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CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
Sumário
1. As pessoas colectivas públicas são passíveis de responsabilidade contra-ordenacional em matéria de direito do Ambiente.
2. Apesar do artº 8º da Lei nº 50/06 não aludir, de modo expresso, às pessoas colectivas públicas como destinatárias do regime geral de contra-ordenações ambientais, deve ser interpretado à luz do art. 7.º do DL 433/82, que admite a responsabilidade das pessoas colectivas sem distinção, e não do art. 11.º do Código Penal, que a exclui; há aqui, total coincidência de regimes entre a LQCOA e o RGCO, não se excluindo a pessoa colectiva pública.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No processo nº 1779/09.0TBCTX do 1º juízo do Tribunal Judicial de Cartaxo, em recurso de impugnação de decisão de autoridade administrativa em processo de contra-ordenação, foi proferida decisão por despacho, mantendo a decisão Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território que condenou a recorrente na coima de € 60.000,00 (Sessenta mil euros) pela prática da contra-ordenação do artigo 81.º, n.º 3, alínea u) do DL n.º 226-A/2007, de 31 de Maio.
Inconformado com o assim decidido, recorreu o acoimado Município … concluindo da forma seguinte:
“1) Existe uma relação de especialidade quanto ao regime das ARH, pelo que a posterior aprovação do D.L. nº 276-B/07 não releva para efeito de atribuição da competência, cuja matriz continua a ser a do D.L. nº 226-A/07 (artº 7º nº 3), pelo que nunca seria a IGAOT, mas sim a ARH, a entidade com competência para instaurar, instruir e decidir no presente processo, como resulta do disposto no nº3 do artº 7º do C.C..
2) Foram violados os artºs 83º do Dec.Lei nº 226-A/07 conjugado com o nº3 do artº 7º do C.C..
3) Deve a douta sentença ser substituída por outra que reconhecendo-o considere o IGAOT incompetente para a instauração, instrução e decisão em processo de contra-ordenação.
4) O artº 8º da Lei nº 50/06 não alude, de modo expresso, à pessoas colectivas públicas como destinatárias do respectivo regime geral de contra-ordenações ambientais.
5) Sendo certo que noutras áreas existe expressa referência às pessoas colectivas de direito público e face ao detalhe da redacção da citada norma, apenas deve ser efectuada uma interpretação literal do texto da Lei.
6) Na interpretação das normas, deve ter-se em conta que se pode atender a um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de suporte (artº 9º nº3 do C.C.).
7) Ao pretender preencher um suposto “vazio de punibilidade” a douta sentença fez interpretação inconstitucional da norma do artº 8º da Lei nº 50/06 conjugada com o nº3 do artº 9º do C.C., por violarem o disposto no nº1 do artº 29º da C.R.P..
8) Deve a douta sentença ser revogada, considerando-se que o disposto na Lei nº 50/06, em geral, e em especial o seu artº 8º, não prevê a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas públicas.
9) Ainda que se possa admitir que o princípio da legalidade tenha uma menor intensidade no âmbito do ilícito de ordenação social, não pode o mesmo prescindir de algum critério de concretização e densificação que determine as fronteiras de intervenção no meio ambiente, delimitando, clara e precisamente, o que é lícito e o que é ilícito.
10) Viola aquele princípio uma interpretação, assumida na sentença recorrida, que considera águas degradadas todas as que, não sendo poluídas, não se encontrem no estado natural.
11) Este entendimento veicula uma interpretação inconstitucional do artº 3º da Lei nº 50/06, em violação do artº 29º nº1 da C.R.P..
12) Deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, em consequência, ordene o arquivamento dos autos.
13) Deve existir uma hierarquização nos bens jurídicos protegidos, que deve ter reflexo na tutela que dos mesmos é feita.
14) Por princípio, a tutela contra-ordenacional não deve ter uma eficácia preventiva e repressiva superior ou idêntica à tutela penal.
15) O legislador contra-ordenacional ao estabelecer as sanções constantes do artº 22º da Lei nº 50/06 e, em especial, a prevista na alª b) do nº4 do artº 22º, equiparou a tutela conferida ao crime doloso de poluição com a concedida a uma contra-ordenação negligente.
16) Deste modo, a norma do nº4 do artº 22º da Lei nº 50/06 padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade (artº 18º nº2 da C.R.P.), pelo que a douta ao não o reconhecer violou aquela norma constitucional, razão porque deve ser revogada e substituída por outra que reconheça a aludida inconstitucionalidade e se abstenha de aplicar a referida norma.
17) Inexistem elementos nos autos que permitam a qualificação das águas residuais em causa como águas degradadas, pelo que há insuficiência de matéria de facto para alicerçar a decisão condenatória.
18) Deste modo, verifica-se a nulidade da decisão por violação das disposições conjugadas dos artºs 58º do Dec.Lei nº 433/82, artº 46º nº1 alª a) da Lei nº 50/06, e artºs 379º nº1 alª a) e 374º/2 do C.Penal.
19) Deve, pois, a sentença recorrida, também por este motivo, ser revogada com o consequente arquivamento dos autos.”
Notificado, o MP respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do decidido e concluindo:
“- Conforme conjugadamente resulta dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, alínea q) do Decreto-Lei n.º 276-B/2001 de 31 de Julho e 71.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto, a IGAOT, na pessoa do seu Inspector-geral, pode sempre instaurar e decidir os processos por contra-ordenação ambiental.
- O artigo 8.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto refere-se a pessoas colectivas tout court, sendo verdade, como afirma o recorrente, que a expressão tem um sentido dúplice que o legislador não ignorou e que, portanto, optou deliberadamente por introduzir na redacção desse artigo querendo abarcar as pessoas colectivas públicas e privadas.
- E isto é tanto mais assim quanto, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 276-B/2001 de 31 de Julho, cuja constitucionalidade o recorrente não pôs em crise, a IGAOT tem por missão assegurar o permanente acompanhamento e avaliação do cumprimento da legalidade nas áreas do ambiente e do ordenamento do território por parte de entidades públicas e privadas.
- A interpretação do artigo 8.º no sentido de que abrange as pessoas colectivas públicas não é inconstitucional.
- Não há no artigo 81.º, n.º 3, alínea u) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 de 31 de Maio qualquer indeterminação conceptual que viole o princípio da tipicidade das normas que prevêem contra-ordenações.
- Com a expressão “águas degradadas”, o legislador quis abarcar todas as águas sem qualidade, de má qualidade, aquelas que, em algum grau, sofreram perturbações na sua integridade.
- A norma do artigo 81.º, n.º 3, alínea u) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 de 31 de Maio não é uma “norma em branco”.
- Não é possível fundar a violação do princípio da proporcionalidade na comparação de realidades incomparáveis, já que as duas sanções pecuniárias são diferentes na sua essência e nas consequências da falta de pagamento, podendo a multa redundar na privação da liberdade, o que não sucede com a coima.
- O artigo 22.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto não ofende o princípio da proporcionalidade e não é inconstitucional.
- A matéria de facto dada como assente – na decisão administrativa e no despacho sob recurso – é bastante para perfectibilizar o tipo contra-ordenacional imputado ao recorrente.
- A entidade decisória – IGAOT, tribunal – não operou qualquer “transformação” de águas residuais em águas degradadas, limitando-se a aplicar o direito aos factos que deu como provados.
