DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
ÁREA EXPROPRIÁVEL
Sumário

I – Constando da DUP a área necessária à realização da obre pública em causa, não se verifica, em princípio, erro na DUP por uma parte de determinada parcela expropriada não pertencer ao interessado indicado, havendo antes que chamar o proprietário dessa parte, alterando-se subjectivamente a instância, e recebendo cada um a respectiva indemnização.
II – Existindo já procedimentos expropriativos autónomos, não fará sentido tal intervenção, bastando proceder ao ajustamento das áreas a considerar em cada processo.
III – Apresentando-se como correcta, no seu todo, a planta parcelar que integra a DUP, a circunstância de nela se surpreenderem inexactidões quanto à área pertencente a cada interessado não demanda uma correcção da própria DUP, atento o princípio da legitimidade aparente que vigora nesta matéria.
IV – O regime assim talhado encontra razão de ser na urgência da entrada dos bens a expropriar na disponibilidade imediata da expropriante, tendo em vista não atrasar a realização e conclusão das obras, o que comprometeria a prossecução do interesse público.

Texto Integral

Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Neste recurso de agravo é recorrente EP – Estradas de Portugal, SA, e recorrida Maria ….

O recurso foi interposto do despacho de adjudicação das parcelas 6.1, 6.2 e 6.3 à expropriante agravante, na parte em que determinou a adjudicação da área de 2.413,00 m2 e não 1.615 m2.

Na DUP a parcela é indicada com a área de 2.413 m2 – fls. 81.

Consta da DUP:

“ Nos termos do disposto na alínea a) do n.° l do artigo 14.° e no n." 2 do artigo 15.° do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.° 168/99, de 18 de Setembro, atenta a resolução do conselho de administração do Instituto das Estradas de Portugal de 21 de Janeiro de 2004, que aprovou a planta parcelar e o mapa de expropriações das parcelas… declaro … atendendo ao interesse público subjacente… a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra «Concessão norte, A 11-IP 9, Braga-Guimarães, IP 4 (A 4), sublanço Felgueiras-Lousada», identificadas no mapa e na planta em anexo, com os elementos constantes da descrição predial e da inscrição matricial e dos direitos e ónus que sobre elas incidem e os nomes dos respectivos titulares…”

Na VAPRM a parcela é identificada com a área de 2.413 m2, conforme fls. 53.

No auto de posse administrativa consta a mesma área. fls. 48.

Na sequência de reclamação de vários proprietários a EP solicitou à AENOR a realização de trabalhos topográficos e rectificação das áreas, tendo-se procedido a tais rectificações, fls. 44 ss do anexo -, rectificando-se a área da parcela 6 para 1.615 m2. Fls. 33, 9 e 10.

A expropriada não esteve nesse acto, fazendo-se constar nele Manuel … com indicação de caseiro das parcelas 6 e 9. fls. 49 do anexo

A expropriada foi notificada da rectificação da área por carta de 12/4/07, conforme fls. 9 e 10.

O laudo de arbitragem considerou a área de 2.413 m2.

A expropriante veio reclamar quanto à área, conforme fls. 236, opondo-se a expropriada.

Facultado acesso ao doc. 7 junto com requerimento de 20/4/2007, onde consta a alteração da área a expropriar e as plantas parcelares corrigidas, os Srs. Peritos concluem que a área da parcela expropriar é de 1615 m2. Fls. 277.

Por despacho de 2/9/2008 foi adjudicada a propriedade das parcelas, referenciando-se a área de 2.413 m2.

Notificada a recorrente veio invocar nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão da área, solicitando a rectificação e na hipótese de assim se não entender declarando interpor recurso.

A expropriada pronunciou-se opondo-se ao pretendido.

Por despacho de 2/10/2008 julgou-se improcedente a invocada nulidade.

