I - Alguém que subscreve, assina, um cheque dá ao seu banqueiro uma ordem incondicionada de pagamento ao tomador do cheque de uma determinada quantia.
II - Assume, de motu próprio, uma obrigação própria, autónoma e abstracta, desligada da causa, desligada da obrigação da obrigação jurídica fundamental.
III - Além de que, de acordo com o artº 458º, nº 1, do Código Civil, se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
IV - Em processo de embargo de executado é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando, que recai o ónus da prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância.
7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir
II. FUNDAMENTAÇÃO
A. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A Exequente tem em seu poder os cheques juntos a fls.7 dos autos da acção executiva, ambos emitidos sobre a conta nº45217218913, titulada pelo executado junto do M... , nos valores respectivamente de €2.880 e de €3.130, ambos datados de 2005/06/21, perfazendo o valor total de €6.010.
Apresentados a pagamento, os cheques foram devolvidos em 23/06/2005, por "cheque revogado vício formação vontade", conforme consta aposto nos respectivos versos.
Em Maio de 2004, a empresa Helena Unipessoal, Ldª, propriedade da namorada do opoente, no decorrer das suas relações comerciais, celebrou um negócio de compra e venda de tecido com a exequente.
Como forma de pagamento, a referida empresa emitiu 2 cheques pré-datados um no valor de €4.900,0 com o nº0959815537 e outro no valor de €4.872,36, com o nº0959815634, ambos da N... Banco , com data de 21-06-2004.
A empresa Helena Unipessoal, Ldª. tinha alguns problemas de liquidez financeira e, na sequência desses problemas, o ora executado emitiu os 2 cheques referidos em primeiro lugar, como forma de pagamento de mercadoria.
Esses mesmos cheques foram entregues sem data e a data deles constante foi preenchida pela exequente a posteriori.
A exequente intentou, na mesma data da presente execução, uma outra acção executiva, servindo de titulo executivo os cheques supra referidos e emitidos pela Helena Unipessoal, Ldª, com o intuito de receber desta firma a quantia de 9.772,36 €, tendo a data de vencimento de tais cheques sido alterada de 21-06-2004 para 21-06-2005, sendo que a referida alteração da data de vencimento foi efectuada com conhecimento e autorização do opoente.
Ao longo dos anos de 2003 e 2004, a exequente efectuou diversos fornecimentos de tecidos, a crédito, à sociedade HELENA, UNIPESSOAL, LDA., nomeadamente, os que constam das facturas que a seguir se
enumeram:
- facturan.o A/302952, de 12.12.2003, do montante de 14.367,52 €;
- factura nºA/400175, de 30.01.2004, do montante de €290,84; e
- factura nºA/40l359, de 9.07.2004, do montante de €22.552,29.
Por conta dos referidos fornecimentos, esta identificada sociedade efectuou diversos pagamentos à exequente, tendo para pagamento de parte desses fornecimentos, aquela sociedade entregue à exequente os cheques supra referidos, que à mesma pertenciam.
Apresentados tais cheques a pagamento, foram recusados por "vício de formação da vontade", tendo sido dados à execução, correndo a mesma os seus termos sob o nº 6208/05.5TBGMR, do Juízo de Execução de Guimarães.
Os cheques ora executados foram entregues à exequente pelo oponente para pagamento de parte da quantia que a Helena Unipessoal, Ldª. lhe devia, Obrigação que o oponente assumiu como sua perante aquela, justificando este facto com as dificuldades de liquidez financeira daquela sociedade.
Nem o oponente, nem a dita Helena Unipessoal, Ldª, reclamaram perante a contestante qualquer defeito na mercadoria fomecida, não havendo qualquer duplicação de valores por parte da exequente.
B. Há que ter presente que:
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
Nos recursos apreciam-se questões e não razões;
Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
A tese do recorrente para a procedência do seu recurso é a de que não existe título executivo.
E não existe, na sua óptica, porque o cheque que serviu de base à presente execução, foi entregue ao portador sem data de vencimento, tratando-se por isso de um cheque incompleto, não preenchendo os requisitos estabelecidos no artº 10 da LUC.
