CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CAPACIDADE DE AVALIAÇÃO
Sumário

1. Apesar de os efeitos da ingestão de bebidas alcoólicas, ao nível da taxa de álcool no sangue, serem susceptíveis de variar em função de múltiplos factores, o consumo de uma quantidade de cerveja equivalente a duas imperiais, desde que a sua graduação alcoólica normal não tenha sido alterada, é manifestamente inidóneo a provocar num homem adulto a taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido, no circunstancialismo factual apurado na sentença recorrida (2,36 g/l).

2. A hipótese de o arguido ter consumido duas «imperiais» adulteradas com bagaço ou outra bebida equivalente, sem que se tenha apercebido da anomalia, resulta francamente inverosímil, perante a normalidade das coisas, mesmo dando de barato a inexperiência do arguido no consumo de produtos alcoólicos.

3. Sendo de pôr de parte, por implausível e por não confirmada pela prova produzida, a eventualidade de o arguido ter sido surpreendido pelo aumento sub-reptício do teor alcoólico de duas «imperiais» comparativamente inócuas, necessário concluir que o arguido consumiu, com conhecimento de causa, uma quantidade de bebidas alcoólicas compatível com o grau de alcoolemia que apresentava, no momento em que foi sujeito a fiscalização por elementos da GNR, ao exercer a condução automóvel nas circunstâncias apuradas.

4. Neste contexto, e por muito inexperiente que fosse em matéria de consumos alcoólicos, o arguido, como qualquer outra pessoa normal, pôde aperceber-se que as suas capacidades estavam afectadas pela ingestão de álcool e que esse estado de etilização era incompatível com o exercício lícito da condução automóvel.

Texto Integral

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

No Processo Comum nº 150/10.5GBPSR, que correu termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Ponte de Sor, o arguido FM foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º nº 1 do CP, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6,50 euros, e em proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do art. 69º nº 1 al. c) do CP, pelo período de 5 meses e 15 dias, por sentença proferida em 14/2/11, com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

1) No dia 30 de Maio de 2010, pelas 03h15m, na Estrada Nacional 119, em Vale de Açor, área desta comarca de Ponte de Sor, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ---, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,36 g/l.

2) O arguido conhecia o seu estado e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o veículo, o que efectivamente fez.

3) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo o carácter proibido da sua conduta.

4) O arguido encontra-se desempregado há 09 meses, beneficiando de subsídio de desemprego no valor mensal de € 588,00.

5) Vive com os pais, contribuindo para as despesas correntes da casa com valor mensal situado entre € 100,00 a € 150,00.

6) O arguido tem por habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.

7) Do registo criminal do arguido nada consta.

Da referida sentença o arguido veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

A) A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

B) Ora, partindo desses pressupostos, uma prudente e objectiva análise do conjunto da prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum e o princípio do in dubio pro reo, não poderia ter sido dado como provado os factos 2) e 3) da matéria provada.

C) Com efeito, o que resulta da prova produzida é que o arguido, quando decidiu iniciar o acto da condução, não estava em condições de avaliar o seu estado e de se conformar de forma consciente com as suas decisões, encontrando-se em estado de total embriaguez, fruto de uma brincadeira dos seus colegas.

D) Sendo certo que o arguido, naquela noite, quando se deslocou ao café de Torre das Vargens não tinha a mínima intenção de ir conduzir, tendo deixado o carro em casa, porque, no dia seguinte, tinha de se levantar cedo para ir ajudar o pai na agricultura.

E) Não pode, por isso, nesta situação dizer-se sequer que o arguido se embriagou sabendo que teria ainda de conduzir naquela noite, tendo, por conseguinte, de forma consciente tomado a decisão de ingerir bebidas alcoólicas, não obstante saber que teria de conduzir.

F) Como afirmou o Prof. Duarte Nuno Vieira, presidente do IML, para uma pessoa que não está habituada a beber (que era o caso do arguido), uma taxa de álcool no sangue de 2,4gr/l não só diminui em grande medida a capacidade de avaliação da conduta como é susceptível de criar mesmo uma situação próxima do coma.