- O despacho recorrido não padece de qualquer vício, nem está ferido de qualquer nulidade.
- A decisão é justa e equilibrada.”
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a aderir à resposta ao recurso elaborada em 1ª instância, nada acrescentando.
2. Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
É do seguinte teor o Despacho recorrido:
“II – FUNDAMENTAÇÃO
A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS:
1.1. Do auto de notícia:
1. No dia 22 de Fevereiro, pelas 15h30, na sequência de uma denúncia o serviço de protecção da natureza e do ambiente (SEPNA) da Guarda Nacional Republicana (Brigada Territorial n.º 2 - Grupo Territorial de Santarém - Destacamento Territorial de Santarém) deslocou-se ao local denominado Reguengo, em Valada, Cartaxo.
2. No local verificou a existência de uma grande quantidade de águas residuais fora da fossa ali existente a correr para a via pública.
3. O espaço não tinha qualquer tipo de manutenção e o cheiro a esgoto é imenso.
4. A situação nos dias de calor é insuportável com o cheiro e os insectos.
1.2. Da defesa:
5. O transbordo da fossa séptica deveu-se às características do sistema de tratamento de efluentes da povoação e às características físicas dos solos da zona.
6. O sistema de tratamento de águas sólidas residuais da povoação de Reguengo é constituído por fossas sépticas.
7. E, porque o nível freático do solo naquela zona é muito elevado, em particular depois da chuva, pode verificar-se o transbordo da fossa e a sua escorrência para a conduta pluvial existente no arruamento.
8. No caso em concreto, a situação de transbordo verificou-se em Fevereiro, época de forte pluviosidade, o que contribuiu para "encher" mais rapidamente a fossa e, por virtude da saturação do solo, não ser tão eficaz o normal escoamento em profundidade das águas.
9. Tendo em vista prevenir essa ocorrência ou minimizar os seus efeitos, tem o Município levado a efeito acções regulares junto de cada fossa.
10. Assim, tem promovido regularmente o esvaziamento dos efluentes e remoção das lamas e areias depositadas na fossa, de forma a permitir a decantação mais eficaz da caixa da fossa séptica e diminuição da colmatação dos poços.
11. Sendo essas lamas e areias posteriormente transportadas pela ETAR existente no Concelho, a fim de serem submetidas ao competente tratamento.
12. Todos estes trabalhos são contratados a empresas especializadas e, em situações de mais urgência, por parte dos serviços municipais.
13. A preocupação do Município é, no possível, tentar evitar ocorrência de situações com a descrita nos autos.
14. A resolução definitiva do problema passa pela construção de uma rede pública de esgotos domésticos e a sua inserção em sistema de tratamento adequado (ETAR) e consequente desactivação das fossas.
15. E que o município pretende construir a curto prazo.
16. No caso concreto não foram causados perigos para o ambiente ou para as pessoas, porquanto, logo, que detectada a situação, foram accionados os meios adequados à resolução do problema.
17. Em consequência do que não existiu qualquer propósito por parte do Município de se furtar ao cumprimento da lei, ou de deliberadamente lançar águas residuais degradadas no solo.
1.3. Da decisão e processo administrativo:
18. O Município arguido já tinha conhecimento da situação.
19. As rejeições são frequentes na época das chuvas quando se verifica pluviosidade.
20. Ao proceder a uma rejeição de águas degradadas directamente para o solo sem qualquer mecanismo que assegurasse a depuração destas, o arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado por se encontrar a laborar e de que era capaz, pelo que actuou de forma negligente.
2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem factos não provados.
B. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos provados são os constantes do auto de notícia e da decisão administrativa, os quais se reproduziram, expurgando-se apenas alguns dos factos referenciados, que consistiam em meios de prova, e que como tal deveriam constar da motivação e não do elenco de factos provados.
Mais se reproduziram os factos constantes da defesa apresentada em sede administrativa, na medida em que da fundamentação da decisão administrativa se alcança que a entidade administrativa apreciou a defesa e considerou os factos alegados pela mesma, incluindo extraindo deles uma confissão, o que, na economia da decisão administrativa, se nos afigura que implicitamente, deu os factos como provados.
C. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. RESPONSABILIDADE CONTRAORDENACIONAL
1. Dos fundamentos do recurso de impugnação judicial.
1.1. Da inconstitucionalidade orgânica do DL n.º 276-B/2007.
1.1.1. O recorrente veio alegar a inconstitucionalidade orgânica do decreto-lei n.º 276-B/2007.
Mais concretamente veio o recorrente alegar a inconstitucionalidade orgânica do art. 3.º, n.º 2, alínea n) do mesmo diploma que dispõe:
"2. A IGAOT prossegue as seguintes atribuições: (...)
n) Exercer funções próprias de órgão de polícia criminal relativamente aos crimes que se relacionem com o cumprimento da sua missão em matérias de incidência ambiental, sem prejuízo das atribuições de outras entidades;".
Assim, da arquitectura desenhada pelo diploma em apreço, expende o recorrente, resulta que as competências atribuídas à Inspecção-geral do Ambiente e Ordenamento do Território (IGAOT), aos seus órgãos e agentes, enquanto autoridade administrativa, na fase administrativa do processo de contra-ordenação 'são equivalentes às do Ministério Público em processo penal, pelo que, neste sentido, contendem com direitos, liberdades e garantias' (sic) e o facto de 'os autos, na fase administrativa, constituírem "acusação" e também o facto de a desistência da acusação pelo MP carecer de acordo da autoridade administrativa' (sic) (art. 52.º, n.º 5 da Lei n.º 50/2006, que aprovou a lei-quadro das contra-ordenações ambientais.).
Nessa sequência, argumenta o recorrente, o referido diploma, com as atribuições e competências que conferiu à IGAOT, sem que tivesse havido autorização legislativa da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, alínea c) e d) da Constituição da República Portuguesa - CRP) padece de inconstitucionalidade orgânica.
1.1.2. Os tribunais têm constitucionalmente o direito e o dever de fiscalização da constitucionalidade das leis, desaplicando-as, caso estejam em contradição com as normas constitucionais (art. 207.º CRP) direito que não é reconhecido às autoridades administrativas, subordinadas ao princípio da legalidade.
De uma forma genérica, podemos afirmar que a inconstitucionalidade é o vício normativo genérico de que padecem as normas infraconstitucionais desconformes à constituição;
No que concerne à inconstitucionalidade alegada no caso concreto, podemos afirmar que existe inconstitucionalidade orgânica ou formal, sempre que é violado o princípio da prevalência ou reserva de lei, o qual, no dizer de Gomes Canotilho , existe sempre que a "constituição prescreve que o regime jurídico de determinada matéria seja regulado por lei e só por lei, com exclusão de outras fontes normativas. A esta dimensão acresce uma outra: a de o poder executivo carecer de um fundamento legal para desenvolver as suas actividades".
A reserva de lei configura-se como uma reserva de parlamento nos casos em que este é o único órgão constitucional com legitimidade para regular determinada matéria, sendo essa reserva relativa quando o Governo pode ser autorizado a emanar decretos-lei sobre essas matérias, o que sucede no nosso ordenamento jurídico (art. 168.º e art. 201.º CRP).
