Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESCISÃO DE CONTRATO
JUSTA CAUSA
FALTA DE CONTESTAÇÃO
Sumário
I- Em acção em que se discute a existência de justa causa para a rescisão de contrato de trabalho pelo trabalhador, é facultada ao empregador, na contestação e mesmo que reconheça a veracidade do facto essencial que é afirmado, a possibilidade de alegar matéria de facto que possa justificar a omissão de pagamento das retribuições ou enquadrar a mesma, esclarecendo as circunstâncias que a determinaram. II- Não tendo apresentado contestação, além da confissão dos factos alegados pelo autor no respectivo articulado, a ré impediu a consideração de outros factos que pudessem ser relevantes, nomeadamente, para a ponderação a fazer em relação à indemnização a fixar ao autor, na certeza de que está vedada, em sede de recurso, a consideração de factos que só são alegados na respectiva motivação, não se verificando qualquer um dos pressupostos que legitimam o tribunal de recurso a alterar a matéria de facto.
Sumário do relator
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I) Relatório 1.H…, residente na…, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra A…, L.da, com sede em…. 1.1 O autor alega, em síntese, ter sido admitido ao serviço da ré, em Maio de 1987, para exercer, sob a sua direcção e autoridade, as funções correspondentes à categoria profissional de condutor manobrador.
No final de Março de 2009, a ré, alegando dificuldades económicas, não procedeu ao pagamento do vencimento respeitante ao trabalho prestado nesse mês, o mesmo acontecendo nos meses subsequentes – o que levou o autor a rescindir o contrato, com justa causa.
Conclui pedindo que, com a procedência da acção, se reconheça a existência da justa causa por si apresentada para a rescisão do seu contrato de trabalho (salários em atraso), condenando-se a ré a pagar-lhe uma indemnização calculada em função da sua antiguidade, bem como os vencimentos que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal e ainda diversos valores que discrimina no artigo 15.º da petição, devidos a título de subsídios em falta, acrescidos de juros de mora. 1.2 Realizada a audiência de partes, não foi possível o acordo.
A ré, notificada, não apresentou contestação, pelo que foi proferida sentença, onde se decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em conformidade:
A) Declara-se a existência de justa para a resolução do contrato por iniciativa do autor e, em conformidade, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 11.132,00, a título de indemnização pela referida resolução, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação da ré e até efectivo e integral pagamento;
B) Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 5.326,31, referente aos créditos laborais discriminados no artigo 14º da petição inicial, acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a data do vencimento de cada um dos créditos e até efectivo e integral pagamento;
C) Absolve-se a ré na restante parte do pedido;
D) Condena-se o autor e a ré no pagamento das custas (…)” 2.1 A ré, não se conformando com a decisão, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (por si numeradas de 22 a 34):
22. A R. foi condenada na presente acção e não se conforma com a decisão, dela apresentando recurso.
23. A questão essencial que é submetida à apreciação deste Tribunal consiste em saber se o critério da atribuição do valor da indemnização ao A. aqui Recorrido atento ao grau de ilicitude do comportamento do empregador foi o mais adequado e proporcional.
24. O Tribunal a quo decidiu que o valor da indemnização a atribuir ao A. seria o correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano de trabalho no montante total de 11.132,00€.
25. O Tribunal a quo atento ao facto de o A. ter trabalhado 22 anos e o R. não ter pago os últimos 4 meses, considerou que houve falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
26. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão pelo elevado grau de ilicitude que tais factos decorreram.
27. Ora, o Tribunal a quo fixou mal essa indemnização.
28. O Tribunal a quo considerou como elevado o grau de ilicitude que tais factos decorreram.
29. O Tribunal a quo concluiu pela inexistência de presunção “júris et de jure” de culpa do empregador.
30. O Tribunal a quo deu como provado que a falta de pagamento ficou a dever-se a dificuldades económico-financeiras da empresa, não procedentes de culpa sua.
31. O Tribunal a quo não teve em consideração na fixação da indemnização a conjuntura económica actual.
32. Com base na factualidade acima indicada, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu a Douta Sentença, fixando a indemnização em 30 de retribuição base, condenando a R. ao pagamento de 11.132,00€.