G) Ora, o arguido não só não bebia bebidas alcoólicas com regularidade, como, naquela noite, estava de tal modo embriagado que cambaleava, razão por que os amigos o tiveram de levar a casa.

H) O depoimento da testemunha MM (cabo da GNR) é totalmente inverosímil pelo que não pode ser valorado, para além de ser contraditório com os depoimentos do seu colega CD e das testemunhas H, JA e Prof. Duarte Nuno Vieira e incompatível com o grau de alcoolemia do arguido.

I) Com efeito, pretender que um indivíduo com um grau de alcoolemia de 2,36gr/l pode aparentar estar no seu estado normal e saber muito bem o que está a fazer, pode ser conveniente para obter uma condenação, mas é revelador ou de uma muito má memória ou de uma grande reserva mental.

J) No caso dos autos, a melhor prova da falta de consciência do arguido quando decidiu conduzir é o facto de o mesmo estar a conduzir, às 3h15 da madrugada, entre Torre das Vargens (local da sua residência) e Vale de Açor, sem fazer a mínima ideia para onde se deslocava, com uma condução irregular, sendo certo que, àquela hora, está tudo fechado na região (facto notório).

K) Era, na verdade, preciso estar muito bêbedo para que alguém residindo na Torre das Vargens se lembrasse de sair de casa, àquela hora, de carro, sem ter qualquer sítio para onde ir....

L) Impõe-se, assim, eliminar da matéria provada os factos 2) e 3).

M) Provas que impõem tal eliminação: depoimentos do dia 31/01/2011, do arguido FM, das 10h06 às 10h17 e das testemunhas DV, das 10h19 às 10h26, CD, das 10h27 às 10h33, PM, das 10h38 às 10h42, HA, das 10h43 às 10h50, JA, das 10h51 às 10h55.

N) Passagens concretas que fundamentam a referida eliminação:

- depoimento do arguido FM, do dia 31/01/2011, minutos 2:47 a 6:29, 7:47 a 8:35 e 8:45 a 10:30;
- depoimento da testemunha DV, do dia 31/01/2011, minutos 00:55 a 3:24 e 5:34 a 6:33;
- depoimento da testemunha CD, do dia 31/01/2011, minutos 01:05 a 2:02 e 2:36 a 2:54;
- depoimento da testemunha PM, do dia 31/01/2011, minutos 3:14 a 3:34;
- depoimento da testemunha JA, do dia 31/01/2011, minutos 1:14 a 4:26 e 4:32 a 7:09;
- depoimento da testemunha HA, do dia 31/01/2011, minutos 1:15 a 4:04.

O) Acolhendo-se a alteração da matéria de facto, facilmente se constata que não podia o tribunal ter condenado o arguido pelo crime de que vinha acusado, impondo-se, pelo contrário a sua absolvição.

P) Decidindo, como decidiu, violou a sentença, designadamente, o disposto nos artigos 292º/1 do CP, 127º do Código Processo Penal e o princípio do in dubio pro reo.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado a douta sentença recorrida substituindo-se por outra que absolva o arguido do crime p. e p. pelo art.º292º/1 e 69º/1 a) do CP.”

O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida, mas sem formular conclusões.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, no sentido da respectiva improcedência.
O parecer emitido foi notificado à defesa do recorrente, para se pronunciar, nada tendo respondido.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da sentença recorrida, expressa pelo arguido nas conclusões que formulou, situa-se, essencialmente, ao nível da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Entende o recorrente que os elementos de prova identificados nos pontos M) e N) das conclusões deveriam ter obstado a que o Tribunal tivesse julgado provados os pontos 2 e 3 da matéria de facto assente, cujo conteúdo deverá ser relegado para a factualidade não provada.

Ao ter decidido diversamente, ao nível do juízo de prova, o Tribunal «a quo» violou o princípio «in dubio pro reo».

Em consequência da alteração da matéria de facto propugnada pelo recorrente, a sua apurada conduta deixará de poder integrar o tipo de crime por que foi condenado, impondo-se, por isso, a sua absolvição.

Passemos, então, a apreciar o fundamento essencial do recurso, isto é a impugnação alargada da decisão sobre a matéria de facto.

A propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, convirá recordar que tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre esta matéria não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.

Acerca da fundamentação do juízo probatório, a sentença recorrida, expende (transcrição com diferente tipo de letra):

Nos termos do disposto no artigo 374º n.º 2 do Código de Processo Penal, deve o Tribunal indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas.

No caso sub judice a convicção do Tribunal sobre a factualidade considerada provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, globalmente considerada e de acordo com as regras da experiência comum.

O arguido referiu “ter apenas uma vaga ideia” do ocorrido na noite em que foi interceptado pela GNR, recordando que terá bebido duas imperiais “adulteradas” pelos amigos, que costumam acrescentar bagaço à cerveja, que estes o levaram a casa e que depois saiu de carro mas não sabe para onde se dirigia.

Foi ouvido na qualidade de testemunha, o Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira, Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, que depôs, de forma isenta e de modo abstracto, sobre as implicações somáticas do consumo de álcool, referindo que o grau de alteração das faculdades mentais e motoras se afere em função do índice de massa corporal de cada indivíduo e do grau de adequação à ingestão de bebidas alcoólicas, sendo que uma taxa de álcool como a apresentada pelo arguido compromete a capacidade de decisão por alteração grave das capacidades psico-motoras.

Os militares da GNR que procederam à intercepção e fiscalização do arguido – CD, M M - depuseram de forma descomprometida e objectiva sobre os factos, referindo ter procedido à intercepção do mesmo em Torre das Vargens, tendo o arguido aquando da mesma se apresentado equilibrado, respondendo de forma coerente às perguntas necessárias feitas.

A testemunha PM, mãe do arguido, nada declarou de relevante para a compreensão dos factos, tendo os amigos do arguido, HA e JA, dado que ambos acompanharam o arguido a casa da noite dos factos discutidos nos autos, declarado que o mesmo havia bebido bastante e se encontrava “perdido de todo”, isto é, muito embriagado.

Enunciados os meios de prova produzida, explicitada a razão de ciência dos depoimentos bem como os factos sobre que incidiram, parece-nos já possível intuir de que forma chegou o Tribunal à conclusão assente nos factos provados.

Assim, decorre das declarações do arguido e dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade e, sobretudo qualidade, compatível com a taxa de álcool apresentada.

Não assume relevância a arguição pelo arguido de um alegado estado de inconsciência que não lhe permitia ter-se determinado ao acto da condução porquanto o que ressuma dos factos apurados é um estado de embriaguez grave, não confundível com um qualquer estado de inconsciência, tanto mais que, se assim fosse, não teria sequer o arguido capacidade para encetar o acto da condução, o qual exige coordenação motora e mental.

Acresce que tal alegado estado de inconsciência surge infirmado pelas declarações prestadas pelos militares que interceptaram o arguido e que mantiveram com o mesmo uma conversação normal e coerente.

Para mais, o exposto não ofende o declarado nos autos pela testemunha Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira, cujo depoimento se reportou apenas à prolação de considerações de carácter teórico e abstracto, sem reporte aos factos concretos ora analisados e à condição física especial do arguido, sendo certo que a sua referência ao comprometimento das capacidades motoras e psíquicas é dado conhecido cientificamente e valorado por este e pelos Tribunais no reporte às taxas de álcool apresentadas e ao exponencial de perigo decorrente e consoante o valor das mesmas.

Atendeu-se igualmente aos documentos de fls. 3 e 53, os quais correspondem, respectivamente, ao talão de controlo do teste de alcoolemia e Certificado de Registo Criminal do arguido.

Atendeu-se, no que concerne às condições pessoais do arguido, às declarações pelo mesmo prestadas, que mereceram credibilidade, porquanto não infirmadas por qualquer outro meio de prova produzido.

No presente processo, a convicção probatória do Tribunal «a quo», na parte questionada pelo recorrente, assentou exclusivamente em elementos de prova pessoal produzida em audiência de julgamento, com excepção do resultado do exame de alcoolemia cuja veracidade ninguém põe em causa.

Como é sabido, a produção de prova pessoal em julgamento constitui o momento do processo penal em que os princípios da oralidade e da imediação atingem a plenitude da sua vigência.

