I – A constituição como arguido de um indivíduo sobre quem recaiam suspeitas da prática de ilícitos criminais importa um conjunto de direitos e deveres processuais entre os quais o de ser assistido por defensor em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, e sendo estrangeiro e desconhecedor da língua portuguesa, de lhe ser nomeado intérprete – cfr. artigos 57º, nºs 1 e 2, 58º, nºs 1, alíneas c) e d) e 2, 61º, 64º, nº 1, alínea c) e 92º, nºs 1, 2 e 3, todos do Código de Processo Penal.
II – A falta de nomeação de intérprete é sancionada como nulidade dependente de arguição, ou seja, nulidade sanável, como preceituado no artigo 120º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal. E, não sendo razoável que a invocação desta nulidade tenha de ser efectuada até ao termo do acto a que o visado assistiu sem intérprete, nos casos em que não está presente o defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se, para eles, a aplicação da regra geral de arguição de nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias, (artigo 105º, nº 1, do Código de Processo Penal), a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado.
III – A falta de defensor, quando ela é obrigatória, gera nulidade insanável, nos termos prevenidos no artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal.
IV – A busca enquanto meio de obtenção de prova, relativo a arguido estrangeiro e desconhecedor da língua portuguesa, tem que ser obrigatoriamente assistido por defensor, sob pena de nulidade insanável – cfr. artigos 64º, nº 1, alínea c) e 119º, alínea c), do Código de Processo Penal. E, tratando-se de assistência obrigatória de defensor em acto processual relativo a arguido desconhecedor da língua portuguesa, a constituição ou nomeação (não ocorrendo aquela) de profissional forense, por ser legalmente imposta, não está sequer na disponibilidade do arguido tê-la ou não, quer se oponha ou não à nomeação.
V – A verificada nulidade insanável por ausência de defensor no acto processual de busca realizado no domicílio do arguido (…), desconhecedor da língua portuguesa, torna nulo o meio de obtenção de prova em que a busca domiciliária se consubstanciou e bem assim o meio de prova que permitiu recolher no processo e em que se concretizou, a apreensão do material descrito a fls. (…). Parece-nos inequívoca a dependência causal e necessária, lógica e jurídica, entre o acto viciado (ausência de defensor na busca quando legalmente imposta) e o que dele depende (a apreensão) – cfr. nºs 1 e 2, do artigo 122º, do Código de Processo Penal.
I
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 206/10.4 GDABF, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, mediante acusação pública, foram submetidos a julgamento, precedendo pedidos de indemnização civil (apresentados pelos demandantes PF e FO) e contestação (apresentada por ambos os arguidos), os arguidos CG, (…) e LC, (…), e por acórdão proferido e depositado em 06.04.2011, foi decidido:---
“(…)
¤ Decide o colectivo de Juízes,
• Julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acusação deduzida pelo Ministério Público, em conformidade com isso:
a) Absolver os arguidos da prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artº 204º, nº 1, e 2, com refª ao artº 203º, nº 1 do CP, por aplicação do princípio in dubio pro reo;
b) Absolver os arguidos quanto aos crimes de dano, um deles qualificado, p. e p. pelo artº 212º, nº 1 e 213º, nº 1 do CP de que vinham os arguidos acusados, por efeito da consumpção penal;
c) Condenar os arguidos CG e LC pela prática, em co-autoria material, de oito crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artº 204º, nº 1, al. a) e al. f) e nº 2, al. e), todos com refª ao artº 203º, nº 1 CP, na pena de prisão de 3 anos e 6 meses para cada um dos crimes em causa, todos em concurso real entre si;
d) Condenar, ainda, o arguido CG pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/06 de 23.02, na pena de 1 ano de prisão;
• Nos termos do artº 77º CP, fixar as penas únicas em dez (10) anos de prisão para cada um dos arguidos.
• Custas criminais a cargo dos arguidos, fixando a taxa de justiça em 10 Uc’s para cada um, e demais encargos legais.
*
¤ Mais se decide neste Colectivo,
• Julgando improcedente por não provado o pedido de indemnização deduzido pelo demandante PF, absolver dele os arguidos/demandados.
Custas cíveis deste pedido pelo demandante (sem prejuízo de isenção de que beneficie).
• Julgando parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização deduzido pelo demandante FO, condena-se os arguidos a pagar-lhe, solidariamente, o valor de 10.000€, absolvendo os arguidos/demandados do restante.
Custas cíveis deste pedido a cargo de demandante e demandados, na proporção do respectivo vencimento e decaimento (sem prejuízo de isenção de que beneficie).
*
¤ Quanto à arma apreendida, determina-se a sua perda a favor do Estado (artº 109 CP), atento o facto de ser transformada e sem possibilidade de legalização e a susceptibilidade de poder vir a ser utilizada para cometimento de outros factos criminalmente relevantes.