Entendeu-se que como acto administrativo a DUP apenas pode ser impugnada no contencioso administrativo. Não é no processo expropriativo que podem ou devem ser decididas questões sobre a alteração ou correcção de inexactidões, nomeadamente no que respeita à identificação dos bens a expropriar, identificação que não prescinde da menção das respectivas áreas.

Por não se conformar a expropriante interpor agravo, admitido com efeito suspensivo.

Em conclusões solicita-se a revogação do despacho de adjudicação e substituição por outro que adjudique apenas a área de 1615 m2. Referem-se as reclamações dos proprietários confiantes, as rectificações efectuadas e notificadas à expropriada, não sendo a área constante da DUP e da VAPRM correcta.

Em contra-alegações sustenta-se a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos das Ex.mas Des. Adjuntas há que conhecer do recurso.

- A Factualidade com interesse é a resultante do precedente relatório.


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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

A questão a decidir prende-se com saber se pode ser rectificado o despacho de adjudicação no que respeita à área, em virtude de ter ocorrido rectificação das áreas, na sequência de protestos de vários expropriados.

Verifica-se que da DUP consta uma determinada área (que é a necessária à realização da obra e efectivamente pretendida). Aparentemente não ocorreu qualquer erro ao nível da área indicada na DUP. Mas do que aqui se trata, em rigor, é saber qual a área da parcela expropriada em apreço nos autos -, seja, se parte da área que consta na DUP não pertencerá a uma parcela contigua, correspondente a outro processo e expropriado, como defende a expropriante.

O que poderá verificar-se é os expropriados não serem donos da área constante da DUP. Se tal acontecer, não podem pretender receber indemnização por ela.

A expropriada receberá pelo terreno de que é proprietária e não mais. A expropriada tece consideração à volta do efeito jurídico e alcance da DUP, mas sem razão como veremos.

É certo que a DUP implica, caso venha a ocorrer a expropriação, o direito a indemnização para o interessado. No entanto a DUP não define quem é o interessado, e os expropriados nunca poderiam ser havidos como interessados relativamente a área que lhes não pertence.

Vejamos.

No processo expropriativo vigora o princípio da legitimidade aparente dos interessados - Vd. Sobre o assunto o Ac. RG de 21/4/2004, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 700/04-2 -.

Tal princípio resulta dos artigos 9, nº1 e 3 do C.E. (“Para os fins deste Código, consideram-se interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos” (nº 1)); estipulando o n.º3, que, “São tidos por interessados os que no registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova que exibam figurem como titulares dos direitos a que se referem os números anteriores ou, sempre que se trate de prédios omissos ou haja manifesta desactualização dos registos e das inscrições, aqueles que pública e notoriamente forem tidos como tais”; 37, nº 4; 40 nº 2 ( “ a intervenção de qualquer interessado na pendência do processo não implica a repetição de quaisquer termos ou diligências”); e 53 do CE.

Dispõe este último normativo:

Dúvidas sobre a titularidade de direitos

1 - Se o recebimento do depósito, nos termos do artigo precedente, depender da decisão de questão prévia ou prejudicial respeitante à titularidade da indemnização, é esta decidida provisoriamente no processo, precedendo produção da prova que o juiz tiver por necessária.

2 - O incidente a que se refere o número anterior é autuado por apenso, devendo ser decidido no prazo de 30 dias.

3 - Enquanto não estiver definitivamente resolvida a questão da titularidade do crédito indemnizatório, não se procede a nenhum pagamento que dela dependa sem que seja prestada caução; a caução prestada garante também o recebimento da indemnização por aquele a quem, na respectiva acção, seja reconhecido definitivamente direito à mesma.

4 - Da decisão do incidente cabe recurso com efeito meramente devolutivo, que sobe imediatamente no apenso.

