I – «A necessidade de fundamentação “motivação” da medida de intercepção ou gravação das conversações ou comunicações privadas, levadas a cabo por telefone ou meio técnico equiparado (…) entronca-se no próprio “direito de defesa da pessoa investigada, pois somente explicitando-se e tornando-se cognoscíveis as concretas razões pelas quais se autoriza uma determinada actuação de ingerência sobre determinados direitos ou liberdades poderá facilitar-se ao afectado o uso dos meios de reacção com que o brinda o ordenamento jurídico; motivação é portanto sinónimo de exteriorização do discurso jurídico no qual o juiz baseou a sua decisão, cognoscibilidade dos elementos e fundamentos em que o Instrutor assentou a sua decisão de autorizar o acto de ingerência e na forma como o concedeu..». Apelidando a motivação da decisão que autoriza a escuta telefónica de «rigoroso requisito do acto de sacrifício de direitos fundamentais», Ana Raquel Conceição conclui que «a motivação judicial é o requisito mais importante no seio das escutas telefónicas».
II – Quando estão em causa conhecimentos obtidos noutro processo de forma acidental (a que se vêm designando de conhecimentos fortuitos) porque extravasam o objecto da investigação e podem complementar ou dar origem a outra investigação criminal, incidindo sobre diferente factualidade, o artigo 187º, nº 7, do Código de Processo Penal impõe, na decorrência, aliás, de todo o encadeamento de princípios acima mencionados, a existência de um novo controle judicial para além daquele que inicialmente foi realizado no processo de origem do meio de prova e que, seguramente, só pode ter lugar no processo de importação do meio de prova, porque só neste podem fundadamente ser avaliados os pressupostos legais da admissibilidade do meio de prova em toda a sua extensão.
III – A iniciativa prevista no artigo 187º, nº 8, do Código de Processo Penal, de fazer juntar a outro processo as conversações ou comunicações obtidas acidentalmente e fora do objecto de investigação desses autos compete, como não poderia deixar de ser, ao juiz respectivo, no pressuposto por ele verificável de que essas conversações ou comunicações envolvem suspeito ou arguido, pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido, ou vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido e no pressuposto de que no processo de origem foram verificados e devidamente justificados os demais requisitos legais de qualquer escuta telefónica.
IV – Mas toda a sistemática legal delineada para a realização de escutas telefónicas é bem clara no sentido de que estas obedecem a passos legais fundamentais como sejam um primeiro momento de verificação da admissibilidade do meio e um segundo passo de controle do conteúdo útil e legalmente convertível em prova, sempre tendo em vista, para além do mais, o respeito pelo princípio constitucional da proporcionalidade.
V – Tendo presente o raciocínio desenvolvido, facilmente se conclui que, no caso em apreço de despacho que conhece da admissibilidade legal de meio de prova produzido noutro processo, ele terá de se revestir de uma dupla função, a de verificar a admissibilidade legal do meio de prova e a possibilidade legal do seu aproveitamento no processo. Neste sentido deve ser entendido o disposto no artigo 187º, nº 7, do Código de Processo Penal, quando preceitua que “(…) a gravação … só pode ser utilizada se tiver resultado da intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no nº 4 (suspeito, arguido …) e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no nº 1 (aludindo ao catálogo do nº 1 do mesmo preceito).”.
VI – Esta específica redacção devidamente conjugada com as já acentuadas exigências legais de fundamentação das decisões judiciais, impõem ao juiz receptor das intercepções porque é aquele que em última instância tem o dever funcional do efectivo controle judicial das mesmas, que declare quais as razões concretas que o levam a concluir pela admissibilidade do meio de prova. E parece-nos de liminar clarividência que tal não se satisfaz com o tautológico enunciado do texto legal, devendo antes ser expressamente mencionado em que circunstâncias foi obtida a gravação de modo a caracterizá-la como conversação de pessoa dentro da categoria do nº 4 do artigo 187º, qual o crime em investigação (se um dos crimes de catálogo) e de que circunstâncias do iter investigatório decorre a sua indispensabilidade para a prova do crime em causa.
VII – E, a falta de fundamentação de despacho, que na falta de previsão específica, tem apenas como consequência a irregularidade do acto, neste caso especifico e por força do disposto no artigo 190º, do Código de Processo Penal, gera a nulidade do próprio meio de prova que assim escapou a um verdadeiro e próprio controle judicial, essencial, se se quiser de natureza substancial, porque ditado pela necessidade de salvaguardar direitos, liberdades e garantias, assegurando que a sua restrição se limite ao mínimo necessário e indispensável (novamente o princípio constitucional da proporcionalidade).
VIII – O meio de prova em causa, tendo escapado a um devido e efectivo controlo judicial que para o ser teria de ser espelhado em termos concretos, claros e inequívocos em despacho, é nulo com o específico regime próprio das proibições de prova.
I
No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo nº 157/09.5 JAFAR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, foram submetidos a julgamento os arguidos CF, (…); HC, (…); e BM, (…), e por acórdão proferido em 21.07.2010, foi decidido:---
“(…)
a) Condenar o arguido CF pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
b) Condenar o arguido CF pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
c) Condenar o arguido CF pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, al. e), e n.° 3, por referência ao artigo 255.°, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
d) Condenar o arguido CF pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
e) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido CF na pena única de 12 (doze) anos de prisão;
f) Condenar o arguido HC pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
g) Condenar o arguido HC pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
h) Condenar o arguido HC pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, al. e), e n.° 3, por referência ao artigo 255.°, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
i) Condenar o arguido HC pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º-, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
j) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido HC na pena única de 12 (doze) anos de prisão;
k) Condenar o arguido BM pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
l) Condenar o arguido BM pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
m) Condenar o arguido BM pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, al. e), e n.° 3, por referência ao artigo 255.°, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
n) Condenar o arguido BM pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º-, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
o) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido BM na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
(…)”.---
Inconformados com a decisão, dela recorreram os três arguidos.---
O arguido CF, extrai da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:---
“
1ª
O arguido CF foi condenado, nos presentes autos, como co-autor material de dois crimes de roubo qualificado, um crime de falsificação de documento e um crime de furto, em cúmulo jurídico numa pena única de doze anos de prisão (vide fls. 98 do acórdão recorrido). O acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal a quo, é de uma manifesta injustiça porquanto o arguido foi condenado face a uma convicção do Tribunal a quo que carece de qualquer suporte probatório e se funda em meros ELEMENTOS INDICIÁRIOS, inexistindo PROVA DIRECTA do essencial dos factos dados como provados, tal como o próprio Tribunal a quo admite.
2ª
Os pontos 2 a 10, 12 a 21, 25 a 35, 41 a 43 e 46 a 50 da matéria de facto provada (constante de fls. 3 a 16 do acórdão recorrido) são os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e dos quais resultou a condenação do arguido numa pena de 12 anos de prisão. (artigo 412.º nº 3 alínea a) do C.P.P.)
3ª
A factualidade contida nos referidos pontos, segundo o Tribunal a quo estribou-se nos seguintes meios de prova, para ser considerada como provada (vide fls. 43 a 45 do acórdão recorrido):
Depoimentos de todas as testemunhas de acusação; reportagens fotográficas de fls. 10 a 14 e 50 a 57; autos de apreensão, contrato de aluguer de automóvel de fls. 30-31; cópia de notificação de fls. 65-67; “auto de exame directo” de fls. 77-79; “print” de fls. 81-82; “documentos”fls. 159 e 160-161; Informações de fls. 448 e 631; documentos de fls. 207 e 706; “relatório de peritagem” de fls. 716-725; “exame pericial” de fls. 732-844; “informação sobre os dados de tráfego” prestada pela operadora TMN de fls. 907-915; “autos de transcrição das escutas telefónicas” insertos nos Apensos I, II, III e IV e “cronograma das chamadas telefónicas” realizadas pelos arguidos entre as 13:00 horas do dia 15.03.2009 e as 19:00 horas do dia 16.03.2009 inserto no Relatório que se mostra apenso aos autos.”
4ª
Contudo, os indicados elementos de prova, não permitiam que o Tribunal a quo desse como assente a factualidade supra indicada, pois estes elementos probatórios nem todos conjugados permitem dar como provados sequer um dos supra mencionados factos.
5ª
Os depoimentos das TESTEMUNHAS não permitem provar qualquer desses factos como decorre da leitura da sua transcrição integral, a que se procedeu a fim de demonstrar a cabal falta de prova testemunhal para permitir a prova destes factos.
6ª
As testemunhas NN (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010 e registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 29:02 minutos), MC (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010 e registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 28:42 minutos) e PM (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 23:54 minutos), foram as pessoas (recepcionistas e vigilante do campo de golfe) que assistiram ao assalto e como resulta dos seus depoimentos não identificaram quaisquer dos assaltantes, tendo-se limitado a descrever a forma como o assalto ocorreu e os objectos que foram roubados. A testemunha AA (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 5:39 minutos) é também funcionário do campo de golfe assaltado, mas não assistiu ao assalto.
7ª
A testemunha CM (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 14:14 minutos) é proprietária da Residencial (…) em Faro e limitou-se a confirmar que alugou um quarto à namorada do B, a qual disse que o quarto seria para dormir com o namorado tendo sido preenchidas fichas de cliente em nome da T e do B. A testemunha TA (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 07.06.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 26:11 minutos) afirmou que o namorado dormiu consigo na noite em que ocorreu o assalto na Residencial (…) donde nunca poderia ter estado presente no mesmo.
8ª
A testemunha VF (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 7:15 minutos) é proprietário de um veículo ao qual furtaram as chapas de matrícula que depois foram apostas no veículo utilizado no assalto, desconhecendo quem o fez e em que circunstâncias.
9ª
As testemunhas, ES (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 8:49 minutos), RB (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 07.06.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 4:50 minutos) responsáveis da (…) e JL (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 12.05.2010 registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 5:24minutos), responsável da (…), apenas aludiram aos objectos e valores subtraídos desconhecendo os factos. Também HS (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 07.06.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 4:56), gestora de sinistros da (…) apenas prestou depoimento acerca do valor liquidado pela seguradora (…), ao campo de golfe (…), pelo seguro contra roubo.
10ª
A testemunha IJ (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 07.06.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 17:06), mãe da companheira do arguido CF, justificou que o arguido não foi trabalhar no dia 17.03.2010 por motivo de doença, constituindo este depoimento, somente prova a favor do arguido.
11ª
As testemunhas LR (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 07.06.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 24:21minutos) e NP (depoimento prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 07.06.2010, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador de 0000 a 4:37 minutos), ambos inspectores da judiciária depuseram acerca das diligências de investigação em que participaram. O inspector NP apenas elaborou o cronograma que consta dos autos. O inspector LR que também poucas diligências encetou, confirmou, contudo que a Polícia Judiciária se baseou nas escutas provenientes do processo de Lisboa para suspeitar dos arguidos.
12ª
No que respeita à PROVA DOCUMENTAL referida pelo Tribunal a quo como tendo sido determinante para a formação da sua convicção, vejamos no que consiste:
- Reportagem fotográfica de fls. 10-14:
Esta reportagem contém de fotografias do local assaltado, do cofre e do rádio roubado. Esta prova nada acrescenta contra o arguido C nem qualquer um dos outros arguidos.
- Reportagem fotográfica de fls. 50-57:
São fotografias do veículo alugado pelo arguido B e de alguns objectos encontrados no seu interior como uma lata de Red Bull, um CD de música, isqueiro, pacote de pastilhas, óculos, mochila e roupa.
13ª
Os autos de apreensão:
- “auto de apreensão” de fls. 26-28 (apreensão de telemóvel e cartão de carregamento do multibanco ao arguido CF).
- “auto de apreensão” de fls. 47-48 (São os objectos apreendidos dentro do veículo Audi alugado pelo B, lata de Red Bull, isqueiro, CD, pastilhas, mochila, óculos e roupa)
- “auto de apreensão” de fls. 62 - NÃO SE TRATA DE UM AUTO DE APREENSÃO. É um termo de juntada das cópias dos autos de apreensão do arguido HC.
-“auto de apreensão” de fls. 63 - (são os objectos apreendidos ao arguido HC, nomeadamente o dinheiro, telemóvel, bilhete de comboio, mochila, casaco e notificação da P.S.P.)
- “auto de apreensão” de fls. 72-75 - (objectos apreendidos ao arguido BRUNO, nomeadamente cartão de segurança de telemóvel, telémovel e cartão de memória e documentos referentes ao aluguer do veículo Audi na AVIS)
- “auto de apreensão” de fls. 216-217 (igual ao de fls. 47 e 48)
-“auto de apreensão” de fls. 227-228 – Consiste na apreensão de dois documentos da residencial C (fichas de cliente) do arguido B e da sua namorada que foram apreendidos à testemunha C.
14ª
Verifica-se assim, que ao ora recorrente - arguido CF - somente foi apreendido um telemóvel estragado e um talão de carregamento de um telemóvel com um número que nem existe certeza se lhe pertence. (fls. 26 a 28 dos autos). NÃO FOI APREENDIDO AO RECORRENTE QUALQUER OBJECTO PASSÍVEL DE SER RELACIONADO COM O ASSALTO.
15ª
Demais prova indicada:
O “contrato de aluguer automóvel” de fls. 30-31: Prova que o arguido B alugou um veículo à AVIS, de marca AUDI, MODELO A4.
- Na cópia de notificação de fls. 65-67 - Trata-se de um documento de notificação da P.S.P em nome de PF, declarando uma taxa de alcoolemia de 1.40 e um documento para análise de análise ao sangue que foram apreendidos ao arguido HC.
- No “auto de exame directo” de fls. 77-79 – Trata-se do exame de um telemóvel Nokia N95, violeta e prateado e sua fotografia.
- No “print” de fls. 81-82 – Este print foi tirado do site “Via Michelin” donde se retira o número de Km entre Santa Iria da Azoia e Vilamoura.
- Nos “documentos”fls. 159 e 160-161 –TRATA-SE DO RECIBO DA RESIDENCIAL C EM NOME DA NAMORADA DO B DA NOITE DO ASSALTO E DO CONTRATO DE TRABALHO DO ARGUIDO CF.
- Na Informação fls. 448 - É uma informação sobre o valor do rádio da Securitas furtado no assalto.
- Na Informação fls. 631 – Trata-se tão somente do horário de trabalho da namorada do B, TA QUE VAI DE ENCONTRO ÀS DECLARAÇÕES QUE A MESMA PRESTOU, no que respeita a hora de entrada no dia do assalto.
- Nos documentos de fls. 207 e 706 - O documento de fls. 207 consiste numa consulta das características do veículo com a matrícula (…), que foi utilizada no assalto, o documento de fls. 706 consiste no recibo do montante que a seguradora REAL liquidou ao grupo (…) devido a este assalto.
16ª
Da considerada prova pericial:
- O “relatório de peritagem” de fls. 716-725 – Trata-se do relatório de peritagem elaborado pela seguradora REAL, no local onde ocorreu o assalto e que apurou o montante que foi roubado para efeitos de indemnização.
- “exame pericial” de fls. 732-844 – Trata-se da análise de todos os dados constantes no telemóvel N95 do arguido B que nada adiante para os autos em termos de informação aí constante.
17ª
A denominada - “informação sobre os dados de tráfego” - prestada pela operadora TMN de fls. 907-915 – São os dados de tráfego (chamadas realizadas e recebidas e respectivas antenas utilizadas do telemóvel com o número 969216260). O Tribunal recorrido presume ser este o telemóvel do arguido CF por este ter na sua posse um cartão de carregamento para este número. ORA, O CARREGAMENTO PODE TER SIDO FEITO PARA UM TELEMÓVEL SEU, COMO PODE TER SIDO FEITO PARA O TELEMÓVEL DO IRMÃO DA NAMORADA, DA MÃE OU MESMO DE ALGUM AMIGO.
POR OUTRO LADO, A PRESUMIR-SE SER O TELEMÓVEL DO CF AS ANTENAS ACCIONADAS SÓ PROVAM QUE POUCO SE DISTANCIOU DO LOCAL ONDE RESIDE.
18ª
DAS INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS:
- Nos “autos de transcrição das escutas telefónicas” insertos no Apenso I (…);
- Nos “autos de transcrição das escutas telefónicas”insertos no Apenso II (…);
- Nos “autos de transcrição das escutas telefónicas”insertos no Apenso III (…);
- Nos “autos de transcrição das escutas telefónicas”insertos no Apenso IV (…).
Ora, destes autos extraem-se conversas de conteúdo vago e impreciso. Desde logo não se sabe se a pessoa com quem o arguido H fala é o CF pois o telefone do arguido C foi apreendido sem cartão SIM. Por outro lado estas conversas não permitem concluir pela prova de nenhum dos factos supra referidos, pois NÃO RESULTA DESTAS CONVERSAS QUE essas pessoas ESTEJAM A FALAR DE QUALQUER ASSALTO, nem existe nessas conversas qualquer referência AO LOCAL ASSALTADO.
19ª
O QUE SUCEDEU NOS PRESENTES AUTOS É QUE A POLÍCIA JUDICIÁRIA PROCEDEU A UM TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DESTAS CONVERSAS DA FORMA QUE MELHOR LHE INTERESSAVA, PORTANTO DE FORMA SUBJECTIVA E SEM QUALQUER OBJECTIVIDADE E POSTERIORMENTE ESTAS TRADUÇÕES E INTERPRETAÇÕES DAS CONVERSAS TELEFÓNICAS ESCUTADAS SÃO ADOPTADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELO JUIZ DE INSTRUÇÃO E FINALMENTE PELO TRIBUNAL RECORRIDO.
20ª
- No “ cronograma das chamadas telefónicas” realizadas pelos arguidos entre as 13:00 horas do dia 15.03.2009 e as 19:00 horas do dia 16.03.2009 inserto no Relatório que se mostra apenso aos autos.
Este cronograma apenas permite localizar no espaço o arguido HA pois consoante a utilização do telefone, vão sendo despoletadas antenas diversas que o vão deslocando no espaço. Nada acresce em relação ao arguido ora recorrente uma vez que nem se pode dizer com certeza que é com o mesmo que o arguido H fala.
21ª
Conclui-se que NÃO EXISTE PROVA TESTEMUNHAL, DOCUMENTAL E PERICIAL QUE POSSA ENVOLVER O ARGUIDO CF nos factos em causa nos autos, e que apenas através das escutas, sem suporte em qualquer outro meio de prova, é IMPOSSÍVEL PRESUMIR QUE O ARGUIDO PLANEOU, DIRIGIU E INTERVEIO NESTE ASSALTO, como o faz o Tribunal a quo.
22ª
ASSIM COMO SE VERIFICA, E É CONFIRMADO PELO TRIBUNAL A QUO A FLS. 48 do acórdão recorrido NÃO EXISTE PROVA DIRECTA DOS FACTOS:
“Identificados os vários meios de prova produzidos, reconhece-se que não existe qualquer testemunha que tenha reconhecido, nas suas verdadeiras identidades e fisionomias, qualquer dos arguidos como o autor dos factos objectos destes autos o que, aliado à circunstância de os arguidos não terem prestado declarações quanto ao objecto do processo, conduz à ausência de qualquer prova directa dos factos essenciais da causa.”
23ª
Contudo, o Tribunal recorrido conclui que existem indícios fortes que permitem concluir por indução pela prova dos factos, chamando a estes indícios provas indirectas e desta forma a fls. 51 e seguintes do acórdão recorrido descreve os 12 elementos indiciários que permitem estribar a convicção do Tribunal.
24ª
Estes 12 elementos - e nunca perdendo de vista que o facto de o Tribunal recorrido considerar que o H fala ao telefone com o ora recorrente já é em si uma presunção -consistem no seguinte:
1º Elemento indiciário: Conversa telefónica entre o arguido CF e o arguido HA (cfr. sessão 1420 do alvo 1T520M a fls. 3 do Apenso IV) com o seguinte teor: “Tens de trazer uma máquina melhor tem de ser 2500 ou 3000…Primo controlei o campo pa jogar tudo certo”
2º Elemento indiciário: Sms do H para o C com o seguinte teor: “Vou…É só tratar da baba e o bote e arranco). Cfr. Sessões 1448 e 1449 a fls. 8 do Apenso IV.
3º Elemento indiciário: Sms do H para o C: “Keres K leve alguém de confianxa” – Cfr. Sessão 1453 do Alvo 1T520M de fls. 9 do Apenso IV
Sms do H para o C: “eu vou ali ao aeroporto e alugo sempre na descontra”- cfr. Sessão 1455 do mesmo alvo a fls. 9 e 10 do apenso IV.
4º Elemento indiciário: Comunicações efectuadas entre os arguidos H e C com o seguinte teor: “Tenho bote n tenho baba”
“O bote é 150 paus axas k k vale apena!”
“Aquilo é mto mel meu primo” – cfr. Sessões 1531, 1534, 1537 e 1538 a fls. 17 e 18 do apenso IV
“Vou sem baba…arranjo algo” – cfr. Sessões 1531 e 1532 de fls. 16 e 17 do Apenso IV.
5º Elemento indiciário: Comunicações entre o C e o H:
“Atão e guardaste as xapas?”
“Pego umas aqui” – cfr. Sessões 1543 e 1544 a fls.21 do Apenso IV.
6º Elemento indiciário: Aluguer de um veículo Audi A4 pelo arguido B.
7º Elemento indiciário: SMS enviado pelo H ao B que diz: “Bora” – cfr. sessão 1597 a fls. 32 do apenso IV e que acciona a ultima célula da operadora TMN, pelas 01:58:50 horas, localizada em Via Rara.
8º Elemento indiciário: Conversação entre o C e o H:
“Tou com o meu sócio!” – crf. Sessões 1604 e 1605, fls. 34 e 35 do apenso IV.
9º Elemento indiciário: Conversa entre o HC e a sua companheira CM:
“…tou a ir lá agora”
“Vá não me ligues agora tá bem?”
“tive a girar…fui buscar as triculas…tive a fazer as cenas todas” – cfr. Sessão 1609, fls. 35 do Apenso IV.
10º Elemento indiciário: Número de quilómetros efectuados pelo Audi A4 alugado pelo B.
11º Elemento indiciário: Objectos e valores apreendidos aos três arguidos.
12º Elemento indiciário: Objectos apreendidos no interior do AUDI A4:
25ª
Ora, os objectos e valores apreendidos - como supra de demonstrou - nada permitem provar. Ao arguido CF foi apreendido o seu telemóvel desmontado (crf. Auto de apreensão de fls. 26) e um talão de carregamento na data anterior do telefone nº (…). Note-se que o telemóvel foi apreendido sem o cartão do operador TMN nº (…), pelo que nem se pode dizer que este número fosse por si utilizado.
26ª
Perante estes 12 elementos indiciários, e sem QUALQUER PROVA DIRECTA dos factos essenciais da causa o Tribunal a quo conclui o seguinte a fls. 54:
“Assentes estes elementos, podemos asseverar que os elementos probatórios supra enunciados permitem, de forma conjugada, pela sua pluralidade, concordância e inequivocidade, fundamentar a convicção do tribunal manifestada.
Na verdade, a nosso ver, a prova produzida, sem margem para quaisquer dúvidas, afasta a possibilidade de os factos se terem passado de forma diferente daquela que consta da matéria provada, designadamente colocando a hipótese de não ter ocorrido qualquer participação dos arguidos no assalto verificado no dia 16.03.2009 nas instalações da recepção do campo de golfe “(…)”.
Com efeitos, todos os dados de facto apurados permitem com a segurança exigível a toda e qualquer decisão judicial, isto é, para além de toda e qualquer dúvida razoável, relacionar directamente os arguidos com os factos essenciais da causa.”
27ª
Assim, apenas com base nas intercepções telefónicas, que nada referem em relação ao assalto ou ao local assaltado, e sem suporte em qualquer outro meio de prova o Tribunal recorrido DEDUZ que os arguidos praticaram os factos. Os fortes indícios referidos pelo Tribunal a quo que também fundamentaram a dedução do despacho de pronúncia tiveram como suporte o conteúdo de intercepções telefónicas, das quais resultava a existência de conversações com determinado conteúdo genérico ou utilização de expressões que para a Polícia Judiciária, Ministério Publico e Tribunal de instrução permitiam indiciar que as mesmas reportava-se a conversas de forma codificada.
Todavia, tais escutas telefónicas, enquanto meio de obtenção de prova, apenas possibilitariam concluir pela existência da actividade que as mesmas indiciavam, com o grau de segurança exigido em fase de julgamento, se existissem outros meios de prova sobre determinados factos que, em conjugação com as transcrições das intercepções telefónicas, permitissem de forma credível e segura concluir pelo conteúdo concreto das conversas e pela verificação dos factos a que as mesmas se reportavam.
28ª
Com efeito, conforme o entendimento dos Tribunais Superiores nesta matéria «não constituindo as escutas telefónicas, no sentido técnico, meios de prova, através exclusivamente do conteúdo de uma conversação escutada, e sem a concorrência dos adequados meios de prova sobre os factos, não se poderá considerar directamente provado um determinado facto, que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação» (v. por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-10-2008, http://www.dgsi.pt).
29ª
Assim, conclui-se que por falta de elementos de prova e até de elementos indiciários válidos que mesmo todos conjugados nada permitem provar contra o recorrente, os pontos 2 a 10, 12 a 21, 25 a 35, 41 a 43 e 46 a 50 da matéria de facto provada (constante de fls. 3 a 16 do acórdão recorrido) foram incorrectamente considerados provados.
30ª
Dispõe o acórdão recorrido a fls. 54 o seguinte:
“Do mesmo modo, podemos afirmar que inexiste qualquer elemento probatório ou qualquer circunstância que se tenha apurado que, fundadamente perturbe ou interrompa o processo lógico que a análise dos factos permite supor e que se expôs no raciocínio precedente.
ORA, SALVO O DEVIDO RESPEITO TAL NÃO CORRESPONDE À VERDADE POIS A PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL CONJUGADA IMPUNHA UMA DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (Artigo 412.º n.º 3 alínea b) do C.P.P.).
31ª
Os pontos 2 e 3 dos factos provados, como supra de demonstrou foram considerados provados sem qualquer meio de prova, ou sequer indícios acerca dos mesmos. Acresce até que a prova testemunhal produzida pelos trabalhadores do campo de golfe vai no sentido contrário.
Dos excertos do depoimento de NN registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador com início aos 2:36 minutos e fim aos 7.46 minutos, do depoimento de PM registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio – posição do contador com inicio em 2:08 e fim em 4:27 e do depoimento de MC, registado em áudio na plantaforma Habilus Media Studio, posição do contador com inicio em 4:13 e fim aos 8:22 minutos, resulta – porque todos o referiram - que os condutores/motoristas dos Shuttles que levavam os golfistas ao campo de golfe – funções desempenhadas pelo arguido CF, não entravam na recepção mantendo-se da parte de fora da mesma.
32ª
Donde, desta prova resulta que o arguido CF no desempenho das suas funções não entrava na recepção, pelo que não poderia tomar conhecimento dos procedimentos de inscrição e pagamentos de taxas, nem podia constatar as quantias correspondentes ao pagamento do preço da inscrição no golfe nem o preço de aquisição de equipamento desportivo, nem os valores que eram guardados no cofre, ou sequer da existência de cofre ou que as segundas-feiras, a partir das 09.00, era recolhido, para depósito bancário, todo o dinheiro relativo à facturação do fim-de-semana anterior. DONDE, OS PONTOS 2 E 3 FORAM INCORRECTAMENTE CONSIDERADOS PROVADOS.
33ª
Por outro lado a fls. 50 a 54 dos autos existem fotografias do carro que foi alugado pelo arguido B através das quais é possível verificar que se trata de um veículo preto de AUDI A4, mas que tem vidros normais, como todos os quais, que permitem ver para dentro do carro.
Ora, a testemunha PM no seu depoimento deixou bem claro que não conseguia ver para dentro do carro por este ter vidros fumados que não permitiam visualizar os ocupantes, como resulta dos excertos do seu depoimento que constam dos minutos 4:28 a 6:30, minutos 9:09 a 09:36 e 19:46 a 20:54 do contador.
34ª
Esta prova permite afirmar que o veículo alugado pelo arguido B não é o veículo que foi utilizado no assalto. E perante este facto todos os factos considerados provados que colocam os arguidos no local onde ocorreu o assalto ficam inquinados.
Bem sabendo deste facto o Tribunal recorrido justifica que os vidros nunca poderiam ser escuros por não ser permitido em Portugal a utilização de carros com vidros escuros. Ora, este argumento para afastar PROVA TESTEMUNHAL, salvo o devido respeito não pode ser levado em conta. Estamos a falar dum assalto pelo que não é de esperar que os assaltantes se preocupam com a observação de regras de segurança rodoviária. Para além de que, se o veículo tinha matrículas falsas o mais provável é que fosse furtado, o que não impede que tenha sido furtado no estrangeiro.
35ª
Por outro lado, face aos depoimentos prestados pelas testemunhas CM (excerto do seu depoimento constante dos minutos 3:25 a 4:30 do contador) dona da pensão e de TA (excerto do seu depoimento constante dos minutos 17:33 a 18:40 do contador) namorada do arguido H faz todo o sentido que o veículo alugado pelo B não tenha sido aquele que interviu no assalto. A testemunha C referiu que a T foi alugar um quarto para passar a noite (do assalto) com o namorado e preencheu a ficha de cliente para os dois.
Por outro lado a testemunha T afirmou que o namorado veio para o Algarve passar a noite consigo, dormiu com ela e no dia seguinte voltaram para Lisboa.
Resulta também deste depoimento que o arguido CF não esteve com o arguido B e com o H na noite dos factos. (excerto do seu depoimento constante dos minutos 25:07 a 20:22 do contador).
36ª
Por outro lado, o Tribunal a quo considerou incorrectamente como não provado “Que o arguido CF não foi trabalhar no dia 17 porque se encontrava doente”, contudo como resulta do excerto do depoimento de IJ constante dos minutos a 14:46 a 15:32 do contador, o recorrente encontrava-se efectivamente doente.
37ª
Conjugada com a referida prova testemunhal deve ainda ser atendida a seguinte prova documental:
- Reportagem fotográfica de fls. 50-57:
Não tendo qualquer relevo como prova contra os arguidos, estas FOTOGRAFIAS ASSUMEM RELEVÂNCIA A FAVOR DOS ARGUIDOS POIS QUANDO CONFONTADO COM AS MESMAS O VIGILANTE DO LOCAL ASSALTADO REFERIU QUE O CARRO UTILIZADO PARECIA TER VIDROS FUMADOS E NÃO VIDROS NORMAIS COMO O CARRO QUE APARECE NA REPORTAGEM FOTOGRÁFICA DE FLS. 50 A 57.
“auto de apreensão” de fls. 26-28 (apreensão de telemóvel e cartão de carregamento do multibanco ao arguido CF). NÃO FOI APREENDIDO QUALQUER CARTÃO SIM COM O TELEMÓVEL.
“auto de apreensão” de fls. 227-228 – Consiste na apreensão de dois documentos da residencial (…) (fichas de cliente) do arguido B e da sua namorada que foram apreendidos à testemunha C. ORA, SE ESTA APREENSÃO PERMITE PROVAR ALGUMA COISA É QUE O ARGUIDO B PASSOU A NOITE COM A NAMORADA COMO A MESMA AFIRMA.
- No “print” de fls. 81-82 – Este print foi tirado do site “Via Michelin” donde se retira o número de Km entre Santa Iria da Azoia e Vilamoura. SÓ E RELEVANTE PORQUE O BRUNO FOI TER COM A NAMORADA AO ALGARVE COMO ESTA AFIRMOU E ESTE PRINT PROVA-O.
- Nos “documentos”fls. 159 e 160-161 – ESTES DOCUMENTOS CONSTITUEM APENAS PROVA A FAVOR DOS ARGUIDOS. TRATA-SE DO RECIBO DA RESIDENCIAL (…) EM NOME DA NAMORADA DO B DA NOITE DO ASSALTO E DO CONTRATO DE TRABALHO DO ARGUIDO CARLOS FAJARDO, CONTRATO ESTE A TERMO INCERTO O QUE PROVA A INSERÇÃO PROFISSIONAL DO ARGUIDO E QUE FOI IGNORADO PELO TIBUNAL RECORRIDO NA MEDIDA DA PENA.
- Na Informação fls. 631 – Trata-se tão somente do horário de trabalho da namorada do B, TA QUE VAI DE ENCONTRO ÀS DECLARAÇÕES QUE A MESMA PRESTOU, no que respeita a hora de entrada no dia do assalto.
38ª
Ora, não existe existência de prova directa de que foram os arguidos a praticar os factos de que vêm acusados. Os indícios existentes e que o Tribunal a quo considera relevantes são tão falíveis que são colocados em causa pela descrita prova testemunhal e documental logo, a prova produzida impunha uma decisão diversa da recorrida, ou seja uma decisão de ABSOLVIÇÃO do recorrente.
39ª
Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum (cit. Ac. STJ de 17 de Dezembro de 1999; BMJ, 472, 407)
40ª
Os pontos 2 a 10, 12 a 21, 25 a 35 e 41 a 50 da matéria de facto provada (constante de fls. 3 a 16 do acórdão recorrido) foram incorrectamente considerados como provados. Esta factualidade, segundo o tribunal a quo estribou-se nos meios de prova indicados a fls. 43 a 45 do acórdão recorrido. Contudo, como se verificou pela análise da prova, esta não permite dar os referidos factos como provados. Assim o tribunal dá como assente factos, alegadamente alicerçado no depoimento de testemunhas, que não foram alegados por essas mesmas testemunha e em documentos insuficientes para a produção de tal prova, incorrendo no vício DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA NOS TERMOS DO ART. 410º N.º 2, AL. C) DO C.P.P.
41ª
Por outro lado, o mais grave é que o Tribunal a quo incorre também em Erro Notório na Apreciação da Prova por Violação DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO:
“Só existe erro na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais que óbvia, que o colectivo optou por decidir, na dúvida, contra o arguido.”
(neste sentido Ac. STJ de 15 de Abril de 1998; BMJ, 476, 82)
42ª
O princípio in dubio pro reo, como corolário importante na materialização do princípio da presunção de inocência apresenta-se-nos como limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, pois impede o julgador de tomar uma decisão segundo o seu critério no que respeita aos factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, uma vez que os factos favoráveis devem dar-se como provados, quer sejam certos ou duvidosos.
(Neste sentido Cristina Líbano Monteiro “Perigosidade de Inimputáveis i In Dubio Pro Reo”, B.F.D. Studia Jurídica Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, nº 24, 1997, pp. 51, 53 e 166)
43ª
Ora, como supra se demonstrou, o Tribunal a quo violou o Princípio da Presunção da Inocência e o Princípio in dubio pro reo, pois declara que fundou a sua convicção quanto aos factos ocorridos nos elementos de prova indicados a fls. 43 a 45, sendo que desta prova é impossível de afirmar e mesmo de deduzir, que os arguidos tenham cometido os factos. O curioso é que o próprio Tribunal recorrido reconhece isso mesmo ao afirmar a fls 48 do acórdão (negrito nosso):
“Identificados os vários meios de prova produzidos, reconhece-se que não existe qualquer testemunha que tenha reconhecido, nas suas verdadeiras identidades e fisionomias, qualquer dos arguidos como o autor dos factos objectos destes autos o que, aliado à circunstância de os arguidos não terem prestado declarações quanto ao objecto do processo, conduz à ausência de qualquer prova directa dos factos essenciais da causa.
Posto isto e perante o acervo probatório enunciado, a distinção que se deve fazer, porque o caso presente assim o justifica, será entre a prova directa e a prova indirecta dos factos essenciais da causa”
44ª
Após larga dissertação doutrinal e jurisprudencial sobre a prova directa e a indirecta ou indiciária, que não se coloca em causa, até por ser desfavorável à posição assumida pelo tribunal recorrido, a fls. 50 e 51 do acórdão recorrido e sobre a possibilidade de utilização de prova indiciária pode-se ler:
“Em resumo, seguindo autores espanhóis a alguma jurisprudência nacional dos nossos tribunais superiores, podemos afirmar que a utilização deste tipo de provas exige:
(i) Em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários;
(ii) Em segundo lugar, que tais elementos sejam concordantes entre si; e
(iii) Em terceiro lugar, que tais indícios sejam inequívocos, ou seja, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, que tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios”
45ª
De seguida o tribunal recorrido descreve os 12 elementos indiciários em que fundou a sua convicção e que tal como vimos em sede própria, não permitem concluir pela participação de qualquer dos arguidos neste assalto. Ora, o Recorrente, não só da leitura e interpretação sistemática que faz do Código de Processo Penal, entende, respaldado na doutrina e jurisprudência, que não obstante serem admissíveis as chamadas presunções judiciais através das quais, mediante ilações ou deduções de factos conhecidos se retiram, com base em regras de experiência comum, outros factos desconhecidos (prova indiciária ou indirecta), a verdade é que só prova directa é que poderá importar a condenação em julgamento.
46ª
“A prova indiciária não conduz a um julgamento de certezas. A prova indiciária contém, apenas um conjunto de factos conhecidos que permitirão partir para a descoberta de outro ou outros que deixarão de se mover no campo das probabilidades para entrarem no domínio das certezas. Contudo, o indício é (em si) um facto certo do qual, por interferência lógica baseada em regras da experiência, consolidadas e fiáveis, se chega à demonstração do facto incerto a provar segundo o esquema do chamado silogismo judiciário.
"(...) A exigência de prova sobre a ocorrência dos factos não é a mesma nas diferentes fases do processo. Enquanto para acusar importa a convicção do MP sobre a indiciação suficiente, e para pronunciar também a indiciação suficiente é bastante, já para a condenação importa a prova.
Mais, como escreveu ainda este Autor, Germano Marques da Silva “a suficiência de indícios não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final”. (In “Curso de Processo Penal”, Vol. III (1994), p. 183)
47ª
Na esteira da doutrina de Germano Marques da Silva, vide o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 30-04-2003, in proc. 0340929, in www.dgsi.pt.
A conclusão da doutrina e da jurisprudência acerca desta matéria respalda-se no facto de a existência de falhas no raciocínio lógico do julgador, a contrariedade da conclusão alcançada pelo Tribunal perante o acervo fáctico, ou mesmo o não afastamento de dúvidas razoáveis face à conclusão retirada constituem violações das regras de experiência comum e das máximas de vida por todos aceites, incorrendo tal decisão no vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P.
48ª
De forma bem mais eloquente é o que se pode ler na fundamentação do Ac. STJ de 17-03-2004, proc. 03P2612, in www.dgsi.pt:
“Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
(…)
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
(…)
A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). - cfr., v. g., o acórdão STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc.3213/03.