Assim, não tendo existido qualquer acordo quanto ao seu preenchimento posterior, de acordo com o disposto no artº 20 da supra mencionada Lei, este cheque não pode produzir efeitos como cheque e, consequentemente, como titulo executivo.
Desde já se adianta que nos parece manifesta a falta de bondade de tal tese.
A LUC permite a emissão de cheques incompletos que venham a ser completados posteriormente, como resulta do disposto no seu artigo 13.
Como resulta provado, os cheques dados à execução foram entregues sem data, sendo, por isso, incompletos à data da respectiva emissão.
Porém, como se colhe da respectiva análise, foi-lhes aposta a data de 21.06.05 e foram apresentados a pagamento na mesma, tendo sido devolvidos em 23.06.05, por “vício na formação da vontade” (fls.155 e verso), isto é, dentro dos 8 dias exigidos pelo artigo 28 da LUC.
Verificam-se, por isso, os pressupostos formais, para considerarmos o cheque em causa como título de crédito, portador duma relação cambiária, com força executiva nos termos dos artigos 40º e 41º da LUC, conjugados com o artigo 46º, al. c), do Código de Processo Civil, que abrange os cheques que revistam estas características.
Além de que, como resulta do Ac. STJ de 14 de Maio de 1996, uniformizador de jurisprudência, publicado no DR II Série, n.º 154, de 11/7/1996, a pag. 9345 a 9347, “ Em processo de embargo de executado é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando, que recai o ónus da prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância”.
Esta prova o recorrente, manifestamente, não fez.
Não basta dizer que o cheque era para garantia.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 11.12.2008 (Procº1542/08, desconhecendo-se se está publicado), “o cheque é um título cambiário e de um título cambiário nasce uma relação cambiária.
Alguém que subscreve, assina, um cheque dá ao seu banqueiro uma ordem incondicionada de pagamento ao tomador do cheque de uma determinada quantia.
Assume, de motu próprio, uma obrigação própria, autónoma e abstracta, desligada da causa, desligada da obrigação da obrigação jurídica fundamental.
O cheque é um meio de pagamento.
Falar-se de cheque garantia é de algum modo desvirtuar a função normal do cheque – com o cheque paga-se, não se garante o pagamento”.
Mas, há que não esquecer, os títulos dados à execução consubstanciam, igualmente, todos os requisitos exigidos no artº 46º, nº1, c), do Código de Processo Civil, enquanto meros quirógrafos considerados.
Dispõe o artº 458º, nº 1, do Código Civil que, se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
Afirma Almeida Costa que, deste modo, a lei consente que, através de acto unilateral, se efectue a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida, sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental. É consagrada, todavia, uma simples presunção, pelo que a prova em contrário produzirá as consequências próprias da falta, ilicitude ou imoralidade dos negócios jurídicos.
Não se trata, pois, como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela, de nenhum negócio abstracto, mas apenas de uma presunção de causa e de inversão do ónus de prova da existência da relação fundamental.
Daí que, como nesses actos não se faz a indicação da causa, o tribunal reconhece e executa o crédito invocado pelo autor até que o devedor ilida a presunção.
Mais uma vez, reafirma-se, o apelante não ilidiu tal presunção.
A juntar a tudo isto, não deverá esquecer-se que se provou que o recorrente assumiu como sua, perante a apelada, a obrigação de pagamento que a terceiro pertencia.
Verifica-se a ocorrência de uma assunção de dívida, prevista no artº 595º do Código Civil, considerando-se, então, o recorrente como um terceiro assuntor que se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem, em termos de assunção cumulativa de dívida, na falta de declaração expressa no sentido de liberação do primitivo devedor.
A propósito, expressa a lei que a transmissão a título singular de uma dívida é susceptível de ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, ou entre o novo devedor e o credor, independentemente do consentimento do antigo devedor (artigo 595º, nº 1, do Código Civil).
Trata-se, pois, de uma situação em que um terceiro, designado por assuntor, se obriga perante o credor, a realizar a prestação devida por outrem seu devedor.
A referida ratificação é susceptível de operar na forma expressa ou tácita, neste caso, por exemplo, accionando o assuntor ou aceitando dele o pagamento (artigo 217º, nº 1, do Código Civil).
Por tudo quanto ficou dito, mostra-se proferida com acerto a decisão em crise.