Quando o Governo, sem estar autorizado, ou estando autorizado não respeita a lei de autorização, ocorre directamente uma ofensa à competência reservada da Assembleia da República e, logo uma inconstitucionalidade orgânica, total ou parcial.
1.1.3. No caso vertente, o recorrente, defende que é a aplicação subsidiária do processo penal ao processo contra-ordenacional (mercê da não invocada, mas subentendida, norma do art. 32.º do DL n.º 433/82), que deve provocar a inconstitucionalidade orgânica, por o art.º 3.º, n.º 2, alínea n) do DL n.º 276-B/2007 não ter sido precedido da necessária autorização legislativa.
Porém, acreditamos que os receios do recorrente, não têm fundamento, por serem fundamentalmente diferentes a natureza do crime e do ilícito de mera ordenação social, sendo a dimensão normativa aplicada na decisão in casu, o art. 3.º, n.º 2, alínea q) do DL n.º 276-B/2007, que dispõe "q) Instaurar, instruir e decidir processos de contra-ordenação ambiental, relativamente às infracções de que tome conhecimento, nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, bem como nos demais casos previstos na lei;" e não a alínea n) do mesmo diploma.
Com efeito, o culminar do processo de ilícito de mera ordenação social é a aplicação de uma coima, sanção pecuniária que é destituída de qualquer ressonância ética, por não ofender valores essenciais da comunidade, ao contrário da multa penal.
A sanção do ilícito de mera ordenação social configura-se como uma injunção dirigida ao cidadão que omite o cumprimento do dever de colaborar com a administração na realização das tarefas que lhe pertencem, sendo uma mera censura social, sem ter o carácter infamante de um crime.
A dificuldade em distinguir os dois ramos do direito sempre perturbou os aplicadores práticos do direito, a ela já fazendo referência o Assento 1/2003 , quando afirmava que "(...) a maioria dos operadores revela dificuldades em entender o direito das contra-ordenações como sistema autónomo do direito penal (...)" pelo que "se revela necessário é desenvolver no campo das contra-ordenações uma dogmática própria que podendo acolher os contributos da dogmática penal não se limite contudo a uma importação acrítica de regime e figuras".
O processo do ilícito de mera ordenação social assume assim uma natureza distinta e própria, com duas fases sucessivas; uma primeira, dirigida à investigação, instrução e aplicação da coima, da competência da autoridade administrativa "aproximando-se do procedimento administrativo de tipo sancionatório" e, uma segunda, correspondendo à impugnação contenciosa da decisão, com características de um processo jurisdicionalizado.
Em nenhuma das duas fases do ilícito de mera ordenação social em causa nos presentes autos, a IGAOT aplicou o art. 3.º n.º 2, alínea n) do DL n.º 276-B/2007, na medida em que não detém, nesta sede, quaisquer poderes equivalentes ao Ministério Público, não existindo qualquer inconstitucionalidade na dimensão normativa invocada.
Mais mesmo que assim fosse, e a norma fosse aplicada na dimensão normativa invocada, bastaria atentar nos estatutos das anteriores da IGAOT, tais como os da inspecção-geral do ambiente (IGAT) onde no art. 6.º do DL n.º 549/99, de 14.12 já constava a caracterização da mesma como autoridade de polícia criminal, não tendo o diploma de 2007 procedido mais do que a uma mera actualização e não a uma inovação nas áreas criminais ou de contra-ordenação, em consequência do que o Governo mais não fez do que limitar-se a reproduzir o anterior regime legal.
Tanto quanto baste assim, para afirmar que a lei orgânica da IGAOT, com as suas atribuições e competências, não violou na sua emissão, em matéria crime (invocada pelo recorrente) ou de contra-ordenação (única dimensão relevante no caso em apreço) a competência relativa da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, alínea c) e d) CRP).
Por conseguinte, improcede o fundamento recursório invocado pelo recorrente na alínea A).
1.2. Da incompetência da Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território.
1.2.1. O recorrente veio alegar a incompetência da IGAOT para aplicar a presente coima no âmbito do processo de contra-ordenação, porquanto, em seu entender, nos termos do art. 83.º do DL n.º 226-A/07, são as administrações da região hidrográfica (ARH) as entidades competentes para a instauração, instrução e decisão dos processos contra-ordenacionais, havendo uma relação de especialidade quanto às ARH, nos termos do art. 7.º, n.º 3 do mesmo diploma, e que o DL n.º 276-B/07 não logrou modificar.
A fim de poder analisar o argumento do recorrente, cumpre efectuar uma breve análise excursória aos diplomas legais que regulam as regiões hidrográficas mencionadas pelo recorrente.
1.2.2. O decreto-lei n.º 45/94, de 22 de Fevereiro, veio regular o processo de planeamento de recursos hídricos e a elaboração e aprovação dos planos de recursos hídricos, na medida em que o planeamento integrado por bacia constitui um importante elemento orientador da gestão das águas.
O planeamento de recursos hídricos tem por objectivos gerais a valorização, protecção e gestão equilibrada dos recursos hídricos nacionais, assegurando a sua harmonização com o desenvolvimento regional e sectorial através da economia do seu emprego e racionalização dos seus usos.
Os planos de recursos hídricos compreendem o plano nacional da água (PNA) e os planos de bacia hidrográfica (PBH) que abrangem quinze bacias hidrográficas: do Minho, do Cávado, do Ave, do Douro, do Leça, do Vouga, do Mondego, do Lis, das ribeiras do Oeste, do Tejo, do Sado, do Mira, do Guadiana e das ribeiras do Algarve.
A lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (lei da água) actualizou no seu art. 6.º a denominação das bacias hidrográficas e revogou o referido diploma.
1.2.3. O decreto-lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, veio estabelecer o regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico, público ou privado, sob a jurisdição do Instituto da Água (INAG) sujeitas a licenciamento, contando para tal com as regras definidas a nível do plano nacional da água e dos planos de bacia hidrográfica.
A legislação anterior era dispersa e desactualizada, sendo que muitas das normas estavam consagradas no regulamento dos serviços hidráulicos de 1892 e na lei das águas de 1919.
Distinguem-se 13 utilizações do domínio hídrico que necessitam de ser tituladas por contrato ou concessão, caracterizando-se a licença pela sua precariedade, atribuídas segundo um prazo de acordo com as suas utilizações e as concessões pela sua perenidade, podendo atingir um prazo de 75 anos de acordo com contrato administrativo a celebrar.
O domínio abrangido os terrenos das faixas da costa e demais águas sujeitas à influência das marés, nos termos do DL n.º 201/92, de 29 de Setembro, as correntes de água, lagos ou lagoas, com os seus leitos, margens e zonas adjacentes, nos termos do DL n.º 468/71, de 5 de Novembro, com o respectivo subsolo e espaço aéreo correspondente e as águas subterrâneas. Compreende também o domínio público hídrico estabelecido no art. 1.º do decreto n.º 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, e o domínio hídrico privado, estabelecido no art. 1385.º e sege do Código Civil.
A licença é atribuída pela respectiva direcção regional do ambiente (DRA) e o contrato de concessão é autorizado pelo Ministro do Ambiente.