49ª
O trilho que o tribunal recorrido percorre na fundamentação do acórdão condenatório proferido, resume-se, no fundo, em encontrar pequenos indícios (doze elementos indiciários) sendo certo que a convicção adquirida pelo colectivo quanto à culpabilidade dos arguidos é evidente para concluir que cometeram os crimes de que vinham acusados. Sucede que, para a condenação do Recorrente, impunha-se prova directa da prática do ilícito criminal cometido pelo arguido, isto é, a demonstração materializada em factos concretos, apurados em tribunal por qualquer meio que não seja proibido, de que efectivamente o arguido praticou o crime pelo qual vinha acusado.
50ª
O Julgador, a quem é atribuída a função de aplicar a lei, tem de se libertar da mera convicção pessoal, emocional, subjectiva e imotivável de homem comum, pois não é esse o significado a reter da livre apreciação da prova nos termos do art. 127º do C.P.P.. Cabe-lhe a nobre função de decidir de acordo com os factos concretos apurados a partir da prova produzida em audiência, ainda que conjugados com regras de experiência comum ou critérios de lógica.
Nas palavras de Figueiredo Dias “a convicção que se exige ao juiz é uma convicção pessoal, mas em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág. 140 e ss.
51ª
Por outras palavras, o Julgador, por muitas e genuínas convicções que tenha sobre a eventual culpabilidade de determinado arguido num caso concreto, não existindo matéria probatória suficiente para concluir pela sua participação ou envolvimento na prática dos alegados factos descritos no libelo acusatório, só pode apontar para uma solução: a absolvição.
Se assim o tribunal não proceder – como manifestamente o tribunal a quo não procedeu, – estará a violar o princípio do in dubio pro reo, corolário a retirar a final da procedência do vício agora invocado do erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P..
52ª
Não crê o Recorrente que a certeza processual exigível ao tribunal recorrido tenha sido efectivamente observada, porquanto a dúvida razoável sobre a autoria dos crimes em apreço é não só legítima como intransponível, tendo sido dados como provados factos capazes de preencherem a tipicidade dos crimes, sustentados unicamente em prova indiciária e em encadeados raciocínios só aparentemente lógicos. Ao contrário do perfilhado pelo ilustre Tribunal recorrido, entende o Recorrente que nenhuma condenação em julgamento pode ser sustentada apenas e só com base em prova indiciária, muito menos em prova indiciária que se apresenta repleta de tantas incertezas.
53ª
Como supra se explanou os referidos elementos indiciários são na sua maioria excertos de intercepções telefónicas desacompanhadas de qualquer outro meio de prova. Ora, no caso em apreço, relativamente aos factos que o Tribunal a quo considerou provados e que supra se enumeraram, não existem quaisquer outros elementos probatórios que permitissem concluir com um grau de segurança pela prática do crime indiciada pelo conteúdo das conversações telefónicas. Pelo que, não obstante a existência de conversações telefónicas com um conteúdo que o Tribunal a quo, na ausência de prova concludente que permita concluir por um determinado conteúdo e por um modo de actuação relacionado com os crimes em apreço, ainda que dúvidas houvessem, e subsistindo para o Tribunal a quo a dúvida quanto à actuação dos arguidos nos termos imputados na pronúncia, sempre o non liquet teria de beneficiar os arguidos, segundo o princípio do in dubio pro reo, como emanação do princípio constitucional da presunção de inocência.
54ª
Assim, a fundamentação do aresto pelo Tribunal recorrido não podia lograr alcançar os factos dados como provados que preenchem a tipicidade dos crimes de roubo e falsificação e atribuem a sua autoria também ao Recorrente, fazendo-o em notório erro na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P. por violação do princípio do in dubio pro reo. Em virtude deste vício considera-se que é possível uma decisão da causa pelo Tribunal ad quem.
55ª
Resulta também do texto da decisão recorrida o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º nº 2 alínea b) do C.P.P.)
“A contradição insanável de fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível, não passa de mera falácia. Este vício pode ocorrer por contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados e contradição entre a indicação das provas e os factos não provados.”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12/02/97 e disponível in www.dgsi.pt.)
56ª
Ora, nos presentes autos verifica-se contradição insanável porquanto as provas indicadas para prova dos factos provados levariam a considerar tais factos como não provados.
Da análise do texto da decisão recorrida, em particular dos factos dados como provados e da respectiva fundamentação ressalta desde logo a seguinte contradição:
Em sede de fundamentação o Tribunal a quo indica as provas nas quais fundou a convicção a fls. 43 a 45 e depois a fls. 48 refere que não existe prova directa dos factos essenciais da causa. Até pela análise dessa prova se verifica que essas provas não servem de sustentáculo aos factos considerados provados, o que sucede nos autos, pois todas as provas indicadas não permitem dar como provados os factos que se impugnam, existe uma contradição insanável da fundamentação que resulta do texto da própria decisão.
57ª
Por outro lado, a fls. 57, ainda em sede de fundamentação, o acórdão recorrido dispõe o seguinte:
“(…). Contudo, ao certo nada de concreto se sabe, suscitando-se, pois, sérias dúvidas acerca da concreta acção/posição que cada um dos arguidos assumiu no referido assalto.”
Contudo, o que consta do elenco dos factos dados como provados, nos pontos 25 a 33 é que os arguidos são colocados em posições concretas no assalto
Ora, a referência a primeiro arguido ou a terceiro arguido só pode ter por referência os autos em que o arguido CF assume a posição de primeiro arguido, o arguido HA de segundo arguido e o BM de terceiro arguido, mantendo assim o tribunal recorrido a posição dos arguidos no assalto que é descrita no despacho de pronúncia.
58ª
Encontramos ainda outra clara contradição insanável da fundamentação:
A fls. 94 o acórdão recorrido refere:
“No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que os arguidos carecem de socialização e de uma correcta integração social e adequação às regras e normas sociais, tendo-se em vista a prevenção de nova “reincidência”.”
Contudo a fls. 53 a 62 do acórdão recorrido o Tribunal a quo enumera uma série de factos considerados provados dos quais resulta a integração social e a adequação do arguido CF às regras e normas sociais:
55. Iniciou a escolaridade na idade adequada, tendo completado o 9º Ano de escolaridade com cerca de 18 anos, cumulativamente com um curso profissional de técnico administrativo, sendo detentor de um processo escolar caracterizado como normativo.
(…)
59. À data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido encontrava-se profissionalmente activo, como responsável de uma empresa de transferes de turistas praticantes de golfe, auferindo entre vencimento e gratificações cerca de € 1.500,00/ mês a que acrescia cerca de € 850,00/mês de salário da namorada com quem vivia, num apartamento arrendado, de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, em Quarteira.
60. É bem referenciado e avaliado no seu meio profissional.
61. Em meio prisional tem mantido um comportamento estável e adequado, tendo concluído de 2 cursos de formação, de inglês e artes, desenvolvendo ainda, em RAVI – Regime Aberto Voltado para o Interior a actividade de barbeiro.
62. Beneficia de apoio exterior, traduzido nas visitas da família de origem, namorada, ex-companheira e filha, a qual constitui uma forte preocupação para o arguido.”
59ª
Estas condições de boa inserção familiar e profissional DADAS COMO PROVADAS só podem indicar uma boa adequação às regras e normas sociais, verificando-se assim no texto da decisão recorrida, também por esta via clara contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
Ora, tais contradições inquinam de forma gravíssima a decisão recorrida, tanto no que toca à decisão de condenação como à medida da pena.
60ª
Em sede de contestação o arguido levantou várias questões acerca da DA VALIDADE DA UTILIZAÇÃO DAS INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS COMO MEIO DE PROVA, nos presentes autos e que foram as seguintes:
1 -As intercepções telefónicas indicadas como obtidas no âmbito do processo n.º 1814/08.9TDLSB do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa não podem ser utilizadas para suportar uma eventual condenação do arguido nestes autos, por não se mostrarem reunidos os requisitos previstos no artigo 187º, n.º 7 do CPP para que as intercepções obtidas num processo possam ser utilizadas em outro processo.
2 - O despacho do Meritíssimo Juiz de Instrução que admitiu a utilização dessas escutas nos presentes autos, constante a fls. 158, não se mostra suficientemente fundamentado, pois somente dispõe o seguinte:
“Atenta a proveniência das gravações, e a sua indispensabilidade para a prova nos presentes autos, verificando-se os pressupostos do art. 187.º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal, fiquem nos autos os elementos de fls. 134 a 151, suportes magnéticos apresentados, e os demais elementos que constam dos autos referentes às intercepções telefónicas a que se alude.” o que é manifestamente insuficiente, tendo como tal sido arguida a sua nulidade.
3 -Acresce que o resultado dessas intercepções telefónicas, no que à matéria dos autos diz respeito, constitui conhecimentos fortuitos.
Os conhecimentos fortuitos resultantes de escutas telefónicas, QUANDO UTILIZADOS COMO MEIO DE PROVA, ultrapassam o fim normativo deste preceito, representando uma violação inadmissível dos direitos fundamentais. Sendo, por isso, objecto de uma proibição de valoração de prova nos termos do artigo 32º, nº 8 da CRP, que dispõe que “são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
61ª
O acórdão recorrido expressa-se largamente sobre todas estas questões levantadas na contestação formulando as seguintes conclusões:
1ª Conclusão: Os factos em investigação nos presentes autos são considerados crimes de catálogo para os efeitos do disposto no artigo 187º do C.P.P. O arguido HA era arguido no processo 1814/08.9 TDLSB, e como tal integrava-se no catálogo legal de alvos. Foram estritamente observadas as regras expressas nos números 7 e 8 do artigo 187º do C.P.P.
Assim considera a fls. 35 do acórdão recorrido que “nenhum óbice legal se verifica quanto à utilização das transcrições efectuadas para fundamentar a investigação de novos crimes e, por consequência, o recurso aos chamados conhecimentos fortuitos.
2ª Conclusão: O despacho de fls. 158º com o seguinte teor :
Atenta a proveniência das gravações, e a sua indispensabilidade para a prova nos presentes autos, verificando-se os pressupostos do art. 187.º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal, fiquem nos autos os elementos de fls. 134 a 151, suportes magnéticos apresentados, e os demais elementos que constam dos autos referentes às intercepções telefónicas a que se alude.”
Está devidamente fundamentado.
3ª Conclusão
No que respeita a questão levantada pelo arguido de não ser permitida uma condenação fundada somente em escutas que não foram sujeitas ao contraditório o Tribunal recorrido considera que as escutas não se encontram abrangidas no princípio da imediação da prova do artigo 355º nº 1 do C.P.P. e como tal podem ser invocados na fundamentação da sentença e que tendo o arguido acesso ao processo ao inquérito a partir de dada altura sempre lhe assistiria a possibilidade de contraditar qualquer meio de prova.
62ª
E com estas 3 conclusões sobre as questões levantadas pelo arguido em sede de contestação, o Tribunal a quo considera a fls. 42:
“Em conclusão, não se vê que tenham sido beliscados quaisquer direitos de defesa dos arguidos, designadamente no que se prende com o aproveitamento probatório para o presente processo das escutas telefónicas realizadas no âmbito dos autos nº 1814/08.09 TDLSB, cujas transcrições e suportes magnéticos se encontram junto aos autos.”
63ª
Salvo o devido respeito não assiste razão ao douto tribunal recorrido, senão vejamos:
À data das intercepções, o arguido CF não era suspeito nem arguido da prática de qualquer crime, pelo que falece esse requisito para que tais escutas possam ser utilizadas contra si, e por isso, não obstante o crime que lhe é imputado ser um dos crimes previstos no n.º 1 desse dispositivo, não é admissível a utilização daquelas escutas contra si., constituindo as mesmas, por esse motivo, prova proibida, já que representam uma intromissão não admissível na vida privada do arguido (Artigo 126º, n.º 3 do CPP).
Efectivamente, dispõe este artigo que "a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no nº4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no nº1".
As escutas só podem ser válidas noutro processo se o meio de comunicação interceptado for utilizado por pessoa que seja suspeita ou arguida pela prática de um crime, por pessoa que sirva de intermediário ou pela própria vítima do crime (desde que com o seu consentimento), e sempre que tal se revele indispensável à prova de um dos crimes de “catálogo” enunciados no artigo 187º, n.º 1 do CPP.
64ª
O despacho de fls. 158 dos autos não se encontra devidamente fundamente nomeadamente porque não refere as razões da indispensabilidade da prova, nomeadamente se recorreram a outros meios de prova sem êxito.
Ora, as escutas telefónicas, devido à devassa que causam na intimidade do interceptado, devem ser autorizadas por despacho judicial que as fundamente sustentadamente, não sendo suficiente utilizar como modo de fundamentação as palavras da lei, sem demonstrar de que forma se concretiza no caso sub judice a indispensabilidade desse meio de obtenção de prova. E tanto assim é, que o próprio Tribunal recorrido acaba por ser ele a fls. 37 e 38 do acórdão a fundamentar o despacho de fls. 158 dos autos quando explana as razões pelas quais as intercepções telefónicas são indispensáveis aos presentes autos.
O tribunal recorrido procede no acórdão a uma dissertação sobre a necessidade das escutas que consiste, no fundo na fundamentação que o despacho de fls. 158 dos autos devia conter e que não contêm, como lhe que lhe era exigível face ao disposto no nº 1 do artigo 187º. O despacho de fls. 158 não diz as razões da indispensabilidade das intercepções como meio de prova nem justifica o recurso a esta via subsidiariamente, como o faz agora o Tribunal recorrido.
65ª
Segundo André Lamas Leite, in Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004, pág.24:
“no que tange à fundamentação, a sua maior ou menor densidade depende da fase das diligências investigatórias em que a escuta for ordenada, devendo o magistrado indicar, do modo mais completo possível, os dados que se visa recolher e a medida da sua relevância para a notícia criminis, ilustrando sempre de forma concreta o raciocínio que desenvolveu no sentido de considerar cumpridos os requisitos legais”.
Tal necessidade exaustiva de fundamentação tem aplicação tanto no caso do despacho que autoriza originariamente as escutas como naquele que autoriza a respectiva utilização em processo diverso, ao abrigo do disposto no artigo 187º, n.º 7 do CPP.
No caso concreto, está em causa a aniquilação completa do dever / requisito de fundamentação, ou seja, a violação dos pressupostos substantivos de admissão das escutas telefónicas.
A falta de fundamentação do despacho que autoriza as escutas telefónicas ou, analogamente, do que admite a sua utilização em outro processo, constitui nulidade insanável, por constituir um dos pressupostos substantivos das intercepções telefónicas (artigo 190º do CPP), a qual foi já arguida nos presentes autos. Além disso, a utilização de escutas telefónicas autorizadas por despacho deficientemente fundamentado constitui, novamente, prova proibida (artigo 32º, n. 8 da CRP e artigo 126º, n.º 3 do CPP).
66ª
No que respeita aos conhecimentos fortuitos:
O Tribunal da Relação de Lisboa definiu, no acórdão de 11/10/2007 (Proc nº 3577 07 9), “conhecimentos de investigação” como sendo os factos obtidos através de uma escuta telefónica legalmente efectuada que se reportam ou ao crime cuja investigação legitimou as escutas ou a um outro delito que esteja baseado “na mesma situação histórica de vida”. Em face dessa definição, têm-se por “fortuitos” todos os conhecimentos que exorbitam o núcleo de fontes de informação previstas no meio de obtenção da prova em causa, atingindo a esfera jurídica de terceiros, bem como aqueles que, atendendo ao seu conteúdo, não se prendem com a factualidade que motivou o recurso a tal meio. O artigo 187º do CPP refere-se tão-só a conhecimentos de investigação. Assim um conhecimento fortuito resultante de uma escuta telefónica que como nos presentes autos é usado como ÚNICO MEIO DE PROVA ultrapassa o fim do preceito e como tal a sua valoração é proibida e a sua utilização inconstitucional nos termos do artigo 32º, nº 8 da CRP.
67ª
Nesse sentido se pronunciaram, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/09/2007 e o já referido acórdão do mesmo Tribunal de 11/10/2007, sendo que ambos entenderam como prova proibida os conhecimentos fortuitos, quando os mesmos sirvam como meio de prova para suportar acusação/pronúncia em processo diferente daquele em que as intercepções tiveram origem.
68ª
Por outro lado, a utilização das escutas como único meio de prova não é admissível, como pretende o tribunal recorrido, por mais ordens de razões.
Desde logo, AO CONTRÁRIO DO QUE PRETENDE O TRIBUNAL A QUO NO CASO SUB JUDICE EM QUE SÃO UTILIZADAS ESCUTAS VINDAS DE OUTRO PROCESSO QUE CONFIGURAM CONHECIMENTOS FORTUITOS O CONTRADITÓRIO ESTÁ SEMPRE INQUINADO.
O arguido apenas tem acesso às escutas que constam neste processo desconhecendo – e não podendo conhecer por não constar do inquérito – se no processo principal de onde estas escutas foram extraídas existiam porventura outras que fossem favoráveis ao arguido
Ora, entendendo o artigo que as escutas se mantém no processo até final, não sendo destruídas, isto porque podem existir intercepções não transcritas que aproveitam aos arguidos. Neste tipo de processos tal verificação não é possível pois existe uma selecção prévia que escapa aos arguidos.
69ª
Por outro lado, nos presentes autos os conhecimentos obtidos através dessas escutas em que fortuitamente foi interceptado o arguido CF, surgem indicados como meio de prova – na verdade, exclusivo – de toda a acusação/pronúncia e que se verifica estarem na base dos elementos indiciários considerados pelo Tribunal recorrido para induzir a sua convicção. A mais conceder, os “conhecimentos fortuitos” poderão ter relevância como notícia de um crime e não como meio de prova desse crime, sendo este o entendimento jurisprudencial maioritário.
Acresce que, as intercepções telefónicas desacompanhadas de outros elementos probatórios não constituem meio de prova suficiente para concluir pela provável condenação do arguido em sede de audiência de julgamento e menos ainda para suportar essa mesma condenação.
No caso dos autos, o arguido CF não foi detido em flagrante delito, não foram encontrados vestígios lofoscópicos seus no local, nada foi apreendido na sua posse que o relacione com os factos em julgamento, designadamente não lhe foi apreendida qualquer quantia monetária ou qualquer dos objectos que foram furtados do local e nessa medida inexistem meios de prova que permitam relacioná-lo com os factos pelos quais foi condenado, sendo certo que as escutas telefónicas não integram o número dos elementos probatórios, sendo antes meios de obtenção de prova.
70ª
Como meio de obtenção de prova, as escutas telefónicas visam fornecer ao investigador material dotado de aptidão probatória, ou seja, coadjuvam-no a obter elementos probatórios. Enquanto meio de obtenção da prova, as intercepções telefónicas podem permitir às autoridades de investigação obter informações sobre circunstâncias, factos ou elementos que lhes possibilitem a procura ou a mais fácil descoberta de elementos de prova. Sem a concorrência dos adequados meios de prova, um facto referido nas intercepções não se poderá considerar directamente provado, já que nesse caso, só o que resulta provada é a existência e o conteúdo dessa mesma conversação, mesmo que transcrito na integra, tal como se pronunciou, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004. E no mesmo sentido, se pronunciou igualmente o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República em entrevista à revista Visão, edição n.º 885, na qual esclareceu que “as escutas, por si só, sem confirmação por outros meios de prova, não constituem elementos probatórios idóneos”
71ª
De outro modo, admitir as escutas telefónicas como meio de prova de um facto, com exclusão de outros elementos de prova, equivaleria a excluir a contraditoriedade das provas, já que as intercepções telefónicas são obtidas apenas durante o inquérito, fase processual por natureza não contraditória. O mesmo entendimento tem sido perfilhado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, instância que, com fundamento na protecção conferida pelo artigo 8° (direito ao respeito pela vida privada e familiar) e pelo artigo 6° (direito a um processo equitativo), parágrafo lº da CEDH, tem entendido que nenhuma condenação poderá ser fundada, exclusiva ou predominantemente, em provas que não tenham podido ser produzidas directamente em audiência, ou, ao menos, submetidas ao princípio do contraditório em momento adequado do processo (cfr., Khan v. Reino Unido, "Recueil", 2001, 45).
72ª
A posição tomada pelo Tribunal recorrido em relação à validade das intercepções telefónicas utilizadas nos presentes, é violadora do disposto no artigos 187º a 190º do C.P.P., no artigo 32º da C.R.P., e nos artigos 6º e 8º da CEDH.
73ª
Ao considerar que o despacho de fls. 158 se encontra suficientemente fundamentado nos termos exigidos pelo artigo 187º, nº 1 do C.P.P., o Tribunal recorrido faz uma interpretação desta norma que é inconstitucional por afrontar directamente o disposto nos números 1 e 6 do artigo 32º da C.R.P., inconstitucionalidade que desde já se argui para todos os efeitos legais.
74ª
O arguido CF foi condenado nas seguintes penas:
8 anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e 2, al.b) por referência ao artigo 204º, nº 1, als a) e e) e nº 2, al. f) do Código Penal
4 anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e 2, al.b) por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f) do Código Penal
2 anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, al. e) e nº 3, por referência ao artigo 255º, ambos do C.P.
1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto p. e p. pelo artigo 203º, nº 1 do C.P.
E, em cúmulo numa pena única de doze anos de prisão efectiva.
75ª
Contudo, para a determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deve seguir as linhas orientadoras do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, deve atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. O n.º 2 daquele artigo manda atender, entre outros elementos, às condições pessoais do agente.
Nos presentes autos, não foram atendidas nem as circunstâncias a favor do agente e foram completamente ignoradas as suas condições pessoais.
76ª
No que a esta matéria respeita, o Tribunal a quo considerou que a favor do arguido conta somente a sua idade relativamente jovem:
“A favor dos arguidos não se vislumbram quaisquer circunstâncias, além das suas idades relativamente jovens.
Contra os arguidos depõe o dolo, na forma de dolo directo, o grau de ilicitude dos factos, que é muito elevado, as consequências danosas provocadas pelos crimes, o modo de execução dos mesmos, onde relevam os meios sofisticados utilizados, a violência física e psíquica empregue e o nível de organização demonstrada.”
77ª
Donde se verifica que na determinação concreta da medida da pena, O TRIBUNAL RECORRIDO IGNOROU TODAS AS CONDIÇÕES FAVORÁVEIS AO ARGUIDO e que constam nos pontos 53 a 62 dos factos provados:
78ª
A fls. 94 o acórdão recorrido refere (negrito nosso):
“No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que os arguidos carecem de socialização e de uma correcta integração social e adequação às regras e normas sociais, tendo-se em vista a prevenção de nova “reincidência”.”
Contudo SÃO FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS QUE O ARGUIDO CF nasceu em Lisboa, inserido numa família constituída por 4 elementos com um estrato socioeconómico equilibrado; é detentor de um processo escolar caracterizado como normativo; tem contactos regulares com o pai, com quem continua a manter uma boa relação, assente num clima de grande respeito e cordialidade, à data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido encontrava-se profissionalmente activo, como responsável de uma empresa de transferes de turistas praticantes de golfe, auferindo entre vencimento e gratificações cerca de € 1.500,00/ mês a que acrescia cerca de € 850,00/mês de salário da namorada com quem vivia, num apartamento arrendado, de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, em Quarteira; é bem referenciado e avaliado no seu meio profissional; em meio prisional tem mantido um comportamento estável e adequado, tendo concluído de 2 cursos de formação, de inglês e artes, desenvolvendo ainda, em RAVI – Regime Aberto Voltado para o Interior a actividade de barbeiro e beneficia de apoio exterior.
79ª
Mesmo encontrando-se convencido que o arguido cometeu os crimes de que vinha acusado – pese embora não exista prova nesse sentido – o Tribunal a quo deveria ter ponderado não ter elementos suficientes para concluir pela existência de dolo directo e elevada ilicitude e tendo formado a sua convicção praticamente na ausência de prova impunha-se uma pena próxima do mínimo legal. Tanto mais que, se tivesse sido observado o princípio do in dubio pro reo no caso em apreço, o arguido teria que ter sido absolvido, face à incerteza das situações apresentadas para a condenação. Mas o que se verificou foi que o arguido foi condenado e numa pesada.
80ª
Ora, existindo tantas dúvidas acerca dos factos que levaram à condenação do arguido, não tendo este sido absolvido, como deveria ter acontecido, impunha-se, pelo menos, a aplicação de uma pena no limite mínimo, sendo a pena aplicada manifestamente desproporcional e desadequada face à factualidade apurada e descrita (factos provados 53 a 62) que descrevem o arguido CF como bem inserido profissional, social e familiarmente, violando por esta via o Tribunal a quo o disposto no art. 71º do Código Penal.
TERMOS EM QUE
SE REQUER SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA FAZENDO ASSIM OS SENHORES VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES A COSTUMADA JUSTIÇA!”.---
O arguido HC, extrai da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:---
“1 - Nos presentes autos foi o arguido condenado como autor material de, um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.°, n.ºs 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão; um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.° 204.°, n.ºs 2, als. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, al. e), e n.º 3, por referência ao art.º 255.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; o que, em cúmulo jurídico, resultou na pena na única de 12 (doze) anos de prisão.
2 - Entende o recorrente que o Tribunal errou no julgamento da matéria de facto;
3 - Entendeu o tribunal “a quo” que da prova produzida, depoimentos das testemunhas prestados em audiência, e dos documentos juntos aos autos foram suficientes para formar a convicção do tribunal quanto aos factos que considerou provados, pelo que deu como provados os seguintes factos 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.°, 40.°, 41.°, 42.°, 43.°, 44.°, 45.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.° e 72.° da matéria de facto provada;
4 - Entende o recorrente que tal matéria de facto no se funda em qualquer prova produzida em audiência, portanto diverso do que o Tribunal a quo deu como provado;
5 - A prova produzida, na sua globalidade, não revela, dentro do que é lógico, que o arguido tenha cometido os crimes pelos quais fora condenado, nem que as coisas se sucederam tal como consta da matéria facto provada;
6 - Há em primeiro lugar a referir que da prova produzida e do depoimento das testemunhas, arroladas pelo Digno Ministério Público, quer no decurso do inquérito, instrução e processo, não houve nenhuma que tivesse identificado o arguido Hugo Carvalho como o praticante de qualquer dos crimes por que foi condenado, nem as testemunhas presenciais dos factos, nomeadamente, (…), identificaram ou reconheceram a participação de qualquer dos arguidos, que se encontra documentada em disco. Cd: 20100512105400_181669 - Duração 28.42 minutos, (Minuto 10.12 a 11.02), (Minuto 14.35 a 14.53, (Minuto 16.47 a 17.12), (Minuto 17.50 a 19.52), (Minuto 22.08 a 24.10); Cd: 20100512113107_181669 - Duração 05.39 minutos, (Minuto 02.15 a 03.12); Cd: 20100512102344_181669 - Duração 29.02 minutos, (Minuto 08.58 a 12.29), (Minuto 14.20 a 15.00), (Minuto 18.45 a 21.22), (Minuto 24.40 a 24.57), respectivamente;
7 - O próprio Tribunal “a quo” com isso até concorda, dizendo que, ao certo nada de concreto se sabe, suscitando-se, pois, sérias dúvidas acerca da concreta acção/posição que cada um dos arguidos assumiu no referido assalto.
8 - Ao contrário do que o Tribunal “a quo” considerou por provado, das declarações da Testemunha NN conclui-se que os assaltantes não sabiam da exacta localização do cofre,
9 - Não considerou também o Tribunal “a quo” o facto de que um inúmero numero de pessoas, i.e., na ordem das centenas, sabiam da exacta localização do cofre e mais importante do seu código, mais concretamente, todas as pessoas que trabalharam na loja e recepção do “(…)”, bem como os funcionários que trabalham e trabalharam para a empresa de segurança “Securitas”, conforme a Testemunha MC referiu, sendo que o mesmo tinha a mesma localização e código desde o momento que esta para lá foi trabalhar, à cerca de 18 anos, portanto o número de pessoas que também sabem dos procedimentos, processos, localização e código do cofre serão na ordem das centenas, podendo qualquer uma delas, ex-funcionário ou outro ter perfeitamente praticado o referido assalto.
10 - Também, as testemunha (…), descreveram os assaltantes como vestidos de todos de escuro, com t-shirt, capuz e calças escuras, de cara tapada com gorros e óculos escuros.
12 - Não houve portanto, quanto à prova testemunhal, qualquer tipo de reconhecimento.
13 - E sabemos que sem o apoio das intercepções telefónicas, seriam manifestamente insuficientes para a prova de que os autores dos crimes de roubo foram efectivamente os ora arguidos.
14 - Também a testemunha PC, segurança da empresa “Securitas”, nas suas declarações descreveu o veículo utilizado como sendo um AUDI A4 preto com vidros fumados e que não conseguiu ver o condutor, e quando confrontado com as fotografias da viatura, afirmou que aquela não tinha sido a viatura usada no assalto, porquanto os vidros eram normais, transparentes. Assim que credibilidade para efeitos de condenação de pode dar a esta testemunha?
14 - Da mesma forma não foram encontrados quaisquer vestígios lofoscópicos na viatura que o Tribunal “a quo” afirma ter sido usada no assalto.
15 - Em suma única prova existente que serviu de base e fundamentação para a condenação dos arguidos resume-se às escutas telefónicas (prova indiciária), efectuadas ao abrigo do processo 1814/08.9 TDLSB, isto e a livre convicção do Tribunal e entidades policiais, porquanto, pegaram nas referidas escutas e adoptam-nas ao assalto ocorrido no “(…)”, da mesma forma que as podiam ajustar a qualquer um outro assalto ocorrido no Algarve.
16 - Prova disso mesmo extrai-se do depoimento da Testemunha e inspector da judiciária LR que declara em sede de audiência de julgamento, tratar-se de sua convicção pessoal, referindo ao mesmo tempo não ter havido qualquer investigação, a não ser as referidas escutas telefónicas (prova indiciária), formula a história e tira todas as conclusões, mesmo quando existe prova que questiona e põe em duvida essas mesmas conclusões. Que credibilidade pode ter essa testemunha?
17 - Depois temos ainda o depoimento da Testemunha TA, que afirmou ter passado a noite de Domingo para Segunda-Feira na pensão “(…)” com o arguido BM, e que este dormiu e esteve sempre ao seu lado, tendo ambos saído para Lisboa na Segunda-Feira de Manhã, por volta das 10.00, 11.00 horas, o que por conseguinte leva a que não possa ter participado em qualquer assalto.
18 - Há também a questão do material encontrado no poder dos arguidos que não condiz com o material do assalto, pois na posse dos arguidos apenas foram encontrados os seus bens pessoais.
19 - No ponto 36 dos factos provados, o arguido HC foi detido quando saia do comboio Alfa Pendular, na Gare do Oriente, tendo-lhe sido apreendida a quantia de EUR 4.764,50, imputando o Tribunal “a quo” e dando como provado de que essa quantia diz respeito à metade do produto do assalto, quando nada nos autos possa levar a essa conclusão.
20 - Facto é, que o arguido HC estava a ser investigado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, crime pelo qual o mesmo se encontra a cumprir pena de prisão, e ninguém sequer questionou que esse valor até podia ser resultado da venda de produto estupefaciente?
21 - O também não prestou o Tribunal “a quo” atenção às declarações do arguido no Proc. 1814/08.9 TDLSB, aonde este declarou que foi para o Algarve realizar a venda duma moto sua a um familiar, enquanto lá esteve encontrou-se com o primo, o arguido CF e o B e foram a um bar em Quarteira “beber uns copos”, dirigindo-se de seguida à residência da sua sogra, voltando no dia seguinte para Lisboa de Comboio.
22 - O Tribunal “a quo” também como provado o ponto 72 da matéria provada, i.e., que o arguido HC estava inactivo. Tal facto considerado provado não corresponde à verdade.
23 - O arguido HC em 2008 iniciou a experiência laboral no mesmo ramo de actividade que o seu pai exerce, tendo trabalhado para a firma “(…)” como vendedor de produtos capilares. Entretanto, foi pai e manteve-se sempre activo a nível laboral no ramo das vendas de cosméticos, passando a trabalhar para a firma “(…)”, passando a efectivo na referida firma.
24 - Também o Tribunal no seu acórdão relativamente à matéria de facto provada menciona várias vezes, como nos pontos 25, 29, 30, 31, 33 e 35, factos cometidos pelos arguidos identificados.
25 - Como é isto possível, saber qual a participação de cada um dos arguidos e se foram mesmo os arguidos os autores dos crimes se as próprias testemunhas nunca fizeram qualquer tipo de reconhecimento.
26 - Também no ponto 39 que o tribunal “a quo” deu como provado que o veículo apresentava no acto da apreensão 64.076Kms, pelo que, após o aluguer com 63.397Kms, os quilómetros percorridos foram 679.
27 - Qual a admiração? Se a própria testemunha TA declarou em julgamento que o namorado, o arguido B, tinha alugado um carro no aeroporto para ir ter consigo ao Algarve.
28 - Também não ficou provado em sede de julgamento que os arguidos tivesses retirado as chapas de matrícula do veículo (…) e as tivessem colocado no veículo (…).
29 - Ora, analisada toda a prova, não existe qualquer testemunha ou prova que tenha reconhecido os arguidos como autores dos factos pelos quais foram condenados, existindo sim, uma ausência de qualquer prova directa dos factos essenciais da causa e para condenação.
30 - A prática dos crimes imputados ao arguido que culminou na sua condenação são manifestamente insuficientes, tendo este sido condenado face a uma convicção do Tribunal “a quo” que carece de qualquer suporte probatório sólido.
31 - Ora, não chega apenas as escutas telefónicas, prova indiciária para condenar o arguido HC pela prática dos crimes, pois que estas apenas provam da existência de uma mera intenção e não da prática concreta dos factos, para tal é necessário prova directa, real e concreta que consubstancie as escutas telefónicas, e perante tal cenário e falta de prova directa, que o Tribunal “a quo” deveria ter atendido, importaria a absolvição do arguido.
32 - O facto de se pensar, falar, planear ou engendrar a prática de quaisquer actos, criminosos ou não, não constitui crime no nossa legislação penal ou outra, pois que, só com a concretização do crime é que o agente é penalmente sancionado, isto porque, quem pensa, fala, planeia ou engendra a prática de qualquer acto ou crime não é pressuposto do seu cometimento, pois que pode simplesmente não ter essa intenção, ou em qualquer altura desistir do mesmo, ou nem sequer ser tal a pessoa que concretiza e leva a cabo tal execução.
33 – Assim, forçoso será de admitir que, no caso em concreto, não se encontram reunidas, contrariamente ao que afirma o, douto Tribunal a quo, os elementos subjectivos e objectivos do tipo de ilícitos, necessários à condenação do arguido Hugo Miguel da Costa Carvalho, pela prática dos crimes de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art° 204.º, n.ºs 1, als. a) e e), e n.° 2, al. f), ambos do Código Penal; um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.ºs 2, als. f), ambos do Código Penal; um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, al. e), e n.º 3, por referência ao art.º 255.º, al. a), ambos do Código Penal; um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal.
34 - Tais conclusões vertidas nos pontos 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.°, 40.°, 41.°, 42.°, 43.°, 44.°, 45.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.°, 50.° e 72.° da matéria de facto provada no podem nesses termos ser consideradas.
35 - No seu acórdão o Tribunal violou o artigo 128° do C.P.P ., na medida em que os depoimentos das testemunhas em sede de julgamento não forma suficientemente contudentes para constituírem factos que vieram a ser dados como provados.
36 - Ou seja, o Tribunal por sua conta concluiu que tinha sido o arguido Hugo Carvalho o autor dos crimes.
37 - O tribunal fez o impensável, substitui-se às próprias testemunhas e ainda adiciona elementos extra ao acórdão a seu belo prazer.
38 - Não é admissível a manifestação de meras convicções pessoais sobre factos, acontecimentos ou a sua interpretação como o Tribunal faz a toda a matéria dada como provada ao longo do acórdão.
39 - Os artigos 368°, n.º 2 do C.P.P. e 71.º do C.P. também forma violados na medida em que o Tribunal deveria ter acautelado e aprofundado a questão da culpa e participação do arguido, ao seleccionar outros parâmetros da matéria de facto dada como provada.
40 - Também como é possível que os três arguidos tenham sido condenados exactamente pelos mesmos crimes; o Tribunal não reunir em sede de julgamento provas, através de reconhecimentos que estipulasse a participação de cada um nos factos, e muito menos se foram mesmo os arguidos os autores dos factos.
41 - Deve, por isso, toda a prova aqui posta em crise, ser reapreciada, procedendo-se alteração da decisão sobre a matéria de facto, devendo a matéria ora impugnada ser inserida na matéria de facto não provada, e por conseguinte absolver-se o arguido da pratica dos crimes de roubo qualificado, de falsificação de documento e de furto;
42 - Se assim não se entender, sempre se dirá também que houve violação do principio in dubio pro reo,
43 - O Tribunal perante a falta de prova e dúvida quanto participação do arguido HC decidiu contra ele;
44 - Toda a prova constante dos autos e produzida em audêincia de julgamento não foi analisada em obediência aos critérios de experiência comum e de lógica do homem médio, não sendo assim suficiente para fundamentar a decisão de facto que foi proferida;
45 - As regras da experiencia comum e a livre convicção da entidade competente.", e livre apreciação da prova, não se confunde de modo algum com uma apreciação arbitrária ou com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos vários meios de prova.
46 - Neste ponto que o tribunal a quo não andou bem pois no ponderou todos os critérios vertidos nesse artigo, surgindo a decisão como uma conclusão possível, uma convicção pessoal e assim arbitrária, tendo o colectivo de juízes, perante a dúvida razoável, resolvido contra reum.
47 - A livre convicção do juiz não pode ser uma convicção puramente subjectiva, emocional, pois ela deve existir quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, e para além de toda a dúvida razoável, tendo
por base a prova produzida.
48 - Mas, não foram estas as regras seguidas pelo Tribunal quando julgou o arguido.
49 - Assim, importa referir, que não assiste qualquer razão ao Tribunal “a quo” no que concerne à apreciação e valoração da prova.
50 - Face aos factos constantes da matéria de facto provada, entendeu o Tribunal a quo que a conduta do arguido HC se enquadrava dentro da autoria da prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204°, n.ºs 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal; de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art° 204.°, n.ºs 2, als. f), ambos do Código Penal; um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256°, n.º 1, al. e), e n.º 3, por referência ao art.º 255.°, al. a), ambos do Código Penal; e de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.º 1, do Código Penal,
51- Entende o recorrente que tal no decorre da matéria de facto provada, pois as circunstâncias da autoria e dos crimes de roubo, falsificação e furto não se mostram verificadas.
52 - Dadas as dúvidas levantadas, a prova produzida, bem como das declarações de todas as testemunhas, sempre teria o Tribunal “a quo” de colocar a dúvida quanto efectiva participação do arguido HC, ao que ao abrigo do presente princípio teria o Tribunal “a quo” de absolver o arguido.
