INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS
SUSPEITO
INDÍCIOS
Sumário

Para o deferimento do requerimento de intercepção de comunicações telefónicas não se impõe uma indiciação forte da prática do crime em investigação (de catálogo), nem que essa indiciação tenha resultado de outras diligências prévias, mas tão só que em face dos elementos aportados se possa concluir pela existência de uma suspeita qualificada e que esse meio de obtenção de prova seja indispensável para a investigação do crime, sem prejuízo da atendível gravidade e dos normais contornos da execução.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos de inquérito com o número em epígrafe, correndo termos nos Serviços do Ministério Público de Setúbal, por despacho judicial, proferido pelo Exmo. Juiz de Instrução Criminal, em 16.09.2011, decidiu-se indeferir ao requerido pelo Ministério Público, conforme do mesmo consta (fls. 9):

Como bem refere a Ex.ma Sra. Procuradora Adjunta, a violação de direitos constitucionalmente protegidos que subjaz à autorização da intercepção de comunicações telefónicas apenas deve ser concedida nos casos excepcionados por lei, especificamente, quando a diligência seja absolutamente indispensável para a descoberta da verdade ou nas situações em que a prova por outros meios seja muito difícil ou praticamente impossível de obter.

Ora compulsados os autos, e designadamente o relatório de fls. 3 a 5, apenas temos que uma testemunha não identificada (cujo depoimento tem um valor meramente indicativo) e uma identificada ligam o suspeito aos actos que lhe são assacados, sendo certo até que não se descortina a origem da informação referida na conclusão IX (e não se percebe qual a razão da omissão).

Não se efectuaram quaisquer diligências probatórias prévias, v.g., vigilâncias policiais, que permitam firmar uma suspeita mais sólida relativamente ao visado.

Nesta fase da investigação, entende-se não ser de conceder a autorização requerida, sem prejuízo de se reponderar o decidido se nos autos aparecerem elementos que mais fortemente indiciem as suspeitas que recaem sobre o visado e se se demonstrar que a diligência é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova, como se refere no texto legal (artigo 187°, número 1, do Código de Processo Penal), seja por outra forma muito difícil ou impossível de obter.

Razões pelas quais se indefere o requerido.

Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões:

1. O Ministério Público requereu que fosse autorizada a intercepção das comunicações telefónicas visando o suspeito da prática de um crime de receptação, p. e p. pelo nº 1, do artigo 231º, do Código Penal;

2. Por decisão proferida em 16.09.2011, da qual se recorre, foi indeferido o requerimento do Ministério Público, por se entender que não ficou demonstrado que a diligência era absolutamente indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria muito difícil ou impossível de obter por outra forma, bem como por não se terem efectuado quaisquer outras diligências probatórias, como por exemplo, vigilâncias policiais;

3. O Ministério Público entende que se encontram preenchidos todos os requisitos exigidos pelo nº 1, do artigo 187º, razão pela qual deveria ter sido autorizada a diligência probatória requerida;

4. De facto, das diligências policiais realizadas resulta claro que o visado é suspeito de praticar factos que consubstanciam um crime de receptação, previsto no nº 1, do artigo 231º, do Código Penal, punível com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
5. Atento o “modus operandi”, a intercepção de comunicações telefónicas torna-se no único meio de obtenção de prova capaz de servir os fins da investigação e permitir a recolha de elementos tendentes à prova da prática do crime bem como do conhecimento do agente acerca da origem do ouro que adquire;

6. Qualquer outro meio de obtenção de prova, v. g. vigilâncias policiais, não trazem à investigação qualquer utilidade prática, não permitindo a recolha de prova com relevância para os presentes autos, uma vez que as transacções ocorrem no interior da residência do suspeito;

7. Acresce que, a lei portuguesa não exige a realização de diligências de investigação prévias à autorização de intercepção de comunicações telefónicas - cf. Entre outros, Ac. TRL, de 20.11.2008; Ac. TRP, de 07.07.2010; e Ac. TRP de 18.01.2006, todos disponíveis in www.dgsi.pt;

8. A intercepção de comunicações telefónicas deve ser autorizada pelo juiz sempre que se encontrem preenchidos os requisitos do nº 1, do artigo 187º, do Código de Processo Penal;

9. Ficou demonstrado que os requisitos exigidos pelo nº 1, do artigo 187º do Código Penal se encontram preenchidos;

10. Não sendo autorizada a intercepção das comunicações telefónicas e porque não se vislumbra a utilidade de qualquer outro meio de obtenção de prova, o Ministério Público terá que proceder ao arquivamento dos autos, deixando impune a prática de actos ilícitos e que lesam a confiança da sociedade, na Justiça, e nas forças policiais;

11. Os indivíduos que furtam o ouro, entram em contacto telefónico com o suspeito a fim de acertarem os pormenores da transacção que, na maior parte das vezes, ocorre na residência do suspeito;

12. Assim, deverá a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que autorize a realização da diligência probatória requerida.