33. Com o devido respeito, entende a ora Recorrente, que o Meritíssimo Juiz a quo não teve em conta os princípios da proporcionalidade e da adequação na fixação da indemnização.
34. Impõe-se pois, a conclusão de que, no caso sub judice, aqui Recorrido que o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter fixado a indemnização em 15 dias por cada ano de retribuição atento à falta de culpa do R. e à conjuntura sócio-económica actual.
Termina afirmando que o recurso deve ser julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condena ao pagamento de uma indemnização fixada em 30 dias, a qual deve ser substituída por outra que fixe a indemnização para 15 dias de retribuição por cada ano de trabalho. 2.2 O autor, notificado da interposição de recurso pela ré, veio responder, formulando as seguintes conclusões:
1- O MMº Juiz elaborou a aliás douta sentença correctamente, com sabedoria, equilíbrio e boa administração da Justiça, devidamente alicerçada na matéria de facto que resultou provada.
2- O MMº Juiz “a quo” cumpriu integralmente a missão que lhe foi incumbida, fazendo constar da douta sentença os elementos essenciais, os factos dados como provados, bem como o Direito aplicável ao caso, fundamentando em pleno e sem contradição a sua decisão.
3- A prova de que existiam dificuldades económicas da empresa que obstavam ao pagamento pontual da retribuição e que a existência dessas dificuldades não eram por culpa da entidade empregadora, impunha-se à Ré, que não o fez.
4- Não tendo cumprido com o ónus que se lhe impunha, não pode agora em sede de recurso fazer tal alegação e pretender que a mesma seja considerada na determinação do montante da indemnização fixada.
5- O MMº Juiz “a quo” ao fixar a indemnização em 30 (trinta) dias de retribuição, teve em conta o constante dos autos, e os princípios da proporcionalidade e adequação, pois que podia até ter elevado tal quantitativo a 45 (quarenta e cinco) dias.
6- Não pode assim prevalecer a tese da Apelante.
Termina afirmando que deverá ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença. 2.3 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer sustentando que é adequada a fixação do montante indemnizatório, que deverá ser mantido, julgando-se improcedente o recurso. 2.4 Notificado à recorrente e ao recorrido, nenhuma das partes respondeu. 3. O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho – sem prejuízo da apreciação por iniciativa própria de questões de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, analisadas as conclusões formuladas pela recorrente, extrai-se que o objecto do presente recurso se consubstancia, no essencial, na apreciação da seguinte questão:
§ A adequação do valor fixado a título de indemnização, dos critérios para a sua determinação. II) Fundamentação 1. Factos relevantes.
Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os factos que o tribunal de primeira instância, “atenta a falta de contestação da ré, que importa o reconhecimento ou confissão dos factos articulados pelo autor (cf. artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), e os documentos juntos aos autos”, julgou provados:
“1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em Maio de 1987, para sob a sua direcção, e autoridade exercer as funções correspondentes à categoria profissional de “condutor manobrador”;
2. Em conformidade com a actividade profissional da Ré (ramo da construção civil), o Autor realizava diversos trabalhos inerentes à sua profissão, em consonância com as obras assumidas por aquela, desempenhando a sua actividade em horário imposto pela Ré, por ordem, indicação, fiscalização e interesse da mesma;
3. O Autor auferia o vencimento base mensal de 506,00 €, a que acrescia uma verba a título de subsídio de transporte não inferior a 311,00 € mensais e subsídio de alimentação de 5,00 € por cada dia efectivamente trabalhado;
4. Ao longo da relação laboral sempre o Autor cumpriu com zelo e dedicação as funções para as quais foi contratado, respeitando os seus superiores hierárquicos, colegas de trabalho, clientes e demais pessoas que com a Ré se relacionassem, contribuindo assim para o progresso, produtividade e bom nome da mesma;
5. No final do mês de Março de 2009, alegando dificuldades económicas, a Ré não procede ao pagamento do vencimento do Autor respeitante ao trabalho prestado nesse mês;
6. O mesmo acontecendo nos meses de Abril e Maio de 2009;