53 - Sendo que, outra no poderia ter sido a decisão do Tribunal se não a ABSOLVIÇÃO do arguido pela prática dos crimes que lhe eram imputados.
54 - Caso assim não se entenda sempre se dirá que o Tribunal fez uma errada aplicação dos artigos 70.°, 71.º, n.ºs 1 e 2, 72° n.º 1 e 73° n.º 1, al. c) todos do Código Penal), e da medida concreta da pena;
55- Acredita o nosso sistema penal na “recuperação” dos indivíduos condenados pela prática de crimes, bem como, em caso de condenação, aplicar pena que seja a necessária e suficiente a garantir os fins da punição, e não mais que isso;
55 - A finalidade primeira das penas reside na tutela dos bens jurídicos, devendo traduzir a sua aplicação a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da norma violada, sem perder de vista, na medida do possível, a reinserção social do arguido. Da conjugação de tais parâmetros e finalidades decorre ser possível a aplicação de uma pena fixada abaixo da medida óptima de tutela do bem jurídico e das expectativas da comunidade, dentro de um limite mínimo de eficácia quanto à prevenção especial.
57 - Dispõe o artigo 70.° do Código Penal, “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena no privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
58 - Entendeu o acórdão recorrido, que o arguido não tem antecedentes criminais pela prática dos tipos de crimes pelos quais foi condenado, constando no seu registo criminal apenas crimes de tráfico de estupefaciente de menor gravidade e condução sem habilitação legal, nenhum pelos Crimes de Roubo e furto, que se encontra a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Caxias, tem companheira e filha menor com quem residia antes de ser preso em casa arrendada em Santa Iria da Azóia, e que beneficia de apoio da família de origem, recebendo visitas na prisão dos progenitores e da filha, com a qual estabeleceu laços positivos.
59 - Estes factos, pessoais e profissionais deveriam ter sido atendidos na determinação da medida da pena, pois as condições pessoais do agente, a sua situação profissional, o facto de não ter antecedentes criminais, aceites no douto acórdão recorrido teriam que ser devidamente atendidas, que assume relevância, nos termos legais (artigos 70.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1) e 73.º, n.º 1, al. c) todos do Código Penal), para efeitos de determinação da medida da pena aplicável.
60 - Desta falta dessa ponderação resultou que o arguido foi condenado a uma pena de 8 (oito) anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204°, nºs 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal; a uma pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.°, n.ºs 2, als. f), ambos do Código Penal; a uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, al. e), e n.º 3, por referência ao art.º 255.°, al. a), ambos do Código Penal, a uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.º 1, do Código Penal, o que, em cúmulo jurídico, resultou na pena na única de 12 (doze) anos de prisão, o que é de considerar excessivo, desrespeitando os artigos 71.°, n.ºs 1 e 2; 72.°, n.ºs 1 e 2 e 73.° n.º 1, todos do Código Penal.
61 - O arguido, face às condições que evidenciou no presente processo, que resultaram provadas no acórdão proferido, não pode aceitar a pena de 12 anos de prisão, face às circunstâncias do caso concreto.
62 - A aplicação de uma pena, mais leve, era o necessário e suficiente, para garantir os fins da punição e cumprir plenamente a sua função, e não mais do que isso, sem deixar de consistir num sacrifício pesado imposto ao condenado.
63 - Face ao exposto, cremos que as medidas concretas das penas de 8 (oito) anos, de 4 (quatro) anos, de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, aplicadas ao arguido são desajustadas e a sua aplicação resulta de errada interpretação e aplicação das normas de Direito que regem a concreta determinação da medida da pena, pelo que estas devem ser reduzidas e substituídas por outras menos gravosas.
Termos em que deve o presente recurso ser recebido e considerado procedente e, em consequência, ser o acórdão recorrido revogado e substituído por outro que alterando a matéria de facto, ora em crise, a declare como não provada, e, consequentemente, ABSOLVA O ARGUIDO, ou caso assim não se entenda, que considere as medidas das penas excessivas e por conseguinte se substitua estas por outras menos gravosas, com o que reporão V. Exas. a Vossa costumada JUSTIÇA!”.---
O arguido BM, (precedendo correcção do requerimento recursivo, omisso quanto a conclusões, ordenada já nesta instância) extrai da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:---
“1.Das provas produzidas validamente em sede de audiência de discussão e julgamento nunca se fez prova de que o Arguido tivesse praticado os factos por cuja prática foi condenado, quer relativamente à subtracção das chapas de matrícula, quer no interior do campo de golf;
2.Das provas produzidas validamente em sede de Audiência apenas se logrou provar que o arguido alugou um Audi A4 na data da prática dos factos, e nada mais;
3.Nenhuma testemunha identificou o ora Recorrente como autor dos factos, nenhuma intercepção telefónica lhe foi efectuada, nenhum objecto de furto lhe foi apreendido, não foi detido em flagrante delito, não foram recolhidos vestígios lofoscópicos seus no local, e, o carro que alugou, não tendo vidros fumados, não corresponde com o usado na prática dos factos, e, sendo fabricados em série, existem aos milhões, não podendo a mera identificação do modelo do veículo conduzir a uma condenação sem outra prova que a complemente como é o caso;
4.As intercepções telefónicas que levaram à condenação do Recorrente foram interceptadas no âmbito do processo n.º 1814/08.9TDLSB, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, nas quais o Recorrente não é parte;
5.A Polícia Judiciária efectuou uma livre interpretação e adaptação das mesmas, a qual foi adoptada na íntegra no Douto Acórdão, de forma a conduzir à conclusão de que o Recorrente houvera praticado os factos, e levando à sua condenação, sem qualquer outro meio de prova que a sustente;
6.Não foi devidamente fundamentada a decisão de utilização dessas intercepções, em clara violação do disposto no art.º 187.º n.º 7 CPP, o que constitui nulidade insanável, art.º 190.º CPP, sendo as mesmas prova proibida, art.s 32 n.º 8 CRP e 126 n.º 3 CPP;
7.O resultado dessas intercepções, constitui conhecimentos fortuitos, que extravasam o núcleo de fontes de informação previstas no meio de obtenção de prova em causa, sendo que nenhuma condenação poderá ser fundada, predominantemente, em provas que não tenham podido ser produzidas directamente em audiência, ou, ao menos, submetidas ao princípio do contraditório em momento adequado do processo, como acontece com as intercepções recolhidas em sede de inquérito e cuja transcrição é descontextualizada e feita por excertos, nunca tendo sido facultado à defesa o acesso às transcrições completas, tal como constam no processo onde foram interceptadas, nem ao suporte áudio das mesmas, em claro desrespeito pelo Princípio do Contraditório.
Assim, nos termos das razões e fundamentos supra apontados, nos demais termos da lei, do Direito e nos restantes do sempre Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deverá ser proferido Douto Acórdão que decida nos seguintes termos:
a) Pela análise da prova documental junta aos autos, bem assim como da prova produzida em audiência de julgamento (a arrolada oportunamente pelo Ministério Público e pelo Arguido), no mínimo aplicando-se o princípio de que in dubio pro reo, deverá ser anulado o acórdão condenatório, julgando a procedência do presente recurso no sentido de ser absolvido, sem mais, o ora Recorrente. Acaso assim não se entenda,
b) Que se anule todo o julgamento efectuado, no sentido de, no mesmo, apenas se produzir a prova permitida, excluindo-se as intercepções telefónicas;
c) Acaso não colha mercê nenhum dos pedidos supra apontados, que se reduza a pena de prisão efectiva, para o mínimo legal, atendendo-se fundamentalmente à idade do Recorrente.
Sempre com a certeza que da mais Douta Justiça dirão Vossas Excelências.”.---
Notificado, o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, respondeu aos recursos interpostos, nos seguintes termos:---
Relativamente ao interposto pelo arguido CF, concluindo que:---
“(…)
1ª – O arguido CF quer colocar em crise os factos provados no acórdão que, na sua perspectiva foram incorrectamente julgados e deseja se proceda à renovação da prova e a anulação do julgamento.
2ª - Renove-se a prova e, certamente, chegar-se-á à mesma solução de facto e de direito vertida no acórdão recorrido.
3.ª - A verdade é que o acórdão lavrado na primeira instância é claro, coerente e lógico nas razões e fundamentos relativos à motivação da decisão de facto: indicação das provas e sua valoração, segundo as regras de experiência comum.
4ª – Não existe qualquer incongruência na valoração dos meios de prova (documental, pericial e testemunhal), nem sequer erro notório na apreciação da matéria de facto efectuada no acórdão recorrido.
5ª – O acórdão recorrido não padece dos vícios previstos no art. 410º n.º 2 als. a) e b) do C.P.P., como é bem de ver pela adequada leitura do mesmo, sendo certo que tais deficiências teriam de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
6ª – Tais deficiências, a existirem (e sem conceder), determinariam o reenvio do processo ao abrigo do disposto no art. 426º do C.P.P. e não a absolvição do arguido.
7ª – Os factos provados no acórdão recorrido, que nos parecem fiéis à prova produzida e à interpretação dos mesmos, segundo as regras da experiência comum e da normalidade da vida – sendo que apenas o acórdão caracteriza esses factos com clareza e que assim se devem manter, em nosso entender.
8ª – Ao contrário do que o recorrente afirma, não foram violados os artigos 127º e 355º do C.P.P. O art. 127º acolheu o princípio da livre apreciação da prova. Este princípio impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos que permitem ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão [neste sentido, Ac. STJ de 15.04.1998, in BMJ, 476, 82]. O julgador da 1ª instância cumpriu, inquestionavelmente, este desiderato.
9ª - Também não se vislumbra que qualquer meio de prova proibido tivesse sido violado e logo, que haja qualquer violação ao disposto no art. 355º do CPP.
10ª - Não se vislumbra fundamento para aplicação, no caso sub judice, do princípio “in dubio pro reo”. No caso presente, não existem quaisquer dúvidas no que diz respeito aos factos, seus autores e prova dos mesmos e bem assim da imputação da prática de tais factos ao recorrente e aos demais arguidos.
11ª – Tendo em conta todos os elementos objectivos e subjectivos e os bens jurídicos violados, somos de parecer que cada uma das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes cometidos pelo arguido, se mostra equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.
12ª – O acórdão recorrido está muito bem fundamentado de direito, quer no que tange à integração jurídico-penal dos factos dados por provados, quer no que respeita à escolha da medida concreta das penas parcelares e, ainda, no que tange à medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico com a sua especificidade própria.
14ª – Por conseguinte, somos de entendimento que não se verifica qualquer dos vícios apontados pelo recorrente – ou outros – devendo a decisão da 1ª instância ser confirmada – isto é, o arguido CF deverá cumprir a pena única de doze anos de prisão.
Contudo, como sempre V. Exas. farão Justiça.”.---
Relativamente ao interposto pelo arguido HC, concluindo que:---
“(…)
1ª – O arguido HC quer colocar em crise os factos provados no acórdão que, na sua perspectiva foram incorrectamente julgados e deseja se proceda à renovação da prova e a anulação do julgamento.
2ª – Tudo o que o recorrente impugna em sede de matéria de facto deve, em nosso entender, improceder. Renove-se a prova e, certamente, chegar-se-á à mesma solução de facto e de direito vertida no acórdão recorrido.
3.ª – O acórdão recorrido não padece dos vícios previstos no art. 410º n.º 2 als. a) e b) do C.P.P., como é bem de ver pela adequada leitura do mesmo, sendo certo que tais deficiências teriam de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
4ª – Tais deficiências, a existirem (e sem conceder), determinariam o reenvio do processo ao abrigo do disposto no art. 426º do C.P.P. e não a absolvição do arguido.
5ª - Não existe qualquer incongruência na valoração dos meios de prova, nem sequer erro notório na apreciação da matéria de facto efectuada no acórdão recorrido.
6ª – Os factos provados no acórdão recorrido, que nos parecem fiéis à prova produzida e à interpretação dos mesmos, segundo as regras da experiência comum e da normalidade da vida – sendo que apenas o acórdão caracteriza esses factos com clareza e que assim se devem manter, em nosso entender.
7ª – Ao contrário do que o recorrente afirma, não foram violados os artigos 127º e 355º do C.P.P.. O art. 127º acolheu o princípio da livre apreciação da prova. Este princípio impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos que permitem ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão [neste sentido, Ac. STJ de 15.04.1998, in BMJ, 476, 82]. O julgador da 1ª instância cumpriu, inquestionavelmente, este desiderato. Também não se vislumbra que qualquer meio de prova proibido tivesse sido violado e logo, que haja qualquer violação ao disposto no art. 355º do CPP.
8ª - Não se vislumbra fundamento para aplicação, no caso sub judice, do princípio “in dubio pro reo”. No caso presente, não existem quaisquer dúvidas no que diz respeito aos factos, seus autores e prova dos mesmos e bem assim da imputação da prática de tais factos ao recorrente e aos demais arguidos.
9ª - O arguido não confessou os factos, não revelou sentimentos de auto-censura (nem mostrou arrependimento), nem contribuiu para a pacificação social.
10ª – Tendo em conta todos os elementos objectivos e subjectivos e os bens jurídicos violados, somos de parecer que cada uma das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes cometidos pelo arguido, se mostra equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.
11ª – Em nosso entender as medidas das penas – parcelares e em cúmulo – mostram-se, objectiva e subjectivamente, adequadas ao caso e deverão ser mantidas.
12ª - Isto porque, “O estabelecimento do cúmulo jurídico não constitui uma operação contabilística, ou um jogo de números, mas um verdadeiro julgamento em que expressamente se considera o peso que os factos e a personalidade do seu autor têm no ajuizamento da sua conduta” [cfr. Acórdão do STJ, de 27.09.2006, Relator: Juiz Conselheiro Dr. Soreto de Barros].
13ª - Aliás, o acórdão recorrido está muito bem fundamentado de direito, quer no que tange à integração jurídico-penal dos factos dados por provados, quer no que respeita à escolha da medida concreta das penas parcelares e, sobretudo, no que concerne à medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico com a sua especificidade própria.
14ª – Por conseguinte, somos de entendimento que não se verifica qualquer dos vícios apontados pelo recorrente – ou outros – devendo a decisão da 1ª instância ser globalmente confirmada.
Assim sendo, o acórdão recorrido deverá ser mantido e confirmado na íntegra – ou seja, o arguido deverá cumprir a pena única de doze anos de prisão.
Contudo, como sempre, V. Exas. farão Justiça.”.---
Relativamente ao interposto pelo arguido BM, concluindo que:---
“(…)
1ª - O arguido BM quer colocar em crise os factos provados no acórdão que, na sua perspectiva foram incorrectamente julgados e deseja se proceda à renovação da prova e a anulação do julgamento.
2ª - Renove-se a prova e, certamente, chegar-se-á à mesma solução de facto e de direito vertida no acórdão recorrido.
3ª- A verdade é que o acórdão lavrado na primeira instância é claro nas razões e fundamentos relativos à motivação da decisão de facto: indicação das provas e sua valoração.
4ª - Não existe qualquer incongruência na valoração dos meios de prova, nem sequer erro notório na apreciação da matéria de facto efectuada no acórdão recorrido.
5ª - Não se vislumbra fundamento (ou razão jurídico-formal) para aplicação, no caso sub Júdice, do princípio “in dubio pro reo”.
6º - Não se vê que tenham sido beliscados quaisquer direitos de defesa dos arguidos, designadamente no que se prende com o aproveitamento probatório para o presente processo das escutas telefónicas realizadas no âmbito dos autos n.º 1814/08.9TDLSB, cujas transcrições e suportes magnéticos se encontram juntos aos autos.
7º - Estão, pois, reunidos todos os pressupostos para considerar no presente processo os conhecimentos obtidos através das escutas telefónicas efectuadas no processo n.º 814/08.9TDLSB, sendo o princípio do contraditório assegurado em audiência de julgamento e o Tribunal Colectivo ponderou (como, a nosso ver, se impunha) um meio de prova idóneo e válido.
8º - O Tribunal “a quo” entendeu que “será de afastar ao caso em análise a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro”, entendimento este que, aliás, o Ministério Público sufraga na íntegra.
9º - O arguido não confessou os factos, não revelou sentimentos de auto-censura (nem mostrou arrependimento), nem contribuiu para a pacificação social.
10º - O arguido foi condenado (e bem), em cúmulo jurídico, em 10 (dez) anos de prisão, sendo correctos e conformes ao Direito, os fundamentos do acórdão recorrido.
11º - Isto porque, “O estabelecimento do cúmulo jurídico não constitui uma operação contabilística, ou um jogo de números, mas um verdadeiro julgamento em que expressamente se considera o peso que os factos e a personalidade do seu autor têm no ajuizamento da sua conduta” [cfr. Acórdão do STJ, de 27.09.2006, Relator: Juiz Conselheiro Dr. Soreto de Barros].
12º - Aliás, o acórdão recorrido está muito bem fundamentado de direito, quer no que tange à integração jurídico-penal dos factos dados por provados, quer no que respeita à escolha da medida concreta das penas parcelares e, sobretudo, no que concerne à medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico com a sua especificidade própria.
Assim sendo, o acórdão recorrido deverá ser mantido e confirmado na íntegra — ou seja, o arguido deverá cumprir a pena única de sete anos de prisão.
Contudo, como sempre V. Exas. farão Justiça.”.---
Admitidos os recursos e remetidos os autos a esta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, referindo que:---
“(…)
O recorrente CF defende ter sido condenado sem qualquer suporte probatório invocando a inexistência de prova directa do essencial dos factos dados como provados que considera incorrectamente julgados. Refere que as testemunhas ouvidas em audiência não viabilizam o juízo da co-autoria que foi feito, assim como os demais meios de prova produzidos, seja a prova documental, pericial e mesmo as intercepções telefónicas. (…)
A questão prende-se com o facto de se saber se, não existindo prova directa dos factos, o arguido foi bem ou mal sentenciado, concluindo este que mal por ter sido condenado por dedução.
Importa começar por referir que no caso dos autos em que os arguidos actuaram de rosto coberto não seria de esperar qualquer tipo de indicação, por parte das testemunha, relativamente à identidade dos seus autores cabendo-lhes antes a importante tarefa de auxiliar o tribunal na reconstituição dos factos. E foi esse o sentido da valoração desta prova, conforme melhor se alcança da leitura da sua analise critica e da fundamentação da decisão.
Serve isto para dizer que de nada vale, pois, ao recorrente invocar o depoimento das testemunhas para impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e designadamente a imputação subjectiva, o mesmo podendo dizer-se relativamente à demais prova escalpelizada pelo recorrente que não serviu para formar a convicção do tribunal, neste particular.
O recorrente também alude às escutas telefónicas (…)
No caso dos autos a escuta, como meio válido de obtenção de prova que é, permitiu ao tribunal considerar assente a conversa tida. Naturalmente a conversa, sem o assalto, teria o valor atribuído pelo recorrente. Porém, na situação em apreço em que o assalto foi comprovado por outros meios de prova validamente produzidos (provas válidas) não constitui meio adequado de impugnação da matéria de facto a alegação feita, nos termos em que o foi, no que a estas concerne.
Cada meio de prova validamente produzido contribuiu para formar a convicção do tribunal, no seu todo, quer quanto aos factos objectivamente considerados, quer quanto à sua imputação subjectiva importando analisar, no caso cm apreço, a fundamentação da decisão para apurar o sentido da valoração da prova, a forma como o tribunal formulou a sua convicção e aferir se a prova produzida impunha decisão em sentido diverso.
(…)
Daí que a decisão recorrida não se tenha esquivado a responder à questão suscitada pelo recorrente qual seja a de saber se a inexistência de prova directa imporia a absolvição dos recorrentes concluindo, e bem, pela negativa.
Com efeito uma tal consideração (…) ¬atentaria contra o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do CPP o qual, como princípio metodológico que é, impede a formulação de regras que determinem de forma legal e abstracta o valor a atribuir a qualquer prova.
(…)
Ora, como é bom de ver, existe nos autos prova indiciária suficiente, discriminada na decisão recorrida, determinante da participação nos factos dos recorrentes.(imputação subjectiva).
(…)
O recorrente pretende demonstrar que nada teve a ver com os factos pelos quais foi condenado e que a sua absolvição é preferível à condenação ditada pelo tribunal.
Porém e conforme se refere na douta decisão recorrida a prova indicada afasta, sem margem para quaisquer dúvidas, a possibilidade dos factos se terem passado de forma diferente no que concerne à participação dos recorrentes. Com efeito mau grado os argumentos utilizados o recorrente não demonstra que o tribunal tenha errado ao colocá-lo no centro da actuação criminosa (sublinhado nosso). Por isso e à luz do estatuído no artigo 412° nº 3 do C.P.P. não se perfilam pontos de facto (que do ponto de vista do recorrente é toda a decisão) incorrectamente julgados a pedir correcção modificativa.
(…)
No que concerne aos vícios da matéria de facto, p revistos no artigo 410° nº 2 do C.P.P. e que, como se disse, são de conhecimento oficioso convém lembrar que terão de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não pode confundir-se com a insuficiência da prova para a condenação como tem sido sistematicamente dito nas doutas decisões dos nossos tribunais superiores.
(…)
Na verdade, o fundamento a que se refere a al) a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P. é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito (…).
A contradição a que se refere a al) b) é só aquela que se apresenta como insanável, irredutível, que não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência.
O erro notório na apreciação da prova a que alude a al) c) é aquele que é evidente, que não escapa a um homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente.
Analisado o texto da decisão recorrida não se vislumbram os apontados vícios.
Na verdade os factos dados corno provados, ou seja, a factualidade vertida no acórdão é suficiente para justificar a decisão de direito e não se vislumbram, também, elementos que podendo e devendo ser julgados o não foram, o que a verificar-se configuraria o indicado vício.
Também se não vislumbra incompatibilidade entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, situações estas que a verificarem-se integrariam o conceito de contradição insanável acima indicado.
A decisão recorrida também não apresenta qualquer falha grosseira e ostensiva na análise da prova e denunciadora de que se deram por provados factos inconciliáveis entre si.
O recorrente CF invoca contradição insanável da decisão quando, em sede de matéria de facto provada, o tribunal coloca os arguidos em posições concretas no assalto pese embora tenha reconhecido a existência de sérias dúvidas acerca da concreta acção/posição que cada um deles assumiu no referido assalto.
Salvo o devido respeito entendemos que quando o tribunal descreve a actuação dos recorrentes, cm sede de matéria de facto provada, e se refere a primeiro arguido não está necessariamente a referir-se ao primeiro arguido identificado na pronuncia isto porque da totalidade do texto do acórdão resulta que o tribunal não chegou a conclusão que viabilizasse esta individualização. A contradição apontada, enquanto vicio do acórdão, só releva se não puder ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo.
Porém, caso assim se não entenda, deverá este tribunal de recurso proceder à sua correcção modificativa decidindo pela substituição da expressão «primeiro arguido» e /ou «segundo arguido» pela expressão «um dos arguidos».
Assim, sendo possível ao tribunal de recurso decidir este ponto da causa, face ao estatuído no artigo 426º nº 1 do CPP, deverá sanar-se a situação a qual, aliás, não interfere nem na responsabilidade jurídico-criminal de cada um dos co-¬autores, nem na medida da pena.
Este recorrente invoca, ainda, violação do princípio in dubio pro reo.
Mas sem razão. Na verdade tal princípio só é accionável quando o tribunal tiver chegado a um estado de dúvida inultrapassável devendo, então, decidir a favor do arguido.
No caso cm apreço não resulta que o tribunal a quo tenha tido qualquer dúvida acerca da participação do recorrente nos factos pelo que, contrariamente ao alegado, não tem qualquer cabimento a invocação feita à violação do mesmo.
Este arguido questiona também a validade das escutas telefónicas como meio legal de obtenção de prova nestes autos.
Considera, pois, que o tribunal utilizou um meio de prova proibido.
Encontrando-se o acórdão recorrido fundamentado, à exaustão, neste particular, dispensamo-nos de tecer outras considerações, por despiciendas, considerando, também nós, que foi feita uma adequada interpretação e aplicação da lei, encontrando-se devidamente fundamentada a decisão pelo que carece de razão o recorrente, também neste aspecto.
Todas as considerações expendidas a propósito do recurso deste arguido têm plena aplicação às questões suscitadas pelos recorrentes HC c BM nas suas motivações de recurso e, por isso, consideramos, igualmente, não lhes assistir razão no que à impugnação da matéria de facto concerne e, também, no que à validade dos meios de obtenção de prova diz respeito.
(…)
Quanto à medida da pena:
(…)
Sem desconhecer que as finalidades da prevenção geral se sobrepõem às necessidades de prevenção especial e que estas, para serem conseguidas, importam o retorno dos arguidos ao tecido social sem risco de sucumbência, ainda assim, consideramos que a medida da pena concretamente encontrada se deve situar um pouco abaixo dos limites fixados, a fim de não inviabilizar as necessidades de prevenção especial. (sublinhado nosso).”.---
Conclui, pois, no sentido da improcedência dos recursos apresentados no tocante à matéria de facto, mas com parcial procedência dos recursos no que respeita à medida concreta da pena aplicada.---
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado o direito de resposta.---
Foram colhidos os vistos legais.---
Foi realizada a conferência.---
Cumpre apreciar e decidir.---
II
Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do S.T.J., de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do S.T.J. de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82). ---
Vistas as conclusões dos recursos em apreço, verificamos que as questões suscitadas são as seguintes (agora ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas):---
No tocante à matéria de facto:---
1. Se é nulo (ou não) o despacho que autorizou/admitiu a utilização das intercepções telefónicas como meio de prova e da validade (ou não) das mesmas;---
2. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento;---
3. Se a decisão revidenda padece dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, designadamente contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (alínea b)) e erro notório na apreciação da prova (alínea c)), por violação do princípio in dubio pro reo;---
No tocante à matéria de direito:---
4. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de direito no tocante às medidas das penas aplicadas, violando o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º e 72º, todos do Código Penal.---
III
Com vista à oportuna e sucessiva apreciação das suscitadas questões, o acórdão recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):---
“(…)
II- FUNDAMENTAÇÃO:
A- Matéria de facto provada:
1. Desde 2 de Fevereiro de 2009 o arguido CF passou a exercer as funções de motorista, ao serviço de "(…)", conduzindo diariamente, a partir 08:00 horas, uma carrinha tipo "shuttle", de 9 lugares, com turistas do hotel (…) em Vilamoura para o Clube de Golfe (…), na mesma localidade, para praticarem golfe.
2. Por virtude dessas funções, o arguido familiarizou-se com a chegada dos praticantes de golfe à recepção, com os procedimentos de inscrição e pagamento da taxa de utilização daquela estrutura desportiva, bem assim constatava que todas as quantias correspondentes ao pagamento do preço da inscrição no golfe, tal como o preço de aquisição de equipamento desportivo comercializado na loja do referido clube de golfe, bem como valores que eram guardadas num cofre.
3. O arguido CF sabia ainda que todas as segundas feiras, a partir das 09:00 horas, era recolhido, para depósito bancário, todo o dinheiro relativo à facturação do fim de semana anterior, quer o proveniente da utilização do campo de golfe, quer o da venda de artigos desportivos efectuada na referida loja.
4. Na primeira quinzena do mês de Março de 2009 o arguido CF decidiu apropriar-se do conteúdo do referido cofre e sabia que as recepcionistas conheciam o código de abertura do cofre.
5. Determinado a levar o seu projecto avante e para o bom êxito da operação contactou do seu primo a residir em Lisboa, o ora arguido HC.
6. Assim, no dia 15.03.2009, o arguido CF, através do seu telemóvel com cartão n.º (…), ligou para o telemóvel do arguido HC, n.º (…), expondo-lhe o seu projecto.
7. No decurso da conversa o arguido CF sugeriu ao HC que arranjasse em Lisboa um veículo potente.
8. Após terem combinado alguns aspectos da preparação do assalto, cerca das 22:50 horas de 15 de Março de 2009, o arguido HC comunicou ao arguido CF que ia levar com ele o arguido BM, o qual teria por função celebrar o contrato de aluguer do veículo junto da AVIS do aeroporto e que conduziria o mesmo veículo para o Algarve e durante o assalto
9. Algum tempo depois, o arguido CF perguntou ao arguido HC se já tinha as chapas de matrícula que deveriam ser apostas no veículo a utilizar no assalto em substituição das matrículas regulamentares, tendo este último esclarecido que as conseguiria em Lisboa
10. No dia 16.03.2009, pelas 00:03 horas, os arguidos HC e BM dirigiram-se ao aeroporto de Lisboa, a fim de alugarem um veículo do tipo pretendido junto da “Avis-Rent-a-car”.
11. Entretanto, pelas 00:29 horas, no aeroporto de Lisboa, o arguido BM dirigiu-se ao balcão da “Avis Rent-a-Car”, onde celebrou o contrato de aluguer do veículo AUDI A4 2.0 Tdi, 140cv, matrícula (…), nos termos do qual ficava obrigado à sua devolução no prazo de 24 horas, isto é, até às 00h30m de 17.03.2009, tendo-lhe sido entregue o veículo que marcava 63.397 kms
12. Antes de os arguidos HC e BM se dirigirem em direcção ao Algarve, pelas 01:52 horas, o arguido CF insistiu junto do arguido H para que não se esquecesse das chapas de matrícula, tendo este último respondido que trataria das chapas no Algarve, pois não tinha chave de fendas com ele.
13. O arguido CF alertou o arguido HC que na mala do AUDI, junto à roda, havia chaves que podiam ser utilizada para o efeito
14. Após as 02:00 horas os arguidos HC e BM dirigiram-se para o Algarve, fazendo-se transportar no veículo de marca AUDI que havia sido alugado no Aeroporto de Lisboa.
15. Durante o trajecto, o arguido HCcolocou no leitor de CD’s do veículo um CD-R de sua pertença com música indeterminada e que continha as inscrições "Mano Sandro" e "Vários HIP HOP".
16. Pelas 03:40 horas, os arguidos HC e BM chegaram junto da porta de entrada do imóvel onde se situa a residência do CF em Quarteira.
17. Pelas 04:00 horas da mesma data – 16.03.2009 – os três arguidos saíram, fazendo-se transportar no AUDI, de matrícula (…), até Almancil, tendo em vista subtraírem chapas de matrícula de um veículo que se encontrasse na via pública para as colocarem sobre as matrículas regulamentares daquele automóvel alugado.
18. Para o efeito, ao passarem na Rua (…), daquela localidade, com utilização de chave de fendas retiraram as chapas de matrícula do veículo (…), que ali se encontrava parqueado, propriedade de VF e prenderam-nas, por sobreposição, às chapas regulamentares do (…).
19. Assim, na concretização do plano acordado entre todos, os arguidos aguardaram pelas 09:00 horas da mesma data – 16.03.2009 – no interior do veículo e nas imediações do “(…)”, tendo todos eles colocado passa-montanhas na cabeça e luvas nas mãos, para prevenir virem a ser identificados.
20. Cerca das 09h00 os arguidos entraram pela portaria do "(…)" sendo que o veículo de matrícula AUDI tinha apostas de modo visível chapas com a matrícula (…).
21. O condutor do AUDI imobilizou o veículo mesmo em frente da recepção, mantendo o motor do veículo em funcionamento, ao passo que os outros dois arguidos saíram de imediato do veículo.
22. Ao constatar que frente à recepção se encontrava imobilizado aquele veículo, abeirou-se deste o vigilante PM, ao serviço da “Securitas - Serviços de Tecnologia de Segurança S.A.”, em acção de vigilância na área, que se baixou junto da porta aberta do pendura para ordenar ao condutor para retirar o veículo do local.
23. O condutor do referido veículo pôs o seu dedo indicador direito verticalmente na sua boca fechada e de seguida deitou a mão esquerda ao compartimento da porta, assim advertindo o vigilante que não deveria utilizar o rádio que trazia consigo.
24. Tendo constatado que o condutor do AUDI estava todo vestido de negro, passa-montanhas na cabeça com apenas dois buracos no local dos olhos, óculos escuros nos olhos e luvas nas mãos e na convicção de que este guardava arma de fogo, PM temeu pela sua vida, pelo que se inibiu de utilizar o rádio para comunicar o assalto, tendo apenas retido e registado a matrícula (…).
25. Entretanto, os outros dois arguidos introduziram-se na loja e recepção do "(…)", empunhando o primeiro uma arma de fogo.
26. De imediato, o primeiro arguido dirigiu-se à recepcionista NN, dizendo "isto é um assalto!", agarrou-lhe o pescoço e empurrou-a para uma pequena arrecadação à esquerda, na convicção de que era ali que se guardava o cofre, ordenando-lhe que o abrisse: "abre o cofre! Abre o cofre!".
27. NN respondeu que o cofre se encontrava do outro lado do balcão, no compartimento de prova de vestuário, para onde este arguido a encaminhou, tendo ela de seguida aberto o cofre.
28. De imediato, NN, porque lhe foi ordenado, retirou as duas pastas com cadeado que no interior do cofre se guardavam e entregou-as ao referido arguido e que continham as receitas de facturação de sexta-feira, sábado e domingo anteriores, no montante de, pelo menos, € 7.865,75.
29. Assim, este arguido ainda deitou mão aos seguintes bens e valores que igualmente se encontravam no interior do cofre:
• Uma máquina fotográfica que pertencia a um cliente estrangeiro;
• Um relógio de pulso de um cliente estrangeiro;
• Oito passaportes;
• Duas caixas com fichas para praticantes de golfe;
• Dois cartões de supervisores;
• Um número indeterminado de masters 2007;
• Uma pulseira de ouro; e
• Várias chaves.
30. Ordenou ainda este arguido a NN que se sentasse no chão ao lado do cofre e, ficando ela a olhar para ele, advertiu-a: "Já que estás a ser assim, tenho de ser bruto, tenho de te magoar!".
31. De seguida, o arguido colocou as duas pastas num saco preto tipo recolha de lixo caseiro e dirigiu-se à recepção, de cujas gavetas retirou um número não apurado de notas do BCE, correspondente à facturação do dia.
32. Quando MC, que também exercia as funções de recepcionista, regressou à loja, depois de uma breve saída, o segundo arguido dirigiu-se-lhe e apontou-lhe uma pistola (anteriormente empunhada pelo outro arguido) e ordenou-lhe: "Fique ai! Não se mexa e já no chão!" ao mesmo tempo que dizia "António, Vamos embora. Despacha-te, vamos dar de fuga!".
33. Quando estes dois arguidos abandonavam a loja, um deles com uma arma de fogo na mão e o segundo transportando o saco com o produto do assalto, depararam-se com o vigilante PM, a quem um deles apontou a pistola e a quem lhe retirou o rádio da marca MOTOROLA mod. GP330 VHF, com o valor de € 390,00, propriedade da "Securitas", que fizeram seu, não tendo o vigilante oposto resistência por temer pela sua segurança e pela sua integridade física.
34. Estes dois arguidos correram em direcção ao AUDI, onde estava o terceiro arguido com o motor em funcionamento, e entraram no seu veículo abandonando de seguida o local com todos os referidos valores e bens que haviam subtraído.
35. Alertado o arguido CF com a notícia da detenção do seu primo HC, não compareceu ao serviço no dia 17.03.2009.
36. Pelas 18:15 horas, o arguido HC foi detido pela PSP quando saia do comboio Alfa Pendular, na Gare do Oriente, tendo-lhe sido apreendidos os seguintes objectos e valores:
• A quantia de € 4.764,50 em notas do BCE, subdividido em 5 notas de € 100,00, 32 de € 50,00, 108 de € 20,00 50 de € 10,00, 1 moeda de € 2,00, 2 moedas de € 1,00 e uma moeda de € 0,50;
• Um telemóvel “Nokia” 5310, com cartão TMN (…);
• Um bilhete de comboio (Alfa Pendular) com origem em Loulé e destino Lisboa - Oriente;
• Um casaco verde com capuz;
• Uma guia emitida pela PSP relativa a análise para qualificação da taxa de álcool no sangue em nome de PF, porquanto, ao ser interceptado a conduzir com álcool, identificou-se com aquele nome.
37. No dia seguinte – 18.03.2009 –, CF detido, foi-lhe apreendido o seu telemóvel desmontado e sem o cartão do operador TMN, n.° (…).
38. No dia 16.03.2009, pelas 19:40 horas, foi apreendido em Lisboa o veículo (…), que continha no seu interior, para além de outros, os seguintes objectos:
• Um CD com as inscrições “Mano Sandro” e “Vários Hip Hop”, propriedade do arguido HC, que o colocou no leitor do (…) quando ambos se deslocaram pela madrugada anterior ao Algarve;
• Um par de óculos de sol sem marca, que foi utilizado por um dos arguidos durante o tempo que durou o assalto; e
• Um par de luvas da marca NIKE, que foram igualmente utilizadas no mesmo assalto.
39. Este veículo apresentava no acto de apreensão a quilometragem de 64.076, pelo que, após o aluguer com 63.397 kms, os quilómetros percorridos foram 679.
40. No dia 18.03.2009 foram apreendidos ao arguido BM os seguintes bens e objectos:
• Parte do cartão de segurança em papel referente a um SIM da operadora TMN, que respeita ao n.° de telefone móvel (…);
• Talão de venda a dinheiro MCR n.° 79303, da Avis Rent a Car, relativo a contrato de aluguer n.° 599598823;
• Documento de fim de aluguer da “Avis” relativo ao mesmo contrato 599598823, em nome de BM e relativo ao veículo AUDI com a matrícula (…);
• Um telemóvel “Nokia”, mod. N95, a que corresponde o n.° de telefone (…).
41. Os arguidos actuaram em conjugação de esforços e de propósitos para fazerem suas as quantias e bens guardados no cofre localizado na recepção do campo de golfe "(…)", propriedade da sociedade "(…).", bem assim a quantia que se guardava na caixa registadora do mesmo empreendimento turístico, tendo logrado os seus intentos.
42. Igualmente pretenderam e lograram os mesmos arguidos fazer seu o rádio de transmissões que PM utilizava em serviço de vigilância na área ao serviço da sua entidade patronal "Securitas, S.A.".
43. Actuaram os arguidos determinados a utilizar a violência, o que veio a ocorrer, para melhor conseguirem os seus objectivos.
44. Assim, NN só decidiu abrir o cofre porquanto um dos assaltantes empunhava uma arma de fogo e lhe apertou o pescoço com as mãos, estreitando progressivamente o aperto na delonga da ofendida em satisfazer a exigência, sendo certo que só constrangida e aterrorizada pela iminência de risco grave para a sua integridade física.
45. Igualmente, por temer que o assaltante disparasse contra si, PM não impediu que um dos arguidos, num gesto rápido e súbito, lhe arrancasse o rádio da mão.
