acrescidas de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento, pelos trabalhos já executados de acordo com o plano de pagamentos estabelecido no contrato que consta de doc 2 junto á P.I. e bem assim condenado o R HH) E no pagamento numa indemnização á A a titulo de prejuízos patrimoniais e lucros cessantes, indemnização essa fixada, considerando-se a determinação do proveito (lucro cessante) que a empreiteira poderia tirar da obra completa e não apenas aquilo que foi executado. II) Para o cálculo do proveito ter-se-ia de atender ao custo global da empreitada (incluindo os trabalhos a mais) e ao preço fixado. Da subtracção dessas duas verbas resultará o lucro cessante ou proveito. JJ) De acordo com o relatório pericial na empreitada contratada só falta efectuar os trabalhos correspondentes à 5ª, 7ª e 8º fase, por conseguinte, a A. sempre teria direito a receber o valor peticionado nas facturas emitidas porque referentes a trabalhos efectivamente realizados e correspondente ao acordado no contrato de empreitada. KK) Quanto á indemnização peticionada pela A. a titulo de prejuízos patrimoniais e lucros cessantes a A. peticiona que seja fixada em sede de liquidação de sentença, pelo que poderia o Tribunal a quo ter fixado uma indemnização a fixar em sede de liquidação de sentença a titulo de prejuízos patrimoniais e lucros cessantes. LL) Quanto à má fé, na medida em que tendo o R. actuado de má fé negando frontalmente factos, que vieram a ser apurou terem ocorrido, sendo factos que não podia deixar de saber porque factos praticados directamente pelo R, levou necessariamente a A , nomeadamente, a ter de produzir o articulado de replica, levou a A. a ver tais factos serem levados á Base instrutória e a ter de produzir prova sobre tais factos, o que importa necessariamente despesas acrescidas à A., O Mmº Juiz á quo deveria ter fixado uma indemnização a favor da A. em virtude da actuação de má fé do R. MM) Ao não fixar uma indemnização à A. violou a sentença recorrida o disposto no artigo 457º do CPC.”
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O recorrido não apresentou alegações.
* Apreciando e decidindo
O objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil. Assim, a questões nucleares a abordar cingem-se a: 1ª – Apreciação das figuras jurídicas do incumprimento contratual e da desistência da empreitada com os decorrentes direitos indemnizatórios. 2ª – Apreciação do direito de indemnização a que a autora se arroga pela litigância de má fé do réu.
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Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual: 1) A A. é uma empresa que se dedica à construção civil e obras públicas , construção de fossas , drenagens , construção e manutenção de jardins (al . A) . 2) No âmbito da sua actividade foi a A. contactada na pessoa do seu legal representante, o Sr. D…, em meados de 2005, pelo R., para construir uma moradia em S… (al. B) . 3) A. e R. redigiram então os documentos juntos a fls . 7 e s s . (doc. 1 e 2 da PI ) (al . C) . 4) A A. deu início aos trabalhos de construção da moradia (al . D) . 5) Acordaram as partes que os trabalhos ser iam executados por fases, tal como os pagamentos (al . E) . 6) A A. emitiu a factura n. º 46, de 20 de Setembro de 2006, no montante de 16.790,98 euros , dela fazendo constar que cor respondia a trabalhos de colocação de tijolos no interior e exterior da casa, e trabalhos de escavação – 43 horas – com a máquina de martelo (al . F) . 7) A A. solicitou o pagamento da factura ao R., que não procedeu ao pagamento da mesma (al . G) . 8) A I lustre Mandatária da A. remeteu ao R. a carta de f l s . 18 e ss. (doc. 4 da PI ) (al . H) . 9) A A. recebeu as quantias de 15,500 euros , relativas à primeira prestação acordada, de 15.000 euros, relativa à segunda prestação acordada, de 25.000 euros, relativa à terceira prestação acordada, de 25.000 euros, relativa à quarta prestação acordada, e a quantia de 12.500 euros , relativa a metade da quinta prestação acordada (al. I ) . 10) A A. emitiu ainda a factura n. º 49, no valor de 4,114 euros, datada de 06.11.2006, dela fazendo constar que se referia a trabalhos de preparação e instalação de tubagem, caixas e cabos para ligação de água e electricidade no exterior da casa, paletes de tijolos e vigas de ferro e de mão de obra (al . J) . 11) A A. realizou os trabalhos de colocação de tijolos no interior e exterior da casa (trabalho interno de tijolo e paredes exteriores), deixou tijolos e ferro na obra e realizou trabalhos relacionados com a instalação eléctrica e o fornecimento de água (art. 3º ) . 12) O R. disse para pararem as obras porque não tinha dinheiro para as custear (ar t . 5º ) . 13) A A. foi contactada para efectuar obras numa casa na Q… (ar t . 6º ) . 14) A A. recusou o contacto por estar a construi r a casa do R. 2 (art . 7º ) .
