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ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
PRÉDIO CONFINANTE
Sumário
1 - No caso de a inscrição registral da aquisição de um imóvel se basear em escritura de justificação, não beneficia o respectivo titular da presunção a que alude o artº 7º do C.R.Predial, ou seja de que o direito existe, sempre que a mesma seja impugnada em acção judicial. 2 - A escritura de justificação notarial não cria o direito aí declarado, o qual aparece referido na escritura por força de uma declaração unilateral do justificante” pelo que “este tem de comprovar que é verdadeira a sua declaração quando ela for posta em causa por quem tiver legitimidade (interesse), o mesmo é dizer por quem possa sair prejudicado com aquela justificação”. 3 - O reconhecimento do direito de preferência depende da verificação cumulativa, à data da propositura da acção, dos seguintes pressupostos: a) - que o prédio alienado tenha área inferior à unidade de cultura; b) - que o preferente seja dono do prédio que diz confinante com o prédio alienado; c) - que esse prédio tenha área inferior à unidade de cultura; d) - que o preferido não seja proprietário confinante. 4 - Não preenche o requisito referido na alínea b) o preferente que, não tendo registo do prédio a seu favor à data da propositura da acção, outorga posteriormente escritura de justificação e, com base nela, regista o prédio confinante a seu favor.
Texto Integral
Acordam no tribunal da Relação de Évora: M… e mulher M…, residentes em…, intentaram acção declarativa de condenação com processo sumário contra F…, solteira, maior, residente em …, e W…, casado, no regime de separação, com I…, residentes em…, pedindo que:
a) Lhes seja reconhecido o direito de haverem para si a propriedade do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o nº…, freguesia de Marmelete e inscrito ma matriz predial respectiva sob o nº… da Secção AI – A3, substituindo na sua titularidade o 2ª réu adquirente;
b) Sejam declarados os AA. como adquirentes – compradores na escritura pública realizada em 29 de Março de 2006, na qual os primeiros réus vendera ao segundo o referido prédio.
c) Seja ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor de segundo réu.
d) Os RR. sejam condenados no pagamento aos AA. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 500 €.
Alegam, resumidamente, que são proprietários de dois prédios rústicos que confrontam a nascente e a poente com o prédio identificado em a) e que a ré F…, em 29 de Março de 2006, vendeu ao segundo réu, que não era proprietário de terrenos confinantes, pelo preço de € 3.000,00, sem que lhes tivesse comunicado ou dado conhecimento da intenção de venda, suas condições e cláusulas do contrato, sendo que todos os prédios têm área inferior à unidade de cultura. Alegam, por fim que, octogenários e pessoas sensíveis, ficaram psicologicamente abalados quando tomaram conhecimento das circunstâncias que rodearam a venda
Depositado o preço e demais encargos e regularmente citados, contestou o R. W…, excepcionando a situação a que alude o artº 1381º, al. a) do C. Civil, por isso que adquiriu o prédio em causa pela razão de lá existirem duas construções rurais e de nele se propor construir uma moradia unifamiliar e alegando, em sede de impugnação, que o A. é proprietário de outros prédios confinantes cuja área total ultrapassa a fixada pelo Portaria nº 202/70 de 21 de Abril, pelo que não tem aplicação o disposto no artº 380º, nº 1, do CC, impugnando depois, por desconhecimento, os factos em que os AA. baseiam o direito de propriedade sobre os prédios confinantes.
Contestou por igual a Ré F… alegando ter contactado a A. que peremptoriamente lhe disse que não estava interessada em comprar o prédio fosse qual fosse o preço, para além de que os AA. possuem outros prédios que somam área equivalente á unidade de cultura e de que se os AA. não pediram a anexação, só por lapso dos serviços do Instituto Geográfico Português a mesma não foi oficiosamente efectuada.
Concluem, assim, os RR. pela improcedência da acção.
Os AA. ofereceram as respostas de fls. 136 e 184, quanto ás invocadas excepções, concluindo como na p.i.
Ordenado e efectuado o registo da acção, foi proferido o despacho saneador, dispensando-se a audiência preliminar bem como a organização da base instrutória.
Oferecidas as provas, teve oportunamente lugar a audiência de julgamento a que se seguiu a decisão de fls. 284-286 sobre a matéria de facto.
Por fim, foi proferida a sentença julgando a acção procedente apenas quanto aos pedidos supra referidos sob as alíneas a), b) e c).