46. Os arguidos pretenderam e lograram, igualmente, em comunhão de esforços e de propósitos, retirar as chapas de matrícula do veículo (…), MITSUBISHI STRAKAR, propriedade de (…), que colocaram no veículo AUDI de matrícula (…), sobrepondo-as, por aparafusamento, às matrículas regulamentares deste veículo.
47. Ao fazerem suas as quantias e demais bens guardados no cofre e na máquina registadora, bem assim ao fazerem seu o rádio e as chapas de matrícula, bem sabiam os arguidos que os ditos bens e valores não lhes pertenciam e que, ao aumentarem o seu património à custa da delapidação do património dos ofendidos não desconheciam que o faziam contra a vontade dos seus respectivos donos.
48. Ao colocarem no veículo AUDI de matrícula (…), no lugar próprio, as chapas de matrícula com os caracteres (…), passando a circular de seguida com o veículo assim identificado, na via pública, os arguidos sabiam que a tanto não estavam autorizados, pois a atribuição ou alteração de matrículas de veículos é da competência exclusiva das autoridades oficiais.
49. Os arguidos sabiam que punham em causa, como puseram, a fé pública que devem merecer as chapas de matrícula de veículos.
50. Os arguidos actuaram de modo livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
51. Na sequência do assalto a demandante “Real Seguros, S.A.” indemnizou a sociedade “(…).” pelos danos sofridos no montante de € 7.865,75 (sete mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
52. Através da apólice n.º 30/002001 a demandante “Real Seguros, S.A.” havia declarado assumir junto da sociedade “(…).” o ressarcimento dos prejuízos causados por furto ou roubo nas instalações desta.
53. O arguido CF nasceu em Lisboa, inserido numa família constituída por 4 elementos, com um estrato socioeconómico equilibrado.
54. Quando tinha cerca de 7 anos de idade, o agregado familiar desloca-se para Setúbal, por imperativos profissionais dos pais.
55. Iniciou a escolaridade na idade adequada, tendo completado o 9.° Ano de escolaridade com cerca de 18 anos, cumulativamente com um curso profissional de técnico administrativo, sendo detentor de um percurso escolar caracterizado como normativo.
56. Há cerca de 12 anos os progenitores separaram-se, o que o obrigou a alterar as rotinas, já que passou a viver, primeiro com o pai durante 2 anos e, depois com a mãe até à idade adulta, mantendo, contudo, contactos regulares com o pai, com quem continua a manter uma boa relação, assente num clima de grande respeito e cordialidade.
57. Quando completou 18 anos, abandonou a casa da mãe, tendo-se deslocado para o Algarve, onde se iniciou profissionalmente, primeiro como nadador salvador num parque aquático e, depois, como transferista de clientes para os campos de golfe existentes no Algarve.
58. Passado pouco tempo de se ter radicado no Algarve, o arguido inicia uma relação marital, da qual nasceu uma filha, actualmente com 18 meses de idade.
59. À data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido encontrava-se profissionalmente activo, como responsável de uma empresa de transferes de turistas praticantes de golfe, auferindo entre vencimento e gratificações cerca de € 1.500,00/mês a que acrescia cerca de € 850,00/mês de salário da namorada com quem vivia, num apartamento arrendado, de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, em Quarteira.
60. É bem referenciado e avaliado no seu meio profissional.
61. Em meio prisional tem mantido um comportamento estável e adequado, tendo concluído do 2 cursos de formação, de inglês e artes, desenvolvendo ainda, em RAVI – Regime Aberto Voltado para o Interior a actividade de barbeiro.
62. Beneficia de apoio exterior, traduzido nas visitas da família de origem, namorada, ex-companheira e filha, a qual constitui uma forte preocupação para o arguido.
63. O arguido HC é o mais velho dos dois filhos de um casal detentor de uma situação equilibrada ao nível do relacionamento e interacção familiar, tendo a subsistência do agregado sido assegurada pela respectiva actividade profissional de ambos os progenitores, ele vendedor e ela empregada fabril.
64. O processo de socialização decorreu num contexto estruturado e afectivo, onde a coesão e as práticas de entre ajuda foram fomentadas. No entanto, progressivamente, verificaram-se nas divergências parentais ao nível das práticas educativas, tendendo o pai para a adopção atitudes mais rígidas e autoritárias e a mãe mais permissiva.
65. O processo de entrada na adolescência veio agudizar alguma conflitualidade já existente, tendendo a adoptar reacções de alguma revolta face s imposições paternas, potenciando-se a abertura e permeabilidade a influências externas, designadamente através do convívio com pares com problemas de toxicodependência da sua zona de residência.
66. O seu trajecto escolar foi muito prejudicado por este contexto de relacionamentos e influências, registando várias reprovações e a adopção de comportamentos de indisciplina em meio escolar.
67. Concluiu apenas o 6.° ano de escolaridade e a tentativa feita mais tarde no sentido de obter a equivalência ao 9.° ano, através da frequência de um curso de formação profissional não resultou por ter sido excluído por problemas de comportamento.
68. A partir dos 14 anos desenvolveu consumos de haxixe, cocaína, ecstasy e bebidas alcoólicas, que motivou o abandono da prática desportiva, ausência de hábitos de carácter laboral e agudizou o relacionamento familiar e a sucessão de relacionamentos afectivos.
69. De uma relação afectiva estabelecida há cerca de dois anos resultou o nascimento de uma filha, actualmente com cerca de um ano de idade.
70. O seu primeiro contacto ocorreu quando tinha 18 anos.
71. À data dos factos residia numa casa arrendada em Santa Iria da Azóia com a companheira e a filha.
72. Estava inactivo e a companheira exercia funções de operadora de telemarketing.
73. Era apoiado financeiramente pelos pais.
74. Ao nível pessoal denota grande imaturidade e instabilidade para se fixar em actividades com carácter estruturado, com incapacidade de interiorização dos ilícitos criminais pelos quais já foi condenado.
75. Em meio prisional já cumpriu sanções disciplinares por posse de droga e de telemóvel.
76. Beneficia de apoio da família de origem, recebendo visitas na prisão dos progenitores e da filha.
77. O arguido BM nasceu em Vila Franca de Xira e foi criado até aos seus 16 anos com a sua progenitora, uma irmã e a avó em Santa Iria da Azóia, agregado a que acresceu desde 2004 o seu padrasto e um irmão mais novo.
78. Sendo o mais velho de três irmãos (uma rapariga de 16 e um rapaz de 4 anos fruto do actual relacionamento amoroso da progenitora), não possui qualquer recordação do pai que faleceu quando o arguido tinha 6 anos de idade.
79. A mãe tem como actividade profissional a promoção de produtos alimentares e em estabelecimentos comerciais de todo o país, tendo desde sempre assumido as responsabilidades parentais do arguido em cooperação com a avó.
80. Frequentou de modo irregular o ensino escolar, tendo reprovado duas vezes no 5.º ano de escolaridade e concluído apenas o 7.° ano.
81. Mais tarde iniciou o curso profissional de cozinha/pastelaria (Colégio Maria Pia – Casa Pia de Lisboa), o que lhe permitiria a obtenção do 9.° ano de escolaridade, mas não concluiu esta formação.
82. Apresenta uma actividade laboral diversificada tanto ao nível das entidades empregadoras como das actividades desenvolvidas, tendo iniciado o percurso laboral aos 16 anos em fábrica de peixe situada em Lisboa.
83. Habita juntamente como o seu agregado familiar num apartamento sito em zona urbana com 4 assoalhadas e boas condões de habitabilidade, conforto e privacidade para cada um dos seus habitantes, beneficiando de uma dinâmica relacional coesa e uma economia familiar estável.
84. À data de ocorrência dos factos constantes do presente processo judicial o arguido encontrava-se a laborar em empresa de catering do Aeroporto de Lisboa (na secção de pastelaria), entidade onde trabalhou 3 anos.
85. Posteriormente, foi contratado por uma empresa de panificação sita em Marvila, onde desempenhou funções durante 9 meses, e mais tarde fui contratado pela actual entidade empregadora em finais de 2009, encontrando-se vinculado por contrato a termo certo com duração de um ano.
86. É reputado como um bom funcionário, com integral respeito pelos colegas e superiores e elevado nível de qualidade no trabalho realizado.
87. Do certificado de registo criminal do arguido CF constam as seguintes condenações:
Pela prática de um crime de roubo foi condenado, em 11.03.2003, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, já declarada extinta;
Por factos de 08.12.2001 foi condenado, em 02.11.2006, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de ofensa à integridade física grave, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
88. Do certificado de registo criminal do arguido HC constam as seguintes condenações:
Por factos de 08.05.2001 foi condenado, em 08.04.2002, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos;
Por factos de 27.09.2002 foi condenado, em 12.11.2003, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
Por factos de 07.2002 foi condenado, em 19.12.20023 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão;
Por factos de 10.02.2007 foi condenado, em 28.02.2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 2,00, já declarada extinta;
Por factos de 01.04.2008 foi condenado, em 22.04.2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
Por factos de 27.12.2008 foi condenado, em 08.01.2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00.
89. Do certificado de registo criminal do arguido BM consta que, por factos de 31.07.2005 foi condenado, em 11.10.2007, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00.
*
B- Matéria de facto não provada:
Não se provou:
1. Que o arguido CF soubesse a localização do cofre existente na recepção do Clube de Golfe “(…)”, em Vilamoura.
2. Que nas circunstâncias descritas no ponto 20 dos factos provados o veículo AUDI A4 fosse conduzido pelo arguido BM, indo no banco do “pendura” o arguido CF e no banco da retaguarda o arguido HC.
3. Que nas circunstâncias mencionadas nos factos provados 21.º e seguintes, na distribuição de tarefas acordadas entre os arguidos, o BM ficasse no interior do AUDI a aguardar e fossem os arguidos CF e HC "(…)" e a praticar os actos de violência descritos e apropriar-se dos objectos e valores existentes no cofre do estabelecimento.
[Na descrição dos factos procurou-se, tanto quanto possível, atribuir a redacção que se achou mais escorreita de acordo com a prova que se produziu e o entendimento que se perfilha sobre a necessidade de considerar apenas os factos materiais e objectivos em que se traduzem os comportamentos humanos, afastando qualquer juízo valorativo dessas condutas.
Assim, outra “matéria” sobre a qual o tribunal não toma posição em termos de factos provados ou não provados e que consta do despacho de pronúncia e/ou do pedido cível corresponde a matéria de direito, conclusiva e/ou irrelevante para a apreciação da causa ou ainda à mera descrição de meios de prova e, por tal razão, está subtraída à decisão de facto a proferir].
*
C- Motivação da decisão de facto: indicação das provas e sua valoração:
1. Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto provada e não provada o tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida, justificando-se uma breve alusão às particularidades que se manifestam no caso concreto.
Neste domínio importa referir a dinâmica dos vários acontecimentos surgidos, os meios utilizados (quer na preparação do objectivo visado, quer na tentativa dissimulação das respectivas identidades dos assaltantes), a rapidez e a violência – física e psicológica – posta na abordagem às vítimas que inibiu qualquer capacidade de reacção eficaz (mesmo passiva).
Por outro lado, destaca-se o carácter invulgar entre nós das condutas assumidas, que denotam um nível de preparação e de sofisticação de meios considerável e ainda a forma totalmente imprevista como o assalto se deu, circunstâncias que pela emoção que cria dificulta, mesmo para as próprias pessoas que se confrontaram com os assaltantes, o relato de todos os pormenores atinentes ao referido episódio.
Todas estas circunstâncias podem originar para as “testemunhas”, compreensivelmente, visões parciais dos factos e imprecisões ou contradições de depoimentos, não decorrentes, necessariamente, de má fé ou de uma aversão à verdade. De facto, por vezes, mistura-se o sério e objectivo com a elaboração lógico-explicativa dos factos posterior à sua ocorrência, feita de boa fé e assente, sobretudo, na base de uma determinada interpretação e explicação pessoal dos factos.
Só a análise ponderada e crítica de todo o conjunto da prova produzida permitirá realizar a “reconstituição” do percurso seguido pelos arguidos nas datas descritas na decisão instrutória, nomeadamente no que respeita aos factos criminosos que lhes estão atribuídos e, por conseguinte, determinar a convicção do tribunal acerca da sua realidade.
A motivação da decisão de facto, num esforço de auto-justificação, tem como objectivo tornar convincente junto dos sujeitos processuais, dos ilustres mandatários e da comunidade em geral, o julgamento da matéria de facto com interesse para a decisão a proferir e permitir o seu escrutínio segundo as regras do sistema processual penal.
Trata-se sem sombra de qualquer dúvida de uma tarefa gigantesca, mas que se procede com a serenidade e a tranquilidade resultantes das declarações, depoimentos e esclarecimentos efectuados em audiência de discussão e julgamento constarem de registo em suporte áudio, o que permitirá, se assim for entendido, que o tribunal de recurso ajuíze da bondade – ou da falta dela – das nossas motivações.
2. Uma segunda alusão prévia incide sobre o valor probatório a atribuir às intercepções e gravações de conversações e comunicações telefónicas efectuadas no âmbito de um outro processo [processo n.º 1814/08.9TDLSB], na sua fase de investigação.
Sobre tal matéria, o arguido CF entende que não está suficientemente fundamentado o despacho de fls. 158, nem estão reunidos os demais pressupostos do artigo 187.º do C.P.P., pelo que não podem ser utilizadas contra si as intercepções telefónicas obtidas no processo n.º 1814/08.9TDLSB, carecendo, assim, de consistência probatória as imputações de natureza criminal que lhe são feitas.
Concluiu, pedindo, a declaração de nulidade do despacho proferido a fls. 158 dos autos, no qual se autorizou a utilização das escutas do processo n.º 1814/08.9TDLSB, com as devidas consequências em termos de ver afastada a responsabilidade criminal que lhe é assacada [cfr. fls. 1404-1419].
Apesar de tal matéria ter sido suscitada – e decidida – em instrução, a renovação de argumentos aquando da dedução da contestação e o seu afloramento pela defesa do arguido ao longo do julgamento e em sede de alegações, impõe o seu tratamento no momento processualmente adequado para o efeito: a fase da valoração dos meios de prova.
Vejamos.
No âmbito da redacção original [Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro] o artigo 187.º do C.P.P. dispunha do seguinte modo:
Artigo 187.º
(Admissibilidade)
1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos; b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando; ou
e) De injúrias, de ameaças, de coacção e de intromissão na vida privada, quando cometidos através de telefone,
se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 - A ordem ou autorização a que alude o n.º 1 do presente artigo pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Associações criminosas previstas no artigo 287.º do Código Penal;
c) Contra a paz e a humanidade previstos no título II do livro II do Código Penal;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro II do Código Penal;
e) Produção e tráfico de estupefacientes;
f) Falsificação de moeda ou títulos de crédito prevista nos artigos 237.º, 240.º e 244.º do Código Penal;
g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
Já segundo o Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro, o preceito em questão passou a ter a seguinte redacção:
Artigo 187.º
(Admissibilidade)
1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando; ou
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e sossego, quando cometidos através do telefone;
se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 - A ordem ou autorização a que alude o n.º 1 do presente artigo pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Associações criminosas previstas no artigo 299.º do Código Penal;
c) Contra a paz e a humanidade previstos no título III do livro II do Código Penal;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro II do Código Penal;
e) Produção e tráfico de estupefacientes;
f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal;
g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
Por sua vez, ao abrigo da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o artigo 187.º do C.P.P., integrante do Capítulo IV («Das escutas telefónicas»), do Título III («Dos meios de obtenção de prova»), do Livro III («Da Prova») do C.P.P., passou a estabelecer da seguinte forma:
Artigo 187.º
Admissibilidade
1 – A intercepção e a gravação de conversações ou (comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razoes para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coação, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
2 – A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se os seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título III do livro II do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro 1I do Código Penal;
e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.°, na parte em que remete para o artigo 262.°, e 267.°, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal;
j) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 – Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes.
4 A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
5 – É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 – Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.
Do ponto de vista formal, a validade dos actos afere-se pela lei em vigor à data da sua prática – cfr. artigo 5.º do C.P.P..
Por seu turno, como é sobejamente conhecido, o regime das nulidades processuais visa apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos – não determinando a sua violação uma proibição de valoração – podendo dizer-se que os artigos 118.º a 123.º do C.P.P. se reportam apenas aos vícios formais, à inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos processuais, à violação das formalidades previstas para a obtenção de provas admissíveis. Trata-se de vícios relativos ao modus procedendi, por contraposição à proibição de prova, que contende com o se da prova.
Ora, analisada a evolução do regime instituído pode dizer-se que no actual figurino legal dá-se uma formulação diferente ao critério para determinar a realização de uma escuta telefónica. Antes a lei previa o critério do “grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, hoje consagra o critério de que a diligência “é indispensável para a descoberta da verdade” ou de que “a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter”.
Os referidos critérios são apurados em face do conjunto de elementos de prova que existem no momento da prolação da decisão sobre o requerimento do Ministério Público e não em função do que a final se revele ter sido o conteúdo das escutas telefónicas e a sua importância probatória, nem em função de pré-juízos sobre a eventual utilidade ou inutilidade da diligência .
O C.P.P. estabelece um catálogo fechado de crimes em relação aos quais é admissível o meio de obtenção de prova da escuta telefónica. O Tribunal Constitucional julgou que a definição dos crimes do catálogo não violava os princípios da necessidade e da proporcionalidade em face do artigo 34.°, n.º 4, da Constituição da República .
Ademais, a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estabelece, além de um catálogo dos crimes em que é admissível este meio de obtenção de prova, um catálogo fechado dos alvos das escutas, a saber:
O arguido ou o suspeito, devendo ser especificados os números de telefone interceptados;
O intermediário do arguido ou do suspeito, que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes do suspeito ou arguido, ou seja, aquela pessoa que, por razoes familiares, de amizade ou outras, ainda que ocasionais ou fortuitas, seja um interlocutor em conversas em que se discutam assuntos que directa ou indirectamente se prendem com o crime em investigação;
A vítima do crime, no sentido do ofendido cujo interesse é protegido pela norma penal, mediante consentimento expresso ou presumido, sendo que este último só pode ocorrer quando a vítima estiver incontactável.
Daqui resulta que a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova exclusivamente processual, que pressupõe a existência de um processo penal – artigo 34.°, n.º 4, da C.R.P. – e obsta à determinação de escutas telefónicas contra incertos.
Por outro lado, a escuta telefónica não pressupõe a consumação do crime, mas no dizer do Prof. PINTO DE ALBUQUERQUE supõe a realização de um iter penalmente relevante, isto é, só pode ser ordenada urna escuta telefónica se tiverem sido cometidos actos de execução ou actos preparatórios puníveis.
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, esclareceu que as escutas telefónicas só podem ter lugar durante o inquérito e fixou um prazo máximo para cada autorização judicial (3 meses). Portanto, a escuta pode ser renovada por períodos máximos e 3 meses sem limite de vezes até se atingir o prazo máximo do inquérito. Quando se atingir o prazo máximo do inquérito, nele se incluindo a extensão concedida pelo juiz nos termos do artigo 89.°, n.º 6, do C.P.P., devem cessar todas as escutas em curso.
Por último, a lei regula de modo expresso o aproveitamento extraprocessual dos conhecimentos fortuitos obtidos através de escutas telefónicas.
Perante a indicação no despacho de pronúncia de trechos de algumas intercepções e gravações de conversações e comunicações telefónicas efectuadas no âmbito do processo n.º 1814/08.9TDLSB, impõe-se algum detalhe no tratamento deste tema.
A problemática dos conhecimentos fortuitos não se encontra muito tratada na jurisprudência portuguesa e, mesmo a nível doutrinário, a respectiva abordagem tem sido feita com base na doutrina e jurisprudência alemãs, por força da quase total similitude dos respectivos ordenamentos jurídicos no que respeita ao mecanismo legal das escutas telefónicas.
Assim, na doutrina, quer nacional quer estrangeira, as posições extremas têm seguidores, havendo quem defenda a valoração, sem restrições, dos conhecimentos fortuitos, em nome do postulado da continuidade entre a licitude da produção de uma prova e a legitimidade da sua valoração, e quem opte pela proibição de valoração de todo e qualquer conhecimento fortuito, em nome da exigência constitucional da reserva de lei .
Dando por assente a distinção conceptual entre os denominados conhecimentos da investigação – factos obtidos através de uma escuta telefónica legalmente efectuada que se reportam ou ao crime cuja investigação legitimou as escutas ou a um outro delito que esteja baseado "na mesma situação histórica de vida" – e os aludidos conhecimentos fortuitos, em que só estes últimos aqui interessam, dir-se-á com o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA que «a orientação generalizada da doutrina e da jurisprudência alemãs é no sentido de admitir apenas a utilização dos conhecimentos fortuitos que se reportem a um dos crimes relativamente aos quais a escuta é legalmente admissível», posição para que propende este mesmo autor, no que é acompanhado por MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE .
Como se sabe as escutas telefónicas constituem um dos meios de obtenção prova mais delicados de entre os admissíveis em processo penal, pela enorme danosidade social que naturalmente lhe está associada. Escreve o Prof. COSTA ANDRADE que «as escutas telefónicas são, na verdade, portadoras de uma danosidade social polimórfica e pluridimensional que, em geral, não é possível conter nos limites, em concreto e à partida, tidos como acertados. Tanto no plano objectivo (dos bens jurídicos sacrificados) como no plano subjectivo (do universo de pessoas atingidas), as escutas telefónicas acabam invariavelmente por desencadear uma mancha de danosidade social, a alastrar de forma dificilmente controlável».
Assim, sustenta o referido Professor, no plano objectivo, «as escutas telefónicas desencadeiam um processo de devassa que não pode circunscrever-se ao sacrifício mais óbvio e linear da inviolabilidade das telecomunicações, sancionada pelo artigo 34.° da Constituição. A intromissão nas telecomunicações representa também uma devassa na esfera privada dos respectivos intervenientes».
Por sua vez, no plano subjectivo, «a danosidade social qualificada das escutas telefónicas exprime-se sobretudo na circunstância de não ser tecnicamente possível limitar a escuta e a gravação aos elementos com relevo directo para o processo penal para que são concretamente ordenadas. Pela natureza das coisas, a clarificação de um crime pela via das escutas telefónicas pode atingir, para além dos suspeitos, comparticipantes e encobridores, pessoas de todo em todo inocentes ou mesmo interlocutores de boa fé».
Identificada a natureza deste meio de obtenção de prova, o que se vem dizendo dá a ideia particularmente drástica da ameaça representada pela escuta telefónica e das razões pelas quais a lei procura rodear a sua utilização das maiores cautelas, definindo, com algum rigor, os respectivos pressupostos, materiais e formais.
Como ensina aquele ilustre Professor , são fundamentalmente quatro os pressupostos materiais que legitima a utilização “num processo” da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas efectuadas “noutro processo”:
a) As escutas telefónicas hão-de estar pré-ordenadas à perseguição de um dos chamados crimes do catálogo, isto é, uma das infracções previstas no artigo 187.°, n.° 1, do C.P.P.. Trata-se de uma enumeração taxativa e fechada através da qual o legislador procurou plasmar e dar expressão ao princípio da proporcionalidade;
b) Exige-se uma forma relativamente qualificada da suspeita da prática do crime. Sem reclamar a existência de fortes indícios, necessários à prisão preventiva (artigo 202.°, do C.P.P.), terá porém, de tratar-se de uma suspeita assente em factos determinados;
c) Estão as escutas subordinadas a um princípio de subsidiariedade. Ou seja, só será admissível o recurso às escutas nos casos em que a descoberta dos factos ou o lugar onde o arguido se encontra seria, de outra forma, impossível ou de muito difícil concretização. Este princípio deriva uma dupla exigência: - não será legítimo o recurso às escutas nos casos em que os resultados probatórios desejados sejam, sem dificuldade, alcançados por meio mais benigno de afronta aos direitos fundamentais; - é ainda necessário que a escuta telefónica se apresente como um meio adequado a conseguir aquele resultado, o que equivale a afirmar a exigência de idoneidade, dimensão conatural do princípio de subsidiariedade;
d) A necessidade de limitar as escutas a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas.
A objecção colocada pelos vários autores relativamente à valoração de tais conhecimentos como meio probatório advém do facto de esses conhecimentos (porque fortuitos) respeitarem a crime diverso daquele que esteve na base da autorização das escutas.
Todavia, há que distinguir, como o fez o Supremo Tribunal Federal Alemão, admitindo tal valoração «apenas e na medida em que os factos conhecidos no âmbito da escuta estão em conexão com a suspeita de um crime do catálogo», excluindo de tal valoração aqueles conhecimentos fortuitos «que não estejam em conexão com um crime do catálogo». O que viria, segundo COSTA ANDRADE, a «converter-se num dos tópicos mais pacíficos entre os tribunais e os autores e, nessa medida, numa como que exigência mínima do regime processual penal dos conhecimentos fortuitos».
Aquele Tribunal alemão precisaria, em ulteriores tomadas de posição, «não ser necessário que os conhecimentos fortuitos estejam em conexão com o crime do catálogo que motivou a escuta, podendo reportar-se a esse ou outro crime do catálogo, da responsabilidade do arguido ou de um terceiro não suspeito».
Na doutrina nacional e ainda segundo o mesmo autor, aceita-se generalizadamente a tese da jurisprudência, segundo a qual «a valoração dos conhecimentos fortuitos só é possível no interior da classe dos crimes do catálogo» para mais adiante concluir que «à semelhança da Alemanha, também entre nós, à vista do silêncio da lei processual penal positiva, só do labor da jurisprudência e da doutrina pode esperar-se a necessária e ajustada resposta ao problema dos conhecimentos fortuitos. Como início de resposta, temos por bem fundado o entendimento da doutrina e jurisprudência alemãs na parte em que reclamam como exigência mínima que os conhecimentos fortuitos se reportem a um crime do catálogo, sc., a uma das infracções previstas no artigo 187.°, do C.P.P.. Para além disso, cremos, em segundo lugar, ser mais consistente a posição dos autores que, a par do crime do catálogo, fazem intervir exigências complementares tendentes a produzir aquele estado de necessidade investigatório que o legislador terá arquetipicamente representado como fundamento da legitimação (excepcional) das escutas telefónicas» .
Assim, face à actual redacção dos n.ºs 7 e 8 do artigo 187.º do C.P.P. , a nosso ver, ficou arredada a tese radical de quem sustentava a proibição absoluta de valoração de todo e qualquer conhecimento fortuito e a regra que orienta o juiz na apreciação dos requisitos legais do aproveitamento de conhecimentos fortuitos resultantes de escutas telefónicas é a seguinte: pode ser aproveitado para o outro processo, já instaurado ou a instaurar, o conhecimento fortuito obtido através de urna escuta telefónica que se destine a fazer prova (“ser usada como meio de prova”) de um crime do catálogo legal e em relação a pessoa que possa ser incluída no catálogo legal de alvos.
Posto isto, há que distinguir claramente os poderes o juiz do processo onde foram realizadas as escutas telefónicas e os poderes do juiz do “outro processo” onde elas serão aproveitadas. O juiz do processo onde foram realizadas as escutas é competente para decidir sobre a legalidade das mesmas e sobre a verificação dos requisitos legais estabelecidos no artigo 187. °, n.º 7, do C.P.P.. Caso se verifiquem esses requisitos legais, ele determina a remessa ao outro processo de cópia das gravações referentes ao alvo ou alvos em questão, dos relatórios referentes às ditas gravações e dos despachos atinentes à autorização, manutenção e cessação da escuta telefónica.
Por sua vez, o juiz do “outro processo” é competente para ordenar a destruição das cópias das gravações e dos relatórios, não podendo os ditos suportes técnicos e relatórios ser destruídos sem que no “outro processo” seja dada oportunidade aos sujeitos interessados para os conhecer. Só deste modo se cumpre o princípio do contraditório e se asseguram as garantias da defesa .
Sustenta o arguido que o despacho de fls. 158 (que reconheceu a imprescindibilidade para a presente investigação das intercepções e gravações efectuadas no âmbito do processo n.º 1814/08.9TDLSB), bem como o despacho que autorizou originariamente as escutas, não estão suficientemente fundamentados, conforme exige a lei, nem estão reunidos os demais pressupostos do artigo 187.º do C.P.P., pelo que não podem ser utilizadas contra si as intercepções telefónicas assim obtidas.
Antes de mais é relembrar que, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
Entre as garantias reconhecidas ao arguido figura a de um processo equitativo e com respeito pelo contraditório. Isto significa, além do mais, que o arguido tem o direito “a deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas e controlar as provas do adversário e discutir sobre o valor e resultados de umas e outras” .
Sendo as escutas telefónicas um meio de obtenção de prova que lesa direitos fundamentais da pessoa humana, tais como o direito à palavra, o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à inviolabilidade das comunicações, seria intolerável do ponto de vista das garantias de defesa do arguido, que se permitisse a utilização, como prova, dos resultados das escutas, mas se negasse ao mesmo arguido o direito discutir a legalidade dessa prova.
Esta solução é válida tanto no caso de a prova ser utilizada no processo onde foi obtida como no caso de a prova ser utilizada num processo diferente daquele onde foi obtida.
Daí que, pretendendo o Ministério Público usar, como prova neste processo, os resultados das escutas telefónicas obtidos no inquérito n.º 1814/08.9TDLSB do DIAP de Lisboa, assista aos arguidos o direito de sindicar a legalidade de todo o processo de obtenção deste meio de prova, designadamente das decisões que autorizaram a intercepção e a gravação das comunicações telefónicas, das que se pronunciaram acerca da relevância dos elementos recolhidos, das que ordenaram a transcrição das escutas em auto e, eventualmente, das que ordenaram a destruição de escutas. Em abono deste entendimento pode citar-se a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 29 de Março de 2005, no processo “Matheron c. France”, disponível em http://cmisk.echr.coe .
De facto, nos termos do princípio da legalidade da prova, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do C.P.P.). Conforme afirma o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA , “esta norma pressupõe que existam ou possam existir meios de prova proibidos e proíbe que esses meios de prova sejam utilizados no processo penal”.
Em conclusão, sempre que o arguido, no uso do seu direito de defesa, suscite a questão da proibição de alguns dos meios de prova utilizados no processo constitui dever do tribunal apreciar esses argumentos e afirmar a legalidade ou a ilegalidade do meio de prova.
Vejamos o que se retira dos autos:
(i) O presente processo teve o seu início em 16.03.2009 a partir da “participação” de fls. 2-6, em que se dá notícia de factos, eventualmente, consubstanciadores da prática de crimes de roubo com recurso a arma de fogo;
(ii) A partir do conhecimento, via fax, de alguns elementos extraídos do processo n.º 1814/08.9TDLSB em investigação no DIAP de Lisboa, a fls. 158 do presente processo, datado de 20.03.2009, foi proferido um despacho judicial com o seguinte teor: “Atenta a proveniência das gravações, e a sua indispensabilidade para a prova nos presentes autos, verificando-se os pressupostos do art. 187.º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal, fiquem nos autos os elementos de fls. 134 a 151, suportes magnéticos apresentados, e os demais elementos que constam dos autos referentes às intercepções telefónicas a que se alude.”;
(iii) A fls. 235-251 consta uma certidão com algumas peças processuais do inquérito n.º 1814/08.9TDLSB, no qual se investiga a prática de crime de tráfico de estupefacientes e em que figura como arguido HC, de que se destaca:
i. Um despacho judicial proferido em 04.03.2009 em que se determinou [fls. 238-239]:
o A intercepção e gravação das conversações efectuadas e recebidas através do cartão n.º (…) e dos IMEl’s onde o cartão seja utilizado, por um período de 30 dias, com total observância do formalismo imposto pelo artigo 188.° do C.P.P.;
o O acesso ao registo “trace-back” e localização celular do cartão telefónico e IME’s acima referidos, referente ao mesmo período;
o Prorrogar ou determinar o reinício, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através do cartão telefónico n.º (…).
ii. Algumas transcrições de comunicações mantidas pelo Alvo (…), correspondente ao telemóvel n.º (…), cujo seu utilizador era o arguido HC [fls. 244-248];
iii. A partir de uma promoção do Ministério Público em que era pedida a transferência informática de sessões constantes do sistema central de gravação para suporte autónomo digital a usar como prova nos autos n.º 157/09.5JAFAR e em extrair certidão dos despachos judiciais ordenadores de tais intercepções telefónicas, em 20.03.2009 foi proferido um despacho judicial com o seguinte conteúdo: “Verificada a previsão contida no art.º 187.º/7 do CPP, defere-se a autorização promovida, que se concede em conformidade com o disposto no art.º 187.º/8 do CPP, determinando-se ainda que se lavre cota no processo relativamente à realização da transferência informática das sessões indicadas na promoção que antecede para suporte digital autónomo a juntar ao inquérito n.º 157/09.5JAFAR, bem às cópias dos elementos extraídos deste processo (despachos) para junção àquele inquérito.” [fls. 251].
(iv) A fls. 535-601 dos autos consta outra certidão, com algumas peças processuais do já mencionado inquérito n.º 1814/08.9TDLSB, em que se investiga a prática de crime de tráfico de estupefacientes e em que figura como arguido HC, de que se destaca:
i. A transcrição de mensagens escritas enviadas ou recebidas pelo Alvo (…), respeitante ao IMEI (…) e em que era utilizador arguido HC[fls. 536-573];
ii. Um despacho judicial proferido em 12.06.2008 em que se determinou [fls. 575-577]:
o Prorrogar ou determinar o início, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através do cartão telefónico n.º (…);
o Autorizar a intercepção e a gravação das comunicações efectuadas e recebidas, pelo prazo de 30 dias, relativamente aos cartões n.ºs (…);
o A identificação dos respectivos IMEI´s, o acesso às chamadas efectuadas e recebidas, com registo “trace-back” e a localização celular;
iii. A certificação do início das intercepções telefónicas respeitantes ao Alvo (…)em 23.06.2008 [fls. 578];
iv. Um despacho judicial proferido em 28.07.2008 em que se determinou a correcção do n.º de telemóvel do arguido HC, sujeito a intercepção e gravação das comunicações, que será o (…) [fls. 579];
v. Um despacho judicial proferido em 29.07.2008 em que se determinou prorrogar ou determinar o início, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através dos cartões telefónicos n.º (…) [fls. 580-581];
vi. Um despacho judicial proferido em 28.08.2008 em que se determinou [fls. 584 e verso]:
o Nos termos do artigo 188.º, n.º 7, do C.P.P. a transcrição das sessões 9041 e 9044 do Alvo 1N835M;
o Prorrogar ou determinar o reinício, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através dos cartões telefónicos (…) e ainda o respectivo “trace-back” quanto aos números e alvos correspondentes;
vii. Um despacho judicial proferido em 09.10.2008 em que se determinou [fls. 586-588]:
o Por mais 30 dias, a intercepção e gravações das comunicações telefónicas efectuadas e recebidas através dos cartões telefónicos n.ºs (…) e dos IMEI’s onde os cartões se encontrem a ser utilizados;
o O acesso ao registo “trace-back” e à localização celular;
o Prorrogar (ou determinar o reinício), por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através dos cartões telefónicos n.ºs (…), e ainda a listagem das chamadas efectuadas e recebidas, facturação detalhada e respectiva localização celular.
viii. Um despacho judicial proferido em 10.11.2008 em que se determinou [fls. 590-591]:
o Prorrogar ou determinar o reinício, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através dos cartões telefónicos n.ºs (…)e ainda o respectivo “trace-back” quanto aos números correspondentes;
ix. Um despacho judicial proferido em 24.04.2009, com o seguinte teor: “No âmbito do inquérito com o NUIPC 157/09.5 JAFAR investiga-se, como se informa a fls. 1397, a prática de diversos crimes de furto qualificado e roubo de que se suspeita ter sido co-autor o arguido HC, tudo indicando que este arguido tenha mantido conversações e comunicações, interceptadas no âmbito dos presentes autos, sobre os factos investigados no referido inquérito.
Assim, verificada a previsão contida no art.º 187°/7 do Código de Processo Penal, autoriza-se, em conformidade com o n.° 8 do mesmo artigo, a realização da transferência informática das sessões de intercepções de comunicações constantes do sistema central de gravação da P.J. para suporte autónomo digital a usar como prova no inquérito n.º 157/09.5JAFAR, bem como a extracção de cópia dos despachos judiciais ordenadores de tais intercepções telefónicas e dos despachos do M.P. ordenadores das transcrições de tais sessões de intercepção de comunicações e ainda dos demais despachos e peças processuais tidos por relevantes para a instrução do referido inquérito.
(…).” [fls. 594];
x. A transcrição de mensagens escritas enviadas ou recebidas pelo Alvo 1N835M, respeitante ao cartão n.º (…) e em que era seu utilizador o arguido HC [fls. 595-600];
(v) A fls. 602 dos presentes autos encontra-se junto um CD e por apenso mais dois CD´s, com origem no NUIPC 1814/08.9TDLSB, respeitantes a intercepções e gravações de comunicações telefónicas cuja autorização para utilizar no presente processo foi concedida de harmonia com as decisões judiciais precedentes;
(vi) Constituem 4 apensos ao presente processo, as transcrições realizadas em 31.03.2009 e 20.07.2009, de conversações mantidas pelos Alvos 1T520M, 1T520IE, 1T520IE e 1T520M, respectivamente, os apensos I, II, III e IV;
(vii) Em 14.05.2009, com referência à certidão aludida em (iv) foi proferido um despacho judicial com o seguinte conteúdo: “Considerando a proveniência das gravações, e a sua indispensabilidade para a prova nos presentes autos, verificando-se os pressupostos do art. 187.º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal, fiquem tais elementos, e o CD gravado, que são referentes a tais intercepções telefónicas a que se alude.”.
Recentrando a nossa atenção na situação em análise, como é bom de ver, quer os factos em investigação no processo n.º 1814/08.9TDLSB do DIAP de Lisboa [tráfico de estupefacientes], quer os factos em investigação no presente processo e a que respeitam os conhecimentos fortuitos [factos susceptíveis de integrar a prática de crimes previstos e puníveis com pena de prisão superior a três anos] estão abrangidos pelas alíneas a) e b) do n.° 1 e al. e) do n.º 2 do artigo 187.° do C.P.P., ou seja, são crimes do catálogo.
Desta forma, por esta via, nenhum óbice legal se verifica quanto à utilização das transcrições efectuadas para fundamentar a investigação de novos crimes e, por consequência, o recurso aos chamados conhecimentos fortuitos.
Em segundo lugar, HC naqueles autos n.º 1814/08.9TDLSB tinha a qualidade processual de arguido, razão pela qual integrava-se no “catálogo legal de alvos” que podia ver as suas comunicações visadas para efeitos da investigação criminal em curso.