Os demais objectos, caso ainda estejam apreendidos, serão devolvidos aquém demonstre ser o respectivo proprietário.
(…)”.---
Inconformados com a decisão, dela recorreram os arguidos:---
O arguido LC, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:---
“
1.º
O acórdão ora recorrido, pelo qual o arguido foi condenado pela prática de 8 crimes de furtos qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º n.º 1 al.a) e F) e n.º 2 al. e ), todos com ref. ao art.º 203.º n.º1 C.P., é de uma manifesta injustiça porquanto o arguido foi condenado face a uma convicção do Tribunal a quo que carece de qualquer suporte probatório.
2.°
Como matéria relevante para a apreciação deste recurso importa desde logo destacar a factualidade que o Tribunal a quo deu incorrectamente como provada e que resultou na condenação do arguido. (Art. 412 n.º3 alínea a) do C.P.)
3.º
O Tribunal deu como provados os furtos a:
- Estabelecimento Artisport, no dia 12 de Abril de 2010
- Óptica Lúcia, no dia 20 de Abril de 2010
- Minimercado Santos, no dia 22 de Abril de 2010
- Mitsubishi Starkkar, no dia 26 de Abril de 2010
- Bricomania, no dia 27 de Abril de 2010
- Veículo Toyota, no dia 30 de Abril de 2010
- Urbanização Monte Funchal, Lote 14, Lagos, no dia 4 de Maio de 2010
- Água de Coco, no dia 25 de Maio de 2010
4.º
Não foi produzida qualquer prova que permitisse dar como provado de que tenha sido o arguido/recorrente LC, o autor destes crimes à excepção da tentativa de furto ao estabelecimento Água de Coco.
5.°
Também não se provou de que existisse um plano entre ambos os arguidos para se dedicarem a assaltos a estabelecimentos comerciais e residências.
6.º
A maior parte dos objectos furtados foram encontrados na residência do arguido CG.
7.º
Os objectos encontrados na residência do arguido LC, não provam que tenha sido ele o autor dos crimes.
8.º
Segundo as suas declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial, os bens que fazem parte da lista de objectos furtados e que se encontravam na sua residência, foram-lhe dados para vender pelo o arguido CG, pelo que a ser condenado deveria ser pelo crime de Receptação.
9.º
Ambos os arguidos só se conheceram em Maio de 2010, segundo as declarações da testemunha AL e pelo depoimento do arguido LC no interrogatório judicial.
10.º
Nunca poderia ter existido um plano entre ambos em data anterior a esta, nem se poderá condenar os arguidos em conjunto pelos vários crimes praticados.
11.º
Este sempre exerceu a sua actividade profissional como barmen, primeiramente no Hotel Solimar e depois no Restaurante Cerro Grande, conforme se prova também pelas declarações da testemunha AL e pelo depoimento do arguido no interrogatório judicial.
12.º
Assim, resulta claro face à análise da prova indicada pelo tribunal a existência de uma situação de Erro Notório na Apreciação da Prova (art.º 410º n.º2 alínea c) do C.P.P.), pois pelo depoimento das testemunhas não se conclui que foi o arguido Lourenço o autor dos crimes em conjunto com o arguido CG.
13.º
A única testemunha que diz reconhecer o arguido L foi AP, que afirma reconhecê-lo pela forma e tiques de andar, no filme ao estabelecimento Bricomania, ora é impossível conseguir identificar qualquer pessoa no vídeo, pois encontravam-se encapuzados e vestidos de igual forma. Por outro lado, o arguido não tem qualquer característica diferente que o distinga da maioria dos mortais.
14.º
Existe também Erro Notório na Apreciação da Prova por Violação do Princípio In Dúbio Pró Reo, pois, como supra se demonstrou, o Tribunal a quo violou o Princípio da Presunção da Inocência e o Princípio in dúbio pró reo, pois declara que formou a convicção verificando directamente um facto material, um fenómeno ou situação, reportando-se ao atestado por outrem (testemunhas, peritos e/ou arguidos) ou por meio de raciocínio, deduzindo de factos conhecidos, factos ignorados ou factos contrastantes. A convicção do tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica dos meios de prova disponíveis, com apelo ás regras de experiência comum e normalidade.
15.º
O Tribunal fundou também a sua convicção nos documentos, autos, perícias, fotografias e informações, relatórios sociais e informações policiais dispersas, juntas aos autos, e depoimentos das testemunhas, que no nosso entender por si nada provam, sendo que destes depoimentos é impossível sequer deduzir, quanto mais de afirmar que o arguido tenha cometido os factos, pelo que na dúvida deveria ter sido decidido em sentido favorável ao arguido.