O recurso foi admitido.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido de que o recurso deva ser julgado improcedente, referindo, no que concerne ao caso em concreto, designadamente:

No caso apreciando, a pretensão do Ministério Público carece, a nosso ver e perante o que dos autos se extrai, de fundamento bastante que justifique a autoriza­ção (interceção e gravação) pretendida.

É certo que se faz apelo à existência de um suspeito: “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar;” - CPP, artigo 1°, n.º 1, alínea e).

Mas a existência dessa suspeita, sobre pessoa que vem identificada, carece de concretização indiciária bastante para justificar o pretendido. Como se viu, essa suspeita funda-se no teor de uma chamada telefónica anónima, logo, numa fonte indi­reta de conhecimento impossível de corroborar/confirmar ao tempo do requerimento para autorização da interceção, numa suposição (provavelmente, assim se diz no au­to de notícia elaborado pelo núcleo de investigação criminal da GNR de Setúbal) do órgão de policia criminal, sem qualquer elemento conhecido em que possa apoiar-se, e numa conversa informal, a qual não corporiza nenhuma declaração em sentido processual.

Colocando de lado a suposição, por nulo relevo assumir para fundamentar a pre­tensão veiculada no requerimento indeferido, quer a informação (anónima) transmiti­da ao órgão de policia criminal quer a conversa informal relatadas naquele auto de notícia são desprovidas de qualquer valor probatório e, enquanto tal, mesmo em sede indiciária, não podem, desacompanhadas de indícios resultantes de outros meios de prova entretanto postos em marcha, sustentar o uso do mecanismo intrusivo que a lei processual penal só excecionalmente admite.

Trata-se, a nosso ver, de pretensão que, para além de ferir os ditames legais, se apresenta desprovida de razoabilidade, é desproporcionada e inadequada e que a perseguição do crime em investigação por ora não justifica, face à devassa intolerável que o seu deferimento claramente constituiria.

Como esta instância já teve oportunidade de ponderar, também a propósito de um caso de interceções telefónicas, aquelas pretensões do requerimento indeferido “não nos surgiriam jamais com as características de meio de investigação excepcional, limitadas ao estritamente necessário, respeitando em absoluto o princípio da subsidiariedade (...), antes nos iriam aparecer (...) como a trave mestra de um trabalho que se pretende levar a cabo. Ora, tal qual se es­creveu em recente acórdão da Relação de Lisboa “De acordo com os princípios inscritos na Constituição em matéria de direitos fundamentais, a autorização de uma medida restritiva de direitos es­tá necessariamente sujeita aos limites impostos pela necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr, arts. 18° e 34° da CRP). E o princípio da proporcionalidade exige que a limitação dos direitos fun­damentais de cada um se cinja ao indispensável para a protecção do interesse público.

Sendo sabido que não cabe ao juiz definir a estratégia da investigação, não é menos certo, po­rém, que a ele cabe a avaliação da possibilidade de empreendimento de outras medidas menos lesivas.

As dúvidas sobre a proporcionalidade de uma medida restritiva de direitos fundamentais não devem resolver-se contra o titular desse direito. É a restrição do gozo do direito que constitui a excep­ção, não a plenitude do seu gozo. Significa isto que é a intervenção restritiva que demanda fundamentação alicerçada em dados que permitam afirmar a adequação, necessidade e proporcionalidade da medida. Não o seu indeferimento”.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, como pacificamente decorre do art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), o objecto do recurso reside em saber se a autorização para a intercepção das comunicações, que requereu, deve ser, contrariamente ao decidido, concedida.

Consta do requerimento que foi indeferido:

«O presente inquérito tem por objecto a investigação de um crime de receptação, p. e p. pelo nº 1, do artigo 231º do Código Penal.

As suspeitas da prática deste ilícito resultam de diligências de investigação levadas a cabo pelo N.I.C. da G.N.R. de Setúbal, na sequência de uma denúncia apresentada junto daquela entidade policial.