7. Uma vez que a situação de salários em atraso se mantinha e o ora Autor enfrentava sérias dificuldades económicas, o mesmo decide rescindir o seu contrato de trabalho até então em vigor, alegando justa causa (existência de salários em atraso), com efeitos imediatos, tendo para tal endereçado correspondência à sua entidade empregadora, ora Ré, em 22 de Junho de 2009, junta aos autos sob a designação de documento n.º 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
8. Na mesma data, o Autor dá conhecimento da sua rescisão à Autoridade para as Condições do Trabalho;
9. À data da cessação da relação laboral, além das retribuições referidas em 5 e 6, a Ré não pagou ao Autor:
a) subsídio de transporte no mês de Março 2009;
b) subsídio de alimentação do mês de Março de 2009;
c) subsídio de transporte no mês de Abril de 2009;
d) subsídio de alimentação do mês de Abril de 2009;
e) subsídio de transporte no mês de Maio de 2009;
f) subsídio de alimentação do mês de Maio de 2009
g) 22 dias de vencimento do mês de Junho de 2009;
h) subsídio de transporte no mês de Junho de 2009;
i) subsídio de alimentação do mês de Junho de 2009;
j) férias não gozadas pelo trabalho prestado no ano de 2008 (22 dias úteis);
k) correspondente subsídio de férias de 2008;
l) férias não gozadas pelo trabalho prestado em 2009 (12 dias);
m) proporcional de subsídio de férias de 2009;
n) proporcional de subsídio de Natal de 2009.” 2. Enquadramento legal.
Releva na apreciação da matéria em discussão, relativamente ao Código do Trabalho, a versão aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (cf. respectivo artigo 7.º), diploma a que se reportarão ulteriores referências a tal código sem outra menção. 2.1 Perante os elementos que anteriormente se deixaram expostos, é pacífico que o autor e a ré, desde Maio de 1987, estavam vinculados por contrato de trabalho, exercendo o autor, sob a direcção e autoridade da ré, as funções correspondentes à categoria profissional de “condutor manobrador”, mediante o pagamento de retribuição mensal que, em 2009, ascendia ao valor base de € 506,00.
É também incontroverso que a ré, alegando dificuldades económicas, omitiu o pagamento do vencimento do autor respeitante ao trabalho prestado nos meses de Março, Abril e Maio de 2009, face ao que este, ao abrigo do disposto no artigo 394.º do Código do Trabalho, procedeu à resolução do contrato de trabalho com fundamento em comportamento culposo do empregador, reportando os efeitos da resolução a 22 de Junho de 2009, data em que a comunicou à ré.
A ré/recorrente não discute a existência de justa causa e a legitimidade do autor quanto à resolução do contrato nos referidos termos nem a responsabilidade que ela própria tem no pagamento das quantias devidas a título de créditos laborais, tal como não discute que, por via disso, é ainda responsável pelo pagamento de uma indemnização ao autor, restringindo-se a sua discordância à determinação do exacto montante desta, à questão de saber se deveria ter sido fixada em 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade e não nos 30 dias considerados pelo tribunal a quo. 2.2 Nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho, ocorrendo justa causa, seja subjectiva ou objectiva, conforme exista ou não culpa do empregador, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
Ainda de acordo com esta norma, constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, considerando-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por períodos de 60 dias.
Neste caso, tal como na generalidade dos casos em que a resolução do contrato de trabalho tem como fundamento qualquer uma das situações de justa causa subjectiva, com a resolução do contrato, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades – artigo 396.º do Código do Trabalho.
Consagra-se nesta norma um critério de fixação da indemnização idêntico ao que resulta do artigo 391.º, previsto para a indemnização substitutiva da reintegração, devendo o julgador ponderar a gravidade da ilicitude e da culpa do lesante, bem como dos danos causados. 3. No caso em apreciação e na parte que aqui interessa, remetendo para os factos provados, afirma-se na sentença sob recurso:
“Em face dos factos alegados e provados [o autor trabalhou 22 anos para a ré e esta não pagou os últimos 4 meses de retribuição] é [de] fixar, atento o elevado grau de ilicitude que de tais factos decorre, a indemnização em 30 [dias] de retribuição base, razão pelo qual, a devido pela ré ao autor, a esse título, a quantia de € 11.132,00”.