16.º
Relativamente ao processo que estava a correr termos no Tribunal de Albufeira com o n.º32/10.0 GAABF, o arguido foi absolvido dos crimes de que vinha acusado.
17.º
Por outro lado, quanto às buscas efectuadas á residência do arguido/recorrente LC, inexiste qualquer consentimento prestado para a busca na referida morada onde foi realizada, pelo que sempre se terá de concluir que a prova obtida por apreensão é nula por violação expressa no art.º174º, n.º3 e n.º5 al.b), tal como estatuído no art.º 126.º n.º3 do C.P..
18.º
Não deveria ter sido aplicada a mesma pena a ambos os arguidos pois o arguido CG foi condenado ainda no crime de detenção de arma proibida
19.º
Os arguidos foram condenados pelo crime de furto qualificado na forma consumada, no que se refere ao estabelecimento Água de coco, no entanto deveria ter sido na forma tentada.
20.º
Quanto ao pedido cível, deverá ser absolvido do mesmo.
21.º
O arguido/recorrente LC deverá ser condenado apenas no crime de furto qualificado na forma tentada no que se refere ao estabelecimento Água de Coco e a um crime de receptação, no caso dos bens apreendidos na sua residência serem aceites como prova, não se levando em consideração a nulidade invocada, sendo absolvido de todos os outros crimes por falta de prova.
TERMOS EM QUE
Se requer seja revogada a Douta decisão recorrida:
a) Anulando-se o julgamento;
b) Declarando-se a nulidade dos meios de prova no que se refere à falta de consentimento para as buscas
Devendo o arguido ser absolvido dos 7 crimes de furto qualificado e apenas condenado num crime de furto qualificado na forma tentada
Caso não seja este o entendimento
Deverá ser absolvido dos 7 crimes de furto e de 1 crime de receptação”.---
O arguido CG, extraindo da respectiva motivação recursiva, as conclusões seguintes:---
“1) O douto Acórdão recorrido considerou e admitiu expressamente métodos proibidos de prova;
2) O recorrente não fala ou sequer compreende a língua portuguesa.
3) O recorrente foi detido durante a noite, pela GNR de Olhos D'Água, Albufeira, nas circunstâncias descritas nos autos, e conduzido àquele posto policial, sob detenção.
4) O recorrente, em hora não especificada, foi levado a assinar um documento, redigido em língua portuguesa, denominado “declaração”, constante de fls 43 dos autos.
5) O recorrente não estava constituído arguido, nem acompanhado de defensor ou intérprete.
6) Foi com base naquele documento que os agentes policiais procederam em buscas domiciliárias em imóvel que dizem ser a residência do arguido.
7) O recorrente não foi esclarecido do teor do referido documento nem informado dos seus direitos (nomeadamente nos termos do disposto nos art° 57º, n.º 3, 58°, n.º 1, al. c) e n.º 2, 61º, n.º 1, al. d) e al. h), todos do CPP.
8) O consentimento prestado, para realização de buscas, nestas condições, traduz recurso a método proibido de prova, por violação expressa do disposto nos art.° 118°, n.º 3, 126°, n.º 1 e n.º 2 al. a) e b) e 174°, n.º 5, al. b), todos do CPP, além das normas do mesmo código referidas na conclusão anterior.
9) O procedimento descrito traduz violação expressa de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, previstos nos artigos 20º, n.º 4, 27º, n.º 3 al. g), 27º, n.º 4 e 32º (particularmente o número 8) da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 7°, 10° e 12° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art° 5°, n.º 2, 3, 4 e 5, art.º 6º, n.º 3, 7º e 8°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
10) Deve anular-se o julgamento por ofensa de direitos constitucionalmente consagrados supra referidos, e determinada a sua repetição, expurgado o processo do método proibido de prova (buscas não legalmente consentidas) e prova daí obtida;
11) É inconstitucional, por violação das citadas normas o entendimento da norma contida no artigo art.° 174º, n.º 5 al. b) do CPP, quando interpretado no sentido de considerar válido o consentimento para realização de buscas, prestado por quem se encontre detido, não informado dos seus direitos, não falante e sem compreender o português, assinando um documento nesta língua, sem que o respectivo teor lhe seja dado a conhecer, e sem conhecer o seu direito de o não assinar, bem como os demais direitos da pessoa detida/arguida
12) Ainda que assim se não entendesse, sempre deve ser a busca realizada, sob pretenso consentimento do recorrente, ser considerada um método proibido de prova.