O art. 25.º do referido diploma regula a obtenção de água para consumo público ou privado, o art. 36.º do mesmo diploma, regula a rejeição de águas residuais, sendo em qualquer dos dois casos, sistemas que funcionam permanentemente sob a responsabilidade de uma autarquia local ou entidade concessionária (art. 36.º, n.º 4) devendo existir sistemas públicos de eliminação de águas residuais na água e no solo nas áreas urbanas ou urbanizáveis, nos termos previstos nos respectivos planos directores municipais (art. 36.º, n.º 6) atentas as necessidades de preservação do ambiente e defesa da saúde pública.
A autarquia titular de licença, assume no âmbito da mesma, a responsabilidade pela eficiência dos processos de tratamento, e/ou dos procedimentos que adoptar, com vista a minimizar os efeitos decorrentes da rejeição de águas residuais (art. 38.º, n.º 4).
Ainda no âmbito da respectiva licença de rejeição de águas residuais, deve constar da mesma, sistema de autocontrolo, com parâmetros a analisar, método analítico, valor dos parâmetros utilizados para a descarga e caudal rejeitado, bem como o dever de apresentar apólice de seguro que cubra riscos de incumprimento das disposições legais e regulamentares (art. 39.º) sendo que a existência de um sistema de autocontrolo não isenta a administração de proceder às acções de inspecção ou fiscalização por parte das entidades competentes (art. 40.º).
As funções de fiscalização, no âmbito do presente diploma, competem ao INAG, às direcções regionais do ambiente (DRARN), às autoridades marítimas e às autarquias locais (art. 85.º) constituindo contra-ordenação, nos termos do art. 86.º, n.º 1, alínea x), a "rejeição de águas degradadas directamente para o sistema de esgotos, ou para cursos de água, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração destas".
A lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (lei da água) revogou o presente diploma e cometeu no seu art. 90.º a fiscalização à ARH e a inspecção à IGAOT.
1.2.4. O decreto-lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, aprovou o regime de concepção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e drenagem de águas residuais, com vista a preservar a segurança, a saúde pública e o conforto dos utentes.
Nos sistemas públicos deve existir uma entidade gestora responsável pela sua concepção, construção e exploração, cabendo a responsabilidade destas actividades ao Estado, ao municípios e às associações de municípios, mas podendo ser atribuída a outras entidades em regime de concessão (art. 4.º) sendo os sistemas municipais e multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água regidos também pelo DL n.º 379/93, de 5 de Novembro, na parte que a eles diga respeito, actualizados pelo DL n.º 195/2009, de 20 de Agosto, que alterou algumas das obrigações dos concessionários.
1.2.5. Da breve análise acima exposta e da conjugação dos vários diplomas, resulta em nosso entender que são diferentes os âmbitos de aplicação dos vários diplomas, avultando que o art. 83.º do DL n.º 226-A/2007, de 31 de Maio não está em contradição com o art. 3.º, n.º 2, alínea q) do DL n.º 276-B/2007, de 31 de Julho, porquanto enquanto no primeiro diploma se visa uma fiscalização (na área das bacias hidrográficas) da execução contratual das licenças ou concessões para utilização privada ou utilização privativa do domínio público ou privado, já no segundo diploma, o objectivo visado não é a fiscalização contratual das licenças ou concessões, mas o seu impacto global no meio ambiente, aqui se incluindo a utilização pública em sentido restrito dos sistemas residuais através dos sistemas municipais de saneamento.
A favor da interpretação acima descrita milita o art. 90.º da Lei n.º 53/2005, onde se comete a fiscalização à ARH e a inspecção à IGAOT no âmbito das mesmas áreas territoriais, o que inculca a favor do diferente âmbito de aplicação e da diferente competência das entidades.
Por conseguinte, estando em causa uma contra-ordenação por omissão de conduta de um município no âmbito de um sistema municipal, somos por entender que é competente a IGAOT para instaurar, instruir e decidir o respectivo processo de contra-ordenação.
Por conseguinte, improcede o fundamento recursório invocado pelo recorrente na alínea B).
1.3. Da inconstitucionalidade da interpretação que atribui responsabilidade contra-ordenacional de pessoas colectivas públicas.
1.3.1. O recorrente alegou que o art. 11.º do Código Penal, quando atribui responsabilidade criminal às pessoas colectivas, excluiu as pessoas colectivas públicas, no que significa, em seu entender, que o art. 8.º da Lei n.º 50/06 ao não incluir as pessoas colectivas públicas deve ser interpretado literalmente, não cabendo este tipo de pessoas colectivas na previsão legal do art. 81.º, n.º 3, alínea u) do DL n.º 226-A/07.
1.3.2. O art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 50/06 (lei quadro das contra-ordenações ambientais) dispõe que "1. As coimas podem ser aplicadas às pessoas colectivas, independentemente da regularidade da sua constituição, bem como às sociedades e associações sem personalidade jurídica." no que significa que são as próprias pessoas colectivas, enquanto organização, a responderem autonomamente, e de per se pela prática das contra-ordenações em matéria de direito do ambiente.
Os representantes dessas mesmas pessoas colectivas respondem nos termos do art. 8.º, n.º 3 do mesmo preceito, e a própria pessoa colectiva responde pelas condutas praticadas no seu interesse, nos termos do art. 8.º, n.º 2.
A imputação de responsabilidade contra-ordenacional às pessoas colectivas já é tradição no direito contra-ordenacional, como bem se alcança do art. 7.º n.º 1 e n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou a chamada lei-quadro geral das contra-ordenações, onde se dispõe que: "1. As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.", sendo que os representantes respondem nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
A regra geral das contra-ordenações, é pois, a aplicação de coimas às pessoas colectivas, sem qualquer tipo de destrinça entre elas em função da sua natureza, isto é, independentemente de serem pessoas colectivas públicas ou privadas ou de utilidade administrativa.
Por conseguinte, o art. 8.º da Lei n.º 50/06, quando define o âmbito de sujeitos da contra-ordenação, não deve ser objecto de uma interpretação literal à luz do art. 11.º do Código Penal, mas antes de uma leitura integrada à luz do direito geral das contra-ordenações, devendo ser convocado o art. 7.º do DL 433/82, que admite a responsabilidade das pessoas colectivas, sem distinção, e não o art. 11.º do Código Penal (redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro).
Na verdade, tal distinção seria não só contrária ao regime geral das contra-ordenações, como acima de tudo, contrária ao fim principal das contra-ordenações do ambiente, onde muitos dos sujeitos são pessoas colectivas públicas ou concessionárias de serviço público, o que implicaria um vazio de punibilidade das pessoas colectivas que mais operam na área do ambiente.
Deste modo, não só é convocável o art. 11.º CP porque existe norma expressa (art. 7.º DL n.º 433/82), como acima de tudo, a sua convocação é contrária aos fins da lei contra-ordenacional geral e especial (do ambiente) o que não legitima a aplicação subsidiária.
A constituição reconhece expressamente a capacidade de gozo dos direitos compatíveis coma a sua natureza a pessoas colectivas (art. 12.º, n.º 2 CRP) nos quais se incluem o exercício de direitos fundamentais, os quais, no dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira , apesar de serem direitos subjectivos de defesa, são extensíveis às pessoas colectivas públicas, "(...) quando se trate de defender os direitos e a autonomia das pessoas colectivas públicas infraestaduais perante o Estado propriamente dito (pense-se, por ex., no direito de um município, de uma região autónoma ou de uma universidade face ao Estado).".