Além dos factos apontados (antiguidade do autor e omissão de pagamento de retribuição por parte da ré), releva ainda que o autor, ao longo da relação laboral, sempre cumpriu com zelo e dedicação as funções para as quais foi contratado, respeitando os seus superiores hierárquicos, colegas de trabalho, clientes e demais pessoas que com a ré se relacionassem, contribuindo assim para o progresso, produtividade e bom nome da mesma; por outro lado, perante a situação de salários em atraso que se mantinha, o autor enfrentava sérias dificuldades económicas.
Pretende a recorrente que não se consideraram na sentença recorrida factos relevantes: a falta de pagamento ficou a dever-se a dificuldades económico-financeiras da empresa, não procedentes de culpa sua; a ré é uma empresa que se dedica sobretudo às obras públicas; o Estado e outras entidades públicas com as quais a ré tem contratos de empreitada não têm cumprido pontualmente as suas obrigações, pelo que esses incumprimentos crivaram uma situação deficitária a nível de tesouraria da sociedade, impossibilitando a ré de cumprir as suas obrigações e pagar os últimos salários ao autor.
Não está demonstrada a veracidade destes factos, sendo certo que os mesmos não integram a matéria de facto provada, susceptível de ser considerada pelo tribunal na prolação da sentença.
À ré foi facultada a possibilidade de, em sede de contestação, alegar a matéria de facto que pudesse justificar a omissão de pagamento das retribuições ou enquadrar a mesma, esclarecendo as circunstâncias que a determinaram.
Não tendo apresentado contestação, a ré confessou os factos alegados pelo autor no respectivo articulado – artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho; por outro lado, impediu a consideração de outros factos que pudessem ser relevantes, nomeadamente, para a ponderação a fazer em relação à indemnização a fixar ao autor, na certeza de que está vedada a consideração dos factos que agora alega, não se verificando qualquer um dos pressupostos que legitimam o tribunal de recurso a alterar a matéria de facto.
Na fixação do montante da indemnização e atendendo à matéria de facto provada, o tribunal não pode deixar de considerar a ilicitude do comportamento assumido pela ré ao omitir o pagamento das retribuições devidas ao autor em quatro meses sucessivos, omitindo deste modo o cumprimento de uma das suas principais obrigações decorrentes do contrato de trabalho que outorgou com o autor; importa também considerar a antiguidade do autor e a dificuldade económica por ele sentida em consequência de tal omissão.
Relativamente à ré, não são assinaladas ocorrências anteriores, semelhantes às que determinaram o autor a rescindir o contrato.
Pretende a ré que se considere a actual conjuntura económica. É do conhecimento comum que Portugal, à semelhança de outros países europeus e de outros continentes, atravessa dificuldades financeiras que se agravaram de forma acentuada nos últimos meses, com reflexos nefastos na respectiva economia. O que não se evidencia é o exacto alcance desta situação nas concretas razões que determinaram a ré a omitir o pagamento da retribuição do autor, a partir de Março de 2009, na certeza de que, perante os factos provados, não se evidencia uma relação efectiva entre a actual conjuntura económica e as alegadas dificuldades económicas da ré e a omissão em causa, tal como se desconhecem as concretas medidas por esta tomadas para obstar a tal dificuldades e respectivos efeitos.
A ponderação dos elementos ao dispor do tribunal justificam a opção pela fixação da indemnização devida ao autor/apelado em consequência da resolução de contrato por este operada no valor médio previsto na lei, especificamente, a fixação em 30 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade, no caso, 22 anos.
Conclui-se por isso no sentido da improcedência do recurso. 4. Vencida no recurso, a ré/recorrente suportará o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º do Código de Processo Civil). III) Decisão: 1. Pelo exposto, os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora acordam em negar provimento ao recurso interposto pela ré, mantendo a decisão recorrida. 2. Custas a cargo da ré.
Évora, 17 de Janeiro de 2012. (Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto) (João Luís Nunes) (Acácio André Proença)