Conhecendo da 1ª questão
A recorrente defende que é injusto para ela o tribunal, nesta acção não lhe ter reconhecido o direito ao peticionado concedendo todas as vantagens ao réu que não se dignou cumprir o contrato.
O Julgador a quo defendeu que estamos perante uma desistência da empreitada por parte do dono da obra e como tal, “não existia fundamento para a A. obter a resolução cuja declaração pede, já que a desistência do R. lhe não confere esse direito”, bem como, também, “não tem direito ao preço dos trabalhos realizados, podendo reclamar apenas o pagamento dos seus gastos e do lucro esperado, sendo que aqueles gastos… não têm a ver com o preço dos trabalhos mas com as despesas suportadas pelo empreiteiro”, pelo que não acolheu as pretensões da autora.
A autora, como decorre do seu petitório alicerçou a sua pretensão no direito de resolução do contrato decorrente de impossibilidade culposa por causa imputável ao R, invocando a perda do interesse na prestação atendendo a que este mandou parar as obras por não ter dinheiro para as pagar.
Não invocando a autora como causa de pedir a desistência do contrato, nem tendo formulado o seu pedido com base nessa desistência, tendo em consideração o que preceitua o artº 1229º do CC, não poderá ver-se ressarcida, nesta acção, das quantias que diz estarem em dívida?
Pensamos que nada obstará a tal ressarcimento, caso se verifiquem fundamentos factuais para tal, mesmo aceitando ter havido desistência da empreitada por parte do dono da obra, o ora recorrido.
Do quadro factual dado como provado, para nós, ao contrário do que defende a autora, parece resultar inequívoco que tendo o réu mandado parar as obras porque não tinha dinheiro para as custear estava a emitir declaração de desistência da empreitada, entendendo tal ordem à luz do entendimento do homem médio. Se fosse, tão só, para suspender os trabalhos por um determinado período de tempo, haveria tal de resultar de outros factos, o que não se evidencia neste caso concreto.
Pois, parar a obra por não ter dinheiro para a realizar não pode deixar de entender-se como pôr fim à obra com a consequente desistência da empreitada, “situação sui generis… cujo objectivo é apenas o de dar ao dono da obra a possibilidade de não prosseguir com a empreitada, interrompendo a sua execução para futuro” nomeadamente com a justificação de “alteração das condições económicas”.[1]
Da análise do disposto no artº 1229º do CC, infere-se que a desistência actua apenas para futuro, “não destrói retroactivamente o contrato”,[2] donde o “rompimento do contrato, mediante desistência à luz do artº 1229º, não tendo eficácia retroactiva, não actua sobre o que, no uso da liberdade contratual”, as partes tenham estipulado, ou seja sobre as obrigações assumidas no acordo de empreitada e se considerem vencidas e exigíveis, na data em que se dá o rompimento do contrato, a sua extinção por desistência.[3]
Não existe, assim, incompatibilidade “entre a possibilidade do dono da obra abandonar a todo o tempo o projecto da sua execução para futuro e a validade das obrigações antecipadas”[4] designadamente o convencionado relativamente ao pagamento faseado dos trabalhos que se fossem realizando (v. ponto 5 dos factos assentes).
No entanto, há que verificar se efectivamente os trabalhos foram realizados seguindo o previamente acordado em termos de calendarização e descrição contratual no que se refere a cada uma das fases.