Inconformado, interpões o R. W… o presente recurso de apelação em cuja alegação formula as seguintes conclusões:
I . Um dos pressupostos do direito de preferência dos Autores consistia em eles serem proprietários dos artigos 4 e 7 na data da outorga da escritura de compra e venda entre a Ré F… e o R. K…, ou seja, em 29 de Março de 2006.
II. Os Autores, nos artigos 1º e 3º da sua petição inicial alegaram que eram donos, como adquiriram os prédios e que eram possuidores há mais de 60 anos, tendo esta matéria sido impugnada pelo Réu K… no artº 27º da sua contestação, que deu entrada no Tribunal em 24 de Outubro de 2006.
III. Os Autores não juntaram com a petição inicial qualquer documento comprovativo do seu direito de propriedade.
IV. Em 30 de Maio de 2008, os Autores registaram os dois prédios a seu favor constando da inscrição no registo predial (Ap. 4 de 2008/05/30) como causa da aquisição a usucapião.
V. Os Autores outorgaram escritura de justificação notarial em 9 de Novembro de 2007, escritura que deu lugar ao registo dos prédios a seu favor.
VI. O registo efectuado pelos Autores não permite concluir que eles eram donos dos prédios 4 e 7 em 29 de Março de 2006, atendendo a que a inscrição não refere a data em que a posse dos autores se iniciou.
VII. O registo predial feito com base em escritura de justificação notarial não pode constituir presunção de que o direito existe, sempre que aquela seja impugnada em acção judicial.
VIII. A escritura pública de justificação notarial é o documento notarial onde são exaradas as declarações que um sujeito, o justificante, presta e segundo as quais exerceu a posse com as características que a tornam legalmente idónea para adquirir um imóvel por usucapião.
IX. O justificante não pode beneficiar da presunção estabelecida no artº 7º do C. R. Predial, tanto mais que as declarações contidas na justificação notarial apenas valem para efeitos de descrição na Conservatória do Registo Predial se não vierem a ser impugnadas.
X. Na presente acção e em momento anterior à outorga da escritura de justificação notarial, o R. K… tinha impugnado as declarações prestadas pelos autores na escritura de 9 de Novembro de 2007.
XI. Tendo o R. K… impugnado os factos constantes da escritura, a decisão que dá como provados tais factos, fundando-se numa escritura onde são acolhidas declarações dos Autores prestadas ante Notário e confirmadas por três pessoas, traduz-se numa violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
XII. Os Autores não ouviram nenhuma testemunha à matéria de facto alegada nos artigos 1º a 3º da petição inicial.
XIII. Como o registo não constitui presunção de propriedade e os Autores não fizeram qualquer outro tipo de prova da matéria dos artigos 1º a 3º da petição inicial, foi errada a decisão de facto que sobre eles recaiu, devendo a matéria de facto constante de tais artigos ser dada como não provada.
XIV. Porque não eram donos dos prédios confinantes ao prédio vendido, não gozam os Autores do direito de preferência.
XV. Constitui pressuposto do exercício do direito de preferência que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
XVI. Os autores não lograram provar tal facto, conforme resulta da decisão da matéria de facto que o considerou não provado.
XVII. Aquele que invocar o direito tem de fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
XVIII. Foi dado como provado que a finalidade do Réu K… na aquisição do prédio foi a possibilidade de poder recuperar as construções existentes e poder utilizá-las para habitação.
XIX. A recuperação da construção (como também a reconstrução) é sempre possível, motivo pelo qual recorrendo a um critério de razoabilidade e de conhecimento comum se conclui pela viabilidade da pretensão do R. K…
XX. A recuperação de uma construção é uma operação que não está sujeita a licenciamento, conforme resulta do artº 6º, nº 1, al.a) do Decreto-Lei nº 555/1999.
XXI. Não gozam de preferência os proprietários confinantes, quando o terreno vendido se destina a um fim diferente da cultura agrícola.
XXII. Não assistia, assim, aos Autores, o direito de preferência.
Considera violados os artºs. 3 e 3-A do CPC, 7º do CRP, 342, nº 1, 1316º, 1380º nº 1 e 1381º, al, a) do C. Civil.
Os AA. contra-alegaram pugnando pela confirmação da sentença.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Na decisão recorrida considerou-se assentes os factos que de seguida se transcrevem:
1. Os Autores são donos e legítimos proprietários de dois prédios rústicos, sitos no B…, freguesia de Marmelete, concelho de Monchique, prédios que se encontram inscritos na matriz predial rústica sob os artigos… e… da secção A1-A3 e descritos na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o nº… e nº…
2. Em 20.12.2007, foi publicada no Jornal de Monchique (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) escritura de justificação lavrada em 9 de Novembro de 2007, tendo os Autores declarado adquirir, por usucapião, os imóveis inscritos na matriz predial com os números 004, 007 e 009, todos da secção A1-A3.