Assim, sempre poderá uma pessoa colectiva pública ser sujeita passiva de uma contra-ordenação, porquanto é garantido o seu direito à defesa, do qual é penhor, o próprio recurso do recorrente.
Por conseguinte, improcede o fundamento recursório invocado pelo recorrente na alínea C).
1.4. Da inconstitucionalidade por indeterminação, da alínea u) do art. 81.º, n.º 3 do DL n.º 226-A/2007 e da nulidade da decisão.
1.4.1. O recorrente alegou que o art. 81.º, n .º 3 do DL n.º 226-A/2007, quando dispõe que constitui contra-ordenação muito grave "a rejeição de águas degradadas directamente para o sistema de deposição de águas residuais, para a água ou para o solo, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração destas", não fornece uma definição do que sejam 'águas degradadas'.
Em consequência, trata-se de uma contra-ordenação 'em branco', o que é inconstitucional por violação do princípio da legalidade, nos termos do art. 29.º, n.º 1 da CRP, art. 1.º do CP, e art. 3.º da Lei n.º 50/06, o que impõe, no entender do recorrente, o arquivamento dos autos.
1.4.2. O art. 29.º da CRP consagra alguns dos princípios básicos de aplicação da lei criminal, de entre os quais se salienta, com relevância para o caso concreto, o princípio da tipicidade.
O princípio da tipicidade dispõe que a lei, na sua formulação, deve especificar adequadamente os factos que constituem o tipo legal de crime – os pressupostos – e tipificar as penas ou medidas de segurança, sendo um princípio que contém vários corolários.
A constituição prevê o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar, embora quanto a estes nada diga, sendo que no dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira , "a única resposta consentânea com o princípio do estado de direito democrático e com a constituição é a da tipicidade dos tipos sancionatórios (cfr. AcTC n.º 294/91)." pelo que este princípio também será aplicável ao ilícito de mera ordenação social, o que é confirmado pelo art. 3.º da Lei n.º 50/2006 (lei quadro contra-ordenações ambientais).
Esta tipicidade impõe uma especificação do tipo de crime tornando inconstitucionais as definições vagas, incertas, insusceptíveis de delimitação. Porém, no dizer de Sousa e Brito , o qual pedimos a devida vénia para seguir de perto, "uma total determinação é impossível devido à natureza da linguagem. (...) o caso concreto nunca é um puro facto, mas uma unidade de sentido socialmente relevante mais ou menos complexa e normalmente integrada por elementos culturais difíceis de definir.
Para o descrever, a previsão legal contém muitas vezes expressões que não se deixam reduzir a conceitos precisos. Assim será quando a lei se serve de noções de vida social típicas, isto é, de contornos um tanto vagos mas em que é determinada uma certa imagem ou ideia de conjunto, tais como «lugar ermo» (...) «miserável» (...) «sedução» (...) «corrupção ou devassidão» (...) «rigor» (...).
O mesmo sucede com o recurso a valorações vigentes na sociedade e implícitas em conceitos normativos como «pudor» (...), «honestidade» (...), fim honesto (...), honra e consideração (...), «imperícia, inconsideração, negligência» (...) bem com a remissão para todo um sistema de normas: «omissão voluntária de um dever» (...) «ultraje à moral pública» (...) «legitimamente» (...) «facto ilícito» (...) acto «a que a lei não obrigar» (...) «coisa que lhe não pertença» (...); e até com simples conceitos de graduação, do género de «veemente» (...).
A regulação positiva do direito penal, mercê do princípio da legalidade e tipicidade, implica deste modo que o direito penal tenha carácter fragmentário e não tenha lacunas, havendo proibição de integração da lei penal por analogia, sendo apenas admissível a interpretação declarativa lata, compreendida no sentido possível das palavras.
Neste sentido, e na esteira dos ilustres constitucionalistas acima citados, os referidos princípios de interpretação não podem deixar de ser aplicáveis ao ilícito de mera ordenação social.
Sem embargo, no dizer de Marta Felino Rodrigues , "há uma tendência geral para considerar que as exigências do princípio da legalidade quanto à determinação do conteúdo de ilícito típico nos ilícitos de mera ordenação social não são as requeridas para a determinação dos crimes." sendo estas exigências mais flexíveis no caso de qualificação de um facto como ilícito de mera ordenação social do que na qualificação de um ilícito criminal.
1.4.3. No caso vertente, compulsadas as várias alíneas tipificadoras do art. 81.º do DL 226-A-2007, é mister verificar que neste jovem ramo das contra-ordenações ambientais, o legislador utilizou uma técnica legislativa ligeira, a que não serão alheias as dificuldades de concretização das realidades práticas do direito ambiental, tipificando alíneas em que não descrevem factos, mas puros conceitos, como seja o caso de «informações falsas ou inexactas», ou simples valorações práticas ou expressões coloquiais vigentes na sociedade como «trabalhos de natureza diversa», ou conceitos puramente normativos «por qualquer outra forma directa ou indirecta».
Sem embargo, ao utilizar a expressão rejeição de «águas degradadas» sem mecanismos que assegurem a depuração destas para o sistema de águas residuais, e por comparação com as alíneas anteriores onde ser menciona a rejeição para a água de «resíduos que contenham substâncias que possam alterar as suas características ou que contribuam para a degradação do ambiente» o legislador, em face do verbo degradar, utilizou o 'sentido possível das palavras', colocando no intérprete – autoridade administrativa ou judicial – a tarefa de concretizar no caso concreto o que sejam águas degradadas, devendo entender-se, no seu sentido comum, por degradadas, todas aquelas águas que não têm todas as características patentes no seu estado natural, mas que não são poluídas e, nível assinalável ou de outra espécie.
É pois, uma categoria residual, servindo para nela, o legislador, compreender as condutas não tipificadas nas outras alíneas anteriores.
Desta forma, o legislador não actuou na tipificação da contra-ordenação ambiental prevista no art. 81.º, n.º 3, alínea u) do DL 226-A/2007, de forma vaga e indefinida, utilizando um conceito de impossível concretização, ai sim, violando o princípio da tipicidade.
Por maioria de razão não ocorreu qualquer nulidade da decisão, nos termos do art. 58.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 433/82, ex vi do art. 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP ex vi do art. 32.º DL n.º 433/82, porquanto, sendo o conceito de água degradada distinto do de água poluída, porquanto este último não prescinde de uma análise qualitativa e quantitativa.
No mais e quanto à concretização, basta verificar a matéria de facto dada como provada e já referenciada no auto de notícia, onde surge claramente mencionada "grande quantidade de águas residuais fora da fossa ali existente a correr para a via pública." e bem assim que "o espaço não tinha qualquer tipo de manutenção e o cheiro a esgoto é imenso.", afirmando depois as testemunhas em sede instrução que "a situação nos dias de calor é insuportável com o cheiro e os insectos".
O conceito foi deste modo suficientemente densificado e concretizado pela autoridade administrativa, em termos de a recorrente, sobre ele se poder pronunciar.
Por conseguinte, improcedem os fundamentos recursórios invocados pelo recorrente na alínea D) e F).
1.5. Da violação do princípio da proporcionalidade da coima.
1.5.1. O recorrente veio alegar que o art. 22.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/06 prevê a aplicação de coimas às pessoas colectivas de € 60.000,00 a 70.000,00 euros, em caso de negligência e de € 500.000,00 a € 2.500.000,00 euros no caso de dolo.