Tal calendarização na execução dos trabalhos por fases de acordo com o acordado não se mostra assente atenta a resposta negativa ao quesito 1º (A autora foi executando os trabalhos por fases, tal como o acordado?).
Como resulta do relatório pericial dos autos (fls. 200 a 2002), apesar de terem sido executados os trabalhos referentes às 1ª a 4ª e 6º fases, ainda estão por concluir trabalhos referentes à 5ª fase, designadamente a colocação das vigas do telhado, e a colocação da respectiva cobertura, nomeadamente as telhas.
Por outro lado, no que se refere às facturas n.º 46 e 49 e aos trabalhos nela discriminados, a autora não logrou provar a realização da totalidade desses trabalhos, atenta a resposta restritiva dada ao quesito 3º e cujo teor consta do ponto 11 dos factos provados, pelo que não há estrita correspondência entre o que nas facturas diz ter sido executado e o que na realidade consta ter sido efectivamente feito.
Desta forma, não se poderá responsabilizar o réu por pagamento de trabalhos descriminados nas facturas, que a autora não logrou fazer prova de terem sido efectivamente realizados.
Também, relativamente aos trabalhos nelas discriminados e que foram efectivamente realizados só se justificará a responsabilização do réu pelo seu pagamento se, se chegar à conclusão que o rol dos trabalhos executados até à extinção do contrato atentas as fases contratualizadas é superior aos trabalhos efectivamente pagos pelo réu, enquanto dono da obra.
Neste prisma, da matéria factual assente não resulta que os pagamentos já efectuados pelo réu sejam em montante inferior ao custo dos trabalhos efectuados pela autora. Antes, pelo contrário, temos de concluir, de acordo com a perícia realizada, que o trabalho executado e os pagamentos efectuados se equivalem tendo por referência o montante global de € 93 000,00.
Assim, não obstante a validade de obrigações antecipadas que não poderão ser postas em causa pela extinção do contrato por desistência do dono da obra e que permitem responsabilizar este pela sua actuação, mesmo que não seja por efeito de resolução alicerçada em incumprimento culposo por parte deste, temos de reconhecer que no caso em apreço não ficou demonstrado que a autora fosse credora do réu, pelo que a sua pretensão relativa a créditos por trabalhos efectuados não poderá proceder sendo de manter o decidido em 1ª instância, embora com diferente fundamentação.
No que respeita à indemnização a título de prejuízos patrimoniais decorrentes da extinção do contrato, porque a autora pediu o seu cálculo a liquidar em sede de execução de sentença, pensamos que não obstante esta ter fundado a sua pretensão na resolução por incumprimento definitivo do contrato e não em extinção do contrato por desistência, nada obsta a que este Tribunal em face da qualificação jurídica efectivamente reconhecida e ao disposto no artº 1229º do CC, no âmbito da extinção, reconheça à autora direito indemnizatório uma vez que não obstante a indemnização incidir, em primeiro lugar sobre os gastos e o trabalho, tal indemnização não só comporta os danos emergentes, mas também os lucros cessantes “tal como se houvesse resolução pelo não cumprimento da obrigação imposta ao desistente”.[5] “Às despesas e ao trabalho será aduzido o proveito que o empreiteiro poderia retirar da execução da obra completa”, proveito este traduzido no “benefício económico que o empreiteiro auferiria daquele negócio”[6]
Assim, ao contrário do Julgador a quo, de acordo com os factos dados como provados e com os contratos outorgados (designadamente os aludidos em 3) dos factos assentes), bem como com os custos das fases já realizadas e das que se encontravam por realizar, não obstante a pretensão da autora se ter apoiado em incumprimento contratual, pecando, daí, por defeito o quadro factual atinente à efectiva fixação de indemnização, caso se impusesse a sua fixação desde já, entendemos, no entanto, porque assim peticionado, poder e dever responsabilizar e emitir condenação do réu em indemnização à autora, por danos emergentes e lucros cessantes no que se vier a liquidar em sede de execução de sentença.