Assim sendo, a entidade, que se encontra colocada numa posição privilegiada para proceder à apreciação de tais elementos de prova, é sempre o Tribunal de julgamento, porquanto existe uma multiplicidade de factores relevantes para o efeito, que só o contacto directo com a fonte da prova permite apreender e que escapa necessariamente à percepção do Tribunal de recurso, mesmo quando tenha havido registo sonoro da prova pessoal, como é o caso.

Do exposto decorre que, conforme vem sendo jurisprudência generalizada das Relações, a convicção probatória do Tribunal «a quo», quando assente exclusiva ou predominantemente em prova pessoal produzida com observância dos princípios da oralidade e da imediação, só deverá ser revertida em sede de julgamento no caso em que o Tribunal «ad quem» verifique que, na sua formação, foram preteridos os critérios que devem presidir à valoração probatória, mormente, as regras da experiência comum, o padrão de normalidade das coisas, a lógica geralmente aceite e os dados do conhecimento científico acessíveis à generalidade das pessoas.

No trecho da sentença recorrida dedicado à fundamentação do juízo probatório, que acima transcrevemos, o Tribunal expõe com suficiente clareza os elementos em que fez basear a sua convicção e as razões que o levaram a não atribuir relevância aos elementos de prova oferecidos pela defesa do arguido, designadamente, os depoimentos testemunhais do Prof. Doutor Duarte Nuno Vieira, Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, de PM, mãe do arguido, HA e JA amigos do mesmo.

É na valoração destes depoimentos, somada à das suas próprias declarações e às deficiências do testemunho do cabo da GNR MM, que o recorrente faz apoiar a sua pretensão, ao nível da alteração da matéria de facto provada.

Nas declarações que prestou, o arguido afirmou bebido apenas duas «imperiais», que suspeita terem sido adulteradas por amigos seus, através da adição de bagaço, assim lhe aumentando drasticamente o seu teor alcoólico.

Como é sabido, as correntemente denominadas «imperiais» são copos de cerveja com 20 ou 25 cl de capacidade, sendo que a cerveja de consumo corrente em Portugal tem um teor alcoólico de 5º.

Apesar de os efeitos da ingestão de bebidas alcoólicas, ao nível da taxa de álcool no sangue, serem susceptíveis de variar em função de múltiplos factores, o consumo de uma quantidade de cerveja equivalente a duas imperiais, desde que a sua graduação alcoólica normal não tenha sido alterada, é manifestamente inidóneo a provocar num homem adulto a taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido, no circunstancialismo factual apurado na sentença recorrida (2,36 g/l).

No entanto, a hipótese de ter sido adicionado bagaço ou outra bebida equivalente às «imperiais» consumidas pelo arguido, sem que ele disso se tivesse apercebido, não é confirmada por qualquer elemento de prova, nem sequer pelas testemunhas HA e JA, que, a julgar pelos respectivos depoimentos, estiveram a trabalhar no café onde o arguido esteve a beber na noite em que os factos ocorreram e que se limitaram a referir, em termos genéricos, que esse tipo de brincadeira por vezes acontece.

A este respeito, importa ter presente que as aguardentes de bagaço ou bagaceiras atingem normalmente um teor alcoólico superior a 40º, podendo ultrapassar, com frequência, os 50º.

Nestas circunstâncias, só uma pessoa que nunca tivesse na vida provado cerveja e fosse de todo desconhecedora das suas características – o que não é ainda assim, o caso do arguido – poderia deixar de notar que a bebida não estava no seu estado normal, caso lhe dessem a beber cerveja misturada com bagaço.

Consequentemente, a hipótese de o arguido ter consumido duas «imperiais» adulteradas com bagaço ou outra bebida equivalente, sem que se tenha apercebido da anomalia, resulta francamente inverosímil, perante a normalidade das coisas, mesmo dando de barato a inexperiência do arguido no consumo de produtos alcoólicos.