Tal denúncia relatava um forte sentimento de insegurança crescente junto da população de Azeitão, porquanto se vem verificando um grande número de furtos a residências e roubos por esticão.

Apurou-se no decurso da investigação que, na generalidade dos casos, eram furtados objectos em ouro.

Após a detenção de dois indivíduos suspeitos de praticarem furtos a residências naquela zona geográfica, foi relatado aos agentes policiais que os objectos em ouro furtados se destinavam a ser vendidos a um indivíduo residente no nº ---, da Rua ---, em Brejos de Azeitão, posteriormente identificado como sendo MC, conhecido no meio por comprar todos os objectos em ouro que lhe fossem apresentados.

Os indivíduos que furtam os objectos em ouro entram em contacto telefónico com o suspeito MC, a fim de combinarem o local e a hora para procederem à transacção, sendo que na maioria das vezes o encontro tem lugar na residência do suspeito ou nas suas proximidades.

O suspeito MC encontra-se referenciado pelas autoridades policiais como comprador/receptador de ouro furtado, tendo já trabalhado na ourivesaria---, encontra-se actualmente desempregado e desconhece-se-lhe qualquer meio de subsistência lícito.

O facto de ter trabalhado numa ourivesaria, proporciona ao suspeito um conhecimento privilegiado acerca do material alegadamente adquirido por este, sendo ainda de crer que possui contactos de pessoas que possam derreter o ouro e fazer com o mesmo novas peças, dissimulando a origem do material.

Dispõe o artigo 34º, da C.R.P., nos seus números 1 e 4, que “...o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.”, sendo …proibida toda a ingerência das autoridades publicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”.

O artigo 126º, nº 3, do C.P.P., considera, por sua vez, que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”.

Nos termos do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 187º, do C.P.P. “A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas, durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes: (...) a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos de prisão."

O artigo 187º do C.P.P., é ainda aplicável à obtenção dos dados sobre localização celular, por via do disposto no nº 2, do artigo 189º, do mesmo diploma legal.

Por sua vez, a alínea e), do nº 1, do artigo 269º, do C.P.P., estipula que “ Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar: (...) e)Intercepção, gravação ou registo de conversações ou comunicações, nos termos dos artigos 187º e 189º.”.

De referir, antes de mais, que “não será legitimo ordenar as escutas telefónicas nos casos em que os resultados probatórios almejados possam, sem dificuldades particularmente acrescidas, ser alcançados por meio mais benigno da afronta dos direitos fundamentais (...) é também necessário que a escuta telefónica se revele um meio, em concreto, adequado a mediatizar aquele resultado. O que equivale a afirmar a exigência da idoneidade (...)(Costa Andrade, in Sobre o Regime Processual Penal das Escutas Telefónicas, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano I, 3, Julho/Setembro de 1991, pág. 387).

Vejamos então se, no caso concreto, estão preenchidos todos os pressupostos legalmente exigidos para a autorização da sua realização.

ln casu, os factos relatados supra permitem concluir pela existência de fortes indícios da prática de um crime de receptação, previsto no nº 1, do artigo 231º, do Código Penal, punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

Para além disso, atento o modus operandi do suspeito (acerta os pormenores da transacção via telefone), pode concluir-se que a realização das aludidas intercepções telefónicas se revela de grande interesse para a descoberta da verdade e para a obtenção de prova. Aliás, pode mesmo dizer-se que a investigação está votada ao insucesso se não se proceder a tais diligências, na medida em que será extremamente difícil interceptar o sujeito (por se desconhecer quando se irão realizar as transacções), e provar o conhecimento que o suspeito tem sobre a proveniência do ouro por este adquirido.

Conclui-se, portanto, que, no caso concreto, se encontram reunidos os pressupostos aludidos no artigo 187º, nº 1, alínea a) e nº 4, alínea a), do C.P.P.

Assim, o Ministério Público requer, nos termos do artigo 187º, nº 1, alínea a) e 269º, nº 1, alínea e), que seja autorizada pelo período de 60 (sessenta) dias:

• A intercepção e gravação das chamadas e mensagens efectuadas e recebidas através do cartão de acesso ao telemóvel com o número -----, utilizado por MC; devendo as respectivas operadoras, para tal, fornecer e colocar também sob intercepção o respectivo IMEI;

• Se autorize o envio da facturação detalhada a ele referente, relativamente aos últimos 60 dias;
• O registo de trace-back; e
• A localização celular do mesmo.