Em terceiro lugar, entende-se que foram estritamente observadas as regras expressas nos n.ºs 7 e 8 do artigo 187.º do C.P.P. acerca da utilização num processo criminal de escutas realizadas no âmbito de outro processo.
Entendemos, pois, que do ponto de vista formal, não foi desconsiderada qualquer disposição legal disciplinadora do processo de autorização de escutas telefónicas, transcrição das conversações gravadas, cópias dos respectivos suportes magnéticos e a disponibilização de todos esses elementos no âmbito da outra investigação em curso, isto é, do processo de destino.
Desta forma, por esta via, nenhum óbice legal se verifica quanto à utilização das transcrições efectuadas para fundamentar a investigação de novos crimes e, por consequência, o recurso aos chamados conhecimentos fortuitos.
Todavia, em termos substanciais, defende o arguido CF que o despacho de fls. 158 (que reconheceu a imprescindibilidade para a presente investigação das intercepções e gravações efectuadas no âmbito do processo n.º 1814/08.9TDLSB), bem como o despacho que autorizou originariamente as escutas, não estão suficientemente fundamentados, conforme exige a lei, nem estão reunidos os demais pressupostos do artigo 187.º do C.P.P., não estando consequentemente justificada a primazia deste meio de prova, antes de qualquer outro, tendo-se pois violado o princípio da subsidiariedade.
Compreende-se que estando em causa interesses tão elevados como o direito à identidade pessoal, à capacidade civil, ao bom nome e reputação à imagem, palavra e reserva da identidade da vida privada e familiar é normal que a falta de fundamentação leve à nulidade do despacho e não à mera irregularidade como se de um simples despacho se tratasse.
Por isso mesmo, o artigo 189.° do C.P.P. é claro ao afirmar que os requisitos e condições referidas no artigo 187.° e 188.° terão de ser respeitados sob pena de nulidade.
Como sublinha COSTA ANDRADE “O teor particularmente drástico da ameaça representada pela escutada telefónica explica que a lei tenha procurado rodear a sua utilização das maiores cautelas. Daí que a sua admissibilidade esteja dependente do conjunto de exigentes pressupostos materiais e formais previstos nos arts. 187º e segs. da lei processual portuguesa (….)”. O legislador português procurou, assim, “inscrever o regime de escutas telefónicas sobre a exigente ponderação de bens entre: por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo, e, por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal. E aqui – no imperativo da fidelidade estrita do paradigma da ponderação legalmente codificada – residirá uma razão decisiva e abono da exigência de uma interpretação restritiva das normas atinentes às escutas telefónicas”.
Trata-se, indiscutivelmente, de uma ponderação que é vinculada a critérios estritos e a uma malha muito apertada, de que o intérprete e aplicador do direito não estão legitimados a desviar-se.
A este propósito decidiu o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 407/97, de 21.05.1997 , que “a existir ingerência nas telecomunicações, no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada como uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18.º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente.
Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas no texto constitucional”.
Escreve-se ainda no citado arresto a propósito do efectivo controlo judicial das escutas telefónicas, que “a intervenção do juiz é vista como uma garantia que assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica, assegurando que tal compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, para que de uma intervenção substancial se trate (e não de mero tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os, e assim, transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos - que sabemos serem consideráveis - de uso desviado”.
Aplicando estes princípios ao caso sub judice, importa considerar o que disse no despacho de fls. 158: “Atenta a proveniência das gravações, e a sua indispensabilidade para a prova nos presentes autos, verificando-se os pressupostos do art. 187.º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal, fiquem nos autos os elementos de fls. 134 a 151, suportes magnéticos apresentados, e os demais elementos que constam dos autos referentes às intercepções telefónicas a que se alude.”
Ora, da leitura do mencionado despacho decorre indubitavelmente que o mesmo se encontra devidamente fundamentado, mais ainda porque se deve ter em conta o contexto processual em que é proferido.
O aludido despacho surge na sequência do conhecimento, via fax, de alguns elementos extraídos do processo n.º 1814/08.9TDLSB em investigação no DIAP de Lisboa, resultando desses elementos a descrição da actividade dos suspeitos investigados e a necessidade do recurso ao meio de obtenção de prova, pelo que as intercepções de conversações telefónicas está por demais descrita e fundamentada.
À mesma conclusão se chega quando se analisa os despachos proferidos no processo n.º 1814/08.9TDLSB, que decidiram autorizar as intercepções e gravações das comunicações telefónicas (ou a sua prorrogação) e se acham insertos nas certidões remetidas a este processo, podendo-se localizar a fls. 238-239, 575-577, 579, 580-581, 584 e verso, 586-588, 590-591 e 594.
Na verdade, se bem analisarmos o conteúdo das decisões judiciais em causa, para as quais se remete por razões de simplicidade e de facilidade, afigura-se exaustiva a fundamentação empregue, quer de direito, quer de facto , equacionando o julgador a necessidade deste meio de obtenção de prova para o bom êxito da investigação em curso, balanceando os vários interesses em presença e decidindo, a final, de acordo com o interesse preponderante e o comando constitucional do artigo 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental, que condiciona qualquer restrição a direitos, liberdades e garantias aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Por sua vez, no que diz respeito à invocada violação do princípio da subsidiariedade do recurso a este meio de obtenção de prova, com fundamento nos autos, é possível afirmar que esta não ocorreu porque se lançou, efectivamente, a mão a outros meios investigatórios, como se passa a observar.
É necessário ter-se em conta quanto ao processo em mérito que, logo na fase inicial da investigação, foram realizadas as “inquirições de testemunhas” de fls. 7-8, 9 e verso, 97-99, 101-103, 105-106 e 108-109, a “observação, recolha de vestígios e reportagem fotográfica” de fls. 10-14, o “Relato de Diligência Externa”, de fls. 20, 21, 22-24, 59-61, as “apreensões” de fls. 26-28, 30-31, 47-48, 63, 64 e 72-75, os “interrogatórios de arguidos” de fls. 43-44, 70-71, a “informação” de fls. 49, a “reportagem fotográfica” de fls. 50-57, o “exame directo” de fls. 77-79 e o “print” de consulta do endereço electrónico http://www.viamichelin.com de fls. 81-82.
Assim, muitas outras diligências investigatórias se realizaram para além das intercepções telefónicas.
A nossa lei processual penal não exige a realização de outros meios de investigação e de prova em momento anterior a uma ordem judicial de intercepção telefónica.
É, porém, fundamental que existam motivos e razões de convencimento por parte do juiz competente, para crer, que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou da prova – que de outra forma seria impossível ou muito difícil de obter –, não sendo necessário que existam já consolidados indícios do crime, nem que as informações em causa possam ser obtidas por outros meios.
Necessário se torna, igualmente, que o processo já se encontre em curso, não podendo nem devendo a diligência ser um mero instrumento de investigação extra-processual.
Ora, de tudo o que se vem dizendo pode concluir-se que, considerando todos os elementos de facto carreados para os autos, designadamente os ilícitos praticados e a forma do seu cometimento – crimes de roubo praticado por indivíduos encapuçados, com recurso a arma de fogo, com utilização veículo alugado e com matrículas falsas apostas no mesmo visando dificultar a respectiva identificação –, havia fundadas razões para crer que a diligência ordenada, relativamente aos n.ºs de telefone em causa, se revelava de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, uma vez que não era possível alcançar os resultados probatórios pretendidos, sem dificuldades particulares acrescidas, por outro meio de prova.
Do exposto resulta, assim, que não foram violados os princípios da proporcionalidade e da necessidade, mostrando-se adequada ao caso concreto as escutas ordenadas, atenta a natureza da actividade delituosa objecto da investigação em causa, e a dificuldade que a mesma revelava no sentido de apurar a identificação e localização do autor dos crimes, motivo pelo qual carece de razão o arguido CF quando afirma que as decisões que autorizaram ou prorrogaram as escutas telefónicas carecem da devida fundamentação jurídica e fáctica.
Vejamos, agora, o derradeiro obstáculo colocado à utilização das escutas telefónicas realizadas. Diz-nos o arguido que “admitir as escutas telefónicas como meio de prova de um facto, com exclusão de outros elementos de prova, equivaleria a excluir a contraditoriedade das provas, já que as intercepções telefónicas são obtidas apenas durante o inquérito, fase processual por natureza não contraditória” – cfr. o artigo 54.º da sua contestação (fls. 1415).
Em benefício da sua tese, este arguido invoca os artigos 8.º (“Direito ao respeito pela vida privada e familiar”) e 6.º § 1 (“Direito a um processo equitativo”) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e o entendimento vertido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), ao decidir que: “nenhuma condenação poderá ser fundada, exclusiva ou predominantemente, em provas que não tenham podido produzidas directamente em audiência, ou, ao menos, submetidas ao princípio do contraditório em momento adequado do processo” (cf. Khan v. Reino Unido, “Recuei!”, 2001, 45)
Ora, também nós procuramos interpretar e aplicar as normas do nosso ordenamento jurídico de forma exigente e precisa, designadamente no que diz respeito à observância do princípio do contraditório e no respeito pela nossa Constituição, pela lei ordinária e pela CEDH, à qual o Estado Português está vinculado.
É sabido que a fase de julgamento constitui o momento processual por excelência para o exercício do contraditório e que as escutas telefónicas são realizadas sempre na fase de investigação, por regra, de natureza não contraditória.
Do mesmo modo, dispõe o artigo 355.º, n.º 1, do C.P.P., concreta manifestação do princípio da imediação, que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Porém, o seu n.º 2, ressalva as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos 356.º e 357.º, do mesmo código, aqui se incluindo, observados certos requisitos, a leitura das declarações do assistente, das partes civis, do arguido e os depoimentos das testemunhas prestadas nas fases precedentes do processo.
Note-se, contudo, que o preceito não abrange a prova documental e os meios de obtenção de prova designadamente os autos de exames, revistas, buscas, apreensões e escutas telefónicas, que, por tal razão, podem ser invocados na fundamentação da sentença ainda que não tenham sido formalmente examinados em audiência.
Na verdade, conforme se vem entendendo doutrinal e jurisprudencialmente , sendo o inquérito conhecido da defesa, pode esta, se assim o entender, contrariar atempadamente o valor probatório quer dos documentos, quer dos meios de obtenção de prova que se encontram nos autos, assim ficando eficazmente assegurado o princípio do contraditório.
Na situação vertente, as transcrições das escutas realizadas no processo n.º 1814/08.9TDLSB e as cópias dos respectivos suportes magnéticos ficaram disponíveis nos autos desde 20.07.2009, data da última transcrição das conversações gravadas, e a acusação contra os arguidos foi proferida em 16.09.2009.
Pelo menos desde a dedução de acusação pública [16.09.2009] o processo passou a beneficiar da publicidade, significando isto um acesso irrestrito dos arguidos à sua consulta, à obtenção de cópias ou certidões de qualquer elemento, onde se inclui naturalmente os meios de prova pré-constituída como sejam as transcrições das escutas telefónicas.
Daqui resulta que, quando o arguido CF requereu a abertura de instrução [15.10.2009], tinha pleno acesso aos autos, podendo questionar os indícios probatórios recolhidos e o juízo indiciário extraído pela autoridade judiciária. Aliás, em bom rigor, foi isso mesmo que sucedeu pelas várias questões colocadas no requerimento de abertura de instrução para apreciação do Juiz de Instrução Criminal, que se prendem com a validade formal e substancial deste meio de obtenção de prova e sua valoração e que mereceram oportuno tratamento jurídico.
Posteriormente, aquando da apresentação em juízo da contestação [01.03.2010] o mesmo arguido coloca na sua peça processual as questões tidas por pertinentes e que, no essencial, reproduzem a argumentação já firmada – e não acolhida – na fase de instrução.
Ora, uma decorrência do princípio do contraditório é a possibilidade que o arguido tem de contraditar os meios de prova indicados pela acusação, contribuir para a aquisição processual com a produção de novos meios de prova e requerer as diligências que lhe afigurem necessárias.
De facto, para a fase de julgamento, o legislador reserva a apresentação de contestação e a indicação de provas consagrada no artigo 315.º do C.P.P. como o momento de eleição para o arguido trazer ao processo todos os elementos que sustentem a sua defesa, designadamente a enunciação de todas as questões de ordem formal que tenham influência para a decisão e toda a matéria relacionada a prova a produzir em audiência.
Para além disso, o artigo 340.º do C.P.P., respeitadas determinadas condições, ainda permite uma derradeira possibilidade de produção de novos meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação ou de solicitar esclarecimentos ou precisões sobre prova já constituída que se revelem necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Nesta conformidade, para a eventualidade de algum trecho das transcrições das escutas efectuadas suscitar algumas dúvidas ao arguido – que em nenhum momento foi minimamente esboçada – ou houvesse necessidade de solicitar algum elemento suplementar ao processo n.º 1814/08.9TDLSB – que não se vislumbra qual – competia ao arguido (ou a qualquer sujeito processual interessado em tal diligência), face à gravidade dos factos em averiguação e ao interesse da descoberta da verdade, requerer ao tribunal a sua realização, usando dos mecanismos que a lei coloca ao seu dispor para o efeito.
Da análise das contestações apresentadas e dos requerimentos de prova que as acompanhavam, não se alcança que se impusesse ao tribunal a produção de qualquer diligência probatória, além das que foram realizadas.
Em conclusão, não se vê que tenham sido beliscados quaisquer direitos de defesa dos arguidos, designadamente no que se prende com o aproveitamento probatório para o presente processo das escutas telefónicas realizadas no âmbito dos autos n.º 1814/08.9TDLSB, cujas transcrições e suportes magnéticos se encontram juntos.
Estão, pois, reunidos todos os pressupostos para considerar no presente âmbito os conhecimentos obtidos através das escutas telefónicas efectuadas no processo n.º 1814/08.9TDLSB.
***
Apresentadas estas explicações prévias acerca da singularidade da valoração da prova, a motivação do tribunal colectivo quanto aos factos considerados provados e não provados assentou nos seguintes meios de prova:
O facto provado em 1.º resultou no teor do contrato de trabalho que se acha a fls. 160-161, do qual resulta que o arguido CF foi contratado, com efeitos a 2 de Janeiro de 2009, pela sociedade “(…).” para o desempenho das funções de motorista, concretizando-se essa actividade no transporte de turistas dos hotéis de Vilamoura para os campos de golfe daquela sociedade. Esta informação acerca do conteúdo funcional das atribuições do arguido e do seu local de trabalho foram totalmente corroboradas pelo depoimento de IJ, mãe da companheira do arguido, RP, RR e RG, amigos do arguido, que referiram ainda que o mesmo era muito considerado no seu desempenho profissional.
A materialidade vertida em 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º e 35.º, atento o silêncio dos arguidos, estribou-se nos seguintes meios de prova:
(…)
NN, funcionária do campo de golfe “(…)”, em Vilamoura, relatou a forma como decorreu o assalto levado a cabo no dia 16.03.2009, a partir das 09:00 horas, na recepção do seu local de trabalho. Apesar da sua compreensível emoção, a testemunha descreveu a forma como foi abordada por um indivíduo encapuçado e armado, enquanto outro ficava à porta do estabelecimento, o constrangimento físico a que esteve sujeita, que lhe causou sério receio pela sua vida e integridade física e a levou a abrir o cofre, conforme lhe fora ordenado, e a permitir que os assaltantes se apropriassem dos objectos e valores que o mesmo continha.
MC, também recepcionista do “(…)”, produziu um depoimento credível, explicitando que entrou na recepção quando estava a decorrer o assalto, tendo um dos assaltantes, munido de um arma, lhe ordenado que se deitasse no chão e não se mexesse, o que obedeceu e sendo-lhe ainda possível visualizar a colega NN no decorrer do assalto.
PM, vigilante da “Securitas”, a exercer funções no “(…)” na manhã de 16.03.2009, próximo das 09:00 horas, apercebeu-se da chegada de um AUDI A4 preto que estacionou junto da recepção. Quando a testemunha se dirigiu ao veículo para informar que não podia estacionar junto da recepção foi surpreendido pelo condutor, que tinha um passa-montanhas preto, só com dois buracos para os olhos, e que lhe fez sinal para não falar nem utilizar o rádio transmissor que transportava na mão, tendo apenas oportunidade de registar a matrícula do veículo em questão como sendo (…)”. De seguida, saíram dois assaltantes do interior do estabelecimento, tendo um deles apontado uma pistola na sua direcção e retirado, com violência, o rádio transmissor MOTOROLA que o depoente tinha em seu poder. Quando questionado sobre as condições de visibilidade para o interior da viatura, a testemunha mencionou, inicialmente, ainda que de forma hesitante, que os vidros do AUDI lhe pareciam “espelhados”, mas após melhor reflexão disse que seriam apenas “fumados” e que as dificuldades de visualização se deviam à intensidade do sol matinal e ao estado de emoção com que se encontrava por estar a ser ameaçado com uma arma apontada a cerca de 1 metro de distância. O depoimento desta testemunha afigurou-se de grande valia para o esclarecimento dos factos e a mera alusão aos vidros “espelhados” do veículo em que se faziam transportar os assaltantes, prontamente rectificada para vidros “fumados”, não deslustra o convencimento positivo que criou no tribunal acerca dos factos que presenciou. De facto, uma vez que nos termos da nossa legislação o uso em automóveis em circulação de vidros espelhados não é permitido , a referência inicial feita pela testemunha deveu-se à compreensível emoção associada a um assalto com arma de fogo e à rapidez do episódio vivenciado que causa inevitáveis dificuldades de observação e de percepção.
CM, proprietária da residencial “(…)”, mencionou a reserva de um quarto que lhe foi pedida por TA, namorada do arguido BM, para a noite de 15 para 16 de Março de 2009, desconhecendo se efectivamente este arguido pernoitou no quarto, uma vez que no outro dia de manhã apenas viu a T acompanhada de duas raparigas, nunca tendo contactado com o arguido B.
TA, namorado do arguido BM, descreveu a viagem que este arguido fez no dia 15.03.2009 ao Algarve para se reconciliar consigo. Afirmou que pernoitaram na residencial “(…)”, sem que a sua proprietária tivesse visto o B e que no dia 16 regressou a Lisboa com o namorado, tendo ambos se separado junto da ponte Vasco da Gama.
VF, proprietário do veículo ligeiro de mercadorias de marca MITSUBISHI, matrícula (…), referiu ao longo do seu depoimento apenas o furto das matrículas do veículo de que é proprietário, quando estava estacionada junto da sua habitação na Rua da Casa do Povo, em Almancil, circunstância de que se apercebeu apenas na manhã de 16.03.2009 e que prontamente comunicou à G.N.R..
AA, funcionário da sociedade “(…)”, encontrava-se no primeiro andar quando aconteceu o assalto, tendo ouvido gritos da colega de trabalho N, mas quando se abeirou desta já não se encontrava no local qualquer assaltante ou viatura por eles utilizada.
ES, representante da sociedade “(…)”, RB, técnico de seguros, e HS, gestora de sinistros da demandante, não possuíram qualquer conhecimento directo dos factos e apenas aludiram aos abjectos e valores subtraídos, a que chegaram a partir dos registos diários de valores entrados naquela recepção e no valor que a sociedade “(…)” recebeu da companhia de seguros demandante e que visou o ressarcimento de todos os prejuízos causados pelo roubo.
JL, Director Regional da empresa “Securitas – Serviço e Tecnologia de Segurança, S.A.”, apenas referiu as características e o custo do rádio que era utilizado pelo vigilante PM e do qual os assaltantes se apropriaram com violência.
IJ, mãe da companheira do arguido, referiu as funções desempenhadas por este e a sua falta ao serviço no dia 17.03.2010, que justificou com uma indisposição física.
LR e NP, inspectores da Polícia Judiciária, depuseram de modo credível e consistente acerca das diligências de investigação em que tomaram parte, sendo que o segundo realizou o “cronograma das chamadas telefónicas” realizadas pelos arguidos entre as 13:00 horas do dia 15.03.2009 e as 19:00 horas do dia 16.03.2009 que se mostra apenso aos autos.
Identificados os vários meios de prova produzidos, reconhece-se que não existe qualquer testemunha que tenha reconhecido, nas suas verdadeiras identidades e fisionomias, qualquer dos arguidos como o autor dos factos objecto destes autos o que, aliado à circunstância de os arguidos não terem prestado declarações quanto ao objecto do processo, conduz à ausência de qualquer prova directa dos factos essenciais da causa.
Posto isto e perante o acervo probatório enunciado, a distinção que se deve fazer, porque o caso presente assim o justifica, será entre a prova directa e a prova indirecta dos factos essenciais da causa.
Conforme se escreveu no Acórdão do S.T.J., de 12.09.2007 , citando PRIETO CASTRO Y FERNANDIZ E GUTIERREZ DE CABIEDES , “nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere impunidade”.
A exigência expressa do exame crítico da prova situa-se nos termos do Ac. do Tribunal Constitucional n.º 680/98 – na decorrência da decisão do S.T.J., de 13.02.1992 – impondo um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido .
Dito isto, salienta-se que na prova há matérias que necessariamente se têm de apreciar directamente e há outras que não podem ser apreciadas da mesma maneira pois estão numa relação mais directa com a apreciação e valoração de verosimilhança.
Em primeiro lugar, distingue-se a prova como fonte de conhecimento e o meio de prova ou, dito por outra forma, entre a credibilidade daquele que prova e a prova como realidade jurídica propriamente dita [v.g. a credibilidade da testemunha ou do perito que se apresenta como terceiro imparcial, que se apresenta como conhecedor dos factos ou de determinados conhecimentos científicos e, por outro lado, a verosimilhança daquilo que diz, ou certifica, e incorpora como fidedigno mediante o depoimento da testemunha ou do perito].
Em segundo lugar, distingue-se a prova directa da prova indirecta e a sua vinculação com o raciocínio indutivo. Logicamente que o pronunciamento sobre a valoração do indício e do raciocínio indutivo é uma mistura de controle sobre a valoração da prova (o indício) e de controle sobre o raciocínio contido na decisão (indução) pois aquilo que se trata é de se determinar se o indício é suficientemente forte e também se o mesmo permite concluir, por indução, pela existência de um facto. Aqui não está em causa a aplicação da imediação mas uma mistura da aplicação de critérios de verosimilhança e critérios lógicos.
É, assim, clássica a distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objectiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar .
Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indirecta, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, terá que ser expressa objectivamente e motivada, por forma a permitir o controlo interno e externo de tal racionalidade.
Entende o Dr. EUCLIDES DÂMASO SIMÕES que o uso de prova indirecta implica dois momentos de análise: um primeiro requisito de ordem material exigirá que os indícios estejam completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência; posteriormente, um juízo de inferência que seja razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida (dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência).
Como se defendeu no Ac. da Relação do Porto, de 02.12.2009 [ARTUR OLIVEIRA] , para que um juízo de inferência resulte em verdade convincente é necessário que os factos indiciários se revelem suficientes e sólidos, e que a argumentação sobre que assenta a conclusão probatória seja razoável face a critérios lógicos do discernimento humano [“A dúvida não só conduz (ou pode conduzir) a uma certeza, como a pressupõe desde o início, WITTGENSTEIN, Da Certeza – Edições 70].
Em resumo, seguindo autores espanhóis e alguma jurisprudência nacional dos nossos tribunais superiores , podemos afirmar que a utilização deste tipo de provas exige:
(i) em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários;
(ii) em segundo lugar, que tais elementos sejam concordantes entre si; e,
(iii) em terceiro lugar, que tais indícios sejam inequívocos, ou seja, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, que tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.
Vejamos então se no caso dos autos existem provas indirectas ou indiciárias que permitam estribar a convicção do tribunal.
O primeiro elemento indiciário retira-se desde logo da conversa telefónica mantida entre os arguidos CF e HC, no dia 15.03.2009, a partir das 13:21 horas, sendo que o primeiro utilizava o seu telemóvel com cartão n.° (…) e o segundo um telemóvel com cartão n.° (…). Nesta conversa o arguido CF expõe-lhe o seu projecto para realizar um assalto, sendo certo que lhe pede que encontre em Lisboa um veículo potente informando ainda de que seria um trabalho fácil ["Tens d trazez uma makina melhor tem d ser 2.500 ou 3.000 … Primo controlei o campo pa jogar tudo certo"] - cfr. sessão 1420 do alvo 1T520M a fls. 3 do Apenso IV.
O segundo elemento indiciário consubstancia-se na comunicação efectuada entre os mesmos arguidos, através de sms, pelas 13:51 horas da mesma data, tendo o arguido CF alertado o HC para vir cedo para o Algarve ao que este lhe respondeu, noutra mensagem, que seguiria logo que tratasse de arranjar a arma e o veículo ["Vou...É so tratar da baba e o bote e arranco"] - cfr. sessões 1448 e 1449 a fls. 8 do Apenso IV.
O terceiro elemento indiciário extrai-se da troca de impressões entre os dois arguidos acerca da necessidade de integrar no plano um terceiro elemento, o que veio a suceder com o “recrutamento” do arguido BM, levado a cabo por parte do HC. Efectivamente, em mensagem remetida pelas 13:54 horas o arguido HC perguntou ao arguido CF se era necessário levar alguém de confiança [“Keres K leve alguém d confianxa”] – cfr. sessão 1453 do alvo 1T520M de fls. 9 do Apenso IV – travando de seguida conversação com indivíduo tendo em vista conseguir o aluguer de veículo, tendo o H informado que o condutor do mesmo seria um jovem com cerca de 21/22 anos ["eu vou ali ao aeroporto e alugo sempre na descontra"] - cfr. sessão 1455 do mesmo alvo a fls. 9 e 10 do Apenso IV.
O quarto elemento indiciário reside nas comunicações efectuadas entre os arguidos HC e CF, cerca das 22:41 horas e 22:45 horas, no sentido de que o primeiro conseguiria arranjar um automóvel mas não conseguiria arranjar a arma e que o aluguer importaria em € 150,00, ao que o C lhe respondeu, do mesmo modo mediante mensagem telefónica, significando que o preço valia a pena pois o local a assaltar tinha muito dinheiro ["Tanho bote n tanho baba" … "O bote é 150paus axas k k vale apena!" … "Akilo é mto mel meu primo!"] - cfr. sessões 1531, 1535, 1537 e 1538 a fls. 17 e 18 do Apenso IV - e quanto à arma que não se incomodasse pois arranjaria arma no Algarve ["Vem sem baba...arranjo algo"] - cfr. sessões 1531 e 1532 de fls. 16 e 17 do Apenso IV.
O quinto elemento indiciário a ponderar prende-se com a obtenção de chapas de matrículas falsas tendo o arguido CF, pelas 23:00 horas, questionado o primo HC se já tinha as chapas de matrícula que deveriam ser apostas no veículo a utilizar em substituição das matrículas regulamentares ["Atao e guardaste as xapas?"], tendo o HC esclarecido o CF que as conseguiria em Lisboa ["Pego umas aki"] - cfr. sessões 1543 e 1544 do mesmo alvo a fls. 21 do Apenso IV.
O sexto elemento indiciário assenta no aluguer efectuado pelo arguido BM, pelas 00:29 horas, no Aeroporto de Lisboa, ao balcão da “Avis Rent-a-Car”, do veículo AUDI A4 2.0 Tdi, 140cv, matrícula (…), que marcava na ocasião 63.397 kms.
O sétimo elemento indiciário estriba-se na circunstância de cerca das 01:53 horas os arguidos HC e BM terem saído no veículo alugado em direcção ao Algarve: o primeiro envia uma mensagem através do seu telemóvel (…) ao BM solicitando que se apresse para iniciarem a viagem ["Bora"] – cfr. Sessão 1597 a fls. 32 do Apenso IV - accionando a última célula da operadora TMN, pelas 01:58:50 horas, localizada em Via Rara, povoação da freguesia de Santa Iria da Azóia, residência do arguido BM - cfr. fls. 9 do cronograma de factos e análise de comunicações telefónicas relativa àquele n.° de telemóvel.
O oitavo elemento indiciário baseia-se no seguinte: pelas 03:40 horas, os arguidos HC e BM chegaram junto da porta de entrada do imóvel onde se situa a residência do CF, em Quarteira, entabulando o H conversação telefónica com este e comunicando que se apresentava com o arguido BM ["Tou com o meu sócio!"] - tendo subido o H e o B para a residência do arguido CF - cfr. Sessões 1604 e 1605, ainda do alvo 1T520M, de fls. 34 e 35 do Apenso IV.
O nono elemento indiciário assenta no facto de, pelas 07:35 horas, CM, companheira do arguido HC, lhe ter telefonado e este lhe ter dito que tinha ido buscar as chapas de matrícula, dando-lhe a entender que estava a dirigir-se para o local do assalto ["...tou a ir la agora”; "Vá não me ligues agora tá bem?"; "tive a girar...fui buscar as trículas...tive a fazer as cenas todas"], cfr. sessão 1609 do mesmo alvo a fls. 35 do Apenso IV.
O décimo elemento indiciário assenta no n.º de quilómetros efectuados pelo AUDI A4 – 679 – após o período de aluguer, quilometragem que é compatível com uma viagem Lisboa-Algarve e regresso.
O décimo primeiro elemento indiciário estriba-se nos objectos e valores apreendidos aos arguidos: ao arguido BM [parte do cartão de segurança em papel referente a um SIM da operadora TMN, que respeita ao n.° de telefone móvel (…); um talão de venda a dinheiro MCR n.° 79303, da “Avis Rent a Car”, relativo a contrato de aluguer n.° 599598823; um documento de fim de aluguer da “Avis” relativo ao mesmo contrato 599598823, em nome de BM e relativo ao veículo AUDI com a matrícula (…); um telemóvel “Nokia”, mod. N95, a que corresponde o n.° de telefone (…)]; ao arguido HC [a quantia de € 4.764,50 em notas do BCE, subdividido em 5 notas de € 100,00, 32 de € 50,00, 108 de € 20,00, 50 de € 10,00, 1 moeda de € 2,00, 2 moedas de € 1,00 e uma moeda de € 0,50; um telemóvel Nokia 5310, com cartão TMN (…); um bilhete de comboio (Alfa Pendular) com origem em Loulé e destino Lisboa - Oriente; um casaco verde com capuz; uma guia emitida pela PSP relativa a análise para qualificação da taxa de álcool no sangue em nome de PF, porquanto, ao ser interceptado a conduzir com álcool, identificou-se com aquele nome] e ao arguido CF o seu telemóvel desmontado e sem o cartão do operador TMN, n.° (…), - cfr. auto de apreensão de fls. 26 e talão de carregamento na data anterior.
Finalmente, o décimo segundo elemento indiciário funda-se nos objectos que o AUDI A4, de matricula (…), continha no seu interior: um CD com as inscrições “Mano Sandro” e “Vários Hip Hop”, propriedade do arguido HC, que o colocou no leitor do (…) quando ambos se deslocaram pela madrugada anterior ao Algarve; um par de óculos de sol sem marca e um par de luvas da marca NIKE, objectos utilizados no mesmo assalto.
Assentes estes elementos, podemos asseverar que os elementos probatórios supra enunciados permitem, de forma conjugada, pela sua pluralidade, concordância e inequivocidade, fundamentar a convicção do tribunal manifestada.
Na verdade, a nosso ver, a prova produzida, sem margem para quaisquer dúvidas, afasta a possibilidade de os factos se terem passado de forma diferente daquela que consta da matéria provada, designadamente colocando a hipótese de não ter ocorrido qualquer participação dos arguidos no assalto verificado no dia 16.03.2009 nas instalações da recepção do campo de golfe “(…)
Com efeito, todos os dados de facto apurados permitem com a segurança exigível a toda e qualquer decisão judicial, isto é, para além de toda e qualquer dúvida razoável, relacionar directamente os arguidos com os factos essenciais da causa.
Do mesmo modo, podemos afirmar que inexiste qualquer elemento probatório ou qualquer circunstância que se tenha apurado que, fundadamente, perturbe ou interrompa o processo lógico que a análise dos factos permite supor e que se expôs no raciocínio precedente.
Para prova dos factos 36.º, 37.º, 38.º, 39.º e 40.º o tribunal ponderou: os “autos de apreensão” de fls. 26-28, 47-48, 63, 64, 72-75 e o “auto de exame directo” de fls. 77-79, apreciados de harmonia com o disposto no artigo 169.º do C.P.P.; a informação policial constante de fls. 49 (acerca da quilometragem do veículo AUDI, de matrícula 07-DT-00); os registos fotográficos de fls. 50-57; a cópia da notificação de fls. 65-67; os “prints” de fls. 81 e 82. Ponderou-se ainda o depoimento de Luís Rocha, inspector da Polícia Judiciária, que depôs de forma isenta e credível acerca das diligências de investigação em que tomou parte.
A materialidade identificada nos factos 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º, respeitantes aos elementos subjectivos dos ilícitos cometidos e à consciência da ilicitude do facto, extraiu-se da matéria factual objectiva considerada assente, atendendo às regras da experiência comum e mediante presunções naturais, que impõem para o mediano dos cidadãos não afectado por qualquer causa de inimputabilidade – como será o caso concreto –, um conhecimento subjectivo do conteúdo e do resultado das condutas assumidas, bem como do seu carácter penalmente proibido, o que permitiu ao tribunal inferir tais conclusões de forma segura perante o extenso acervo objectivo apurado.
Os factos provados em 51.º e 52.º resultaram do teor dos documentos de fls. 706, 1184-1705 e 1706, que permitiu aferir a natureza do contrato de seguro (multi riscos) celebrado entre a demandante e a sociedade “(…).”, os riscos cobertos e a extensão da garantia. Foi, ainda, possível confirmar a quantia satisfeita pela companhia de seguros pelo depoimento HS, gestora de sinistros, e RB, técnico de seguros, que foram muito rigorosos e precisos na indicação do montante pago à beneficiária do contrato de seguros em virtude do assalto em referência nos autos e da forma como tal pagamento se concretizou.
Os factos 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 60.º, 61.º e 62.º, respeitantes às condições pessoais do arguido CF, assentaram nos depoimentos de IJ, mãe da companheira do arguido, e de (…), amigos do arguido e conhecedores das suas condições de vida e inserção profissional, que nesta parte não suscitaram reservas de relevo, nas informações constantes dos documentos de fls. 1465 e 1466, corroboradas pelo relatório social de fls. 1475-1479 elaborado pelos serviços de reinserção social e que foi apreciado de acordo com o artigo 163.º do C.P.P..
A prova dos factos elencados em 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 53.º, 74.º, 75.º e 76.º, respeitantes às condições pessoais do arguido HC, extraíram-se do teor do relatório social de fls. 1481-1486, valorado de harmonia com o disposto no artigo 163.º do C.P.P..
A matéria especificada nos factos 77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º e 86.º, respeitante às condições pessoais do arguido BM, ficou provada em face dos depoimentos de (…), que depuseram sobre a sua integração social e laboral do arguido, destacando o seu empenho na actividade profissional e o seu bom comportamento, nas “declarações” de fls. 1573 e 1574 e ainda no relatório social de fls. 1564-1569, atendido nos termos do artigo 163.º do C.P.P..
A realidade dos factos 87.º, 88.º e 89.º, referentes aos antecedentes criminais dos arguidos, estribou-se nos certificados de registo criminal de fls. 1589-1591, 1592-1600 e 1601-102, apreciados de harmonia com o preceituado no artigo 169.º do C.P.P..
► Factos não provados:
(…)
C- Aplicação do Direito aos Factos:
1. Enquadramento jurídico-penal dos factos:
Os crimes imputados aos arguidos são os seguintes:
Um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal;
Um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 2, al. f), ambos do Código Penal;
Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, al. e), e n.° 3, por referência ao artigo 255.°, al. a), ambos do Código Penal; e
Um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.º 1, do Código Penal.
Assentes os factos, indicadas as provas e explicitados os critérios que presidiram à sua valoração, iremos enunciar de seguida os elementos típicos dos ilícitos criminais referidos, aos quais se vai subsumir a materialidade apurada e averiguar a responsabilidade criminal dos arguidos.
a - Crime de roubo:
O crime de roubo encontra-se previsto no artigo 210.º do Código Penal onde se consagra no n.º 1 que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido …”.
Na sistematização do Código Penal o roubo enquadra-se na categoria dos crimes contra o património e mais especificamente dos crimes contra a propriedade.
Em função do fim do agente o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo no entanto outros contornos para além desta vertente.
Como refere CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA , a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais, sendo o furto o crime-fim do roubo.
O crime de roubo é um crime complexo – porque segundo Luís Osório contem um crime contra a liberdade e um crime contra o património – de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e sobretudo de ordem eminentemente pessoal – direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança, à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia .
O direito à vida – bem supremo – à liberdade de decisão, de acção de movimentos – com os reflexos direitos à saúde, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego) e à integridade física – referem-se a bens eminentemente pessoais, que merecendo protecção ao nível da incriminação, entre outros, no que ao caso importa, através do crime de roubo, merecem tutela a nível constitucional e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – cf., respectivamente, os artigos 24.º, 25.º, 27.º, 64.º da Constituição da República e o artigo 70.º do Código Civil.
Na verdade, o roubo contende com bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos pessoais, configurados, os primeiros no direito de propriedade sobre móveis e os segundos, na liberdade de acção e decisão e na integridade física, bens jurídicos postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir. Ou, como afirma CRISTINA LÍBANO MONTEIRO , “o tipo legal de roubo provém, por assim dizer de um concurso efectivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto – ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtracção prevista no artigo 203. ° do Código Penal –, juntam-se ora a coacção, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida”.
No roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existindo, portanto, uma proximidade física entre o agente do crime e sua vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reacção à prática do crime para evitar a respectiva concretização, torna-se bem mais premente a exigência de estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que se tenha o crime por consumado. Significa isto que, tendo ocorrido uma restrição à liberdade do ofendido até ao momento do desapossamento da coisa relativamente ao anterior fruidor, se deva admitir que tal restrição se prolongue para além do preciso momento físico em que a coisa passou da esfera do ofendido para a do agente do crime, por o apropriação por parte do agente só se considerar verificada quando exista alguma estabilidade no respectivo domínio do facto, o que não significa, como chegou a ser exigência jurisprudencial, que o domínio de facto tenha de se operar em pleno sossego .
Sujeito passivo do crime pode ser não só o proprietário da coisa móvel, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo, o caixa do supermercado, a empregada doméstica, os empregados de um banco, o guarda nocturno, salientando-se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa, podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem, sendo o detentor do bem, a vítima da colocação em perigo de vida ou da inflicção de ofensas graves à integridade física .
Por sua vez, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 210.º do Código Penal a pena é agravada se:
o Se qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave;
o Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º do Código Penal;
o Se do facto resultar a morte de outra pessoa.