3. Os prédios identificados em 1 são compostos de terra de semear com cultura arvense e de sequeiro, sobreiros e com as respectivas áreas: prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artº 4º.com 0, 3920 hectares; prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artº 7º, com 3,580 hectares.
4. Esses prédios confrontam a Nascente e a Poente com o prédio rústico sito no B…, freguesia de Marmelete, concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o nº… e inscrito na matriz predial rústica sob o artº 3º da Secção A.1 e A.3.
5. O prédio supra descrito é composto de cultura arvense, construção rural e sobreiros e tem uma área de 0, 3440 hectares, confrontando do Norte com I…, a Sul com J… e S… e a Nascente e Poente com M…, Autor nos presentes autos.
6. Por escritura pública de compra e venda, lavrada no cartório Notarial de Portimão no dia 29 de Março de 2006, escritura exarada de folhas cento e dezasseis e folhas cento e dezassete dos livro de notas para escrituras diversas, número dezasseis, a 1ª Ré vendeu ao segundo Réu, por € 3.000, o prédio rústico com o artº 3º (cfr. Documento de fls. 15 a 17 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7º O IMT pago pelo 2º Réu foi de € 150 (cento e cinquenta euros) e as despesas notariais ascenderam a € 245,20 (duzentos e quarenta e cinco euros e vinte cêntimos).
8. Os Autores cultivavam os prédios inscritos com os números 004 e 007 e encontram-se cultivadas couves no prédio inscrito com o nº 003.
9. Os Autores sempre exerceram a actividade de agricultores, actividade geradora de rendimentos agrícolas.
10. O 2º Réu reside com a sua mulher num prédio que confina com o nº 003.
11. Os autores exercem actividade de agricultores, tendo passado a fazê-lo, no que toca aos prédios que confrontam com o que nestes autos se discute, com algumas limitações que ficam a dever-se ao facto de o 2º Réu soltar as suas cabras que invadem os terrenos dos Autores, destruindo os produtos que estes cultivam.
12. O 2º Réu participou através de declaração /modelo 1 do IMI em 18.09.2006, a existência das construções rurais no referido prédio com o nº 003 (cfr. Doc. de fls. 90 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. Na participação acima mencionada sobre o prédio omisso, foi atribuído o artigo P 1739.
14. Tendo também solicitado à Câmara Municipal de Monchique uma certidão a reconhecer que as supra referidas construções rurais foram construídas antes de 1951.
15. O objectivo do 2º Réu na aquisição desta propriedade foi a possibilidade de poder recuperar e reconstruir as construções existentes e que estão integradas nesta área. 16. E poder afectar a sua utilização para sua habitação.
17. O edifício existente situa-se na zona Norte do prédio rústico, sendo o terreno atravessado por uma via de comunicação.
18. O Autor marido também é proprietário de um prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 9 da secção A1 e A3 com a área de 3.5280 ha e que confina com um dos prédios rústicos sua propriedade inscrito na matriz predial rústica sob o artº 7º da secção A1 e A3.
Vejamos então.
Como se colhe designadamente das conclusões XII e XIII o recurso é essencialmente dirigido à decisão sobre a matéria de facto no que tange aos artigos 1ª a 3ª da petição inicial, posto sustentar o apelante não terem os AA. produzido sobre os mesmos qualquer prova.
Como decorre do artº 712º nº 1 al. b) do C.P.Civil, a alteração pela Relação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, uma vez que tenha sido impugnada nos termos aplicáveis do artº 690º-A, nº 1 do C.P.C pode ocorrer se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outra provas.
Tendo por conveniente proceder, desde já, ao correcto enquadramento da questão em apreço cumpre temos que pela presente acção propuseram-se os AA. ver reconhecido o seu direito de preferência ao abrigo do artº 1380º do Código Civil (a que se referem todos os preceitos adiante citados sem menção de outra fonte), invocando a sua qualidade de proprietários de dois prédios rústicos confinantes com o prédio transaccionado entre os RR.