Pelo exposto, remeta os autos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal, nos termos e para os efeitos do artigo 187º, nº 1 e 269º. nº 1, alínea e), ambos do C.P.P.».

Analisando:

Nos termos do art. 34.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis e, segundo o seu n.º 4, É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

Tal proibição de ingerência assenta em que a mesma atinge o núcleo de direitos fundamentais inscrito no art. 26.º, n.º 1, da CRP (A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação).

No que ao caso vertente interessa e acompanhando Gomes Canotilho/ Vital Moreira, in “ Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, Coimbra, 2007, a págs. 467 e seg., em anotação ao referido art. 26.º:

O direito à palavra (…) é um direito paralelo ao direito à imagem e implica a proibição de escuta e/ou gravação de conversas privadas sem consentimento ou de qualquer deformação ou utilização «enviesada» (através de montagem, manipulação e inserção das palavras em contextos radicalmente diversos etc.), das palavras de uma pessoa.

O direito à palavra desdobra-se, assim, em três direitos: (a) direito à voz, como atributo de personalidade, sendo ilícito, sem consentimento da pessoa, registar e divulgar a sua voz (com ressalva, é claro, do lugar em que ela foi utilizada); (b) direito às «palavras ditas», que pretende garantir a autenticidade e o rigor da reprodução nos termos, expressões, metáforas escritas e ditas por uma pessoa; (c) direito ao auditório, ou seja, a decidir o círculo de pessoas a quem é transmitida a palavra. Mais uma vez, este direito sofre de compressões no caso dos discursos públicos de agentes públicos ou políticos.

O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (…) analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Ccivil, art. 80º). Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias deste: é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 34º).

(…) O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, como base num conceito de «vida privada» que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação.

E, em anotação ao aludido art. 34.º, a págs. 543 e 545:

No caso da inviolabilidade dos meios de comunicação privada (nº 4), ela inclui a proibição de ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação, salvo nos casos previstos na lei (reserva de lei) em matéria de processo penal (e não para outros efeitos) e mediante decisão judicial (art. 32º-4) (…) No que respeita à lei restritiva, esta não poderá legitimar escutas telefónicas (intercepção, gravação de conversação ou comunicações telefónicas) para a investigação de quaisquer crimes, devendo limitar-se a crimes particularmente graves (…); nem estender ilimitadamente o universo das pessoas suspeitas à escuta (alargamento das escutas a terceiros que não têm qualquer relação com os factos sujeitos à investigação) O direito à palavra falada implica, nos termos deste preceito constitucional, o direito à confidencialidade da palavra falada (cfr. AcTC nº 374/01).
(…)

A Constituição não apenas garante o sigilo da correspondência e outros meios de comunicação privada (nº 1), mas também proíbe toda a ingerência (nº 4), o que é mais vasto, envolvendo nomeadamente a liberdade de envio e de recepção de correspondência, a proibição de retenção ou de apreensão, bem como de interferência (telefónica etc.).

Qualquer restrição destes direitos terá de obedecer aos princípios de necessidade, adequação, proporcionalidade e determinabilidade, de acordo com o art. 18.º, n.º 2, da CRP, limitando-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que, sempre, imporá uma cuidada ponderação no confronto entre a medida da restrição e a dimensão da lesão dos direitos correspondentes.

Conforme se acentuou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97, de 21.05, disponível em www.dgsi.pt, a previsão legal carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art.18º, nº.2, da CRP, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do agente,

Na verdade, o princípio da proporcionalidade assume uma tripla dimensão: (i) princípio da adequação ou da idoneidade, segundo o qual as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei; (ii) princípio da exigibilidade ou da necessidade, isto é, que as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias e indispensáveis, porque os fins visados não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (iii) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, significando que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, para impedir a desproporção das medidas relativamente a esses fins (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., págs. 392/393, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, pág. 162).

É dentro de todos esses parâmetros que terá sempre de ser analisado o recurso ao meio de obtenção da prova consubstanciado nas escutas telefónicas, previstas nos arts. 187.º e 188.º do CPP, quanto às suas condições de admissibilidade e aos formalismos das operações a que obedecem, e a que outros meios técnicos, para além do telefone, se equiparam (art. 189.º do CPP).