Porém, no crime doloso de poluição a multa mínima é de € 1.000,00 euros, a qual aplicando o número máximo previsto de dias de multa, conjugado com o valor mínimo por dia/multa, ascende a cerca de € 60.000,00 euros.
Com esta opção legislativa, defende o recorrente, o legislador equiparou o valor mínimo da coima de uma contra-ordenação praticada com negligência, a um crime doloso de poluição, o que gera uma disparidade manifesta a gritante, violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 CRP) porquanto a tutela contra-ordenacional deve ter uma eficácia preventiva superior à tutela penal, pelo que a actual moldura não permite uma hierarquização das ofensas aos bens jurídicos tutelados.
Em consequência, segundo o recorrente, ao ter sido aplicado ao Município uma coima de € 60.000,00 euros a título de negligência, foi violado o princípio da proporcionalidade.
1.5.2. No caso concreto, e segundo entendemos, na perspectiva do recorrente, foram violadas duas dimensões de proporcionalidade, uma normativa, pelo legislador, na fixação da moldura legal abstractamente aplicável, e outra material, na operação de determinação da medida da coima em consequência dessa moldura abstracta.
Quando à moldura legal abstracta, as diferenças entre o crime e o ilícito de mera ordenação social são estruturais, assumindo contornos diferentes em cada um dos casos, assim, a culpa como critério de medida da coima no ilícito de mera ordenação social (art. 18.º DL n.º 433/82) não tem o mesmo conteúdo que a culpa em direito penal, pois no dizer de Figueiredo Dias, não se trata de uma "censura ética dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor" bem como, ainda segundo o mesmo autor, não estão subjacentes à coima quaisquer preocupações de reintegração social do agente da infracção.
Desse modo, os limites monetários das coimas são fixados pelo legislador em função da responsabilidade social do agente da infracção e não da sua atitude interior, com o que inexiste igualdade entre as finalidades de prevenção de ambos os diplomas, pelo que as referidas molduras legais abstractas, não carecem de estar harmonizadas nos seus montantes pecuniários e logo não existirá qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade na definição da moldura legal abstracta.
Quanto à violação do princípio da proporcionalidade na determinação da medida concreta da coima, a mesma é destituída de eficácia, porquanto a autoridade administrativa, ao ter aplicado a coima pelo valor mínimo legal, não extravasou em qualquer apreciação qualquer juízo incorrecto de proporcionalidade, antes procurando fixar um montante que se lhe afigurou dissuasor.
Por conseguinte, improcede o fundamento recursório invocado pelo recorrente na alínea E).
1.6. Do dever de recusa de aplicação de norma inconstitucionais.
1.6.1. O recorrente veio alegar que atenta a inconstitucionalidade das normas mencionadas na alínea A) do seu libelo recursório, a IGAOT, os seus órgãos e agentes, deveriam ter recusado a aplicação das mesmas, porquanto se encontram sujeitos à constituição e à lei (art. 3.º, n.º 3 e 266.º, n.º 2 CRP).
Ora, tal argumento assenta numa premissa, a de que as normas invocadas, padecem de inconstitucionalidade nas dimensões invocadas, pelo que como se deixou escrito acima, ao não considerar tais normas inconstitucionais, fica prejudicada a apreciação de tal argumento.
Porém, sempre se dirá, o que adiante deixamos expendido em 1.2., isto é, que às autoridades administrativas, subordinadas ao princípio da legalidade na vertente da lei ordinária, não assiste o direito de desaplicarem normas legais, apenas assistindo tal direito aos tribunais e apenas e tão só, no caso concreto, quando estejam em causa normativos contrários à lei constitucional (art. 207.º CRP).
1.7. Da insuficiência da matéria de facto para a decisão.
1.7.1. O recorrente veio alegar que os factos descritos no auto de notícia não se enquadram na definição de águas residuais, nada esclarecendo a decisão quanto ao estabelecido nos art. 48.º e 50.º do DL n.º 226-A/07, sendo totalmente omissa quanto às necessidades de preservação do ambiente e defesa e saúde pública (art. 48.º, n.º 5) que tenham sido postergados e que valores limite de emissão tenham sido ultrapassados (art. 50.º, n.º 1, art. 51.º e art. 52.º).
Segundo o recorrente, o auto de notícia e a decisão fazem uma assimilação não consentida por lei, do conceito de águas residuais dos art. 48.º e seguintes, ao de águas degradadas do art. 81.º, n.º 3, alínea u) do referido DL não tendo sido efectuada qualquer análise ou colheita das águas observadas.
1.7.2. O argumento do recorrente, novamente, e à semelhança do argumento anterior, parte de uma premissa, que as águas pelas quais foi levantado o auto de notícia se enquadram no conceito de águas residuais e carecem de ter valores, quando a decisão é expressa no sentido de a ter considerado como inserida no conceito de águas degradadas e que como categoria residual, não careciam de metragem para a sua definição.
Por conseguinte, o raciocínio expendido na decisão administrativa, em nada coloca em crise a validade da decisão, inexistindo qualquer vício na parte decisória.
Logo, a decisão administrativa ora em crise, cumpre os requisitos do artigo 58.º do DL n.º 433/82, sendo juridicamente válida e não enfermando de qualquer nulidade, por violação do artigo 379.º do Código de Processo Penal (CPP) ex vi do artigo 41.º, n.º 1 do DL 433/82.
Por conseguinte, improcede o fundamento recursório invocado pelo recorrente na alínea H)”
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- Incompetência da IGAT para instauração, instrução e decisão do processo de contra-ordenação;
- Inconstitucionalidade da interpretação que atribui responsabilidade contra-ordenacional às pessoas colectivas públicas;
- Inconstitucionalidade, por indeterminação, da al. u) do nº3 do art. 81º do D.L. nº 226-A/07;
- Inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, da al. b) do nº4 da Lei nº 50/06;
- Insuficiência da matéria de facto.
Da incompetência da IGAT para instauração, instrução e decisão do processo de contra-ordenação:
Fundamenta o recorrente a dedução de incompetência da autoridade administrativa que in casu procedeu à aplicação de coima com o facto de considerar existir uma “relação de especialidade quanto ao regime das ARH, pelo que a posterior aprovação do D.L. nº 276-B/07 não relevaria para efeito de atribuição da competência, cuja matriz continua a ser a do D.L. nº 226-A/07 (artº 7º nº 3), pelo que nunca seria a IGAOT, mas sim a ARH, a entidade com competência para instaurar, instruir e decidir no presente processo, como resulta do disposto no nº3 do artº 7º do C.C..”
O Decreto-Lei nº 226-A/2007 estabelece o regime sobre as utilizações dos recursos hídricos e respectivos títulos, visando prosseguir uma gestão racional e sustentável desses mesmos recursos (hídricos). E dispõe efectivamente o seu art. 83º, sob a epígrafe “processos de contra-ordenação”, que “a instauração, a instrução e a decisão dos processos de contra-ordenações, bem como a aplicação das coimas e sanções acessórias, compete à ARH com jurisdição na área da utilização dos recursos hídricos e às demais entidades competentes para o licenciamento”.
Este art. 83º é uma norma atributiva de competência em processo de contra-ordenação, mas não de atribuição de competência exclusiva.
Senão, vejamos.