13) O documento de fls 43 (como o de fls 44), refere expressamente a seguinte morada: “Urb. Casa Vela, n.º 38 8200 Albufeira”
14) A fls fls 49 dos autos resulta explícito que a diligência foi cumprida no referido dia 25 de Maio de 2010 (sem indicação de hora) mas em “Apartamentos Velamar, lote 37, E, 1º Esq.º S. Rafael Albufeira
15) Inexiste nos autos qualquer consentimento para realização de buscas em Apartamentos Velamar, lote 37, E, 1º Esq.º S. Rafael Albufeira, lugar onde foram realizadas.
16) As buscas realizadas, ainda que não se quisesse considerar inadmissivel o consentimento prestado pelo recorrente, sempre ofendem as mesmas normas já referidas, por não estarem precedidas de consentimento, nem autorizadas e presididas por autoridade judiciária, para a morada em que foram realizadas;
17) Deve assim, em qualquer caso, decidir-se pela anulação do julgamento, determinando-se a sua repetição, expurgado o processo de todos os meios de prova recolhidos com recurso àquele método proibido e, bem assim, toda a documentação a eles referente.
18) O Tribunal a quo, na douta decisão recorrida, considerou tal método proibido de prova.
19) Ainda que assim se não quisesse entender, sempre deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro com diversa solução de direito e de facto.
20) O Mº Tribunal a quo fez errado julgamento da matéria de facto nestes autos, pelo que se impugna a decisão sobre a matéria de facto, devendo ser reapreciada a prova gravada, conforme especificada.
21) Existem elementos probatórios que impunham solução diversa sobre o julgamento da matéria de facto.
22) Inexistem elementos probatórios para suportar a matéria factual considerada provada, no douto Acórdão recorrido.
23) O Mº Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos que considerou provados, e que supra se especificaram sob os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 47, 48, 52, 53, 54, 55 e 56, daquela matéria, havendo vários e relevantes elementos probatórios (concretamente várias passagens da prova testemunhal produzida em julgamento) que impunham decisão diversa sobre aqueles factos.
24) Deveria o Tribunal a quo ter considerado não provados a essencialidade da matéria que considerou provada sob aqueles pontos, quanto à pessoa do recorrente.
25) A recorrente específica, quanto a cada um dos referidos pontos de facto que considera erradamente julgados, as concretas provas que impunham a decisão diversa (o que se considera aqui reproduzido para todos os efeitos, nomeadamente os referidos no art.º 410, n.º 3 do CPP).
26) Pelo erro no julgamento da matéria de facto, deverá determinar-se a repetição do julgamento, sendo o Acórdão proferido, violador do disposto no art.º 410º, n.º 2 al. a), b) e c) do CPP e ainda do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa.
27) Em qualquer caso, face à alteração da matéria de facto provada, deverá o recorrente ser absolvido dos crimes de furto qualificado, na forma consumada, por que foi condenado e ainda do crime de detenção de arma proibida, devendo apenas ser condenado por um crime de furto qualificado, na forma tentada, em 25 de Maio de 2010;
28) Não havendo condenação em sede criminal, quanto aos factos constantes do pedido cível por que foi condenado o recorrente, deve igualmente ser o mesmo absolvido da condenação cível que sobre si recaiu.
29) A decisão recorrida, ao decidir como fez, violou o principio in dúbio pro reo, e a presunção de inocência contidos no art.º 32º, n.º 2 da CRP
30) A prova produzida não esclarece, por fragilidade da disponível (no geral vazia de concretização factual sobre os elementos factuais dos tipos de crime sub judice) a autoria da maior parte dos crimes de furto (com excepção do último), nem qualquer envolvimento do recorrente em tais situações de facto.
31) Não sendo aceitável, salvo o devido respeito, a forma como o Tribunal resolveu aquele vazio probatório.
32) Não é aceitável, em processo criminal, a condenação com base em especulações ou possibilidades, além de uma dúvida razoável, e sendo esta resolvida com base em concretas e sólidas provas produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, inexistentes no caso sub judice.
33) Ao decidir a matéria factual como o fez, o Tribunal violou ainda o principio “in dúbio pro reo” e a protecção constitucional da presunção de inocência (plasmados no art.º 32 da Constituição da República Portuguesa).
34) Deve igualmente o recorrente ser absolvido do pedido cível contra si deduzido
Ainda que assim se não entenda
35) Do crime de furto qualificado referido no douto Acórdão, quanto aos factos de 25 de Maio de 2010, deve apenas resultar a condenação por tentativa e não na forma consumada.
36) O recorrente não chegou a apropriar-se de quaisquer bens, mas apenas cometeu actos típicos de execução, não chegando a remover para a sua esfera jurídica os referidos bens.
37) Ao condenar o arguido por aquele crime, mas na forma consumada, e em pena parcelar igual aos demais crimes que considerou consumados, o douto Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação das normas contidas nos artigos 22º, 23º, n.º 2, 72º, n.º 1, 1ª parte, 73°, n.º 1 al a) e b), todos do Código Penal.