Do ponto de vista subjectivo estamos perante um ilícito que pressupõe uma actuação dolosa, em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal – dolo directo, necessário ou eventual – que deve abarcar todos os elementos do tipo de crime e todas as circunstâncias agravantes da responsabilidade do agente.
Feitas estas considerações acerca do crime de roubo, vejamos a responsabilidade criminal dos arguidos quanto a tal ilícito.
(…)
b - Crime de falsificação de documento:
No Código Penal, o crime de falsificação de documento vem referido no capítulo II, do Título IV (Dos crimes contra a vida em sociedade) e a generalidade dos autores costuma ver aí a segurança e a credibilidade dos documentos e notações técnicas no tráfico jurídico (especialmente no tráfico jurídico-probatório) como o bem protegido (cfr. artigo 256.º do Código Penal).
Apesar de os crimes de falsificação se situarem a meio caminho entre os crimes contra bens jurídicos colectivos e os crimes patrimoniais , está em causa no crime de falsificação de documento “a verdade intrínseca do documento enquanto tal” .
Com a incriminação não é toda a segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger mas apenas a relacionada com os documentos.
Como dispõe o artigo 362.º do Código Civil “...documento (é) qualquer objecto elaborado pelo homem com um fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”), o legislador penal sentiu necessidade de, no artigo 255.º, al. a), do Código Penal, construir a sua própria noção de documento .
A noção do nosso Código Penal, sob influência da doutrina alemã , aderiu a um conceito de documento com todas as características que permitem assegurar a função de perpetuação, a função probatória e a função de garantia que são exigidas ao documento enquanto objecto material do crime de falsificação de documentos.
Documento será, não o material que corporiza a declaração, mas a própria declaração independentemente do material em que está corporizada e declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação) .
Constituindo a falsificação de documentos uma falsificação da declaração incorporada no documento cumpre distinguir as diversas formas que o acto de falsificação pode assumir: falsificação material e falsificação ideológica.
Ocorre uma falsificação material quando se dá uma alteração, modificação total ou parcial do documento. Aqui o agente apenas pode falsificar o documento imitando ou alterando algo que está feito segundo uma certa forma; quer imitando quer alterando o agente tem sempre certa preocupação: dar a aparência de que o documento é genuíno e autêntico .
Na falsificação intelectual ou ideológica, a conduta do agente projecta-se unicamente no plano intelectual, integrando-se aqui todos aqueles casos em que o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada. Por seu turno, na falsidade em documento integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto falso juridicamente relevante; trata-se, pois, de uma narração de facto falso .
Do ponto de vista da sua configuração, o crime de falsificação de documento constitui um crime de perigo .
De facto, trata-se de um crime de perigo abstracto pois o perigo não constitui elemento do tipo, mas apenas motivação do legislador; basta que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido independentemente de o utilizar ou colocar no tráfico jurídico, assumindo, desta forma também a natureza de crime formal ou de mera actividade, não sendo necessário a produção de qualquer resultado (é necessário, apenas, uma modificação do documento, que ocorre aquando da criação do documento ou posteriormente) .
Objecto da acção é, pois, o documento, no sentido em que se expôs. É sobre o documento que incidirá a conduta do agente, bastando para a consumação do crime o simples falsificar. Constituindo a consumação a realização terminada e efectiva do crime, e porque o crime de falsificação de documentos é um crime abstracto, a consumação formal - com completa verificação de todos os elementos do tipo – ocorre antes da consumação material – verificação do resultado que o agente pretende obter com o crime. O crime está consumado quando se dá a consumação formal, isto é, com o simples acto de falsificação.
Do ponto de vista objectivo o tipo comporta diversas modalidades de conduta (cfr. artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal):
Fabricar documento falso;
Falsificar ou alterar documento;
Abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;
Fazer constar falsamente facto juridicamente relevante;
Usar documento falso fabricado ou falsificado por outra pessoa.
Integra-se no acto de fabricar documento inteiramente falso “uma contrafacção total, isto é, a feitura «ex novo» e «ex integro» de um documento” .
Em relação ao acto de falsificar ou alterar o documento situa-se dentro do que é designado por falsificação material. Há falsificação ou alteração do documento quando o agente o vicia, alterando-lhe parte do seu conteúdo. É a contrafacção parcial, que se preenche com os chamados actos acessórios falsos, ou seja, com actos falsos que acrescem a documento verdadeiro. A alteração surge sempre que se acrescentam, em documento já completo, aditamentos, ou se suprimem dizeres ou sinais por forma a produzir a modificação do seu conteúdo. Nestes casos, verifica-se uma falsificação posterior do documento, mediante uma alteração do documento. Normalmente o agente do crime de falsificação material é uma pessoa distinta da que realizou o documento .
O legislador também descreve, enquanto modalidade de conduta típica, fazer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante. Nesta situação o documento apresenta-se genuíno ou materialmente verdadeiro, só que o seu conteúdo intelectual não corresponde à verdade, uma vez que nele foi inserido, aquando da sua feitura, um facto que não é real. O que se exige é que o facto inserido no documento seja relevante, sem a qual não haverá falsificação. A relevância jurídica existe sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, seja apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica .
Finalmente, o uso de documento falso apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou. A solução legal vem no seguimento da doutrina que considerava que entre o crime de falsificação e o de uso de documento falso existia um concurso aparente de normas .
Se a falsificação disser respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, existe um agravamento da punição nos termos do n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal
Ao nível do seu elemento subjectivo estamos perante um crime intencional. Exige-se que o agente actue “com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”. Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem – patrimonial ou não patrimonial – que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado.
Ao exigir-se esta específica intenção continua a proteger-se a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, em especial no que respeita aos meios de prova, em particular a prova documental.
Firmadas estas conclusões acerca do crime de falsificação de documento, vejamos a responsabilidade criminal dos arguidos quanto a tal ilícito.
(…)
Ύ - Crime de furto:
Através deste tipo legal de crime de furto – previsto enquanto crime fundamental no artigo 203.º do Código Penal – elege-se como bem jurídico protegido a propriedade, tutelando-se a disponibilidade de fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica .
São elementos do tipo objectivo de ilícito:
a) A subtracção de coisa móvel alheia;
b) O valor patrimonial da coisa (elemento implícito);
c) A ilegítima intenção de apropriação.
Decompondo estes elementos, coisa é tudo o que, gozando de autonomia e utilidade, é susceptível de dominação exclusiva pelo homem .
Móveis são todas as coisas que se deslocam ou podem ser deslocadas, levadas de um lugar para outro, quer sejam móveis em sentido natural quer passem a ser assim quando são destacadas e retirados de onde estavam mais ou menos firmemente implantadas.
Por seu turno, será alheia toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção .
A subtracção, característica objectiva do furto – que é também o seu elemento eficiente, por ser simultaneamente acção e resultado – foi-se desprendendo progressivamente dos seus componentes materiais “para se radicar, sobretudo, na quebra, por parte do agente, da posse que sobre a coisa era exercida pelo seu detentor e na integração da coisa na sua esfera patrimonial ou de terceiro” .
Por fim, a ilegítima intenção de apropriação, que revela um delito de realização intencionada, é entendida como elemento subjectivo especial, devendo ser vista e valorada como a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente à coisa móvel, que sabe não ser sua, como proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem.
Do ponto do tipo subjectivo de ilícito, o cometimento do crime exige uma actuação dolosa (conhecimento e vontade de realização do tipo).
A partir destes apoios acerca dos elementos típicos, consideremos os factos provados.
(…)
2. Da unidade ou pluralidade de infracções:
Apesar da conclusão acerca dos tipos legais preenchidos, importa saber quantos crimes praticaram os arguidos.
Conforme dispõe o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente», devendo entender-se – como ensinava o Prof. EDUARDO CORREIA – que o que decide o número de crimes cometidos por um agente há-de ser o número de acções entendidas não naturalisticamente mas teleologicamente, isto é, pelo número de juízos de valor que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade ou conduta. Isto determina-se em função dos tipos legais de crime, que outra coisa não é senão os portadores da valoração de uma conduta pela ordem jurídica como ilícita. Assim, se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídico-criminais e estaremos, invariavelmente, perante uma pluralidade de infracções.
No entanto, para que uma conduta possa ser considerada um crime não basta a ilicitude, é necessário que ela seja culposa, isto é, possa ser reprovada ao agente. Isto conduz-nos ao segundo critério da unidade e pluralidade de infracções, que assenta na unidade ou pluralidade de juízos de censura.
Quantas vezes o agente se decide agir por modo contrário ao imperativo estatuído na norma, não acatando como contra-motivo da sua resolução, tantas vezes se verifica a sua violação. Daí que o critério da unidade ou pluralidade de crimes venha a ser o da pluralidade ou unidade de resoluções criminosas, e esta unidade de resolução apura-se com base no senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, sem que se puder concluir que os vários actos são o resultado de um processo de deliberação, sem serem determinados por outra motivação, atendendo-se à maior ou menor conexão dos factos no tempo e avaliando-se pelo que é normal em tais casos no campo psicológico da resolução .
A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir:
a) Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;
b) Um só crime na forma continuada, se toda a actuação não estiver abrangida pelo mesmo dolo, mas este, por diversas resoluções interligadas por factores externos que impelem o agente para a reiteração das condutas;
c) Um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.
A unidade ou pluralidade de infracções reporta-se a um juízo de censura uno ou plúrimo, entendendo-se este último, como já se disse, uma pluralidade de resoluções criminosas.
Nos termos do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime que fundamentalmente proteja o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
As actuações que respeitem estes requisitos devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelem uma considerável diminuição da culpa do agente dada a solicitação exterior que, de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa.
Assim, constituem requisitos da aplicação do crime continuado:
(i) A realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos de crime) que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;
(ii) A homogeneidade na forma de execução;
(iii) A lesão do mesmo bem jurídico;
(iv) A persistência de uma situação exterior que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Nesta conformidade, verificando-se uma pluralidade de resoluções criminosas, constata-se também um circunstancialismo ou situação exterior que facilitou a actuação dos arguidos e que os impeliram para a reiteração do seu comportamento, estando-se assim perante uma continuação criminosa.
(…)
Posto isto, não se vislumbra qualquer situação exterior que tenha favorecido a reiteração do comportamento criminoso dos arguidos e que lhes diminua a sua culpa.
De facto, se não se identificam os tópicos que constituem a marca distintiva do crime continuado, ressalta a nosso ver a existência de várias resoluções criminosas, repartidas no tempo, visando o assalto às instalações (recepção) do “Oceânico Pinhal” e tendo por propósito a apropriação de todos os valores e objectos que aí se encontrassem.
Logo de seguida, está a falsificação de documento e o furto das chapas de matrícula que foram instrumentais ao cometimento dos roubos e constituíram-se no meio utilizado para alcançar o objectivo principal.
A partir destas tomadas de posição, passa-se à enumeração dos crimes praticados pelos arguidos.
Assim, cada um dos arguidos cometeu:
(i) Um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 1, als. a) e e), e n.º 2, al. f), ambos do Código Penal;
(ii) Um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.°s 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.°, n.° 2, al. f), ambos do Código Penal;
(iii) Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, al. e), e n.° 3, por referência ao artigo 255.°, al. a), ambos do Código Penal; e
(iv) Um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.º 1, do Código Penal.
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3. Da forma especial de cometimento do(s) crime(s):
Importa, ainda, identificar o grau na participação dos arguidos nos factos.
Dispõe o artigo 26.º do Código Penal quanto à definição da autoria que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros …”.
Dizemos – como no Ac. do S.T.J. – que “A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se com a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime”.
Pode dizer-se que a doutrina e a jurisprudência consideram como elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria os seguintes:
A intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);
O acordo para a realização conjunta do facto [acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor];
O domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico” ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
Com efeito, “Na comparticipação criminosa sob a forma de autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta. Porém, para que se verifique o primeiro requisito, de natureza subjectiva, é necessário que se prove que os dois ou mais comparticipantes quiseram a execução do mesmo crime, que fosse conseguido ou atingido um determinado resultado, qualquer que seja o meio (e com a expressa anuência a certo ou certos meios) para tanto ser conseguido. Já relativamente à execução propriamente dita, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado”– cfr. o Ac. do S.T.J., de 18.07.84, BMJ-339, pág. 276.
Como bem se exprime JOHANNES WESSELS “A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes”.
Numa concepção restritiva do conceito de autoria só é autor quem realiza, por si mesmo, a acção típica. A simples contribuição para a produção do resultado, mediante acções distintas das típicas, sem mais, não pode fundamentar a imputação da autoria.
Nesta perspectiva, os outros intervenientes, que só determinam o autor a realizar o facto punível, ou o auxiliam, teriam de ficar impunes se não existissem os especiais preceitos penais relativos à comparticipação.
Ao conceito restritivo de autor opõe-se o conceito extensivo, segundo o qual é autor todo aquele que contribuiu para causar o resultado típico sem que a sua contribuição para a produção do facto tenha que consistir numa acção típica. O fundamento dogmático desta teoria é a ideia de equivalência de todas as condições na produção do resultado, a qual serve de base à teoria da condição “sine qua non”.
Assim, também o instigador e o cúmplice seriam autores.
Porém, é a teoria do domínio do facto que se apresenta hoje como eixo fundamental de interpretação da teoria da comparticipação e de análise do artigo 26.º do Código Penal.
Autor é, segundo esta concepção, quem domina o facto, quem toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende decisivamente o “se” e o “como” da realização típica.
A triologia das formas de autoria prevista no artigo 26.º do Código Penal – autoria imediata, autoria mediata e co-autoria – corresponde a três tipos diversos de domínio do facto:
a) O agente domina o facto na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo;
b) O agente domina o facto, e a realização típica mesmo sem nela fisicamente participar, quando domina o executante através de coação, de erro ou de um aparelho organizado de poder;
c) Ou domina o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica.
Quando uma pluralidade de agentes comparticipa num facto nem sempre é fácil definir e autonomizar com exactidão o contributo de cada um para a realização típica. O facto aparece como a obra de uma vontade que se dirige para a produção de um resultado. Porém, para a autoria não só é determinante a vontade de direcção, mas também a importância objectiva da parte do facto assumida por cada interveniente. Daí resulta que só possa ser autor quem, segundo a importância da sua contribuição objectiva, comparte o domínio do curso do facto.
Sem embargo, na co-autoria cabe ainda a actuação que, atendendo à “divisão de papéis”, não entre formalmente no arco da acção típica, basta que se trate de uma parte necessária da execução do plano global dentro de uma razoável “divisão de trabalho” (domínio funcional do facto).
A co-autoria consiste, assim, numa “divisão de trabalho” que torna possível o facto ou que facilita o risco.
Requere-se, no aspecto subjectivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto (expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto), uma tarefa parcial, mas essencial, que o apresenta como co-titular da responsabilidade pela execução de todo o processo. A resolução comum de realizar o facto é o elo, o cimento que une num todo as diferentes partes.
No aspecto objectivo, a contribuição de cada co-autor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional).
Como defende GERMANO MARQUES DA SILVA, : “É co-autor material quem, em caso de comparticipação, «toma parte directa na execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros». Esta cooperação na execução do crime pode resultar de acordo ou não, mas neste caso importa ainda que os comparticipantes tenham consciência de cooperarem na acção comum”.
Por outro lado, o artigo 27.º, n.º 1, do Código Penal, dá-nos a definição legal de cumplicidade: “É punível como cúmplice quem, dolosamente, e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.
A cumplicidade, pressupõe um mero auxílio material ou moral à prática por outrem do facto doloso, por forma que ao cúmplice falta o domínio do facto típico como elemento indispensável da co-autoria.
Salienta FARIA COSTA que “A primeira ideia que ressalta.....é a de que a cumplicidade experimenta uma subalternização, relativamente à autoria. Há, pois, uma linha que se projecta não na assunção de todas as consequências (...) mas que se fica pelo auxílio. Isto é, fazendo apelo a um velho critério (...), deparamo-nos aqui com uma causalidade não essencial”.
Referiu-se no Ac. do S.T.J., de 16.01.1990, TJ n.ºs 4-5, pág. 309, que “Autor e cúmplice constituem formas de participação criminosa, distinguindo-se pelo modo da sua realização e pela gravidade objectiva. O conceito de cúmplice alcança-se pela definição do artigo 27.º do Código Penal e pelo confronto com o conceito de autor, consagrado no artigo 26.º do Código Penal. O cúmplice somente favorece ou presta auxílio à execução, ficando fora do acto típico. Só quando ultrapassa o mero auxílio e assim pratica uma parte necessária da execução do plano criminoso, ele se torna co-autor do facto”. “O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos; apenas tem consciência de que favorece um facto alheio sem tomar parte nele e não é necessário que o autor conheça a ajuda ou colaboração que lhe é prestada” – cfr. Ac. S.T.J., de 30.10.2002, SASTJ n.º 64, pág. 88.
A cumplicidade pressupõe, deste modo, a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade pois o cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nele. Limita-se a facilitar o facto principal.
Tendo em atenção o que acaba de expor-se e a matéria de facto assente entende-se que a conduta dos arguidos face ao propósito que manifestaram e aos termos do comportamento que assumiram, designadamente no acordo quanto ao plano a seguir e à forma de o executar, pela divisão de funções entre todos e pela estreita colaboração nas várias tarefas, naturalmente que agiram numa verdadeira situação de co-autoria, com contributos de todos muito relevantes – se não mesmo imprescindíveis – para o resultado típico.
Segundo se pensa, os arguidos praticaram, assim, em co-autoria os crimes que se identificaram.
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4. Determinação da pena e sua medida concreta:
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, nºs 1 e 2, do Código Penal).
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal .
No caso em apreço, os crimes praticados pelos arguidos são punidos, em abstracto, com as seguintes penas:
↔ Crime de roubo qualificado: pena de prisão de 3 a 15 anos [cfr. artigo 210.º, n.ºs 1, e 2, do Código Penal];
↔ Crime de falsificação de documento: pena de 6 meses a 5 anos prisão ou pena de multa de 60 a 600 dias [cfr. artigo 256.º, n.ºs 1, al. e) e 3, do Código Penal];
↔ Crime de furto simples: pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias [cfr. artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal].
Aqui chegados deve questionar a possibilidade de aplicar ao arguido BM, à data dos factos com 21 anos, o regime especial para jovens consagrado no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
É pacífico o entendimento entre os autores e a jurisprudência dos nossos tribunais de que o recurso a tal regime não decorrer automaticamente do reconhecimento das idades dos arguidos se situar entre os 16 e os 21 anos, mas supõe um comportamento e um percurso de vida por parte do arguido que justifique uma individualização da reacção criminal orientada exclusivamente para a sua reinserção social.
Na situação sub judice a gravidade dos factos e a personalidade do arguido – isenta de qualquer forma de arrependimento – requer sanções orientadas para uma firme e adequada defesa da sociedade e da prevenção da criminalidade.
Assim sendo, entendemos, salvo melhor opinião, que será de afastar ao caso em análise a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
Assente tal questão, cumpre de seguida e no que respeita ao crime de furto simples efectuar a escolha da pena a aplicar, face à alternatividade de sanções concedida pelo legislador.
Efectivamente, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70.º, n.º 1, do Código Penal).
In casu, à luz da natureza e gravidade dos factos verificados no presente processo e o comportamento concretizado pelos arguidos, consideram-se prementes as necessidades de prevenção – geral e especial – assumindo a escolha da pena um momento de particular relevo para evitar situações de reiteração na prática daqueles ilícitos.
Na realidade, parece-nos indiscutível a gravidade dos factos perpetrados pelos arguidos e as suas consequências.
Por outro lado, os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento em relação aos factos que realizaram, nem forneceram qualquer contribuição genuína para o seu esclarecimento ou fizeram qualquer esforço para a pacificação social – onde se poderia contar a reparação dos prejuízos causados – que necessariamente tem de suceder ao cometimento de um crime, constatação que se torna de maior evidência nos casos de crimes com a gravidade que se assinala nos autos.
São, pois, relevantes aquelas necessidades de prevenção e de ressocialização, estando assim plenamente justificada a opção pela pena privativa da liberdade por só esta assegurar, em concreto, as finalidades e a necessidade de pena.
Para a fixação da pena concreta, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente (artigo 71.º do Código Penal).
A favor dos arguidos não se vislumbram quaisquer circunstâncias, além das suas idades relativamente jovens.
Contra os arguidos depõe o dolo, na forma de dolo directo, o grau de ilicitude dos factos, que é muito elevado, as consequências danosas provocadas pelos crimes, o modo de execução dos mesmos, onde relevam os meios sofisticados utilizados, a violência física e psíquica empregue e o nível de organização demonstrada.
Tudo ponderado, considerando a participação de cada um dos arguidos nos factos e a necessidade de pena que se faz sentir no caso, julgam-se adequadas as penas parcelares que se passam a considerar.
Relativamente ao arguido CF:
Para o crime de roubo qualificado [cometido na pessoa de Nádia Nascimento] a pena de 8 (oito) anos de prisão;
Para o crime de roubo qualificado [cometido na pessoa de Paulo Jorge Madeira] a pena de 4 (quatro) anos de prisão;
Para o crime de falsificação de documento a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Para o crime de furto a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Relativamente ao arguido HC:
Para o crime de roubo qualificado [cometido na pessoa de Nádia Nascimento] a pena de 8 (oito) anos de prisão;
Para o crime de roubo qualificado [cometido na pessoa de Paulo Jorge Madeira] a pena de 4 (quatro) anos de prisão;
Para o crime de falsificação de documento a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Para o crime de furto a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Relativamente ao arguido BM:
Para o crime de roubo qualificado [cometido na pessoa de Nádia Nascimento] a pena de 8 (oito) anos de prisão;
Para o crime de roubo qualificado [cometido na pessoa de Paulo Jorge Madeira] a pena de 4 (quatro) anos de prisão;
Para o crime de falsificação de documento a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Para o crime de furto a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
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5. Do cúmulo jurídico:
Verificando-se concurso de crimes, antes de transitada em julgado a condenação por qualquer um deles, impõe-se a aplicação de uma pena única, obtida através de um cúmulo jurídico (artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal).
A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente.
Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.
Como se lê em FIGUEIREDO DIAS a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72.º, n.º 1 (actual 71.º, n.º 1), um critério especial: o do artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal. Explicita o autor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso .
A moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão (cfr. artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).
Na situação em presença a moldura do concurso é a seguinte para todos os arguidos: o limite mínimo é de 8 (oito) anos de prisão e o limite máximo de 16 (dezasseis) anos de prisão.
Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, no caso presente estamos face a crimes de roubo qualificado, furto e falsificação de documento, sendo os bens tutelados a saúde, a segurança, a integridade física, a liberdade de acção e decisão, o património e a segurança e a credibilidade dos documentos e notações técnicas no tráfico jurídico, respectivamente, pelo que tem necessariamente de se considerar a ilicitude verificada como de nível muito elevado.
Por outro lado, destaca-se o dolo, na forma de dolo directo, as consequências danosas provocadas pelos crimes, o modo de execução dos mesmos, onde relevam os meios sofisticados utilizados, a organização demonstrada e a violência empregue.
No que toca à indagação de uma conexão entre os ilícitos presentes, da matéria de facto tal como vem enunciada resulta uma relação directa e estreita entre eles, sendo preponderante os crimes de roubo qualificados e sendo instrumentais deste, apesar da autonomia punitiva que têm, os crimes de falsificação de documento e de furto.
Na avaliação da personalidade dos condenados, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida.
No que concerne ao arguido CF, actualmente com 26 anos, apurou-se o seguinte: nasceu em Lisboa, inserido numa família constituída por 4 elementos, com um estrato socioeconómico equilibrado; quando tinha cerca de 7 anos de idade o agregado familiar desloca-se para Setúbal, por imperativos profissionais dos pais; iniciou a escolaridade na idade adequada, tendo completado o 9.° Ano de escolaridade com cerca de 18 anos, cumulativamente com um curso profissional de técnico administrativo e sendo detentor de um percurso escolar caracterizado como normativo; há cerca de 12 anos os progenitores separaram-se, o que o obrigou a alterar as rotinas, já que passou a viver, primeiro com o pai durante 2 anos e, depois com a mãe até à idade adulta, mantendo, contudo, contactos regulares com o pai, com quem continua a manter uma boa relação; quando completou 18 anos, abandonou a casa da mãe, tendo-se deslocado para o Algarve, onde se iniciou profissionalmente, primeiro, como nadador salvador num parque aquático e, depois, como transferista de clientes para os campos de golfe existentes no Algarve; passado pouco tempo de se ter radicado no Algarve, o arguido inicia uma relação marital, da qual nasceu uma filha, actualmente com 18 meses de idade; à data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido encontrava-se profissionalmente activo, como responsável de uma empresa de transferes de turistas praticantes de golfe, auferindo entre vencimento e gratificações cerca de € 1.500,00/mês a que acrescia cerca de € 850,00/mês de salário da namorada com quem vivia, num apartamento arrendado, de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, em Quarteira; é bem referenciado e avaliado no meio profissional; em meio prisional tem mantido um comportamento estável e adequado, tendo concluído do 2 cursos de formação, de inglês e artes, desenvolvendo ainda, em RAVI – Regime Aberto Voltado para o Interior a actividade de barbeiro e beneficia de apoio exterior, traduzido nas visitas da família de origem, namorada, ex-companheira e filha, a qual constitui uma forte preocupação para o arguido.
Quanto ao arguido HC, actualmente com 27 anos, provou-se que: é o mais velho dos dois filhos de um casal detentor de uma situação equilibrada ao nível do relacionamento e interacção familiar, tendo a subsistência do agregado sido assegurada pela respectiva actividade profissional de ambos os progenitores, ele vendedor e ela empregada fabril; o processo de socialização decorreu num contexto estruturado e afectivo, onde a coesão e as práticas de entre ajuda foram fomentadas; no entanto, progressivamente, verificaram-se nas divergências parentais ao nível das práticas educativas, tendendo o pai para a adopção atitudes mais rígidas e autoritárias e a mãe mais permissiva; o processo de entrada na adolescência veio agudizar alguma conflitualidade já existente, tendendo a adoptar reacções de alguma revolta face às imposições paternas, potenciando-se a abertura e permeabilidade a influências externas, designadamente através do convívio com pares com problemas de toxicodependência da sua zona de residência; o seu trajecto escolar foi muito prejudicado por este contexto de relacionamentos e influências, registando várias reprovações e a adopção de comportamentos de indisciplina em meio escolar; concluiu apenas o 6.° ano de escolaridade e a tentativa feita mais tarde no sentido de obter a equivalência ao 9.° ano, através da frequência de um curso de formação profissional não resultou por ter sido excluído por problemas de comportamento; a partir dos 14 anos desenvolveu consumos de haxixe, cocaína, ecstasy e bebidas alcoólicas, que motivou o abandono da prática desportiva, ausência de hábitos de carácter laboral e agudizou o relacionamento familiar e a sucessão de relacionamentos afectivos; de uma relação afectiva estabelecida há cerca de dois anos resultou o nascimento de uma filha, actualmente com cerca de um ano de idade; o seu primeiro contacto ocorreu quando tinha 18 anos; à data dos factos residia numa casa arrendada em Santa Iria da Azóia com a companheira e a filha; estava inactivo e a companheira exercia funções de operadora de telemarketing; era apoiado financeiramente pelos pais; ao nível pessoal denota grande imaturidade e instabilidade para se fixar em actividades com carácter estruturado, com incapacidade de interiorização dos ilícitos criminais pelos quais já foi condenado; em meio prisional já cumpriu sanções disciplinares por posse de droga e de telemóvel e beneficia de apoio da família de origem, recebendo visitas na prisão dos progenitores e da filha.
No que respeita ao arguido BM, actualmente com 22 anos, demonstrou-se que: nasceu em Vila Franca de Xira e foi criado até aos seus 16 anos com a sua progenitora, uma irmã e a avó em Santa Iria da Azóia, agregado a que acresceu desde 2004 o seu padrasto e um irmão mais novo; é o mais velho de três irmãos (uma rapariga de 16 e um rapaz de 4 anos fruto do actual relacionamento amoroso da progenitora), não possui qualquer recordação do pai que faleceu quando o arguido tinha 6 anos de idade; a mãe tem como actividade profissional a promoção de produtos alimentares e em estabelecimentos comerciais de todo o país, tendo desde sempre assumido as responsabilidades parentais do arguido em cooperação com a avó; frequentou de modo irregular o ensino escolar, tendo reprovado duas vezes no 5.º ano de escolaridade e concluído apenas o 7.° ano; mais tarde iniciou o curso profissional de cozinha/pastelaria (Colégio Maria Pia – Casa Pia de Lisboa), o que lhe permitiria a obtenção do 9.° ano de escolaridade, mas não concluiu esta formação; apresenta uma actividade laboral diversificada tanto ao nível das entidades empregadoras como das actividades desenvolvidas, tendo iniciado o percurso laboral aos 16 anos em fábrica de peixe situada em Lisboa; habita juntamente como o seu agregado familiar num apartamento sito em zona urbana com 4 assoalhadas e boas condões de habitabilidade, conforto e privacidade para cada um dos seus habitantes, beneficiando de uma dinâmica relacional coesa e uma economia familiar estável; à data de ocorrência dos factos constantes do presente processo judicial o arguido encontrava-se a laborar em empresa de catering do Aeroporto de Lisboa (na secção de pastelaria), entidade onde trabalhou 3 anos; posteriormente foi contratado por uma empresa de panificação sita em Marvila, onde desempenhou funções durante 9 meses, e mais tarde fui contratado pela actual entidade empregadora em finais de 2009, encontrando-se vinculado por contrato a termo certo com duração de um ano e é reputado como um bom funcionário, com integral respeito pelos colegas e superiores e elevado nível de qualidade no trabalho realizado.
Do certificado de registo criminal do arguido CF constam as seguintes condenações:
Pela prática de um crime de roubo foi condenado, em 11.03.2003, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, já declarada extinta;
Por factos de 08.12.2001 foi condenado, em 02.11.2006, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de ofensa à integridade física grave, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Do certificado de registo criminal do arguido HC constam as seguintes condenações:
Por factos de 08.05.2001 foi condenado, em 08.04.2002, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos;
Por factos de 27.09.2002 foi condenado, em 12.11.2003, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
Por factos de 07.2002 foi condenado, em 19.12.20023 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão;
Por factos de 10.02.2007 foi condenado, em 28.02.2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 2,00, já declarada extinta;
Por factos de 01.04.2008 foi condenado, em 22.04.2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
Por factos de 27.12.2008 foi condenado, em 08.01.2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00.
Do certificado de registo criminal do arguido BM consta que, por factos de 31.07.2005, foi condenado, em 11.10.2007, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00.
Por outro lado, é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma de uma dificuldade em respeitar a saúde, a integridade física, a liberdade de acção e de decisão, o património e a segurança e a credibilidade dos documentos e notações técnicas no tráfico jurídico, reportando-se o caso presente a uma sucessão de comportamentos num curto período temporal [15.03.2009-16.03.2009], mas em que foram praticados factos extremamente graves e em que foram violados bens jurídicos de diferente e variada natureza.
São, pois, prementes as exigências de prevenção geral como já referido foi supra.
No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que os arguidos carecem de socialização e de uma correcta integração social e adequação às regras e normas sociais, tendo-se em vista a prevenção de nova “reincidência”.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com as personalidades dos arguidos, é de concluir, face à natureza, à gravidade, às consequências dos crimes cometidos e à necessidade de pena que, em cúmulo jurídico, se justificam as seguintes penas:
♦ Para o arguido CF a pena única de 12 (doze) anos de prisão;
♦ Para o arguido HC a pena única de 12 (doze) anos de prisão;
♦ Para o arguido BM a pena única de 10 (dez) anos de prisão.
(…).”.---
IV
1. Impõe-se, antes de tudo o mais, conhecer da invocada nulidade do despacho que autorizou/admitiu a utilização, nos presentes autos, das intercepções e gravações de conversações e comunicações telefónicas efectuadas no âmbito de um outro processo, com nº 1814/08.9 TDLSB, na sua fase de investigação e do consequente valor probatório a atribuir às mesmas, posto que, salvo o devido respeito por melhor opinião, da solução que vier a ser encontrada depende, em rigor, a bondade (ou não) da decisão revidenda.---
Com relevo, a este propósito, informam os autos o seguinte:---
Os presentes autos com o nº 157/09.5 JAFAR tiveram o seu início em 16.03.2009, a partir da “participação” constante de fls. 2 a 6, em que se dá notícia de factos, eventualmente, consubstanciadores da prática de crimes de roubo com recurso a arma de fogo.---
Em 20.03.2009, foi junta a estes autos, a fls. 135 a 151, uma certidão, via fax, (cujo original se mostra junto a fls. 235 a 251), extraída do processo nº 1814/08.9 TDLSB, em investigação no DIAP de Lisboa, com algumas peças processuais daquele inquérito nº 1814/08.9 TDLSB, no qual se investiga a prática de crime de tráfico de estupefacientes e em que figura como arguido HC, e de que se destacam as seguintes:---
- Um despacho judicial proferido em 04.03.2009, em que se determinou a intercepção e gravação das conversações efectuadas e recebidas através do cartão nº (…)- Algumas transcrições de comunicações mantidas pelo Alvo 1T520M, correspondente ao telemóvel (…)
- Uma promoção do Ministério Público, datada de 19.03.2009, em que era pedida a transferência informática de sessões constantes do sistema central de gravação para suporte autónomo digital a usar como prova nos autos nº 157/09.5JAFAR e em extrair certidão dos despachos judiciais ordenadores de tais intercepções telefónicas – cfr. fls. 149 e 150/249 e 250;---
- Um despacho judicial, proferido em 20.03.2009, com o seguinte conteúdo: “Verificada a previsão contida no artº 187º/7 do CPP, defere-se a autorização promovida, que se concede em conformidade com o disposto no artº 187º/8 do CPP, determinando-se ainda que se lavre cota no processo relativamente à realização da transferência informática das sessões indicadas na promoção que antecede para suporte digital autónomo a juntar ao inquérito nº 157/09.5JAFAR, bem às cópias dos elementos extraídos deste processo (despachos) para junção àquele inquérito.” – cfr. fls. 151/251.---
Em razão do conhecimento do teor da mencionada certidão, datado de 20.03.2009, foi proferido, nestes autos nº 157/09.5 JAFAR, um despacho judicial com o seguinte teor:---
“Atenta a proveniência das gravações, e a sua indispensabilidade para a prova nos presentes autos, verificando-se os pressupostos do artº 187º, nº 7, do Cód. Proc. Penal, fiquem nos autos os elementos de fls. 134 a 151, suportes magnéticos apresentados, e os demais elementos que constam nos autos referentes às intercepções telefónicas a que aí se alude.” (sublinhado nosso) – cfr. fls. 158.---
Em 13.05.2009, a fls. 535 a 601 dos autos, consta uma outra certidão, com algumas peças processuais do já mencionado processo de inquérito nº 1814/08.9 TDLSB, em que se investiga a prática de crime de tráfico de estupefacientes e em que figura como arguido HC, da qual se destacam as seguintes peças:---
- A transcrição de mensagens escritas enviadas ou recebidas pelo Alvo 1N835M, respeitante ao IMEI 351964494767 e em que era utilizador arguido HC – cfr. fls. 536 a 573;---
- Um despacho judicial, proferido em 12.06.2008, em que se determinou: prorrogar ou determinar o início, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através do cartão telefónico nº 969225346; autorizar a intercepção e a gravação das comunicações efectuadas e recebidas, pelo prazo de 30 dias, relativamente aos cartões (…) – cfr. fls. 575 a 577;---
- A certificação do início das intercepções telefónicas respeitantes ao Alvo 1N835M, em 23.06.2008 – cfr. fls. 578;---
- Um despacho judicial proferido em 28.07.2008 em que se determinou a correcção do nº de telemóvel do arguido HC, sujeito a intercepção e gravação das comunicações, que será o (…) – cfr. fls. 579;---
- Um despacho judicial, proferido em 29.07.2008, em que se determinou prorrogar ou determinar o início, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através dos cartões telefónicos nº (…)– cfr. fls. 580 e 581;---
- Um despacho judicial, proferido em 28.08.2008, em que se determinou, nos termos do artigo 188º, nº 7, do C.P.P., a transcrição das sessões 9041 e 9044 do Alvo 1N835M; prorrogar ou determinar o reinício, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através dos cartões telefónicos (…) – cfr. fls. 584;---
- Um despacho judicial, proferido em 09.10.2008, em que se determinou, por mais 30 dias, a intercepção e gravações das comunicações telefónicas efectuadas e recebidas através dos cartões telefónicos (…) – cfr. fls. 586 a 588;---
- Um despacho judicial, proferido em 10.11.2008, em que se determinou prorrogar ou determinar o reinício, por mais 30 dias, das intercepções e gravações das comunicações telefónicas processadas através dos cartões telefónicos nºs (…) – cfr. fls. 590 e 591;---
- Um despacho judicial, proferido em 24.04.2009, com o seguinte teor: “No âmbito do inquérito com o NUIPC 157/09.5 JAFAR investiga-se, como se informa a fls. 1397, a prática de diversos crimes de furto qualificado e roubo de que se suspeita ter sido co-autor o arguido HC, tudo indicando que este arguido tenha mantido conversações e comunicações, interceptadas no âmbito dos presentes autos, sobre os factos investigados no referido inquérito.
Assim, verificada a previsão contida no artº 187º/7 do Código de Processo Penal, autoriza-se, em conformidade com o nº 8 do mesmo artigo, a realização da transferência informática das sessões de intercepções de comunicações constantes do sistema central de gravação da P.J. para suporte autónomo digital a usar como prova no inquérito nº 157/09.5 JAFAR, bem como a extracção de cópia dos despachos judiciais ordenadores de tais intercepções telefónicas e dos despachos do M.P. ordenadores das transcrições de tais sessões de intercepção de comunicações e ainda dos demais despachos e peças processuais tidos por relevantes para a instrução do referido inquérito. (…)” – cfr. fls. 594;---
- A transcrição de mensagens escritas enviadas ou recebidas pelo Alvo 1N835M, respeitante ao cartão n.º (…) e em que era seu utilizador o arguido HC – cfr. fls. 595 a 600.---
A fls. 602 dos presentes autos encontra-se junto um CD e por apenso mais dois CD´s, com origem no NUIPC 1814/08.9 TDLSB, respeitantes a intercepções e gravações de comunicações telefónicas cuja autorização para utilizar no presente processo foi determinada pelos despachos judiciais precedentes.---
Constituem 4 apensos ao presente processo, as transcrições realizadas em 31.03.2009 e 20.07.2009, de conversações mantidas pelos Alvos 1T520M, 1T520IE, 1T520IE e 1T520M, respectivamente, os apensos I, II, III e IV.---
Em razão do conhecimento do teor da segunda mencionada certidão, datado de 14.05.2009, foi proferido, nestes autos nº 157/09.5 JAFAR, um despacho judicial com o seguinte teor:---
“Considerando a proveniência das gravações, e a sua indispensabilidade para a prova nos presentes autos, verificando-se os pressupostos do art. 187.º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal, fiquem tais elementos, e o CD gravado, que são referentes a tais intercepções telefónicas.” (sublinhado nosso) – cfr. fls. 604.---
Para apreciação, importa atentar nas seguintes disposições legais:---
Da Constituição da República Portuguesa:---
Artigo 26º (Outros direitos pessoais)
“1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
(…)”;---
Artigo 32º (Garantias de processo criminal)
“(…)
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
(…)”;---
Artigo 34º (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência)
“1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
(…)
4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”;---
Artigo 18º (Força jurídica)
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial de direitos fundamentais.”;---
Artigo 205º (Decisões dos tribunais)
“1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
(…)”.---
Do Código de Processo Penal
Artigo 187º [Admissibilidade (das escutas telefónicas)]
“1. A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com a prática de crime ou de abuso e simulação se sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
(…)
4. A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
(…)
6. A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
7. Sem prejuízo do disposto no artigo 248º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no nº 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no nº 1.
8. Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devem ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.”;---
Artigo 188º (Formalidades das operações);---
Artigo 190º (Nulidade)
“Os requisitos e condições referidas nos artigos 187º, 188º e 189º são estabelecidos sob pena de nulidade.”;---
Artigo 125º (Legalidade da prova)
“São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”;---
Artigo 126º (Métodos proibidos de prova)
“1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa à integridade física e moral das pessoas.
(…)
3. Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
(…)”;---
Artigo 97º (Actos decisórios)
“(…)
5. Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”;---
A este propósito expende a Exmª Srª Juiz Desembargadora Ana Bacelar, no âmbito do processo nº 98/08.3 PEFTB.E1, deste Tribunal da Relação de Évora, o seguinte e que sufragamos:---
“A intercepção de conversações ou comunicações telefónicas [doravante, escutas telefónicas] é um meio de obtenção de prova que se caracteriza pela sua natureza dissimulada e oculta – meio oculto de investigação –, com enorme eficácia para a investigação.
Tem-se assistido a um aumento progressivo da utilização das escutas telefónicas, associado a novas formas de criminalidade – terrorismo, tráfico de armas e de droga, crimes económicos – caracterizadas pela organização mais elaborada/refinada e que acarretam maior dificuldade ao nível da repressão.
As escutas telefónicas constituem expediente exclusivo do processo penal, de natureza excepcional, devido à sua potencialidade danosa.
«No panorama dos meios de obtenção de prova, as escutas telefónicas sobressaem (…), para além da sua eficácia do ponto de vista da perseguição penal, pela sua manifesta e drástica danosidade social. Isto atento quer o número de direitos e interesses atingidos, quer a gravidade da respectiva lesão.» - Manuel da Costa Andrade, “Sobre Proibições de Prova em Processo Penal”, Reimpressão, Coimbra Editora, 2006, página 2819.
«A afirmação da danosidade qualificada dos meios ocultos de investigação configura hoje um dado consensual e pacífico e intersubjectivamente estabilizado, sendo como tal recorrente e sistematicamente proclamado por autores e tribunais.
(…) esta danosidade qualificada começa por aflorar no número e eminência dos bens jurídicos ou direitos fundamentais directamente atingidos (…): a privacidade inclusivamente na área nuclear e inviolável da intimidade, o direito à palavra, o direito à imagem, à autodeterminação informacional, a inviolabilidade do domicílio e das telecomunicações, o sigilo profissional (…). A par destes bens jurídicos ou direitos fundamentais de étimo prevalentemente material-substantivo, os meios ocultos de investigação atingem igualmente direitos de natureza adjectivo-processual, que configuram outras tantas “instituições” (…) irrenunciáveis do processo penal do Estado de Direito. Como: o “privilege against self- incrimination” (…), direito a recusar depoimento (…). A danosidade ganha também uma expressão marcante no plano subjectivo, isto é, na sua tendência para alastrar (…) atingindo um universo incontrolável de pessoas que estão muito para além dos que à partida poderiam figurar como suspeitos ou destinatários.
Acresce a circunstância de os atentados aos direitos fundamentais e aos bens jurídicos ocorrerem sistemática e invariavelmente à margem do conhecimento das pessoas concretamente atingidas. Que, por vias disso, não podem sindicar tempestivamente a legalidade e admissibilidade da medida nem opor-se à sua realização. (…) a pessoa atingida por uma medida oculta não tem a possibilidade fáctica de se opor à medida antes da sua realização. Assiste-lhe, é certo, a possibilidade de reagir a posteriori, se e quando vier a ter conhecimento da sua ocorrência. O que nem sempre se dá. E quando se dá, já a danosidade se terá consumado, muitas vezes de forma irreversível.» - Manuel da Costa Andrade, “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 139, Maio-Junho de 2010, n.º 3962, páginas 276 e seguintes.
Acarretando as escutas telefónicas a compressão/restrição de direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa [artigos 26º, n.º 1, e 34º, n.º 1 e 4 – em especial, reserva da vida privada, inviolabilidade das telecomunicações (garantia da reserva da vida privada) e direito à palavra] e de garantias de defesa que se manifestam no estatuto processual do arguido [direito ao silêncio (A génese do direito ao silêncio não assenta no intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do contraditório, que impõe à acusação o dever de provar os factos em que se alicerça, facultando-se ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.) e direito à não auto-incriminação], não pode deixar de se observar o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, a mencionada restrição de direitos fundamentais deve estar expressamente prevista na Constituição, deve salvaguardar outros direitos ou interesses também aí protegidos, deve limitar-se ao estritamente necessário, ser proporcional e adequada e não pode conduzir à destruição do direito fundamental.
E porque o direito processual penal é direito constitucional aplicado, sempre que no decurso do processo penal se verifique uma intromissão nos direitos fundamentais do arguido, tem de ocorrer minuciosa regulamentação legal que não pode eliminar o núcleo do direito afectado (núcleo essencial).
Desta relação entre direito processual penal e direito constitucional decorre o princípio da proibição de provas obtidas com restrição de direitos fundamentais, consagrado nos artigos 32º, n.º 8, e 34º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e que foi transposto para o artigo 126º do Código de Processo Penal.
As normas dos artigos 187º a 190º do Código de Processo Penal são a excepção consentida pelo n.º 4 do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, na articulação dos direitos fundamentais afectados com a escuta telefónica com o interesse processual de concretização de perseguição criminal, desde que se registe respeito pelo disposto no n.º 2 do artigo 18º da Lei Fundamental.
Na mencionada articulação entre a Lei Fundamental e as regras processuais penais estão subjacentes diversos princípios – proporcionalidade [do qual decorre que se exige uma relativa gravidade da infracção perseguida ou da relevância social do bem jurídico tutelado; do qual tem que decorrer o convencimento de que, com a escuta telefónica se conseguirá atingir a verdade material, descobrindo-a], adequação [do qual decorre que a escuta telefónica terá que ser adequada ao fim que, com a sua utilização se visa atingir; do qual há-de decorrer que com a escuta telefónica, se não se atingir o fim que determinou a sua realização, pelo menos ela terá mais benefícios ou vantagens para a descoberta da verdade material do que prejuízos para os direitos fundamentais atingidos], e necessidade [do qual decorre que os resultados probatórios almejados não podem ser alcançados por um meio de obtenção de prova menos restritivo dos direitos fundamentais ou seja, a escuta telefónica não pode ser substituída por outra medida menos gravosa para os direitos do investigado].
Em jeito de conclusão, pode dizer-se que as escutas telefónicas, constituem expediente atentatório de direitos fundamentais onde se procura o equilíbrio entre a realização da justiça e os direitos de defesa do arguido.
Estando em causa a validade da primeira decisão que autorizou, nos presentes autos, as escutas telefónicas, interessa-nos o disposto no artigo 187º do Código de Processo Penal.
Efectivamente, enquanto o artigo 187º do Código de Processo Penal consagra a admissibilidade da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas para valerem como meio de prova, o artigo 188º do mesmo diploma legal estabelece as formalidades a que estão sujeitos os actos de intercepção e gravação.
Estes normativos estabelecem um regime de autorização e de controlo judicial e o “sistema de catálogo”, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa.
Resulta do disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 5 do artigo 97º do Código de Processo Penal a necessidade de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.
E do disposto no n.º 3 do artigo 9º do Código Civil resulta que na fixação do sentido e alcance da lei, se presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Daí que, não sendo imaginável que o legislador desconheça a necessidade de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, se possa concluir que com a menção à necessidade de despacho fundamentado, no n.º 1 do artigo 187º do Código de Processo Penal, se pretendeu vincar a necessidade de fundamentação da decisão que autoriza as escutas telefónicas, face ao constrangimento dela decorrente para direitos constitucionalmente consagrados.
Tal decisão, consubstanciando-se em despacho que conhece de questão interlocutória [artigo 97º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal], há-de revestir a forma escrita e conter a assinatura do seu autor [artigos 94º e 95º do Código de Processo Penal]. E embora não exija fundamentação específica ou diferenciada, deve respeitar os requisitos constantes dos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal, ou seja, deve conter:
1. a indicação de existência de indícios determinados de que alguém cometeu um dos crimes do catálogo ou cuja moldura penal abstracta é superior a três anos de prisão;
2. a idoneidade ou necessidade da medida para a descoberta da verdade ou para a prova;
3. a razão de ciência em que se baseia o juízo e admissibilidade da intervenção;
4. a identificação da pessoa a ser objecto da ingerência;
5. o telefone(s) objecto da medida – número(s) de telefone a intervir;
6. o inicio, duração e cessação da medida;
7. o cumprimento de deveres acessórios: entrega periódica de relatórios, para fiscalização, das gravações efectuadas.
«A necessidade de fundamentação “motivação” da medida de intercepção ou gravação das conversações ou comunicações privadas, levadas a cabo por telefone ou meio técnico equiparado (…) entronca-se no próprio “direito de defesa da pessoa investigada, pois somente explicitando-se e tornando-se cognoscíveis as concretas razões pelas quais se autoriza uma determinada actuação de ingerência sobre determinados direitos ou liberdades poderá facilitar-se ao afectado o uso dos meios de reacção com que o brinda o ordenamento jurídico; motivação é portanto sinónimo de exteriorização do discurso jurídico no qual o juiz baseou a sua decisão, cognoscibilidade dos elementos e fundamentos em que o Instrutor assentou a sua decisão de autorizar o acto de ingerência e na forma como o concedeu. (…) Mas não se deve cair no exagero de que a motivação seja tão completa como se se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, pois, a ser assim, ficaria des-legitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação. (…) A decisão judicial de intervir parte do pressuposto de que uma investigação criminal necessita “de elementos de convicção nos quais estruturar as vias e indícios que podem levar à constatação de perpetração de determinado ou determinados delitos, pelo que não pode impor um dever tal de exigência na motivação e na própria base na qual se estrutura que resolva precisamente o conflito; chegar a tais níveis de exigência levaria precisamente à desnecessidade da medida, pois uma tão radical exigência suporia nada mais nada menos que a existência de indícios suficientes de criminalidade que tornariam supérflua a investigação. Insistimos, pois, em que o imprescindível é que a motivação permita ao arguido ou suspeito conhecer porque se autorizou a intromissão na sua intimidade e, com base em tal compreensão, decidir se impugna ou não a mesma; é a cognoscibilidade do raciocínio e do juízo de ponderação que levam o órgão judicial a decidir-se pelo sacrifício do direito fundamental o que se procura, em definitivo, com a exigência da motivação das resoluções judiciais”. (…) Motivar ou fundamentar o acto de ingerência não é apenas cumprir um determinado formalismo ou ritualismo, é muito mais do que isso, é “uma imposição finalística da necessidade de evitar a arbitrariedade ou o voluntarismo como fundamentadores de uma determinada resolução judicial que interfira no normal respeito dos direitos fundamentais da pessoa”.» - Benjamim Silva Rodrigues, in “Das Escutas Telefónicas”, Tomo I – A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra Editora 2008, páginas 227 e 228.
Apelidando a motivação da decisão que autoriza a escuta telefónica de «rigoroso requisito do acto de sacrifício de direitos fundamentais», Ana Raquel Conceição - In “Escutas Telefónicas – Regime Processual Penal”, Quid Juris 2009, página 101 -, conclui que «a motivação judicial é o requisito mais importante no seio das escutas telefónicas».
André Lamas Leite, em artigo onde tratou das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao regime das escutas telefónicas - “Entre Péricles e Sísifo: O Novo Regime Legal das Escutas Telefónicas” – Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 17, n.º4, Outubro-Dezembro 2007, páginas 624 a 626 -, afirma que a «densidade fundamentadora do despacho de autorização é acrescida. Os elementos que justificam o recurso às escutas, funcionando como critérios aferidores da respectiva legalidade, conhecem um aumento de exigência: a descoberta da verdade e a obtenção da prova qua tale. Para a primeira, a diligência tem de ser agora “indispensável” e não apenas “de grande interesse”. O legislador terá pretendido que as escutas sejam o único meio de atingir a verdade material, ou seja, quando existirem outras formas de obtenção da prova aptas a atingir uma das finalidades últimas de todo o processo penal, as escutas serão ilegais. Quanto à relevância para a obtenção de prova, diz-se agora que elas só devem ser usadas quando, de outra forma, esse material seja “impossível ou muito difícil de obter”.
Mau grado este apertar da malha autorizadora, em si mesmo condizente com a proporcionalidade, a excepcionalidade e a interpretação restritiva que, de modo unânime, sempre se veio defendendo na doutrina e na jurisprudência, mantemos o entendimento de que continua a ser possível lançar-se mão das escutas telefónicas logo como primeiro meio de obtenção da prova utilizado, quando – e apenas nessa hipótese – o juiz de instrução se convença, em face dos concretos dados factuais trazidos pelo MP, que ela é a única diligência capaz de fazer carrear para os autos elementos probatórios aptos à descoberta da verdade. Nessas situações, as escutas são, de idêntica forma, indispensáveis a esse desiderato. Se, ao invés, o dominus do inquérito tiver ao seu dispor qualquer outro meio, é esse que deverá ser utilizado, sendo inadmissível qualquer argumentação em contrário, maxime baseada em maior dispêndio de tempo ou recursos materiais e/ou humanos.»
O cumprimento do disposto nos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal significa «dar satisfação não só aos requisitos formais-procedimentais, mas também a um conjunto de pressupostos materiais. Sabendo-se outrossim que estes vão muito para além da exigência de que em causa esteja um crime do catálogo. Neles vai co-envolvida toda uma série de exigências a que não é possível responder – e por via disso, cumprir a lei e actualizar o pertinente programa de tutela – curando-se apenas da mera e ritualizada comprovação (ou denegação) de em causa estar (ou não) um crime de catálogo. Antes se prolongam para um conjunto de outros, nucleares e cumulativos, pressupostos, com destaque para a verificação de uma suspeita qualificada e a observância da subsidiariedade. É o que corresponde ao entendimento hoje consensual e pacífico da doutrina e a que o direito positivo português não deixa de prestar homenagem. Explícita e expressa pelo menos no que respeita à subsidiariedade: “só podem ser autorizadas … se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, se outra forma, impossível ou muito difícil de obter (artigo 187º, n.º 1). (…) Pela natureza das coisas, subsidiariedade significa necessidade num quadro de ultima ratio. Só será admissível o recurso às escutas quando, face ao processo em concreto – sc. à vista da complexidade criminalística do caso, da volatilidade ou consistência das provas já alcançadas ou previsíveis, da urgência em quebrar eventuais laços de solidariedade ou penetrar em santuários imunes à devassa da investigação, etc. – não seja possível ou só seja possível com dificuldades acrescidas, prosseguir com sucesso a investigação recorrendo apenas a meios menos gravosos ou invasivos. Importa, logo e num primeiro passo, indagar se tal poderá prosseguir-se apenas com recurso a meios não ocultos de investigação. Isto sendo certo que os meios ocultos de investigação – de que as escutas são uma manifestação paradigmática – são, como tais, mais gravosos de que os meios de investigação exposta ou a descoberto. Para, num segundo momento, a ser necessário lançar mão dos meios ocultos e tendo como pano de fundo o quadro de danosidade social comparativa, questionar se não será possível alcançar os resultados probatórios almejados mobilizando apenas meios ocultos menos drásticos do que as escutas.
Há-de, para além disso, precisar-se que a ideia ou o princípio de subsidiariedade comporta uma dimensão irredutível de proporcionalidade. Logo a proporcionalidade já assinalada e assente no potencial diferenciado de danosidade, isto é, de intromissão e devassa. Que, na sua expressão mais exposta e directa, obriga a reservar os meios mais agressivos para a perseguição dos crimes mais graves. Mas a proporcionalidade reporta-se também aos diferentes graus de sustentação da suspeita. No sentido de que as formas mais consolidadas e expostas de suspeita justificam o risco do recurso a meios comparativamente mais invasivos. Para além disso, a proporcionalidade opera também na direcção da necessidade ou premência investigatória. Trata-se, agora e fundamentalmente, de saber em que medida a recusa de um determinado meio – sc. a utilização de um meio menos gravoso e invasivo – impossibilita ou dificulta e em que grau (muito? pouco?) a investigação.
O simples cumprimento da subsidiariedade faz intervir requisitos cuja verificação pressupõe a representação cabal e actualizada do processo: do seu estado e das suas vicissitudes, das luzes e sombras da investigação, das resistências encontradas e das que se deixam adivinhar. Para, num juízo esclarecido de estratégia criminalística, escolher, dentre o arsenal de meios disponíveis, aquele(s) que, sendo eficaz(es), se mostre(m) o(s) menos invasivo(s) (…).
O quadro repete-se do lado da suspeita qualificada, uma suspeita que alguns ordenamentos erigem em pressuposto autónomo e expresso da legalidade e admissibilidade das escutas. Mas que no direito positivo português figura claramente como um pressuposto não escrito da medida. O que, de acordo com o entendimento pacífico de autores e tribunais, significa que só é legítimo o recurso às escutas nos casos em que se verifica uma suspeita de crime (de catálogo) assente em facto determinados. Isto é, factos concreta e objectivamente referenciáveis e, como tais, sindicáveis, objecto idóneo de contestação, de infirmação ou confirmação e, sendo caso disso, suporte de consenso intersubjectivo. E, para além disso, factos portadores de fecundidade heurística bastante para fundamentar a suspeita do crime do catálogo. “Não basta para o efeito a mera existência de pontos de apoio. Têm antes de se verificar circunstâncias concretas e em certo sentido densificadas como base factual da suspeita”.
Na certeza de que, o juiz só poderá pronunciar-se a favor da realização de uma escuta se considerar integralmente satisfeita esta pletora de exigências.» - Manuel da Costa Andrade, “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro”, Revista de Legislação e Jurisprudência citada, páginas 278 a 280.
A «escuta telefónica será um meio de obtenção de prova, utilizado no decurso de um processo penal, com o fim de recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, limitativo dos direitos fundamentais dos cidadãos e como tal objecto de prévia autorização ou ordem do Juiz de Instrução Criminal. Autorização ou ordem devidamente fundamentada que estabelece quem, o quê, durante quanto tempo e em que circunstâncias os órgãos de polícia criminal vão interceptar as conversas ou comunicações telefónicas efectuadas entre duas pessoas.» - Ana Raquel Conceição, obra citada, página 24.
Aqui chegados, não resta senão ponderar as consequências do desrespeito pelos requisitos e condições de admissibilidade da escuta telefónica.
Antes de o fazer importa precisar alguns conceitos.
As Provas têm por função a demonstração da realidade dos factos [artigo 341º do Código Civil].
Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e, ainda, os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil, se tiver sido formulado pedido nesse sentido [artigo 124º do Código de Processo Penal].
Meios de prova são elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto.
Meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova.
Regras de produção de prova são meras prescrições ordenativas da produção de prova, visando «apenas disciplinar o procedimento exterior da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração.» - Manuel da Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 84.
A proibição de valoração de prova resulta da impossibilidade da prova proibida poder ser valorada no processo.
As proibições de prova [ou proibição de produção de prova] são verdadeiras limitações, ou prescrições de limite, à descoberta da verdade.
O legislador fornece o elenco dos meios de obtenção de prova que são proibidos. Ou melhor é proibida a produção de prova através desses meios.
A proibição de produção de prova origina, sempre, uma proibição de valoração de prova. Mas a proibição de valoração de prova não pressupõe a proibição de produção de prova.
«(…) as proibições de prova são invalidades que dispõem de uma causa específica (vício) e de um efeito específico (consequência): ao nível da causa, representam limitações à descoberta da verdade material por a sua violação constituir colisão de direitos fundamentais ou de (…) garantias de defesa do arguido; ao nível do efeito, as provas proibidas estão atingidas por uma inutilizabilidade, quer endoprocessual originária quer externa.» - Carlos Adérito Teixeira, in “Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas”, Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, nº 9 (Especial) – Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, páginas 292 e 293.
A lei processual penal, no artigo 118º, onde se reporta ao princípio da legalidade que consagra no domínio da violação ou inobservância das suas disposições, expressamente ressalva do regime das nulidades as normas relativas a proibições de prova.
Manuel da Costa Andrade - In “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, páginas 11, 194 e 195 -, defendendo que «as proibições de prova estão hoje legalmente consagradas com autonomia, generalidade e consistência que permitem perspectivá-las como uma das construções basilares da dogmática processual penal», não deixa de chamar a atenção para a imbricação íntima entre as proibições de prova e o regime das nulidades e para o disposto no preceito legal acabado de referir, advertindo que, frequentemente, a lei processual penal portuguesa enuncia as proibições de prova cominando precisamente com a sanção da nulidade a violação dos pertinentes imperativos legais, o que se pode ilustrar com o regime previsto para o métodos proibidos de prova [artigo 126º], recusa de parentes e afins [artigo 134º, n.º 2] e escutas telefónicas [artigo 190º].
Neste mesmo sentido – da autonomização das proibições de prova – pronunciam-se Germano Marques da Silva - In “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo 2008, II Volume, página 144 e 145, João Conde Correia - In “A Distinção Entre Prova Proibida Por Violação dos Direitos Fundamentais e Prova Nula Numa Perspectiva Essencialmente Jurisprudencial”, Revista do CEJ, n.º 4, 2006, página 175, Teresa Beleza - In “Apontamentos de Direito Processual Penal”, II Volume, Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1993, página 151, Paulo Pinto de Albuquerque - In “Comentário ao Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2007, página 305, Paulo Sousa Mendes - In “As Proibições de Prova no Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Livraria Almedina, 2004, página 147, Carlos Adérito Teixeira - In “Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas”, Revista do CEJ já citada.
Não obstante a mencionada autonomia, a concretização do seu regime tem sido problemática na legislação ordinária.
Situação para que, fundamentalmente, concorre a inconstância terminológica do legislador constitucional e ordinário, reveladora de menor rigor na delimitação de conceitos tão importantes e dispares como são as nulidades e as proibições de prova.
A doutrina não se revela uníssona em relação ao vício processual que se origina com o desrespeito pelo regime legal de uma escuta telefónica.
Relativamente às consequências decorrentes do desrespeito dos requisitos formais e materiais da ordenação e autorização, por despacho judicial, das escutas telefónicas, alguns autores falam em “prova ilícita”, sendo «aquela que na sua origem ou desenvolvimento lesou um direito ou liberdade fundamental, cujo efeito seria a proibição da prova, no sentido da proibição da valoração de seu resultado, por contraposição à prova irregular que seria aquela que se obtém ou pratica com lesão de normas de legislação ordinária.» - Benjamim Silva Rodrigues, obra citada, página 414.
Damião da Cunha, entendendo estar-se perante a mesma “garantia judicial” do “mesmo valor constitucional”, conclui pela nulidade da prova obtida quando não se verificam os requisitos materiais e formais da intervenção nas comunicações e conversações privadas e tratar-se de meio de prova nulo quando as escutas não foram autorizadas ou ordenadas por um Juiz.
Fátima Mata-Mouros, esclarecendo que «a realização de escutas telefónicas traduz-se num meio de aquisição probatória demasiadamente precioso, quer pela sua expressividade, quer pela sua onerosidade, para poder continuar a originar decisões de anulação baseadas em aspectos que, só na aparência, não se reconduzem a argumentos meramente formais», entende que, mesmo aí, não devem ser flexibilizados os requisitos formais e materiais da autorização deste meio de obtenção de prova.
«(…) apesar da singeleza dos textos legais e da clara definição de princípios, nossa jurisprudência tem sido em grande parte determinada por interpretações que apenas satisfazem interesses de recurso e confundida sobre a leitura integral daqueles princípios.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18 de Outubro de 2004, citado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2006, de 25 de Agosto de 2005 – acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
A nível jurisprudencial, podem sumariar-se três posições distintas:
I. o desrespeito pelos requisitos e condições de admissibilidade legal das escutas telefónicas origina uma forma de obtenção de prova proibida, por força do disposto no artigo 126º, n.º 3, do Código de Processo Penal, logo sendo inadmissíveis, não podendo ser utilizadas;
II. a consequência por semelhante desrespeito será uma nulidade, sanável, face ao disposto nos artigos 190º e 120º do Código de Processo Penal, existindo divergência no que concerne ao prazo de arguição;
III. o desrespeito pelos requisitos das escutas telefónicas gera mera irregularidade, em conformidade com o disposto no artigo 123º do Código de Processo Penal.
Estando em causa, no domínio em que nos encontramos, fundamentalmente, o direito à reserva da vida privada, o direito à inviolabilidade das telecomunicações e o direito à palavra, a regra é a da proibição de produção e valoração das gravações resultantes das escutas telefónicas.
A excepção a tal regra, permitida pela Constituição, é a existência de uma lei ordinária, no processo criminal, que estabelece uma autorização de produção dessa prova.
Se a não existência dessa lei conduziria a uma proibição de prova, a consequência pelo desrespeito dela não pode ser diversa.
Por não poder deixar de assim ser, a escuta telefónica ilegal é um meio de obtenção de prova proibido. Constitui uma proibição de produção de prova a que o legislador faz corresponder uma proibição de valoração – não pode ser utilizada [nº 3 do artigo 126º do Código de Processo Penal].
Após a entrada em vigor da 15ª alteração ao Código de Processo Penal – Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – entendeu-se terem ficado melhor esclarecidas as opções do legislador no domínio das escutas telefónicas.
André Lamas Leite, no artigo já citado [páginas 665 a 669], referindo-se ao regime aplicável à violação dos artigos 187º a 189º do Código de Processo Penal, afirma que «Em reforço contrafáctico do n.º 1 do art. 126º em que se referia (e continua a prescrever-se) que as provas aí indicadas “não [podem] ser utilizadas», o que se comunicava ao n.º 3 (que aqui mais nos interessa) por intermédio do advérbio “igualmente”, vem a nova redacção do art. 126º, n.º 3, introduzindo-se a locução “não podendo ser utilizadas”, consagrar, ao que cremos de forma doravante indiscutível, posição que, de entre muitos, vínhamos defendendo à luz do pretérito e menos claro preceito.
Parece hoje, então, resolvida na segunda direcção a dúvida sobre se a nulidade nele prescrita o era em sentido técnico (enquadrando-a nos arts. 119º ou 120º) ou se o legislador teria usado o lexema em sentido não técnico ou lato. Na verdade, o segmento introduzido fulmina com as consequências de “inutilização” todas as provas obtidas em incumprimento da disciplina legal dos meios de obtenção probatórios que contendam com os bens jurídicos nele protegidos, sendo ilegal, desde 15-09-2007, a interpretação quase unânime da jurisprudência e de alguma doutrina, no sentido da destrinça entre a violação do art. 187º e do art. 188º como conduzindo, respectivamente, a uma nulidade insanável ou a uma mera nulidade sanável.
Apertis verbis, a epígrafe do art. 126º; o art. 118º, n.º 3 (a que se junta a nova disposição do art. 310º, n.º 2, ressalvando a exclusão de “provas proibidas” da irrecorribilidade da decisão instrutória de pronúncia e das nulidades e outras questões prévias ou incidentais invocadas em instrução, permitindo, ao invés – é um verdadeiro poder-dever –, que o tribunal de julgamento declare tal exclusão (…); os parâmetros constitucionais ínsitos nos art. 34º, n.ºs 1 e 4, da Lei Fundamental; o carácter indistinto das consequências previsto no então art. 189º (hoje, art. 190º) e o programa tutelar único das prescrições do art. 187º e das ditas “formalidades” do artigo 188º - para nós, em expressão mais próxima do mandato constitucional, exigências materiais densificadoras e aplicativas concretas do art. 187º – já impunham tal entendimento, aliás reconhecido pelo TC - Vide acs. n.ºs 407/97, 347/2001, 411/2002, 528/2003 e 379/2004. Julgamos, assim, que não se poderá agora, em face da nova redacção, pretender que mudança legislativa tão clara vise abranger somente as condições aludidas no art. 187º. Seria, por certo, uma interpretação contra legem e ofensiva dos arts. 32º, n.º 8, e 34º, n.º 4, da Constituição.
Donde, de uma hermenêutica conjugada entre os arts. 126º, n.º 3, e 190º (este último inciso apenas tendo operado um alargamento do regime prescrito à norma de extensão do agora art. 189º) conclui-se pela previsão, no art. 190º, de uma nulidade atípica, designada por proibição de prova (…), a qual impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido (…) – mesmo se requerido pelo arguido –, cujo regime não é in totum sobreponível às nulidades insanáveis, mas que dele muito se aproxima.
Registemos, a finalizar, uma dúvida: como dissemos, este é o quadro que julgamos hoje de meridiana clareza face ao texto legal – veja-se tal intentio na exposição de motivos da proposta de lei que deu origem à Lei n.º 48/2007. Todavia, em termos de iure condendo, será adequado ao sopesamento dos interesses em causa fulminar como proibição de prova a ultrapassagem dos prazos prescritos nos arts. 188º, n.ºs 2 e 3? Porventura estas duas hipóteses – e só estas – deveriam ter merecido uma consequência jurídica menos forte.»
No mesmo sentido:
- Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, II, 4ª Edição Revista e actualizada, Editorial Verbo, 2008, páginas 257 e 258;
- José Manuel Damião da Cunha, in “A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas, Anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 407/97, 347/01, 411/02 e 528/03», Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Janeiro-Março 2004, página 55;
- Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, páginas 530 e 531;
- Ana Raquel Conceição, in “Escutas telefónicas – Regime Processual Penal”, Quid Juris 2009, página 197;
- Benjamim Silva Rodrigues, in “Das Escutas Telefónicas”, Tomo I – A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra Editora 2008, página 415;
- Gil Moreira dos Santos, in “O Direito Processual Penal”, Porto, Edições Asa, 2003, página 258;
- Fernando Gonçalves e Manuel João Alves, in “A Prova do Crime – Meios Legais para a sua Obtenção”, Livraria Almedina, página 240.
E acompanhando opinião expressa a páginas 512 e 513 do “Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas” dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, em anotação ao artigo 190º, «se atendermos ao que tem sido a instabilidade jurisprudencial nesta matéria, como a história se tem encarregado de demonstrar, ao ponto de, por vezes, se adoptar durante anos uma dada interpretação neste domínio, sufragada até pelos tribunais superiores, que depois se vê posta em crise por jurisprudência constitucional, que julga desconforme à CRP aquela dada interpretação (com todas as nefastas consequências para o bom andamento e imagem da justiça, além dos prejuízos que foram acarretados para os cidadãos que foram afectados por uma tal interpretação), tudo parece aconselhar que, nesta sede, orientemos a nossa acção segundo apertados critérios de interpretação, ou seja, segundo uma interpretação restritiva do normativo em análise, tratando de igual forma e observando com igual rigor as condições e requisitos referidos nos arts. 187º e 188º.
Assim o recomendam um cauteloso critério de apreciação e ponderação das consequências e efeitos de tais vícios, bem como os princípios constitucionais estruturantes e subjacentes ao preceito em questão.»
Resta referir serem características das proibições de prova a não taxatividade, o conhecimento oficioso, o carácter insanável do vício, a inutilizabilidade da prova, a eficácia erga omnes e o efeito à distância expansivo.”.---
E, quanto a este, expende ainda a Exmª Juiz Desembargadora Ana Bacelar, o seguinte, que igualmente sufragamos:---
“A declaração de nulidade (…) conduz-nos ao disposto no artigo 122º do Código de Processo Penal, que se reporta aos efeitos dessa declaração, nos seguintes termos:
«1 – As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
2 – A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3 – Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.»
Esta norma constitui afloramento do «problema “desesperadamente controverso” (…) do chamado “efeito à distância” (…). Isto é, quando se indaga da comunicabilidade ou não da proibição de valoração aos meios secundários de prova tornados possíveis à custa dos meios ou métodos proibidos de prova» - Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 61 - ou seja, da transmissão da proibição de valoração do método proibido de obtenção de prova a todos os meios de prova que através dele são obtidos.
Também neste domínio não pode deixar de se ter presente que se a afirmação da culpabilidade penal do arguido é importante para a segurança colectiva e a afirmação do primado da lei sobre o instinto primário e o restabelecimento da paz e da segurança, não menos importante é a materialização do julgamento à luz das regras pré-estabelecidas sem atropelo daquelas que constituem garantias de defesa do acusado.
«O efeito-à-distância parece, assim, configurar um momento nuclear do fim de protecção do artigo 126º do CPP na direcção do arguido. Uma conclusão reforçada pela consideração suplementar e decisiva de que só o efeito-à-distância pode prevenir uma tão frontal como indesejável violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare.» - Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 315.
O “efeito à distância” surge, pela primeira vez, enunciado em 1920, na sentença do Juiz Oliver Wendell Holmes, proferida no caso “Silverthorne Lumber Cº v United States”. Dela consta que se o conhecimento de factos foi obtido ilegalmente, o Governo não os pode aproveitar, diversamente, se o conhecimento deles é adquirido por uma fonte independente, podem ser provados, como quaisquer outros.
Em torno de tal ideia, em 1939, o Juiz Felix Frankfurter, do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, no caso “Nardone v United States”, construiu a metáfora, não mais abandonada e que veio a ser adoptada de forma generalizada, do “fruto da árvore venenosa” – o meio de prova inválido constitui a árvore venenosa, importando saber se nasce dela a prova ulterior, como fruto envenenado ou são.
Antes do actual Código de Processo Penal, o “efeito à distância” era já reconhecido como vigente entre nós pelo Professor Figueiredo Dias - Cfr. “Para uma Reforma Global do Processo Penal”, in “Para uma Nova Justiça Penal”, Coimbra, 1983, página 208.
Da longa evolução jurisprudencial neste domínio dá conta o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 194/2004, de 24 de Março de 2004 - Publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Junho de 2004 e também acessível em www.tribunalconstiticuional.pt, onde se concretizam as situações em que o “efeito à distância” se não projecta, enunciando-se três situações que o impedem, denominadas de “limitação da fonte independente”, de “limitação da descoberta inevitável” e de “limitação da mácula dissipada”.
A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que o originário tendia, mas foi impedido. Ou seja, quando a ilegalidade não foi conditio sine qua non da descoberta de novos factos.
A segunda limitação ao funcionamento da doutrina do “efeito á distância” ocorre quando se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado. Ou seja, quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.
A limitação da mácula dissipada leva a que uma prova, apesar de derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela revelem uma forte autonomia em relação a esta, em termos tais que revelem uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.
O Professor Manuel de Andrade - “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 62 e seguintes -, revela, na busca de critérios para solução do problema, que não será correcta a «transposição, sem mais, da clássica fruits of the poisonous tree doctrine americana, que propende para a maximização do alcance da proibição de valoração, por via de regra extensiva também ao meio de prova secundário. Mas que não devem igualmente aproximar-se do extremo oposto da negação de todo e qualquer Fernwirkung em nome do receio (…) de que “a menor habilidade do polícia que procede ao primeiro interrogatório ou a corrupção de qualquer autoridade judiciária venha a determinar a paralização de todo o processo.»
E acrescenta que «Como ponto de partida e horizonte de equacionação dos problemas há-de, mais uma vez, privilegiar-se a referência à dimensão teleológica subjacente ao regime das proibições de prova: prevenir sentenças condenatórias assentes na valoração de meios proibidos de prova. (…) Na maior parte dos casos de violação das leis processuais não é possível determinar se influenciaram negativamente a sentença. À causalidade deve, por isso, equiparar-se a possibilidade de causalidade. Deste modo, a sentença assenta já na infracção à lei quando parece possível ou não é apenas de excluir que sem o erro outro teria sido o resultado.
(…)
Resumidamente, não estarão, de todo em todo, excluídas as constelações típicas em que a conexão normativa entre o vício e a sentença seja tão óbvia como decisiva. É o que sucederá nos casos em que a valoração proibida do meio de prova constitua o único suporte probatório sobre que assenta a sentença condenatória. Hipótese em que tanto a pertinência do recurso como o sentido da sua decisão – sc. a absolvição do arguido – se afiguram inescapáveis. As coisas serão igualmente lineares nas constelações que se situam no extremo oposto, em que a irrelevância causal da valoração da prova proibida aparece claramente exposta. Então a invocação da proibição de prova, a não determinar a Rejeição do recurso (art. 420º do CPP) não será em qualquer caso e só por si bastante para pôr em causa a decisão recorrida. O mesmo deverá ser o tratamento dos casos em que a nulidade devida à proibição de prova haja de considerar-se sanada exclusão do nexo normativo entre o vício e a sentença. Como sucederá, por exemplo, quando o recurso aos processos hipotéticos de investigação permitiria seguramente alcançar o mesmo resultado probatório.
As expressões concretas, segregadas pelos caprichos da vida, e que constituem a fenomenologia das proibições de prova oferecida ao aplicador do direito, raramente se ajustarão aos modelos canónicos referenciados, extremados quanto à relevância ou irrelevância causal do erro sobre a sentença. O normal será que a prova proibida concorra com uma bateria de meios admissíveis, numa teia dificilmente extrincável de influência e codeterminação recíprocas. Muitas vezes nada, por isso, mais aleatório e inseguro do que a tentativa de identificar e isolar o peso que o meio de prova terá tido na convicção do julgador. Estas hipóteses só pela via da revogação da decisão se poderão assegurar a reafirmação contrafáctica das normas violadas e a actualização do respectivo fim de protecção. O que terá de fazer-se prevenindo-se o perigo de a convicção sobre a responsabilidade criminal do arguido, entretanto lograda – e para a qual contribuiu, a seu modo, o meio proibido de prova – ter já operado uma reinterpretação cognitiva do significado e da valência probatória dos meios sobrantes e legítimos de prova. A renovação da prova motivada pelas proibições de valoração suscita, assim, exigências a que, por princípio, só através do Reenvio (arts. 426º, 431º e 436º do CPP) se poderá dar resposta ajustada.»