A Lei n.º 50/2006 - Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais - visou, nas palavras de Leones Dantas, “ estabelecer um quadro de referência que harmonizasse e desse coerência ao direito sancionatório vigente naquele domínio”, assumindo-se como “um regime geral paralelo ao decorrente do Dec. Lei 433/82, estabelecendo uma classificação das contra-ordenações que o governo vem aplicando a múltiplas actividades de cariz ambiental, através de diplomas autónomos” (Notas à Lei de Contra-Ordenações Ambientais, Revista do
MP, 116, p. 87).
Dispõe o seu art. 1º que esta lei “estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais”, cujo nº 2 define: “Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima”. Acrescenta o nº 3 que “para efeitos do número anterior, considera-se como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente”
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 276-B/2007, conforme resulta do preâmbulo, visa consagrar a integração das diferentes atribuições cometidas à IGAOT, a par de prever disposições especiais referentes à actividade inspectiva, que reflectem a especial inserção da IGAOT no contexto das actividades desenvolvidas no âmbito da actuação do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.
Dispõe o seu art. 3º, nº1 que “a IGAOT tem por missão apreciar a legalidade e regularidade dos actos praticados pelos serviços e organismos do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, abreviadamente designado por MAOTDR, ou sujeitos à tutela do respectivo ministro, avaliar a sua gestão e os seus resultados, através do controlo de auditoria técnica, de desempenho e financeira, bem como assegurar o permanente acompanhamento e avaliação do cumprimento da legalidade nas áreas do ambiente e do ordenamento do território por parte de entidades públicas e privadas”
Concretiza-se no nº2, al. q) que “a IGAOT prossegue as seguintes atribuições: q) Instaurar, instruir e decidir processos de contra-ordenação ambiental, relativamente às infracções de que tome conhecimento, nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, bem como nos demais casos previstos na lei.
E, para concluir a resenha do quadro legal de referência, disciplina precisamente o art. 71º da Lei n.º 50/2006, sob a epígrafe “Competência genérica do inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território” que “sem prejuízo da competência atribuída por lei a qualquer autoridade administrativa para a instauração e decisão dos processos de contra-ordenação, o inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território é sempre competente para os mesmos efeitos relativamente àqueles processos” (nº1) e “o inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território é ainda competente para a instauração e decisão de processos de contra-ordenação cujo ilícito, ainda que de âmbito mais amplo, enquadra componentes ambientais” (nº2).
Nesta profusão de diplomas legislativos, resulta no entanto clara a atribuição legal de competência da IGAT para instrução e decisão no processo de contra-ordenação em causa, que tem por matéria ilícito que enquadra componente ambiental.
Acresce que, mais do que de uma competência concorrente, trata-se aqui de diplomas e entidades com âmbitos de actuação diferentes, com campos de aplicação não sobrepostos.
Como bem se nota na decisão recorrida, a competência da ARH apresenta-se dirigida para a fiscalização da execução contratual das licenças ou concessões para utilização privada ou utilização privativa do domínio público ou privado, estando a do IGAT vocacionada, já não para a fiscalização legal das licenças e concessões, mas para o seu impacto global do meio ambiente.
Improcede o fundamento invocado pelo recorrente
Da inconstitucionalidade da interpretação que atribui responsabilidade contra-ordenacional às pessoas colectivas públicas:
Defende o recorrente ter sido violado o art. 29°, n°l da CRP uma vez que o art° 8° da Lei n° 50/06 não alude, de modo expresso, às pessoas colectivas públicas como destinatárias do respectivo regime geral de contra-ordenações ambientais. Deve, em seu entender, a decisão ser revogada, considerando-se que o disposto na Lei n° 50/06, em geral, e em especial o seu art° 8°, não prevê a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas públicas.
Também aqui andou bem a decisão recorrida, na consideração que fez do regime legal convocável para a decisão da questão e da concordância prática das normas e valores em causa.
Assim, mantém-se o seu juízo sobre a conformidade constitucional da interpretação que seguiu, no sentido do art. 8.° da Lei n.° 50/06, "quando define o âmbito de sujeitos da contraordenação, não deve ser objecto de uma interpretação literal à luz do art. 11.° do Código Penal, mas antes de uma leitura integrada à luz do direito geral das contra-ordenações, devendo ser convocado o art. 7.º do DL 433/82, que admite a responsabilidade das pessoas colectivas, sem distinção, e não o art. 11.º do Código Penal (redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro)”.
Dispõe o art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2006 (lei quadro das contra-ordenações ambientais) que "1. As coimas podem ser aplicadas às pessoas colectivas, independentemente da regularidade da sua constituição, bem como às sociedades e associações sem personalidade jurídica." Sendo pois as próprias pessoas colectivas que respondem autonomamente pela prática de contra-ordenações ambientais. A pessoa colectiva responde pelas condutas praticadas no seu interesse, nos termos do art. 8.º, n.º 2 e ss seus representantes responderão nos termos do art. n.º 3.
Esta lei não se refere expressamente às pessoas colectivas públicas; e também não as exclui.
Da mera literalidade do preceito nada se retira no sentido da exclusão ou da inclusão da pessoa colectiva pública.
Há, pois, que apelar aos restantes elementos de interpretação.
Numa visão de enquadramento sistemático temos que a norma se integra na família mais ampla de normas que disciplinam o direito contra-ordenacional e, só depois, numa última linha e no caso deste direito não dar resposta à questão é que se poderá procurar a solução no direito penal.
Temos, pois, como primeira norma a lei nº 50/2006 e, por via de norma remissiva nesta expressamente prevista (art.2º), a possibilidade de a enquadrar no RGCO, ali completando o seu quadro normativo.
Os regimes penais e processuais penais serão também convocáveis, por força dos art. 32º e 41º do RGCO, mas apenas, repete-se, se necessário, ou seja, perante a omissão de regulamentação legal do caso.
O art. 7º do RGCO consagra o princípio geral da responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva o que, como se sabe, constitui, ainda hoje, excepção no direito penal.
E fá-lo, sem distinguir ou excluir qualquer tipo de pessoa colectiva, sendo a redacção da norma aliás no sentido de abranger toda a pessoa colectiva bem como as associações sem personalidade jurídica.
Há aqui total coincidência de regimes entre a LQCOA e o RGCO, não se excluindo, em nenhum dos casos, a pessoa colectiva pública.
E precisamente porque a pessoa colectiva pública é, antes de publica, também pessoa colectiva, é que o legislador de 2007 sentiu necessidade de o dizer expressamente, ou seja de a excluir, quando se propôs alterar, ou pelo menos, mitigar o regime-regra da responsabilidade penal da pessoa singular.
E fê-lo, como se vê, em data posterior à da publicação dos dois diplomas legais em análise (RGCO e LQCOA)
Assim, o nº 2 do art. 11º do CP passou a prever a que “as pessoas colectivas, com excepção do Estado e de outras pessoas colectivas públicas (…) são responsáveis pelos crimes (…)”
Ou seja, dado que "pessoa colectiva" inclui a pessoa colectiva pública, houve que a excluir no caso e só no caso, de atribuição da responsabilidade penal.
Aliás, especificamente em matéria ambiental e, concretamente, no regime das Águas não faria sentido deixar de fora precisamente as pessoas (colectivas) que maior intervenção têm no Ambiente.