38) Deverá o douto Acórdão recorrido ser, em qualquer caso, revogado e substituído por outro que condene o recorrente em pena de única de prisão não superior a oito anos e seis meses, considerando o crime de furto de 25 de Maio de 2010, cometido na forma tentada, e absolvendo-o ainda da prática do crime de detenção de arma proibida por que veio condenado.
Assim, nestes termos, e nos melhores de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente e, em consequência:
1) Ser revogado o douto Acórdão recorrido, anulando-se o julgamento realizado (por ocorrência de nulidades expressas e insanáveis, ex vi, art.ºs 118º, n.º 3, 125º, 126º, n.º 1, n.º 2 al. a) e b) e n.º 3, todos do CPP, e ainda 20º, n.º 4, 27º, n.º 3 al. g), 27°, n.º 4 e 32º (particularmente o número 8) da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 7°,10° e 12° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art.º 5°, n.º 2, 3, 4 e 5, art.º 6º, n.º 3, 7° e 8°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, devendo ser anulado o julgamento e o mesmo repetido, expurgado do método de prova proibido e ilegal, obtido mediante recurso a buscas ilegais;
1.1. Neste caso deverá ainda este Venerando Tribunal, no Sábio Acórdão a proferir, declarar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo art.º 174º, n.º 5 al. b) do CPP, quando interpretado no sentido de considerar válido o consentimento para realização de buscas, prestado por quem se encontre detido, não informado dos seus direitos, não falante e sem compreender o português, assinando um documento nesta língua, sem que o respectivo teor lhe seja dado a conhecer, e sem conhecer o seu direito de o não assinar, bem como os demais direitos da pessoa detida/arguida (por ofensa das disposições contidas nos artigos 20°, n.º 4, 27°, n.º 3 al. g), 27°, n.º 4 e 32º (particularmente o número 8) da CRP, dos artigos 7°, 10° e 12° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art.º 5º, n.º 2, 3, 4 e 5, art.º 6º, n.º 3, 7º e 8º, todos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
(ainda que assim se não entenda)
2) Ser revogado o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que declare a nulidade do método de prova em que se traduziram as buscas realizadas sob pretenso consentimento do recorrente, e em consequência absolva o recorrido da prática de todos os crimes por que foi condenado, com excepção do furto na forma tentada que conduziu à sua detenção em flagrante delito;
2.1. Neste caso deverá ainda este Venerando Tribunal, no Sábio Acórdão a proferir, declarar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo art.º 174º, n.º 5 al. b) do CPP, quando interpretado no sentido de considerar válido o consentimento para realização de buscas, prestado por quem se encontre detido, não informado dos seus direitos, não falante e sem compreender o português, assinando um documento nesta língua, sem que o respectivo teor lhe seja dado a conhecer, e sem conhecer o seu direito de o não assinar, bem como os demais direitos da pessoa detida/arguida (por ofensa das disposições contidas nos artigos 20º, n.º 4, 27º, n.º 3 al. g), 27º, n.º 4 e 32º (particularmente o número 8) da CRP, dos artigos 7º,10º e 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art.º 5º, n.º 2, 3, 4 e 5, art.º 6º, n.º 3, 7º e 8º, todos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2.2. Neste caso deverá ainda este Venerando Tribunal declarar a absolvição do ora recorrente sobre a condenação civil que sobre si recaiu.
(ainda que assim se não entenda)
3) Ser revogado o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que proceda à reapreciação da matéria factual dada por provada, e da prova devidamente gravada e, em consequência dar por não provados a essencialidade dos factos, nomeadamente os supra especificados com os números1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 47, 48, 52, 53, 54, 55 e 56 daquela matéria e, em consequência, absolva o recorrido da prática de todos os crimes por que foi condenado, com excepção do furto na forma tentada que conduziu à sua detenção em flagrante delito;
(ainda que assim se não entenda)
4) Ser revogado o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida, e o condene apenas, em co-autoria material, pela prática de sete crimes de furto qualificado na forma consumada e um na forma tentada, sendo este com pena especialmente atenuada (e portanto inferior à pena parcelar de 3 anos e seis meses de prisão) e absolvendo-o ainda da prática do crime de detenção de arma proibida, condenado, em consequência em pena única de prisão não superior a 8 anos e seis meses;
Deste modo repondo a inteira JUSTIÇA que vos é reconhecida e de que sois, Venerandos Desembargadores, dignos guardiões;
(…).”.---
Notificada, a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância, respondeu aos recursos interpostos, concluindo que:---
Relativamente ao arguido LC:---
“1ª - A leitura do douto Acórdão ocorreu no dia 06-04-2011, em processo urgente. Aquando da leitura do Acórdão recorrido, o arguido LC esteve presente. Nos processos de arguidos presos – os prazos não se interrompem (cfr. art. 103º, nºs 1 e 2 , alínea a) do CPP) -, nem os prazos processuais se suspendem, durante as férias da Páscoa.