O regime jurídico consagrado no artigo 122º do Código de Processo Penal mais não é do que a concretização do n.º 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, e é neste preceito que também se deve procurar a solução para o problema do conteúdo e alcance do efeito à distância.
«Esta disposição normativa considera como nulas todas as provas obtidas mediante certo tipo de métodos, como a tortura, a coacção, a ofensa à integridade física ou moral da pessoa, a abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Nestes termos, o legislador constitucional, com este dispositivo, tem em vista a protecção dos direitos fundamentais da pessoa, independentemente da susceptibilidade ou não de os mesmos poderem ser restringidos. Passando essa protecção por considerar nulas todas as provas obtidas com a sua restrição fora dos trâmites da lei e, ainda, contaminar, com esta nulidade todas as demais que tenham resultado da prova obtida com essa restrição. Pois, caso contrário de pouco valeria a proibição constitucional na utilização de certos métodos de prova, já que, ultrapassado o crivo da proibição de prova, os demais meios de prova obtidos seriam inatacáveis, não obstante estarem na base da lesão de um direito fundamental. Acrescendo ainda o elemento literal, pois a lei diz que todas as provas estarão abrangidas, quer as provas directas quer as indirectamente obtidas. (…) se assim se não entendesse, estaríamos a esvaziar todo o conteúdo útil da presente norma, e na esteira de Costa Andrade, inclusivamente, a estimular a utilização de métodos proibidos de obtenção de prova.» - Ana Raquel Conceição, in obra citada, páginas 203 e 204.”.---
Tendo em consideração o que se deixou expendido, não resta agora, senão, voltar a olhar para o processo.---
E, olhando para o processo, vamo-nos deter no despacho fundamental acima transcrito a partir do qual os conhecimentos obtidos no domínio da investigação criminal realizada noutro processo poderiam ter sido adquiridos para o presente.---
Na verdade, quando estão em causa conhecimentos obtidos noutro processo de forma acidental (a que se vêm designando de conhecimentos fortuitos) porque extravasam o objecto da investigação e podem complementar ou dar origem a outra investigação criminal, incidindo sobre diferente factualidade, o artigo 187º, nº 7, do Código de Processo Penal impõe, na decorrência, aliás, de todo o encadeamento de princípios acima mencionados, a existência de um novo controle judicial para além daquele que inicialmente foi realizado no processo de origem do meio de prova e que, seguramente, só pode ter lugar no processo de importação do meio de prova, porque só neste podem fundadamente ser avaliados os pressupostos legais da admissibilidade do meio de prova em toda a sua extensão.---
Claro que a iniciativa prevista no artigo 187º, nº 8, do Código de Processo Penal, de fazer juntar a outro processo as conversações ou comunicações obtidas acidentalmente e fora do objecto de investigação desses autos compete, como não poderia deixar de ser, ao juiz respectivo, no pressuposto por ele verificável de que essas conversações ou comunicações envolvem suspeito ou arguido, pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido, ou vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido e no pressuposto de que no processo de origem foram verificados e devidamente justificados os demais requisitos legais de qualquer escuta telefónica.---
Mas toda a sistemática legal delineada para a realização de escutas telefónicas é bem clara no sentido de que estas obedecem a passos legais fundamentais como sejam um primeiro momento de verificação da admissibilidade do meio e um segundo passo de controle do conteúdo útil e legalmente convertível em prova, sempre tendo em vista, para além do mais, o respeito pelo princípio constitucional da proporcionalidade.---
E tendo presente o raciocínio desenvolvido, facilmente se conclui que, no caso em apreço de despacho que conhece da admissibilidade legal de meio de prova produzido noutro processo, ele terá de se revestir de uma dupla função, a de verificar a admissibilidade legal do meio de prova e a possibilidade legal do seu aproveitamento no processo.---
Neste sentido deve ser entendido o disposto no artigo 187º, nº 7, do Código de Processo Penal, quando preceitua que “(…) a gravação … só pode ser utilizada se tiver resultado da intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no nº 4 (suspeito, arguido …) e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no nº 1 (aludindo ao catálogo do nº 1 do mesmo preceito).”.---
Esta específica redacção devidamente conjugada com as já acentuadas exigências legais de fundamentação das decisões judiciais, impõem ao juiz receptor das intercepções porque é aquele que em última instância tem o dever funcional do efectivo controle judicial das mesmas, que declare quais as razões concretas que o levam a concluir pela admissibilidade do meio de prova.---
E parece-nos de liminar clarividência que tal não se satisfaz com o tautológico enunciado do texto legal, devendo antes ser expressamente mencionado em que circunstâncias foi obtida a gravação de modo a caracterizá-la como conversação de pessoa dentro da categoria do nº 4 do artigo 187º, qual o crime em investigação (se um dos crimes de catálogo) e de que circunstâncias do iter investigatório decorre a sua indispensabilidade para a prova do crime em causa.---
Ora, como se constata do despacho acima transcrito, ele é completamente omisso na concretização das razões que levaram o Mmº Juiz a considerar o meio de prova admissível o que reverte numa falta de fundamentação gritante.---
E, a falta de fundamentação de despacho, que na falta de previsão específica, tem apenas como consequência a irregularidade do acto, neste caso especifico e por força do disposto no artigo 190º, do Código de Processo Penal, gera a nulidade do próprio meio de prova que assim escapou a um verdadeiro e próprio controle judicial, essencial, se se quiser de natureza substancial, porque ditado pela necessidade de salvaguardar direitos, liberdades e garantias, assegurando que a sua restrição se limite ao mínimo necessário e indispensável (novamente o princípio constitucional da proporcionalidade).---
E, na senda do que antes se expôs, importa concluir que o meio de prova em causa, tendo escapado a um devido e efectivo controlo judicial que para o ser teria de ser espelhado em termos concretos, claros e inequívocos em despacho, é nulo com o específico regime próprio das proibições de prova.---
E se no caminho da obtenção do meio de prova (no processo de origem) outros vícios se verificaram, decisiva e definitiva é a constatação do presente que torna despicienda a constatação de outros, impedindo a aquisição processual (nestes autos) do meio de prova.---
Declarada a nulidade do despacho que autorizou/admitiu a utilização, nos presentes autos, das intercepções e gravações de conversações e comunicações telefónicas efectuadas no âmbito de um outro processo e bem assim nula a prova através delas obtida, quid juris no tocante à decisão revidenda e aos poderes deste Tribunal ad quem?---
Dispõe o artigo 379º, do Código de Processo Penal, que:---
“1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artigo 414º.”.---
Dúvidas não se suscitam que a sentença fundada em provas nulas (provas insanavelmente nulas ou provas cuja nulidade seja sanável, mas não deva considerar-se ainda sanada) é, também ela, nula nos termos do estatuído no artigo 122º, nº 1, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.”.---
Por seu turno, resulta do disposto nos nºs 2 e 3, do mencionado preceito que “A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, (…)”, sendo que “Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.---
Do exposto nos mencionados preceitos poderia inculcar-se a ideia de que, declarada por este Tribunal ad quem a nulidade da sentença por força de nulidade de prova em que a mesma se fundamentou, desde logo se imporia ao Tribunal a quo a prolação de nova decisão expurgada, então, da prova declarada nula.---
Constituiu, porém, princípio geral, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, que as Relações conhecem de facto e de direito.---
E, de acordo com o preceituado no artigo 431º, do Código de Processo Penal, “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: (a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; (b) se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do artigo 412º; ou (c) se tiver havido renovação da prova.”.---
A restante prova produzida, examinada e valorada na decisão revidenda não nos merece qualquer crítica ou censura, acentuando-se e salientando-se a circunstância de que, tal como resulta e se afirma no acórdão recorrido, apenas a prova agora declarada nula em conjugação com a restante prova (indirecta) dos factos essenciais da causa, consentiria a eventualidade de formação de uma convicção positiva no que concerne à autoria por parte dos arguidos dos factos cujo cometimento lhes é imputado. Como se refere no aresto recorrido, “(…) reconhece-se que não existe qualquer testemunha que tenha reconhecido, nas suas verdadeiras identidades e fisionomias, qualquer dos arguidos como o autor dos factos objecto destes autos o que aliado à circunstância de os arguidos não terem prestado declarações quanto ao objecto do processo, conduz à ausência de qualquer prova directa dos factos essenciais da causa.”.---
Assim, em face do preceituado nos artigos 428º e 431º, alínea a), do Código de Processo Penal, tendo ainda em vista o preceituado no artigo 363º, do citado diploma, somos da opinião que, contendo o processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base (não se descortinando outros que o Tribunal a quo não tivesse e devesse ter valorado e/ou que pudesse produzir e valorar), se nos impõe, em conformidade com o que deixámos expendido, modificar (suprimindo e alterando) a decisão sobre matéria de facto dada como provada e constante dos pontos nºs 1 a 50, inclusive, da decisão revidenda, o que passamos a fazer, nos termos seguintes:---
1. Desde 2 de Fevereiro de 2009, o arguido CF passou a exercer as funções de motorista, ao serviço de “(…).”, conduzindo diariamente, a partir 08:00 horas, uma carrinha tipo “shuttle”, de 9 lugares, com turistas do hotel “(…)”, em Vilamoura, para o Clube de Golfe “(…)”, na mesma localidade, para praticarem golfe.---
2. Por virtude dessas funções, o arguido familiarizou-se com a chegada dos praticantes de golfe à recepção, com os procedimentos de inscrição e pagamento da taxa de utilização daquela estrutura desportiva, bem assim constatava que todas as quantias correspondentes ao pagamento do preço da inscrição no golfe, tal como o preço de aquisição de equipamento desportivo comercializado na loja do referido clube de golfe, bem como valores eram guardadas num cofre.-
3. O arguido CF sabia ainda que todas as segundas feiras, a partir das 09:00 horas, era recolhido, para depósito bancário, todo o dinheiro relativo à facturação do fim de semana anterior, quer o proveniente da utilização do campo de golfe, quer o da venda de artigos desportivos efectuada na referida loja.---
4. O arguido CF e HC são primos entre si.---
5. No dia 16.03.2009, pelas 00h29m, no aeroporto de Lisboa, o arguido BM, dirigiu-se ao balcão da “Avis Rent-a-Car”, onde celebrou um contrato de aluguer do veículo “AUDI A4 2.0 Tdi”, 140cv, de matrícula (…), nos termos do qual ficava obrigado à sua devolução no prazo de 24.00 horas, isto é, até às 00h30m, do dia 17.03.2009, tendo-lhe sido entregue o veículo, que marcava 63.397 kms.---
6. No dia 16.03.2009, a hora não concretamente apurada, indivíduo ou indivíduos cuja identidade se desconhece, subtraiu ou subtraíram as chapas de matrícula do veículo 20-AS-01, que se encontrava estacionado na Rua (…), em Almancil, com utilização de chave de fendas, propriedade de VF.---
7. No dia 16.03.2009, cerca das 09.00 horas, três indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, tendo todos eles colocado na cabeça passa-montanhas e luvas nas mãos, fazendo-se transportar no interior de um veículo “AUDI”, com chapas de matrícula (…), entraram nas instalações do Clube de Golfe, “(…)”, em Vilamoura.---
8. Chegados à portaria do “(…)”, o condutor do veículo “AUDI”, imobilizou o veículo mesmo em frente da recepção, mantendo o motor do veículo em funcionamento, ao passo que os outros dois ocupantes saíram de imediato do veículo.---
9. Ao constatar que frente à recepção se encontrava imobilizado aquele veículo, abeirou-se deste o vigilante PM, ao serviço da “Securitas - Serviços de Tecnologia de Segurança S.A.”, em acção de vigilância na área, que se baixou junto da porta aberta do pendura para ordenar ao condutor para retirar o veículo do local.---
10. O condutor do referido veículo pôs o seu dedo indicador direito verticalmente na sua boca fechada e de seguida deitou a mão esquerda ao compartimento da porta, assim advertindo o vigilante que não deveria utilizar o rádio que trazia consigo.---
11. Tendo constatado que o condutor do “AUDI” estava todo vestido de negro, passa-montanhas na cabeça com apenas dois buracos no local dos olhos, óculos escuros nos olhos e luvas nas mãos e na convicção de que este guardava arma de fogo, PM temeu pela sua vida, pelo que se inibiu de utilizar o rádio para comunicar o assalto, tendo apenas retido e registado a matrícula “(…)”.---
12. Entretanto, os outros dois indivíduos introduziram-se na loja e recepção do “(…)”, empunhando um deles uma arma de fogo.---
13. De imediato, aquele que empunhava a arma de fogo dirigiu-se à recepcionista NN, dizendo “isto é um assalto!”, agarrou-lhe o pescoço e empurrou-a para uma pequena arrecadação à esquerda, na convicção de que era ali que se guardava o cofre, ordenando-lhe que o abrisse: “abre o cofre! Abre o cofre!”.---
14. NN respondeu que o cofre se encontrava do outro lado do balcão, no compartimento de prova de vestuário, para onde este indivíduo a encaminhou, tendo ela de seguida aberto o cofre.---
15. De imediato, NN, porque lhe foi ordenado, retirou as duas pastas com cadeado que no interior do cofre se guardavam e entregou-as ao referido indivíduo e que continham as receitas de facturação de sexta-feira, sábado e domingo anteriores, no montante de, pelo menos, € 7 865,75.---
16. Este indivíduo ainda deitou mão aos seguintes bens e valores que igualmente se encontravam no interior do cofre:---
- Uma máquina fotográfica que pertencia a um cliente estrangeiro;---
- Um relógio de pulso de um cliente estrangeiro;---
- Oito passaportes;---
- Duas caixas com fichas para praticantes de golfe;---
- Dois cartões de supervisores;---
- Um número indeterminado de “masters” 2007;---
- Uma pulseira de ouro; e ---
- Várias chaves.---
17. Ordenou ainda o mesmo indivíduo a NN que se sentasse no chão ao lado do cofre e, ficando ela a olhar para ele, advertiu-a: “Já que estás a ser assim, tenho de ser bruto, tenho de te magoar!”.---
18. De seguida, o mencionado indivíduo colocou as duas pastas num saco preto tipo recolha de lixo caseiro e dirigiu-se à recepção, de cujas gavetas retirou um número não apurado de notas do BCE, correspondente à facturação do dia.---
19. Quando MC, que também exercia as funções de recepcionista, regressou à loja, depois de uma breve saída, o segundo indivíduo dirigiu-se-lhe e apontou-lhe uma pistola (anteriormente empunhada pelo outro indivíduo) e ordenou-lhe: “Fique aí! Não se mexa e já no chão!” ao mesmo tempo que dizia “António, Vamos embora. Despacha-te, vamos dar de fuga!”.---
20. Quando estes dois indivíduos abandonavam a loja, um deles com uma arma de fogo na mão e o outro transportando o saco com o produto do assalto, depararam-se com o vigilante Paulo Madeira, a quem o primeiro apontou a pistola e a quem retirou o rádio da marca “MOTOROLA” mod. GP330 VHF, no valor de € 390,00, propriedade da “Securitas”, que fizeram seu, não tendo o vigilante oposto resistência por temer pela sua segurança e pela sua integridade física.---
21. Estes dois indivíduos correram em direcção ao “AUDI”, onde estava o terceiro com o motor em funcionamento, e entraram no seu interior abandonando, os três, de seguida o local com todos os referidos valores e bens que haviam subtraído.---
22. O arguido CF não compareceu ao serviço no dia 17.03.2009.---
23. Pelas 18h15m, do dia 16.03.2009, o arguido HC foi detido pela P.S.P. quando saia do comboio “Alfa Pendular”, na Gare do Oriente, tendo-lhe sido apreendidos os seguintes objectos e valores:---
- A quantia de € 4.764,50 em notas do BCE, subdividido em 5 notas de € 100,00, 32 de € 50,00, 108 de € 20,00, 50 de € 10,00, 1 moeda de € 2,00, 2 moedas de € 1,00 e uma moeda de € 0,50;---
- Um telemóvel “Nokia” 5310, com cartão TMN (…);---
- Um bilhete de comboio (Alfa Pendular) com origem em Loulé e destino Lisboa - Oriente;---
- Um casaco verde com capuz;---
- Uma guia emitida pela P.S.P. relativa a análise para qualificação da taxa de álcool no sangue em nome de PF.---
24. No dia 18.03.2009, foi o arguido CF detido e foi-lhe apreendido o seu telemóvel desmontado e sem o cartão do operador.---
25. No dia 16.03.2009, pelas 19:40 horas, foi apreendido em Lisboa o veículo (…), que continha no seu interior, para além de outros, os seguintes objectos:---
- Um CD com as inscrições “Mano Sandro” e “Vários Hip Hop”;---
- Um par de óculos de sol sem marca; e ---
- Um par de luvas da marca NIKE.---
26. Este veículo apresentava no acto de apreensão a quilometragem de 64.076, pelo que, após o aluguer com 63.397 kms, os quilómetros percorridos foram 679.---
27. No dia 18.03.2009 foram apreendidos ao arguido Bruno André Monteiro os seguintes bens e objectos:---
- Parte do cartão de segurança em papel referente a um SIM da operadora TMN, que respeita ao nº de telefone móvel (…);---
- Talão de venda a dinheiro MCR nº 79303, da “Avis Rent-a-Car”, relativo a contrato de aluguer nº 599598823;---
- Documento de fim de aluguer da “Avis” relativo ao mesmo contrato 599598823, em nome de Bruno Monteiro e relativo ao veículo “AUDI” com a matrícula 07-DT-00;---
- Um telemóvel “Nokia”, mod. N95, a que corresponde o nº de telefone (…).---
Mais decidimos, alterar a numeração atribuída aos factos dados como provados, cujo conteúdo se mantém, e constantes dos pontos 51 a 89, inclusive, da decisão revidenda, que passam, assim, a ter a numeração seguinte:---
28. Na sequência do assalto a demandante “Real Seguros, S.A.” indemnizou a sociedade “Oceânico Golf, S.A.” pelos danos sofridos no montante de € 7.865,75 (sete mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).---
29. Através da apólice nº 30/002001 a demandante “Real Seguros, S.A.” havia declarado assumir junto da sociedade “(…).” o ressarcimento dos prejuízos causados por furto ou roubo nas instalações desta.---
30. O arguido CF nasceu em Lisboa, inserido numa família constituída por 4 elementos, com um estrato socioeconómico equilibrado.---
31. Quando tinha cerca de 7 anos de idade, o agregado familiar desloca-se para Setúbal, por imperativos profissionais dos pais.---
32. Iniciou a escolaridade na idade adequada, tendo completado o 9º Ano de escolaridade com cerca de 18 anos, cumulativamente com um curso profissional de técnico administrativo, sendo detentor de um percurso escolar caracterizado como normativo.---
33. Há cerca de 12 anos os progenitores separaram-se, o que o obrigou a alterar as rotinas, já que passou a viver, primeiro com o pai durante 2 anos e, depois com a mãe até à idade adulta, mantendo, contudo, contactos regulares com o pai, com quem continua a manter uma boa relação, assente num clima de grande respeito e cordialidade.---
34. Quando completou 18 anos, abandonou a casa da mãe, tendo-se deslocado para o Algarve, onde se iniciou profissionalmente, primeiro como nadador salvador num parque aquático e, depois, como transferista de clientes para os campos de golfe existentes no Algarve.---
35. Passado pouco tempo de se ter radicado no Algarve, o arguido inicia uma relação marital, da qual nasceu uma filha, actualmente com 18 meses de idade.---
36. À data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido encontrava-se profissionalmente activo, como responsável de uma empresa de transferes de turistas praticantes de golfe, auferindo entre vencimento e gratificações cerca de € 1.500,00/mês a que acrescia cerca de € 850,00/mês de salário da namorada com quem vivia, num apartamento arrendado, de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, em Quarteira.---
37. É bem referenciado e avaliado no seu meio profissional.---
38. Em meio prisional tem mantido um comportamento estável e adequado, tendo concluído 2 cursos de formação, de inglês e artes, desenvolvendo ainda, em RAVI – Regime Aberto Voltado para o Interior a actividade de barbeiro.---
39. Beneficia de apoio exterior, traduzido nas visitas da família de origem, namorada, ex-companheira e filha, a qual constitui uma forte preocupação para o arguido.---
40. O arguido HC é o mais velho dos dois filhos de um casal detentor de uma situação equilibrada ao nível do relacionamento e interacção familiar, tendo a subsistência do agregado sido assegurada pela respectiva actividade profissional de ambos os progenitores, ele vendedor e ela empregada fabril.---
41. O processo de socialização decorreu num contexto estruturado e afectivo, onde a coesão e as práticas de entre ajuda foram fomentadas. No entanto, progressivamente, verificaram-se divergências parentais ao nível das práticas educativas, tendendo o pai para a adopção atitudes mais rígidas e autoritárias e a mãe mais permissiva.---
42. O processo de entrada na adolescência veio agudizar alguma conflitualidade já existente, tendendo a adoptar reacções de alguma revolta face às imposições paternas, potenciando-se a abertura e permeabilidade a influências externas, designadamente através do convívio com pares com problemas de toxicodependência da sua zona de residência.---
43. O seu trajecto escolar foi muito prejudicado por este contexto de relacionamentos e influências, registando várias reprovações e a adopção de comportamentos de indisciplina em meio escolar.---
44. Concluiu apenas o 6º ano de escolaridade e a tentativa feita mais tarde no sentido de obter a equivalência ao 9º ano, através da frequência de um curso de formação profissional, não resultou por ter sido excluído por problemas de comportamento.---
45. A partir dos 14 anos desenvolveu consumos de haxixe, cocaína, ecstasy e bebidas alcoólicas, que motivou o abandono da prática desportiva, ausência de hábitos de carácter laboral e agudizou o relacionamento familiar e a sucessão de relacionamentos afectivos.---
46. De uma relação afectiva estabelecida há cerca de dois anos resultou o nascimento de uma filha, actualmente com cerca de um ano de idade.---
47. O seu primeiro contacto ocorreu quando tinha 18 anos.---
48. À data dos factos residia numa casa arrendada em Santa Iria da Azóia com a companheira e a filha.---
49. Estava inactivo e a companheira exercia funções de operadora de telemarketing.---
50. Era apoiado financeiramente pelos pais.---
51. Ao nível pessoal denota grande imaturidade e instabilidade para se fixar em actividades com carácter estruturado, com incapacidade de interiorização dos ilícitos criminais pelos quais já foi condenado.---
52. Em meio prisional já cumpriu sanções disciplinares por posse de droga e de telemóvel.---
53. Beneficia de apoio da família de origem, recebendo visitas na prisão dos progenitores e da filha.---
54. O arguido BM nasceu em Vila Franca de Xira e foi criado até aos seus 16 anos com a sua progenitora, uma irmã e a avó em Santa Iria da Azóia, agregado a que acresceu desde 2004 o seu padrasto e um irmão mais novo.---
55. Sendo o mais velho de três irmãos (uma rapariga de 16 e um rapaz de 4 anos fruto do actual relacionamento amoroso da progenitora), não possui qualquer recordação do pai que faleceu quando o arguido tinha 6 anos de idade.---
56. A mãe tem como actividade profissional a promoção de produtos alimentares e em estabelecimentos comerciais de todo o país, tendo desde sempre assumido as responsabilidades parentais do arguido em cooperação com a avó.---
57. Frequentou de modo irregular o ensino escolar, tendo reprovado duas vezes no 5º ano de escolaridade e concluído apenas o 7º ano.---
58. Mais tarde iniciou o curso profissional de cozinha/pastelaria (Colégio Maria Pia – Casa Pia de Lisboa), o que lhe permitiria a obtenção do 9º ano de escolaridade, mas não concluiu esta formação.---
59. Apresenta uma actividade laboral diversificada tanto ao nível das entidades empregadoras como das actividades desenvolvidas, tendo iniciado o percurso laboral aos 16 anos em fábrica de peixe situada em Lisboa.---
60. Habita juntamente como o seu agregado familiar num apartamento sito em zona urbana com 4 assoalhadas e boas condições de habitabilidade, conforto e privacidade para cada um dos seus habitantes, beneficiando de uma dinâmica relacional coesa e uma economia familiar estável.---
61. À data de ocorrência dos factos constantes do presente processo judicial o arguido encontrava-se a laborar em empresa de “catering” do Aeroporto de Lisboa (na secção de pastelaria), entidade onde trabalhou 3 anos.---
62. Posteriormente, foi contratado por uma empresa de panificação sita em Marvila, onde desempenhou funções durante 9 meses, e mais tarde foi contratado pela actual entidade empregadora em finais de 2009, encontrando-se vinculado por contrato a termo certo com duração de um ano.---
63. É reputado como um bom funcionário, com integral respeito pelos colegas e superiores e elevado nível de qualidade no trabalho realizado.---
64. Do certificado de registo criminal do arguido CF constam as seguintes condenações:---
- Pela prática de um crime de roubo foi condenado, em 11.03.2003, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, já declarada extinta;---
- Por factos de 08.12.2001 foi condenado, em 02.11.2006, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de ofensa à integridade física grave, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.---
65. Do certificado de registo criminal do arguido HC constam as seguintes condenações:---
- Por factos de 08.05.2001 foi condenado, em 08.04.2002, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos;---
- Por factos de 27.09.2002 foi condenado, em 12.11.2003, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 2 (dois) anos de prisão;---
- Por factos de 07.2002 foi condenado, em 19.12.20023 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão;---
- Por factos de 10.02.2007 foi condenado, em 28.02.2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 2,00, já declarada extinta;---
- Por factos de 01.04.2008 foi condenado, em 22.04.2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;---
- Por factos de 27.12.2008 foi condenado, em 08.01.2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00.---
66. Do certificado de registo criminal do arguido BM consta que, por factos de 31.07.2005 foi condenado, em 11.10.2007, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00.---
Em consequência decide, ainda, este Tribunal ad quem alterar e aditar os factos dados como não provados na decisão revidenda nos termos seguintes:---
(…)
Finalmente, apenas uma breve consideração sobre o que se expendeu a propósito da apreciação da prova indirecta na decisão revidenda.---
Como ali se afirma e já o dissemos também, nenhuma prova directa foi produzida no que respeita ao envolvimento dos arguidos nos factos que se encontram traduzidos no acórdão recorrido.---
Para concluir no sentido ali explanado da autoria dos arguidos no evento objecto do processo, o Tribunal a quo apoia-se em ilações que retira da análise de prova indirecta, mais precisamente daquilo que menciona como os “doze elementos indiciários”, sendo que apenas quatro deles (o sexto, o décimo, o décimo primeiro e o décimo segundo), não resultam das intercepções e gravações das conversações e comunicações telefónicas efectuadas.---
Contudo, em nossa opinião, ainda que outro fosse o entendimento sobre o despacho que autorizou/admitiu a utilização, nos presentes autos, das intercepções e gravações de conversações e comunicações telefónicas efectuadas no âmbito de um outro processo, sempre não seria possível, em consciência e com a necessária certeza e segurança que um juízo de censura jurídico-penal impõe, a imputação aos arguidos dos factos cuja prática lhes é assacada no acórdão recorrido, com base em tais elementos indiciários.---
Como refere Marques Ferreira, em “Jornadas de Direito Processual Penal”, pág. 227, a propósito do princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, deve o mesmo ser entendido como o dever de “(…) perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação da prova há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controle”.---
Ou, como se lê em Paulo Pinto Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica, 3ª ed., pág. 328, “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão.”. Tal princípio tem, portanto limites: limites endógenos, relativos ao exercício da apreciação da prova e que condicionam o próprio processo de formação da convicção e da descoberta da verdade material e exógenos, no sentido que condicionam o resultado da apreciação da prova. De entre os primeiros, refira-se o grau de convicção requerido para a decisão, a proibição de meios de prova e a observância do princípio da presunção de inocência; e dos segundos, a observância do princípio in dubio pro reo – cfr. ob. e loc. citados.---
Como diz Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, Verbo, 4ª ed., pág. 151, “Com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim. A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre «uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros».
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir de factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há-de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.”.---
A verdade que se busca em processo penal é o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificadamente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtido por meios válidos. “A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida.
A lei processual não impõe a busca da verdade absoluta, e, por isso também, as autoridades judiciárias, mormente o juiz, não dispõem de um poder ilimitado de produção de prova. O thema probandi vai sendo delimitado em cada fase processual e limitados são também os meios de prova admissíveis no processo, os métodos para a sua obtenção e o momento e forma da sua produção: a verdade obtida com tais limitações nos métodos e meios há-de ser, por isso, também apenas uma verdade histórico-prática, uma determinação humanamente objectivada de uma realidade humana.” - cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 130 e 131.---
Colocado o Tribunal de julgamento perante dúvida insanável em matéria de prova, deve aplicar o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência.---
O in dubio pro reo “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador” - cfr. Cristina Líbano, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra, 1997.---
Porém, não é toda a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo, mas apenas a dúvida razoável, positiva, racional, que impeça a convicção do tribunal, a analisar pelo julgador, em cada caso concreto.---
Certo é que para além das provas directas, existem as denominadas provas indirectas que tal como as primeiras podem ser suficientes para alicerçar a certeza necessária à condenação.---
A prova indirecta (ou indiciária) não tem estatuto de menoridade relativamente à prova directa, pois se na prova indirecta intervém a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência o que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa poderá intervir um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do depoimento de uma testemunha.---
Acresce que a nossa lei penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.---
Ou seja, na prova directa tal como na prova indirecta intervém o princípio da livre apreciação consignado no artigo 127º, do Código de Processo Penal que implica a avaliação da prova e das condicionantes da sua produção segundo as regras da experiência.---
Contudo, essas denominadas provas indirectas ou indiciárias, na terminologia dos doutrinadores espanhóis (sobre a prova indiciária em processo penal veja-se com interesse, “La Mínima Actividad Probatória en el Proceso Penal”, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda Estrampes, páginas 231 a 249), devem ser usadas com particular cautela, a fim de evitar erros judiciários com consequências tanto mais devastadoras quanto maior for a gravidade dos factos objecto de julgamento.---
A utilização deste tipo de provas exige, em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários, distinguindo-se os casos de pluralidade aparente dos casos de efectiva pluralidade, em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes e, em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios, isto é, importa que tais indícios sejam inequívocos.---
Com efeito, a verdade em direito é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directamente ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto. E quando a base do juízo de facto é indirecta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros.---
Daqui decorre que não é decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente. Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.---
Sobre o tema da prova indiciária, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-9-2007, proferido no processo 07P4588, disponível em www.dgsi.pt, “(…) Vejamos que o indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-juridico intelectual necessário antes que se gere a impunidade. (…) E sobre a prova indiciária (…) entende-se, ainda, que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso. Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.”.---
Ora, in casu, cremos que, com base nas regras de experiência, exactamente o que os elementos indiciários valorados pelo Tribunal a quo permitem é (tão só) sustentar a conclusão afirmada em termos de eventualidade, ao invés de certeza. O que tais elementos indiciários não consentem, como se alcança aliás da própria decisão recorrida, é a afirmação de que eles conduzem inequivocamente ao facto afirmado, para além de toda a dúvida (razoável).---
Na verdade, eles consentem que a dúvida razoável se instale no julgador, pois que permitem e consentem perguntar se outro não seria o crime em combinação pelos arguidos (quiçá de tráfico de produto estupefaciente) e, se de assalto se tratasse, se era o que constituiu o objecto do presente processo e não um qualquer outro.---
E, esta dúvida razoável que a decisão revidenda não esclarece, nem dirime, teria que ser sempre resolvida em abono dos arguidos, pelo funcionamento do princípio in dubio pro reo.---
Em consequência da decisão da matéria de facto ora proferida, atentando nos factos dados como provados, forçoso é concluir que tal factualidade não consente, nem permite a imputação aos arguidos CF, HC e BM dos crimes por que foram condenados pelo Tribunal a quo.---
Na verdade, entendendo-se como autor do facto quem domina o facto, quem toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende decisivamente o “se” e o “como” da realização típica – cfr. artigo 26º, do Código Penal – da factualidade assente não é possível concluir terem sido os arguidos os autores do facto típico descrito, posto que identidade alguma aquela factualidade permite por forma a concluir que os indivíduos que o praticaram eram os aqui arguidos.---
Devem, por isso, do seu cometimento serem respectivamente absolvidos.---
Em face de tudo o que se deixou expendido, mostra-se, pois, prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelas conclusões extraídas das motivações dos recursos interpostos e acima enunciadas sob os pontos 2, 3 e 4, de fls. 63 do presente acórdão.---
V
No tocante à instância cível:---
A este propósito diz-nos a decisão revidenda o seguinte (transcrição):---
“E- Da Instância Cível:
"Real Seguros, S.A." deduziu contra todos os arguidos um pedido de indemnização cível no qual pediu que fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 7.865,75 (sete mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal [cfr. fls. 1178-1206].
A responsabilidade civil invocada pela demandante decorre da sub-rogação no direito da sociedade “(…).” e reporta-se à prática dos crimes de roubo qualificado.
A procedência do pedido cível depende, em termos substantivos, da verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual (artigos 129.º do Código Penal e 483.º do Código Civil) .
Assim sendo, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante está, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, condicionada à verificação de diversos pressupostos, a saber:
• A ocorrência de um facto;
• A ilicitude, que consiste na infracção de um dever jurídico;
• A imputação do facto ao agente, consubstanciada na culpa;
• A verificação de um dano ou prejuízo a ressarcir;
• Nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Segundo se provou, através da apólice n.º 30/002001 a demandante “Real Seguros, S.A.” declarou assumir junto da sociedade “(…).” o ressarcimento dos prejuízos causados por furto ou roubo nas instalações desta.
Na sequência do assalto a demandante “Real Seguros, S.A.” indemnizou a sociedade “(…).” pelos danos sofridos no montante de € 7.865,75 (sete mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
Ora, atenta tal matéria provada e a valoração que da mesma se fez supra, conclui-se que os demandados, com as suas actuações, violaram os direitos patrimoniais da demandante no aludido montante.
Igualmente se identificou o carácter ilícito do comportamento dos demandados, que se consubstanciou na violência criada sobre os funcionários da sociedade “(…)” e apropriação daquele valor.
É ainda possível dirigir à conduta dos demandados um juízo de censura culposo, na sua modalidade mais intensa (dolo), que pretenderam e quiseram exactamente aquele resultado danoso.
Quanto à existência de prejuízo, nenhuma dúvida subsiste que a demandante suportou na sua esfera patrimonial um prejuízo, que coincide com aquele valor que se mencionou [€ 7.865,75] e que teve de despender por força das suas obrigações contratuais derivadas do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 30/002001.
Por último, não se questiona o nexo de causalidade que se estabeleceu entre a conduta dos demandados e o dano que o demandante veio a sofrer na sua esfera jurídico-patrimonial.
No caso, estão assim reunidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, prevista no artigo 483.º do Código Civil, recaindo tal dever sobre os demandados devido ao regime da responsabilidade civil extra-contratual que impõe a solidariedade entre os vários lesantes no ressarcimento dos danos perante o lesado (artigo 497.º, n.º 1, do Código Civil).
A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro, no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil).
Conforme se disse, os n.ºs 2 e 3 do artigo 566.º do Código Civil, prevêem que a indemnização em dinheiro tenha como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Na situação em apreço, haverá que considerar a quantia paga pela demandante [€7.865,75].
Vem pedido também o pagamento de juros sobre tal quantia.
Quanto aos juros moratórios entende-se que os mesmos são os devidos em consequência do não cumprimento pontual de uma obrigação e podem resultar do acordo das partes ou da lei, fixando-se no artigo 805.º, n.º 2, al. b), do Código Civil, o momento a partir do qual a mora passa a verificar-se.
Tratando-se de uma obrigação proveniente de facto ilícito, o demandante, na qualidade de credor, têm direito ao seu pagamento nos termos dos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, que se identifica com a data do facto ilícito e coincide no caso concreto com a data da realização do assalto [16.03.2009].
Assim, desde tal data [16.03.2009] e sobre o montante da indemnização devida tem o demandante direito a receber juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
Acresce que, tratando-se de um crédito que resulta de responsabilidade por facto ilícito, os juros de mora serão contabilizados nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril.
Procede, assim, integralmente o pedido de indemnização cível formulado pela sociedade “Real Seguros, S.A”.
(…)”.---
E, em consequência, foi decidido:---
“(…)
p) Julgar totalmente procedente o pedido cível deduzido pelo “Real Seguros, S.A.” e, em consequência, condenar solidariamente CF, HC e BM a pagarem àquela a quantia de € 7.865,75 (sete mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 16.03.2009 e até integral pagamento.
(…)”.---
Ora, da apreciação e decisão proferida nesta sede a propósito da responsabilidade criminal dos arguidos/demandados no evento crime objecto do presente processo, porque não se logrou provar a sua autoria, por alguma forma no facto ilícito, falece desde logo, a responsabilidade civil que lhes é assacada.---
Na verdade, não é possível concluir, como já se afirmou, ante a matéria dada como assente nesta instância, que os descrito facto – assalto – se deveu ou foi protagonizado pelos arguidos/demandados, com dolo/culpa dos mesmos.---
Assim, sem necessidade de outros considerandos, impõe-se igualmente absolver os arguidos/demandados do pedido cível em que foram condenados na 1ª instância.---
VI
Em vista do vencimento no recurso, pelas apontadas e explanadas razões, e nos termos do disposto no artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, não são devidas custas pelos arguidos/demandados.---
VII
Decisão
Nestes termos acordam em:---
A) – Conceder, pelos motivos expendidos, provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, revogando a decisão proferida na 1ª instância e consequentemente:---
I. Absolver o arguido CF da prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nºs 1, als. a) e e), e 2, al. f), do Código Penal, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), do citado Código Penal, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nºs 1, al. e), e 3, por referência ao artigo 255º, al. a), ambos do mencionado diploma e de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1, do mesmo Código Penal, por que foi condenado;---
II. Absolver o arguido HC da prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nºs 1, als. a) e e), e 2, al. f), do Código Penal, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), do citado Código, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nºs 1, al. e), e 3, por referência ao artigo 255º, al. a), ambos do mencionado diploma e de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1, do mesmo Código Penal, por que foi condenado;---
III. Absolver o arguido BM da prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nºs 1, als. a) e e), e 2, al. f), do Código Penal, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), do citado Código Penal, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nºs 1, al. e), e 3, por referência ao artigo 255º, al. a), ambos do mencionado diploma e de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1, do mesmo Código Penal, por que foi condenado.---
IV. Absolver ainda os arguidos/demandados do pedido cível em que foram condenados.---
B) – Não são devidas custas.---
***
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)
Évora, 10 de Maio de 2011
Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares (relatora) - João Manuel Monteiro Amaro