Trata-se do exercício de uma faculdade conferida por lei e que ao fim e ao cabo se traduz num verdadeiro limite ao princípio da liberdade contratual a que alude o artº 405º do mesmo diploma, quando entendido no amplo sentido de abranger a própria livre escolha, por cada uma das partes, do outro contraente. Ou seja, perante a perspectiva, designadamente, de uma venda, tem o obrigado à preferência de comunicar ao titular do direito as respectivas cláusulas (artº 416º nº 1) sob pena de este se poder vir a substituir ao adquirente. É o que os AA. pretendem, relativamente à compra e venda celebrada entre os RR.
Dispõe, a propósito, o nº 1 do citado artº 1380º que os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
O reconhecimento do direito que os AA. se propõem exercer depende, pois da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- que o prédio alienado tenha área inferior à unidade de cultura;
- que os AA. sejam donos dos prédios que dizem confinantes com o prédio alienado;
- que esses prédios tenham área inferior à unidade de cultura;
- que o Réu W… não seja proprietário confinante.
E porque de pressupostos cumulativos se trata, a falta de qualquer deles determina a improcedência da acção.
Não estando aqui em discussão o primeiro dos apontados pressupostos, constata-se das primeiras 17 conclusões da alegação que o apelante se insurge contra a verificação do segundo, posto sustentar que os AA. não demonstraram ser proprietários dos prédios que dizem confinar com prédio alienado, pelo que não poderá subsistir a decisão da matéria de facto vertida nos artºs 1 a 3 da p.i.
Trata-se, com efeito, do facto constitutivo primordial do direito de preferência em causa, na medida em que apenas é reconhecido ao proprietário, em consequência do que, nos termos do nº 1 do artº 342º, recai sobre os AA, o respectivo ónus da prova (art 342º nº 1)
Claramente cientes desta realidade, alegaram a propósito os AA. na sua petição inicial:
“1º
Os AA. são donos e legítimos possuidores de dois prédios sitos no B…, freguesia de Marmelete, concelho de Monchique, prédios que se encontram inscritos na matriz predial rústica sob os artigos 4 e 7 da secção A1-A3, v. doc. 1 e 2.
2º
O Autor adquiriu os prédios por sucessão hereditária de A… e T…, vide documento que se protesta juntar.
3º
Os AA. são legítimos possuidores dos acima identificados prédios, já que vêm há mais de 60 anos lavrando e semeando tais prédios, cultivando arvoredo e pastagens, colhendo todas as produções, o que têm feito à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na plena convicção de que exercem um direito de propriedade relativamente aos aludidos prédios.
4º
Pelo que, mesmo que não existisse título escrito, que existe, os AA. teriam adquirido por usucapião o respectivo direito de propriedade, o que expressamente invocam como título legítimo de aquisição.”
Ora, relativamente a tais artigos, consignou o réu W… no artº 27º da sua contestação, oferecida em 20.10.2006, que “não sabe se é verdade o alegado no nº 1. 2. 3. (…) da douta petição inicial.
O que significa que, não se tratando de factos pessoais do Réu ou de que devesse ter conhecimento, os mesmos se devem ter por impugnados, nos termos da 2ª parte do nº 3 do artº 490º do C.P.Civil.
Ora, sendo certo que nunca juntaram aos autos o “título escrito” aludido no artº 4º e que, na lógica da p.i, seria o documento protestado juntar no artº 2º, e tendo presente que a acção foi instaurada em 21 de Setembro de 2006, e que era a esta data que devia verificar-se a qualidade que invocaram e com base na qual se propuseram exercer o direito de preferência, os AA. surpreendentemente, em 9 de Novembro de 2007, ou seja decorridos mais de um ano sobre a pendência da causa, dirigiram-se ao Cartório Notarial sito na Urbanização…, Algarve, da Ex.ma Notária Lic. T… e fizeram exarar escritura de justificação declarando serem donos dos prédios por os haverem adquirido aproximadamente em 1947 por partilha meramente verbal por óbito dos pais do A. e terem exercido desde então sobre eles posse em nome próprio pacífica, contínua e pública, desde a mencionada data a qual conduziu à aquisição por usucapião “justificando o seu direito de propriedade para efeito de registo, dado que esta forma de aquisição não pode ser comprovada por qualquer outro título formal extrajudicial”(v. doc. de fls 273). Ou seja, ao contrário do que haviam afirmado nos artºs 2º e 4º da p. i. não havia “titulo escrito” (v. doc. de fls 273) sendo que, com base em tal escritura lograram o obter, na mesma data (30.05.2008) a descrição e a inscrição dos prédios a seu favor (fls. 267-272).