2ª – O recorrente apresentou as alegações de recursos, em data posterior aos 20 dias, sendo certo, embora requeira a reapreciação da prova gravada, não o fez com as exigências a que alude o artigo 412º, n.º 3 do CPP.
3ª - O Recorrente dispunha de 20 (vinte) dias para a interposição do presente recurso – cfr. art. 411º, n.º 1, alínea b) do C.P.P. – tratando-se (como é) de sentença, do respectivo depósito na secretaria; prazo aquele, acrescido de 3 dias, nos termos do art. 145º, n.º 5 do C.P.C. “ex vi” art. 104º, n.º 1 do C. P. Penal. Porém, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, aquele prazo é elevado para 30 dias (n.º 4 do mesmo normativo).
4ª - Com efeito, importa referir que, quando o recurso pretende impugnar a matéria de facto, o recorrente tem o dever legal (art. 412º, n.º 3 do CPP) de especificar, (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e (c) as provas que devem ser renovadas.
5ª - Considera-se que o ora recorrente (L) interpôs o seu recurso para além do vigésimo dia subsequente ao depósito do douto acórdão na secretaria judicial, concretamente, até ao dia 01 de Maio de 2011 (28 de Abril + 3 dias) – ou seja, no prazo de 20 dias seguidos, acrescidos de 3 dias e com a respectiva multa.
6ª - A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância em relação à decisão e que delimitam o âmbito do recurso.
7ª - Entende-se que, no que respeita ao recurso em causa, as exigências legais inerentes à impugnação ampla da matéria de facto não foram integralmente observadas.
Da harmoniosa interpretação das normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 412º do CPP, resulta que o recorrente terá, a um tempo, que individualizar cada facto julgado provado na sentença recorrida e a concreta localização de cada declaração ou depoimento que, no seu entender, impunha diverso julgamento e que, por assim não ter sido ali entendido, pretende em recurso ver reapreciado pelo Tribunal da Relação [neste sentido, já entendeu a Relação de Évora, nos acórdãos de 12/03/20008 e de 24/09/2009, ambos disponíveis em htpp://www.dgsi.pt].
8ª - No caso sub judice, não restam dúvidas que o recorrente não cumpriu cabalmente o ónus supra referido (quer na motivação, quer nas conclusões do recurso) de indicação da parte seleccionada da gravação, com referência à hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo do respectivo termo: o que se indica é meramente um minuto e segundo que se desconhece se corresponde ao início de todo o depoimento, ao fim do mesmo, ao início de determinado trecho que interessa apontar ou o fim deste, inexistindo a necessária individualização temporal dos trechos específicos que fundamentam a impugnação, com indicação inequívoca do seu princípio e também do seu fim.
9ª - Entende-se também que não pode haver convite ao recorrente para apresentar especificações em falta [cfr. Ac. RP de 28/05/2003, Proc. 0311827, acessível em htpp://www.dgsi.pt e Ac. TC n.º 259, de 18/06/2002, em DR, II série, de 13.12.2002 e Ac. TC n.º 140/2004, de 10/03/2004, em DR, II série, n.º 91, de 17/04/2004].
10ª - Pugna-se, assim, pela procedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público nesta sede, decidindo-se que o recurso é extemporâneo, o que conduz à sua rejeição, nos termos do disposto nos artigos 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, al. b) e 417º, n.º 6, al. b) do CPP.
11ª – O Acórdão recorrido está fundamentado até à exaustão – dizemos nós – a opção da pena e não aplicação do disposto no artigo 30º, n.º 2 do Código Penal. Afigura-se-nos fundamentação bastante – ainda que o arguido desta discorde.
12ª - A nosso ver, é tão clara a opção do Tribunal Colectivo no Acórdão e tão adequada e claramente expressa – a condenação – que neste domínio não conseguimos vislumbrar que o acórdão padeça de que vício seja.
13ª – Relativamente à qualificação jurídica feita do Acórdão, somos a concordar que a conduta do Recorrente e dos co-arguidos integra a prática, em co-autoria e concurso efectivo, de 8 (oito) crimes de furto qualificados, na forma consumada.
14ª – Na audiência de julgamento, o arguido L não quis falar – é um direito seu. Não pode é, agora, invocar o que tenha dito no primeiro interrogatório judicial de arguido detido – cfr. art. 356º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P.
15ª - Consequentemente, o que o arguido L tenha dito no inquérito é irrelevante, quer no decurso do julgamento, quer nos factos provados vertidos no acórdão recorrido, quer em sede de recurso.