As escutas telefónicas são, na verdade, portadoras de uma danosidade social polimórfica e pluridimensional que, em geral, não é possível conter nos limites, em concreto e à partida tidos como acertados. Tanto no plano objectivo (dos bens jurídicos sacrificados) como no plano subjectivo (do universo de pessoas atingidas), as escutas telefónicas acabam invariavelmente por desencadear uma mancha de danosidade social, a alastrar de forma dificilmente controlável, conforme Manuel da Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra, 1992, a pág. 283.

Segundo o mesmo Autor, in “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro, na RLJ, ano 139.º, Maio-Junho.2010, n.º 3962, págs. 276 e seg.:

« A afirmação da danosidade qualificada dos meios ocultos de investigação configura hoje um dado consensual e pacífico e intersubjectivamente estabilizado, sendo como tal recorrente e sistematicamente proclamado por autores e tribunais (…) esta danosidade qualificada começa por aflorar no número e eminência dos bens jurídicos ou direitos fundamentais directamente atingidos (…): a privacidade inclusivamente na área nuclear e inviolável da intimidade, o direito à palavra, o direito à imagem, à autodeterminação informacional, a inviolabilidade do domicílio e das telecomunicações, o sigilo profissional (…). A par destes bens jurídicos ou direitos fundamentais de étimo prevalentemente material-substantivo, os meios ocultos de investigação atingem igualmente direitos de natureza adjectivo-processual, que configuram outras tantas “instituições” (…) irrenunciáveis do processo penal do Estado de Direito. Como: o privilege against self-incrimination (…), direito(s) a recusar depoimento (…). A danosidade ganha também uma expressão marcante no plano subjectivo, isto é, na sua tendência para alastrar (…) atingindo um universo incontrolável de pessoas que estão muito para além dos que à partida poderiam figurar como suspeitos ou destinatários. Acresce a circunstância de os atentados aos direitos fundamentais e aos bens jurídicos ocorrerem sistemática e invariavelmente à margem do conhecimento das pessoas concretamente atingidas. Que, por vias disso, não podem sindicar tempestivamente a legalidade e admissibilidade da medida nem opor-se à sua realização (…) a pessoa atingida por uma medida oculta não tem a possibilidade fáctica de se opor à medida antes da sua realização. Assiste-lhe, é certo, a possibilidade de reagir a posteriori, se e quando vier a ter conhecimento da sua ocorrência. O que nem sempre se dá. E quando se dá, já a danosidade se terá consumado, muitas vezes de forma irreversível. ».

Não é, por isso, indiferente, antes pelo contrário, o cuidado posto pelo legislador na utilização deste meio de obtenção de prova, dada a sua especificidade e a intromissão que desencadeia, mormente, consumando a lesão irreparável do direito à palavra falada, tornando, inevitavelmente, como exigível, que o julgador se paute por acrescida ponderação na sua admissibilidade, realização, o que redunda ainda mais visível da recente alteração legal, nesse âmbito, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, designadamente, mediante a imposição de que só pode ser usado contra pessoas determinadas (n.º 4 do art. 187.º).

Por isso, também, plenamente justificada é a previsão legal dos crimes relativamente aos quais é admissível (crimes do catálogo) e da fundamentação que lhe está subjacente, consistente em que a esse meio de obtenção de prova tão-só se deva socorrer a investigação quando houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, como resulta daquele art. 187.º, dando relevo, no fim de contas, a todas as exigências decorrentes de consubstanciar uma restrição/compressão de direitos fundamentais.