Procede, assim, parcialmente, nestes termos e nesta vertente, o recurso.
Conhecendo da 2ª questão
A autora não se conforma por não lhe ter sido arbitrada indemnização decorrente da condenação por litigância de má fé imposta ao réu, uma vez que alegou (e demonstrou) que o réu estava a litigar de má fé, efectuando despesas com essa alegação e prova.
No que respeita à indemnização por litigância de má fé, rege o disposto no artº. 457º do CC, salientando o que «a indemnização pode consistir: a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela par te contrária como consequência directa ou indirecta da má fé; c) O juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa».
O Julgador a quo apesar da prova da litigância de má fé entendeu que não era ajustado condenar o réu em indemnização a pagar ao autor, tendo consignado em defesa da sua tese o seguinte:
“… esta indemnização apenas cobre os danos (as despesas ) que se filiem causalmente na má fé da parte [A. Geraldes , Temas Judiciários , vol . I , Almedina 1998, pág. 336] , ou seja, apenas cobre as despesas adicionais (acrescidas ) que aquela má fé provoca, e que, por isso, serão sempre posteriores a essa má fé. No caso, o acto processual em que a má fé ocorre é a contestação. A esta peça seguiram-se os termos normais da acção, não se vendo que aquela má fé tenha obrigado a A. a diligências especiais (mesmo a sua réplica vem justificada por outras razões), com despesas acrescidas, nem a A. as invocou. Inexistem a sim elementos que permitam sustentar a indemnização pedida.”
Efectivamente, temos que reconhecer, não obstante a litigância de má fé por parte do réu, dos autos não resultam elementos que alicercem uma condenação indemnizatória e muito menos no montante de € 2 000, peticionada pela autora.
Se é verdade que no articulado tréplica teve de impugnar factos que o réu alegou sabendo não serem verdadeiros (designadamente referentes ao abandono da obra por parte da autora), e teve de em julgamento fazer prova dos factos por si alegados, não resulta que o processado da acção tivesse sido outro, designadamente mais encurtado, se não tivesse sido a actuação do réu.
Pois, como é evidente sempre se justificaria a apresentação de réplica e a realização de audiência de discussão e julgamento para prova de factos controvertidos.
Assim, a escrita de mais um ou dois artigos da réplica ou a prova de mais um ou dos quesitos, sem alegação e prova, por parte da autora, de factos concretos donde emirja, decorrente de despesas acrescidas,[7] prejuízo relevante e por isso indemnizável, não justifica que o Julgador mesmo usando um critério de razoabilidade imponha uma condenação indemnizatória ao réu no caso em apreço, apenas se justificando o sancionamento em multa, apesar desta agora, ao contrário do que acontecia na anterior legislação (v. artº 102 al. a) do CCJ), se apresentar meramente simbólica, atentos os limites mínimos e máximos fixados (v. artº 27º do RCP).
Improcede, nesta parte o recurso.
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DECISÂO Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogar a sentença na parte em que absolveu o réu do pedido de indemnização a liquidar em execução, substituindo-a, em tal segmento, pela condenação do réu no pagamento à autora da indemnização que se vier a liquidar em sede de execução de sentença. Custas por apelante e apelado, na proporção em 1/5 para este e 4/5 para aquela.
Évora, 07 de Abril de 2011
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura
__________________________________________________ [1] - Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, 745. [2] - Menezes Leitão in Direito das Obrigações, vol. III, 5ª edição, 562. [3] - v. Ac. STJ de 05/11/1983 in RLJ, Ano 121º, 173 e segs. [4] - Antunes Varela in RLJ, Ano 121º, 217. [5] - Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, 745. [6] - v. Pedro Romano Martinez in Da cessação do Contrato, 2ª edição, 567. [7] - A recorrente afirma ter tido despesas acrescidas mas não refere quais, sendo que nesta sede recursiva até podia ter referido concretamente quais as despesas anormais que teve de efectuar uma vez que a tramitação do processo em 1ª instancia já se tem por terminada (Pagou ou pagará mais ao mandatário por isso? Pagou despesas com a comparência de testemunhas em tribunal devido a esse facto?).