16ª – O Recorrente tinha o domínio do facto e actuou em comunhão de esforços e intentos, conjuntamente com o co-arguido e a intervenção de todos eles foi essencial.
17ª - O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu «tanto o co-autor como o cúmplice são auxiliadores já que, cada um ao seu jeito, ajuda ou concorre para a produção do resultado pretendido; por isso, colaborar não é privativo da actuação cúmplice. Porém, enquanto o primeiro assume um papel de primeiro plano, dominando a acção, concebida e executada com o seu acordo – inicial ou subsequente, expresso ou tácito – o segundo (que não necessita sequer de conhecer a cooperação que presta ao autor), é, por assim dizer um interveniente acessório, secundário ou acidental: só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, mesmo que não interviesse, sempre o feito seria levado a cabo; a sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto facto cometido, não é causal da acção e, por isso, trata-se de um auxiliador simplex ou causam non dans; de tal modo que pode conceber-se autoria sem cumplicidade, mas, não, esta, sem aquela» [cf. Ac. de 22-03-2001, www.colectaneadejurisprudencia.com].
18ª - Sobre os alegados meios proibidos de prova, o acórdão recorrido discorreu abundantemente, sendo certo que concluiu pela sua inexistência e valorou as provas em obediência aos princípios constitucionais, legais e processuais.
19ª – Do acórdão recorrido consta, aliás, o seguinte: «As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do CC). Os meios de prova são, por outro lado, os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto; são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher provas.»
20ª – A nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova. Em obediência a tal orientação constitucional, nos termos do art. 125º do CPP, estipula-se que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Nos termos do art. 126º do CPP, são nulas e, por isso, não podem ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
21ª - Nulas serão, ao abrigo do n.º 3 de tal preceito legal, também as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular. O regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
22ª – O auto de notícia de fls. 5 dos autos, começa por descrever um furto e detenção de duas pessoas (os arguidos) em flagrante. De resto, refere o mesmo auto que, em face da falta de identificação de um deles (o arguido C), foi contactada a sua companheira, cuja identificação ali se faz (com recurso a informações do mesmo arguido) e que, deslocando-se esta ao posto (certamente porque percebeu que o devia fazer), apresentou o passaporte do arguido C.
23ª - Nesta sequência, verificado que o passaporte estava cancelado, os militares contactaram o Consulado. Desta comunicação existe um registo claríssimo a fls. 135, em que o próprio Consulado refere «ter já falado com o arguido» e, de acordo com as informações deste, confirmando que essa pessoa corresponde ao cidadão cuja identidade consta desse passaporte.
24ª - Esta informação conjugada com a que consta do depoimento do militar Jerónimo que referiu que ambos os arguidos prescindiram da presença de advogado, não deixa dúvidas sobre o facto de terem sido assegurados ao arguido o contacto com o Consulado e os direitos de defesa imediatos, havendo que aceitar que os diálogos foram estabelecidos, como refere o mesmo militar, por um colega que falava a língua inglesa, tanto mais quanto foi possível à GNR localizar, contactar e falar com a sua companheira que compareceu, na mesma madrugada, no posto da GNR. Assim como dali se retira que a autorização de busca, mesmo em língua portuguesa, foi validamente dada, aliás pelo mesmo arguido e pela sua companheira que, inclusivamente, foi assistida por advogado, conforme resulta de fls. 72 dos autos.
25ª – Quer as buscas, quer as detenções, foram validadas pelo Juiz de instrução em primeiro interrogatório, sem que tenham sido objecto de qualquer requerimento (então oportuno) de nulidade ou recurso (já que o recurso foi interposto sim, mas da medida de coacção). Não se descortina, aliás, que a defesa não tenha invocado a existência de nulidade dos meios de prova visando, desde logo, a revogação da medida de coacção de prisão preventiva e a fragilizar a recolha dos meios de prova em inquérito.
26ª - As buscas, enquanto meio de obtenção de prova que impõem a intromissão na vida privada, estão sujeitas a formalidades especiais. O artigo 177º CPP estabelece dois regimes para a busca, que resultam claramente dos seus nºs 1 e 2 – a busca efectuada em cumprimento de mandado de juiz e a busca efectuada para salvaguarda imediata e urgente da prova.
27ª - Para a primeira, cujos horários se estabelecem, as normas prevêem a autorização judicial prévia para que concorrem todas as exigências de forma ali plasmadas. Para as segundas, desde logo previstas para casos de detenção em flagrante (como é o caso) e por crime punível com pena superior a três anos (idem) ou em casos em que seja dado consentimento pelo visado (como se entende aqui ser o caso, quer no que ao arguido diz respeito, quer no que tange à sua companheira).