Deste modo, o respeito pelo regime legalmente imposto impõe dar satisfação não só aos requisitos formais-procedimentais, mas também a um conjunto de pressupostos materiais. Sabendo-se outrossim que estes vão muito para além da exigência de que em causa esteja um crime do catálogo. Neles vai coenvolvida toda uma série de exigências a que não é possível responder – e por vias disso, cumprir a lei e actualizar o pertinente programa de tutela – curando-se apenas da mera e ritualizada comprovação (ou denegação) de em causa estar (ou não) um crime de catálogo. Antes se prolongam para um conjunto de outros, nucleares e cumulativos, pressupostos, com destaque para a verificação de uma suspeita qualificada e a observância da subsidiariedade. É o que corresponde ao entendimento hoje consensual e pacífico da doutrina e a que o direito positivo português não deixa de prestar homenagem. Explícita e expressa pelo menos no que respeita à subsidiariedade: “só podem ser autorizadas … se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter (artigo 187º, n.º 1). (…) Pela natureza das coisas, subsidiariedade significa necessidade num quadro de ultima ratio. Só será admissível o recurso às escutas quando, face ao processo em concreto – sc. à vista da complexidade criminalística do caso, da volatilidade ou consistência das provas já alcançadas ou previsíveis, da urgência em quebrar eventuais laços de solidariedade ou penetrar em santuários imunes à devassa da investigação, etc. – não seja possível ou só seja possível com dificuldades acrescidas, prosseguir com sucesso a investigação recorrendo apenas a meios menos gravosos ou invasivos. Importa, logo e num primeiro passo, indagar se tal poderá prosseguir-se apenas com recurso a meios não ocultos de investigação. Isto sendo certo que os meios ocultos de investigação – de que as escutas são uma manifestação paradigmática – são, como tais, mais gravosos de que os meios de investigação exposta ou a descoberto. Para, num segundo momento, a ser necessário lançar mão dos meios ocultos e tendo como pano de fundo o quadro de danosidade social comparativa, questionar se não será possível alcançar os resultados probatórios almejados mobilizando apenas meios ocultos menos drásticos do que as escutas. Há-de, para além disso, precisar-se que a ideia ou o princípio de subsidiariedade comporta uma dimensão irredutível de proporcionalidade. Logo a proporcionalidade já assinalada e assente no potencial diferenciado de danosidade, isto é, de intromissão e devassa. Que, na sua expressão mais exposta e directa, obriga a reservar os meios mais agressivos para a perseguição dos crimes mais graves. Mas a proporcionalidade reporta-se também aos diferentes graus de sustentação da suspeita. No sentido de que as formas mais consolidadas e expostas de suspeita justificam o risco do recurso a meios comparativamente mais invasivos. Para além disso, a proporcionalidade opera também na direcção da necessidade ou premência investigatória. Trata-se, agora e fundamentalmente, de saber em que medida a recusa de um determinado meio – sc. a utilização de um meio menos gravoso e invasivo – impossibilita ou dificulta e em que grau (muito? pouco?) a investigação. O simples cumprimento da subsidiariedade faz intervir requisitos cuja verificação pressupõe a representação cabal e actualizada do processo: do seu estado e das suas vicissitudes, das luzes e sombras da investigação, das resistências encontradas e das que se deixam adivinhar. Para, num juízo esclarecido de estratégia criminalística, escolher, dentre o arsenal de meios disponíveis, aquele(s) que, sendo eficaz(es), se mostre(m) o(s) menos invasivo(s) (…). O quadro repete-se do lado da suspeita qualificada, uma suspeita que alguns ordenamentos erigem em pressuposto autónomo e expresso da legalidade e admissibilidade das escutas. Mas que no direito positivo português figura claramente como um pressuposto não escrito da medida. O que, de acordo com o entendimento pacífico de autores e tribunais, significa que só é legítimo o recurso às escutas nos casos em que se verifica uma suspeita de crime (de catálogo) assente em facto determinados. Isto é, factos concreta e objectivamente referenciáveis e, como tais, sindicáveis, objecto idóneo de contestação, de infirmação ou confirmação e, sendo caso disso, suporte de consenso intersubjectivo. E, para além disso, factos portadores de fecundidade heurística bastante para fundamentar a suspeita do crime do catálogo. (…) Na certeza de que, o juiz só poderá pronunciar-se a favor da realização de uma escuta se considerar integralmente satisfeita esta pletora de exigências (Manuel da Costa Andrade, ob. antes cit. a págs. 278/280).

A escuta telefónica será um meio de obtenção de prova, utilizado no decurso de um processo penal, com o fim de recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, limitativo dos direitos fundamentais dos cidadãos e como tal objecto de prévia autorização ou ordem do Juiz de Instrução Criminal. Autorização ou ordem devidamente fundamentada que estabelece quem, o quê, durante quanto tempo e em que circunstâncias os órgãos de polícia criminal vão interceptar as conversas ou comunicações telefónicas efectuadas entre duas pessoas (Ana Raquel Conceição, “Escutas Telefónicas – Regime Processual Penal”, Quid Juris, 2009, pág. 24).

Em vista de todos estes desideratos, o legislador comina a preterição dos respectivos requisitos com a nulidade (art. 190.º do CPP), claramente em razão de que a prova por essa via obtida configura importante intromissão nas telecomunicações e lesão dos referidos direitos e, se abusivamente usada, é nula, de acordo com o art. 32º, n.º 8, da CRP, não podendo vir a ser utilizada (art. 126.º, n.º 3, do CPP).