Mas a verdade é que constitui entendimento praticamente unânime da doutrina e da jurisprudência o de que, no caso de a inscrição registral da aquisição de um imóvel se basear em escritura de justificação, não beneficia o respectivo titular da presunção a que alude o artº 7º do C.R.Predial, ou seja de que o direito existe, sempre que a mesma seja impugnada em acção judicial. Na verdade, como se salienta no Ac. da R. de Coimbra de 27.06.200, in CL ano XXV, Tomo III, pag. 35 : “(…) a escritura de justificação notarial não cria o direito aí declarado, o qual aparece referido na escritura por força de uma declaração unilateral do justificante” pelo que “este tem de comprovar que é verdadeira a sua declaração quando ela for posta em causa por quem tiver legitimidade (interesse), o mesmo é dizer por quem possa sair prejudicado com aquela justificação”
E porque assim é, não se vê que pudessem os AA., através de uma escritura de justificação, fazer prova dos factos que o R. já havia impugnado, na medida em que se limitaram a repetir perante o notário o que, a propósito da aquisição do direito de propriedade, haviam alegado em juízo, sendo certo que, dentro do processo, a prova é produzida perante o juiz e não parente o Notário
Ora, tendo presente que não se procedeu à selecção da matéria de facto, vejamos como na decisão desta matéria se pronunciou tribunal, sobre os artºs 1º a 3ª da p.i,
“Artigo 1º: Provado, e ainda que tais prédios encontram-se descritos, respectivamente na conservatória do registo Predial de Monchique sob o nº 223/20080530 e nº 2234/20080530”
Artigo 2 e 3: Provado apenas que em 20.12.2007, foi publicada no Jornal de Monchique (cujo teor aqui se dá por reproduzido) escritura de justificação lavrada em 9 de Novembro de 2007, tendo os Autores declarado adquirir, por usucapião os imóveis inscritos na matriz predial com os números 004,007 e 009, todos da secção …”.
Assim, da resposta ao artigo 1º resulta que foi dado como provado que os AA são donos e legítimos proprietários dos prédios em causa e da resposta conjunta aos artigos 2º e 3º resulta que não se deu como provado que o Autor os tivesse adquirido por sucessão hereditária, que há mais de 60 anos o vêm lavrando e semeando, cultivando arvoredo e pastagens, colhendo todas as produções e que o têm feito à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na plena convicção de que exercem um direito de propriedade.
Só que, para além de na fundamentação da decisão não se esclarecerem as respectivas razões, a afirmação de que os AA são donos e legítimos proprietário dos prédios mais não representa do que uma conclusão que tinha de ser extraída de factos demonstrativos de uma forma de aquisição originária (v. g, usucapião ou acessão) ou de uma forma de aquisição derivada (contrato ou sucessão), factos esses de que não há sequer sinais nos autos.
Ora, uma vez transposta tal afirmação para a sentença (nº 1 do elenco dos factos considerados provados), dela se partiu, sem mais para a apreciação dos demais pressupostos do direito de preferência.
Mas a verdade é que, pelas razões já aduzidas, a resposta dada ao artº 1º não pode subsistir, não restando outra solução que não seja considerá-lo abrangido pela resposta conjunta dada aos quesitos 2º e 3º, agora com a seguinte redacção:
“Quesitos 1º, 2º e 3º: “Provado apenas que em 20.12.2007, foi publicada no Jornal de Monchique (cujo teor aqui se dá por reproduzido) escritura de justificação lavrada em 9 de Novembro de 2007, tendo os autores declarado ter adquirido por usucapião os imóveis inscritos na matriz predial com os números..., todas da Secção A1-A3, e que os mesmos se encontram descritos na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o nº… e…”.
O que, por razões de coerência, determina também a alteração, para a de “Não provado”, da resposta dada ao artº 30º da contestação e plasmada no ponto 18 do elenco dos factos constante da sentença, uma vez que baseada expressa e exclusivamente na mesma escritura de justificação (v. fls 285, penúltima linha).
Concluindo-se de tudo o que vem de ser dito que os AA. não demonstraram ser proprietários de qualquer prédio confinante com o alienado, a acção não podia deixar de improceder, com o que prejudicada se mostra a apreciação dos demais pressupostos exigidos por lei para o reconhecimento judicial do direito de preferência.
Por todo o exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença impugnada e, julgando a acção improcedente, absolvem os Réus dos pedidos.
Custas pelos Autores.
Évora, 9.06.11
João Gonçalves Marques
Eduardo Tenazinha
António M. Ribeiro Cardoso