Resulta assim, que qualquer interessado não convocado ao processo, pode nele intervir a qualquer momento, sem repetição de termos (salvo o regime do artigo 37, 5 do CE). Vd. Pereira Gonçalves, in, “Expropriações por Utilidade Pública”, pág. 50, Ac. da Relação do Porto, de 12-2-1998, in, CJ, Ano XXIII, tomo I, pág. 213. Luís Perestrelo, CE. anot., pag. 48, Ac. RG de 21/4/2004, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 700/04-2.

O regime assim talhado encontra razão de ser no facto de estar em causa a prossecução do interesse público, não se compadecendo o processo com grandes delongas, “sobretudo, na sua fase administrativa, pois que, tal como resulta do disposto no art. 15º, n.º1 do C.E., há que possibilitar, com urgência, a entrada dos bens a expropriar na disponibilidade imediata do expropriante a fim de não atrasar a realização das obras de utilidade pública”, com se refere no Ac. desta relação de 21/4/2004, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 700/04-2 já citado.

Constatado que parte da área da parcela não pertence ao interessado indicado, haveria apenas que chamar os proprietários da ditas parcelas ao processo, alterando-se subjectivamente a instância, e recebendo cada um a respectiva indemnização.

No entanto, no caso, existem procedimentos próprios para a(s) parcela(s) contíguas(s), pelo que tal intervenção carece de sentido, havendo apenas que ajustar as áreas a considerar em cada processo. Não se trata pois de uma normal imprecisão de área, de um erro do DUP quanto a áreas, mas sim quanto aos donos.

A planta parcelar que integra o DUP encontra-se correcta, apresentando indefinições quanto à área de cada parcela individualmente, mas não no seu todo. Atento o princípio da legitimidade aparente, tal circunstância não demanda uma correcção do próprio DUP.

Sobre a importância da planta incluída no DUP, veja-se o Ac. STA de 24/5/2006, www.dgsi.pt/jsta, processo nº 046594, no qual se refere:

“ no caso dos autos, como se referiu no probatório, a publicação da declaração de utilidade pública no Diário da República, incluiu uma planta em que é feita indicação clara da área a expropriar e do prédio em que ela se insere.

Assim, é de concluir que o eventual erro nos elementos de identificação do prédio a expropriar indicados no acto de declaração de utilidade pública é irrelevante por não haver dúvidas sobre qual o prédio e área a expropriar, através de planta que permita a delimitação legível do bem a expropriar. ( ( ) Assim, tem vindo a decidir este Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 25-09-1990, proferido no recurso n.º 26708, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-2-95, página 5136, e de 06-07-1995, proferido no recurso n.º 31459, publicado em Apêndice ao Diário da República de 27-1-98, página 6035. )”

Nada obsta à correcção da área de que a recorrida foi efectivamente expropriada.

Por outro, pode argumentar-se que, se a expropriação está limitada aos bens identificados na DUP, tal facto não implica contudo, a obrigatoriedade da expropriação – artigo 88 do CE -.

Não pode expropriar mais, mas poderá não chegar a haver expropriação, ou expropriar-se menos que o constante da DUP, conforme resulta do artigo 88 do CE. Em tal caso não é necessário qualquer acto de rectificação da DUP. Sobre o assunto vd. Ac. RP de 13/10/2005, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0533705.

Para caso semelhante a este o Ac. RG de 14/12/2006, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 2339/06-1, com esta última argumentação. Vd. Ainda RG de 24/5/2006, www.dgsi.pt, processo nº 901/06-1.

Ocorre consequentemente omissão de pronúncia no despacho de adjudicação, relativamente a questão colocada pela expropriante. Tendo em conta a posição tomada pela expropriada a fls. 282, após apreciação deste, e eventual realização de diligências que se entenda pertinente para esclarecimento da questão, deve tomar-se expressa posição quanto à mesma, rectificando-se se for o caso a área correspondente à parcela expropriada à recorrida.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra tomando posição expressa quanto à questão da área a expropriar à interessada recorrida.

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Custas pela recorrida e recorrente em ½ cada.