Ora, resulta que o despacho recorrido indeferiu a pretendida intercepção e gravação de chamadas e mensagens efectuadas e recebidas através do mencionado telemóvel, bem como a obtenção de dados sobre a localização celular (elementos estes a que, nos termos do citado art. 189.º, são aplicáveis, designadamente, os requisitos constantes daquele art. 187.º), com fundamento na ausência, quer da sua indispensabilidade para a descoberta da verdade, quer da circunstância de que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

Reportou-se à excepcionalidade que subjaz à utilização desse meio de obtenção de prova, à deficiente suspeita que foi recolhida quanto ao indicado suspeito e à ausência de quaisquer diligências probatórias prévias à pretendida autorização.

O requerimento formulado pelo aqui recorrente assentou no teor do auto de notícia de fls. 2/4, elaborado pelo Núcleo de Investigação Criminal da GNR, em 05.07.2011, deste constando, com relevo, que:

- em 01.07.2011, foi recebida nesse núcleo uma chamada telefónica, anónima, em que uma senhora manifestou sentimento de insegurança e usando a expressão “é uma vergonha o que se passa na rua da ----, aquele nº ---, é só bandidos sempre ali a entrar e sair”, além de ter informado que residia nas imediações, em Brejos de Azeitão, e via com frequência jovens com idades entre 17 e 25 anos, conhecidos pela população, por praticarem furtos em residências e que exerceriam actividades ilícitas no local indicado;

- em 04.07.2011, no posto da GNR de Azeitão, em conversa informal entre elementos do núcleo e um indivíduo detido por furto em residência, designadamente de artigos em ouro, este disse que o ouro seria para vender a um senhor, residente em Brejos de Azeitão, numa rua aparentando tratar-se da Rua …, que compra todo o que lhe é levado por autores de furtos ou roubos na localidade de Azeitão e localidades vizinhas, e que aí já se deslocara duas vezes para vender peças em ouro;

- esse indivíduo, que deu essas informações, está identificado;

- após diligências de investigação, apurou-se a identificação do indivíduo residente naquela rua, no n.º 36, referenciado como comprador/receptador de ouro furtado, que trabalhara numa ourivesaria, agora desempregado e sem meios de subsistência conhecidos;

- existem suspeitas de que seja o principal receptador do ouro que tem sido furtado nessas localidades, pelo facto de ter experiência na actividade de ourivesaria e, provavelmente, ter conhecimentos e contactos com outras pessoas ligadas ao ramo, para que derretam o ouro e não haja registo da transacção;
- o núcleo tem conhecimento que os indivíduos, antes de se deslocarem à residência do suspeito, efectuam telefonema para o mesmo, combinando a hora e o local de encontro, sendo que este normalmente é combinado para a sua residência, mas também para locais e cafés nas imediação e outros locais mais isolados.

A autorização preconizada, cuja competência cabe nas atribuições exclusivas do juiz de instrução (art. 269.º, n.º 1, alínea e), do CPP) respeita a crime punível com pena de prisão superior a 3 anos (art. 231.º, n.º 1 do CP) e visa pessoa determinada, identificada como suspeito da sua prática (art. 187.º, n.ºs 1, alínea a), e 4, alínea a), do CPP), mas, não obstante, afigura-se que os indícios em que se apoia essa conclusão não se mostram devidamente concretizados.

Na verdade, fundamentam-se no teor de uma chamada anónima e no conteúdo de uma conversa informal, sem que algum valor probatório a estes possa ser legalmente conferido, a que acresce que nenhuma diligência probatória, para além da identificação dessa pessoa e por referência à morada indicada, foi levada a cabo.

Identicamente, do auto de notícia, transparecem considerações algo genéricas e assentes em mera probabilidade, que merecem as inerentes reservas decorrentes de ausência de elementos concretos que indiciariamente as corporizem.

Com isto não se pretende dizer que a autorização para o meio de obtenção de prova em apreço tenha de ter como subjacente uma indiciação forte da prática do crime ou que tenha de ter resultado de outras diligências prévias àquele meio, mas tão-só que, com vista a aferir da necessidade e da exigibilidade do seu uso, se imponha que, razoavelmente, seja de concluir que é indispensável para a investigação do crime, sem prejuízo da atendível gravidade e dos seus normais contornos de execução.