Ora, como bem se sabe, "o Direito das Contra-ordenações foi desde sempre entendido como um espaço de direito sancionatório onde a responsabilidade de entes colectivos se afigura indiscutível" (Leones Dantas, Notas à Lei das Contra-ordenações ambientais, Rev.MP, n° 116, p. 100).
Essa responsabilidade encontra-se expressamente prevista quer no RGCO quer no regime supletivo RGCO, não havendo lugar à aplicação do art. 11° do CP, na ausência de falta de norma expressa.
O direito de mera ordenação social é um direito autónomo do direito penal. Surgiu como um limite negativo de um então direito penal administrativo, mantendo-se, hoje, os fundamentos da sua autonomização.
Por várias vezes, o tribunal constitucional tem chamado a atenção para as dissemelhanças existentes entre os dois direitos e para a inexigibilidade constitucional de tratamento idêntico e de soluções coincidentes,
Veja-se, por exemplo, o interessante Acórdão do TC n° 383/2001.
Por último, de referir que o direito ao ambiente e à qualidade de vida tem também protecção constitucional, reconhecida no art. 66° da CRP.
"O direito do ambiente integra hoje o elenco dos direitos fundamentais e quer na nossa constituição, quer na legislação ordinária(...), encara-se esse direito não tanto limitado a um direito das pessoas concretas hoje viventes, mas a um direito das gerações presentes e das gerações futuras(...)" (Lourenço Nogueiro, Comentários à Lei Quadro das Contra-ordenaçõesAmbientais, RPDC, 2009, n°57, p. 14)
Não ocorre violação do preceito constitucional invocado e improcede também este fundamento.
Da inconstitucionalidade, por indeterminação, da al. u) do n°3 do art. 81° do D.L. n°226-A/07:
Defende o recorrente tratar-se de norma em branco, face à indeterminação do conceito de água degradada. Funda a inconstitucionalidade na violação do art. 29°n°l da CRP.
Dos arts 1°, 2° e 3° do RGCO e 29° da CRP resulta que o direito de mera ordenação social se encontra também sujeito ao princípio da legalidade e da tipicidade, destes resultando a imposição legal de especificação suficiente dos factos que constituem o tipo legal contraordenacional.
Ou seja, a acção contraordenacional típica tem de corresponder a uma infracção-tipo objectivamente descrita na lei.
E regem também aqui os princípios de matriz constitucional do art. 29° da CRP, a que se submete todo o direito sancionatório público.
Também a este propósito se tem pronunciado por inúmeras vezes o tribunal constitucional. E a sua posição tem sido a de reconhecer, na definição dos tipos legais, a dificuldade ou a impossibilidade de uma determinação absoluta, considerando constitucionalmente compatível um certo grau de indeterminação.
Assim, nos casos de tipificação de carácter mais amplo ou genérico, há porém que garantir que não seja afectada a percepção pelos destinatários da norma do núcleo essencialda conduta punível, do seu conteúdo de desvalor a respeito da lesão ou colocação em perigodos bens jurídicos.
No Ac. TC n° 402/08 considerou-se residir "o critério decisivo para aferir do respeito do princípio da legalidade em saber se da indeterminação inevitável resultante de conceitos indeterminados, cláusulas ou fórmulas gerais, do conjunto da regulamentação típica, deriva ou não uma área e um fim de protecção claramente determinados".
Ora, no caso, a questão não se resume, pois, a determinar se água degradada é um conceito pouco determinado, o que se reconhece, mas se esta indeterminação conceptual mina a própria determinabilidade dos valores protegidos e dos elementos da infracção.
O que não ocorre.
O conceito de água degradada, no conjunto da norma que define as várias acções típicas e no conjunto do diploma em que a norma se integra, apresenta-se utilizado no sentido de água deteriorada a um nível que põe em causa os valores ambientais protegidos pela lei.
Trata-se de um conceito com alguma indeterminação, é certo, mas perceptível no conjunto da norma e de todo o diploma em que se insere.
O que foi percebido pelo próprio recorrente, desde o primeiro momento processual, ainda na fase administrativa, quando usou da faculdade concedida pelo art. 50° do RGCO.
Leia-se a sua defesa (fls. 30-32), em que aceitou (compreendendo-os) todos os factos integrantes do tipo objectivo, negando apenas os factos relativos ao tipo subjectivo.
Curiosamente, no dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, na definição do vocábulo "degradado" diz-se "que sofreu deterioração, danificado, estragado, que sofre degradação ambiental (diz-se de ambiente)", sendo por isso termo perceptível no âmbito do direito do ambiente, ao qual anda, como se vê, usualmente ligado.
Não tem razão o recorrente.
Da inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, da al. b) do n°4 da Lei n° 50/06:
Fundamenta-se esta arguição na desproporcionalidade entre a pena de multa prevista para crime ambiental e a coima prevista para infracção contra-ordenativa.
Defende o recorrente que o legislador contra-ordenacional ao estabelecer as sanções constantes do art° 22° da Lei n° 50/06 e, em especial, a prevista na ai b) do n°4 do art° 22°, equiparou a tutela conferida ao crime doloso de poluição com a concedida a uma contraordenação negligente.
É, aparentemente, verdade.
Mas não resulta daqui violação de qualquer preceito ou princípio constitucional.
Já consignámos a diferença entre os dois ramos do direito (penal e contra-ordenacional) e o entendimento do tribunal constitucional no sentido da inexigibilidade constitucional de tratamento idêntico e de soluções coincidentes. Para lá se remete.
Acrescentaremos no entanto que o direito contra-ordenacional não é um direito penal menor (o que, logo, poderia implicar sanções necessariamente também menores); é um direito qualitativamente diferente, que pretende precisamente ser não penal; e que também a coima não é uma pena (o incumprimento da coima nunca pode dar lugar a prisão), não fazendo sentido encontrar em quadros de equivalência aritmética, violações da CRP.
Improcede, pois, o fundamento.
Da insuficiência da matéria de facto.
Verifica-se esta insuficiência quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe quando o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa.
É uma "lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito" (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 69).
Considera o recorrente inexistirem elementos nos autos que permitam a qualificação das águas residuais em causa como águas degradadas, pelo que há insuficiência de matéria de facto para alicerçar a decisão condenatória.
Foi dado como provado na decisão, ao que ora interessa, que se verificou a existência de uma grande quantidade de águas residuais fora da fossa existente, a correr para a via pública; que o espaço não tinha qualquer tipo de manutenção e o cheiro a esgoto era imenso; que a situação nos dias de calor era insuportável com o cheiro e os insectos; que as águas transbordaram da fossa séptica; que o sistema de tratamento de águas sólidas residuais da povoação de Reguengo é constituído por fossas sépticas.
Muitos destes factos resultaram do alegado pela própria defesa (cfr. Supra).
Não há dúvida de que estas águas eram provenientes de fossa séptica colectiva, de onde transbordaram.
Integram, também sem qualquer dúvida ou insuficiência factual, o conceito de águas degradadas, conceito utilizado no sentido de água deteriorada a um nível que põe em causa os valores ambientais protegidos pela lei, como o recorrente desde sempre reconheceu no processo e mostrou entender.
Por tudo, não merece a decisão recorrida qualquer reparo.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar improcedente o recurso confirmando a decisão recorrida.