Sendo de pôr de parte, por implausível e por não confirmada pela prova produzida, a eventualidade de o arguido ter sido surpreendido pelo aumento sub-reptício do teor alcoólico de duas «imperiais» comparativamente inócuas, necessário concluir que o arguido consumiu, com conhecimento de causa, uma quantidade de bebidas alcoólicas compatível com o grau de alcoolemia que apresentava, no momento em que foi sujeito a fiscalização por elementos da GNR, ao exercer a condução automóvel nas circunstâncias descritas no ponto 1 da factualidade provada.

Neste contexto, e por muito inexperiente que fosse em matéria de consumos alcoólicos, o arguido, como qualquer outra pessoa normal, pôde aperceber-se que as suas capacidades estavam afectadas pela ingestão de álcool e que esse estado de etilização era incompatível com o exercício lícito da condução automóvel.

Pretende o recorrente que o estado de alcoolização em que ficou lhe retirou a capacidade de determinação da sua vontade para o próprio acto de condução.

Nesta parte, os argumentos adiantados pela sentença recorrida para afastar a procedência de tal alegação afiguram-se-nos válidos e convincentes.

A condução automóvel é uma actividade, que não pressupõe um razoável grau de coordenadora, como também encerra em si um forte elemento de voluntariedade, pelo que o simples facto do seu exercício não se compadece com estados próximos do coma alcoólico, que, de acordo com o depoimento do Presidente do INML, a taxa de alcoolemia detectada no arguido seria idónea a causar, em abstracto, a pessoas não acostumadas ao consumo de álcool.

A este propósito, surge como indiferente, do ponto de vista da correcção do juízo probatório, a contradição detectada pelo recorrente entre os depoimentos das duas testemunhas afectas à GNR, cabos CD e MM, acerca do tipo de condução que o arguido estava a efectuar, no momento em que foi fiscalizado por esses militares, a qual, segundo o primeiro, se caracterizava por variações constantes de velocidade (entre 80/90 e 30/40 km/h) e, no dizer do segundo, seria uma condução irregular.

Ora, é o quadro que resulta do depoimento, que o recorrente, se bem se entende, considera mais favorável à sua tese, que é afinal aquele que melhor se adequa à situação factual descrita nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto assente, ou seja o arguido estava levando a efeito uma condução irregular, própria de alguém fortemente afectado nas suas capacidades, mas ainda assim consciente do acto que estava a praticar e das suas implicações.

Nesta conformidade, os motivos, em que o Tribunal «a quo» fez fundamentar a sua convicção, nada têm de arbitrário e mostram-se compatíveis com os critérios que devem presidir à valoração crítica da prova e acima deixámos resumidos.

Sustenta o recorrente que, ao ter julgado provados os factos descritos nos pontos 2 e 3 da matéria assente, o Tribunal «a quo» violou o princípio «in dubio pro reo».

O invocado princípio constitui um corolário, ao nível da apreciação da prova, do postulado constitucional da presunção da inocência, consagrado pelo art. 32º nº 1 da CRP, e, por força dele, o julgador fica vinculado a julgar não provado qualquer facto desfavorável ao arguido sempre que prevaleça uma dúvida razoável e insanável sobre a sua existência.

Segundo vimos entendendo, verifica-se uma dúvida relevante para o accionamento do princípio «in dubio pro reo» quando, uma vez apreciada a prova, permaneça em aberto uma hipótese factual alternativa à probanda, que não seja de rejeitar por desconforme à experiência comum ou à lógica geralmente aceite.

Ora, a análise crítica da prova feita na sentença recorrida e secundada no presente acórdão não deixa espaço para semelhante hipótese factual, elo que não se justifica, no caso concreto, fazer apelo ao princípio «in dubio pro reo».

Por conseguinte, o Tribunal decidiu correctamente ao julgar provados os pontos de facto questionados pelo recorrente, impondo-se a confirmação dessa decisão e a improcedência da respectiva impugnação.

O presente recurso tinha como fundamento exclusivo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo o recorrente impugnado autonomamente o juízo de subsunção jurídico-penal dos factos, nem o da escolha e de terminação da medida da pena.

Não vislumbramos razão justificativa a alterar oficiosamente a decisão recorrida, quanto a essas matérias.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

Notifique.
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Évora 27/9/11 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Póvoas Corvacho)


(João Manuel Monteiro Amaro)
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