Neste âmbito, curial seria que, em concreto, o conteúdo da conversa anónima e da conversa informal, tivessem sido minimamente confirmados através de alguma diligência, e não que se tivesse enveredado, como é o caso, para a consequência de suposta correlação com profissão anteriormente exercida pelo indicado suspeito.

A opção, sem mais, pelo tipo de meio de obtenção de prova pretendido, não se mostra justificada, à luz da sua necessária indispensabilidade no momento, nem mesmo se divisa que a investigação fique votada ao insucesso se o mesmo não tiver lugar, na medida em que a alegada circunstância dos contactos serem efectuados via telemóvel não se apresenta como impeditiva de diferente recolha de prova, designadamente, através de vigilâncias policiais e de inquirição de outras pessoas, relativamente a actos de receptação que venham a ser (ou foram) efectuadas.

Aliás, contrariamente ao invocado pelo recorrente, segundo os elementos disponíveis, nem sempre as transacções ocorrem no interior da residência do suspeito.

Ainda, também não resulta do auto de notícia, nem do requerimento formulado pelo aqui recorrente, qualquer explicitação acerca da sustentação da referida circunstância de como são feitos os contactos com o suspeito, com vista à combinação dos encontros para compra e venda de ouro furtado.

Afigura-se que não se encontram reunidas as condições para que o requerido devesse ter sido deferido, perante a excepcionalidade e o carácter intrusivo de meio de obtenção de prova, falecendo, a nosso ver, em concreto, a exigência de que a sua necessidade deva prevalecer sobre a protecção devida aos direitos a que a sua autorização, restringindo-a, conduziria.

Por isso, a autorização para o efeito redunda excessiva e desproporcional, em sintonia com o decidido pelo despacho sob censura.

Como refere André Lamas Leite, “Entre Péricles e Sísifo: O Novo Regime Legal das Escutas Telefónicas”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 17, n.º 4, Outubro-Dezembro.2007, pág. 624/626, Os elementos que justificam o recurso às escutas, funcionando como critérios aferidores da respectiva legalidade, conhecem um aumento de exigência: a descoberta da verdade e a obtenção da prova qua tale. Para a primeira, a diligência tem de ser agora “indispensável” e não apenasde grande interesse”.(…) Quanto à relevância para a obtenção de prova, diz-se agora que elas só devem ser usadas quando, de outra forma, esse material seja “impossível ou muito difícil de obter”.

Foi este o sentido do despacho recorrido, que procedeu, quanto exigível, à adequada fundamentação.

A decisão judicial de intervir parte do pressuposto de que uma investigação criminal necessita “de elementos de convicção nos quais estruturar as vias e indícios que podem levar à constatação de perpetração de determinado ou determinados delitos, pelo que não pode impor um dever tal de exigência na motivação e na própria base na qual se estrutura que resolva precisamente o conflito; (…) Motivar ou fundamentar o acto de ingerência não é apenas cumprir um determinado formalismo ou ritualismo, é muito mais do que isso, é “uma imposição finalística da necessidade de evitar a arbitrariedade ou o voluntarismo como fundamentadores de uma determinada resolução judicial que interfira no normal respeito dos direitos fundamentais da pessoa (Benjamim Silva Rodrigues, in “Das Escutas Telefónicas”, Tomo I, A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra, 2008, págs. 227 e seg.).

Com efeito, a entender-se de modo diverso, a natureza subsidiária da utilização do meio de obtenção de prova em apreço ficaria postergada, atendendo a que não se depara com situação em que exista suspeita minimamente qualificada (pelo contrário, assentando apenas em elementos que, legalmente, não podem, sequer, ser “de per si” valorados) e a que a outros meios, menos gravosos e intrusivos, se poderá ainda recorrer, não obstante a investigação seja susceptível de tornar-se mais difícil.

De qualquer modo, tal dificuldade não constitui razão bastante para que devesse ter sido autorizado, realidade a que o despacho recorrido não foi alheio, ao ter ponderado e, bem, a ausência de requisitos para a autorização pretendida, o que fundamentou sem descurar os elementos de que dispunha e a fase da investigação em causa.
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3. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decide-se:

- negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, assim,
- manter o despacho recorrido.

Sem custas, por delas, o recorrente, estar isento.

Elaborado e revisto pelo Relator.

22 de Novembro de 2011

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(Carlos Berguete Coelho)

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(João Gomes de Sousa)