28ª - As buscas serão realizadas, como resulta da conjugação das normas, imediatamente (atenta a detenção em flagrante), podendo de todo o modo ser ordenadas pelo Ministério Público ou realizadas pela autoridade policial (donde resulta, para o contexto fazer sentido, que o serão sem mandados, para conservação da prova), caso em que estamos no âmbito do nº 3 que remete para o nº 5 do artº 174º do CPP, numa tentativa de esclarecer esse mesmo contexto de medida urgente ou de polícia.
29ª – In casu, foi efectuada a busca nestes termos, foi lavrado o respectivo auto e foi a busca comunicada ao juiz de instrução que, em interrogatório, no dia imediato, validou as mesmas e, também com base nelas, aplicou a medida de coacção de prisão preventiva aos arguidos (veja-se interrogatório, maxime o despacho judicial a fls. 169), dando-se cumprimento ao disposto no 177º, nº 4 e artº 174º, nº 6, ambos do CPP.
30ª - Daqui resulta que as buscas foram apreciadas, foi verificada a sua conformidade e dos procedimentos à lei e validadas por juiz. Portanto, nestes autos, as buscas foram, nos termos da lei, executadas sem mandado prévio o que, como decorre do exposto, é perfeitamente legal, desde que validadas pelo juiz em momento posterior.
Como tal, também quanto à falta de mandado, não se verifica qualquer nulidade ou proibição de prova relativamente às buscas.
31ª - Em nosso entender também não foram violados os artºs 127º e 355º, ambos do Código Penal. Como sabemos o art. 127º do C.P. acolheu o princípio da “livre apreciação da prova”, o qual impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência comum e dos conhecimentos científicos, que permite ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão.
32ª – O Acórdão recorrido também não violou o princípio “in dubio por reo”. Analisado o douto acórdão não se vislumbra que o Tribunal “a quo” tenha ficado na dúvida sobre a forma de decidir a matéria de facto e muito menos que tivesse optado por decidir essa dúvida contra o arguido (que é apenas hipotética ou apenas sentida pelo recorrente, portanto. O que, como dissemos, é compreensível, a quem se acha na posição de isenção, como é a do Tribunal). Assim, concluímos que também se não tem por verificada qualquer violação do princípio «in dubio pro reo». E por consequência de tudo o referido que se não vê razão para alterar a decisão da matéria de facto provada.
33ª - O Acórdão recorrido está fundamentado até à exaustão – dizemos nós. Afigura-se-nos fundamentação bastante – ainda que o recorrente desta discorde. Aliás, no decurso da audiência de julgamento e sobre os meios proibidos de prova, o Ministério Público assumiu posição, pugnando pelo indeferimento do requerido pelos co-arguidos L (ora recorrente) e G.
34ª - Na formação da convicção do Tribunal Colectivo não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, reflectindo-se aqui a relevância que têm na formação da convicção do julgador “elementos introduzíveis e subtis” tais como, a “mímica de todo o aspecto exterior de todo o depoente” e as “próprias reacções, quase reacções, quase imperceptíveis no auditório” que vão agitando o espírito de quem julga – cfr. Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1980, vol. III, 211 [negrito e itálico nossos].
35ª – As condutas do recorrente são gravíssimas, cometidas no Algarve, em curso lapso de tempo e numa zona turística por excelência (infelizmente, fustigada com a prática crescente de crimes contra o património e de crimes com contra as pessoas, como tem sido amplamente noticiado pelos meios de comunicação social, nacionais e estrangeiros) e requerem sanção penal adequada e proporcional, por razões de prevenção geral e especial.
36ª – O Recorrente agiu com dolo directo, não revelou arrependimento, tem antecedentes criminais anteriores aos factos e remeteu-se ao silêncio em julgamento. Aliás, nenhum dos arguidos se dispôs a prestar declarações acerca da factualidade que lhes era imputada e, portanto, conforme pacificamente se entende na jurisprudência “o uso do silêncio a perguntas feitas por qualquer entidade, designadamente no decurso do julgamento, não pode prejudicar o arguido, pois é um direito consagrado na lei (artºs 61º, n.º1, al. c), e 343º do Código de Processo Penal). Todavia, ao não falar, o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento» [vd. Ac. STJ, de 24-10-2006, em www.dgsi.pt]. Ou seja, não tendo prestado declarações acerca disso, não serão prejudicados nem beneficiados.
37ª – Assim como, é acentuada a culpa do recorrente e a falta de arrependimento pelos arguidos (L e G). Há, deste modo, a considerar um assinalável peso das agravantes, algumas ligadas aos próprios factos. Por outro lado, relativamente às penas parcelares aplicadas no acórdão recorrido e aqui concretamente colocadas em crise, deverá ser valorada em desfavor dos arguidos, com relevo substancial, o facto de ambos terem antecedentes criminais conhecidos - cfr. o enorme detalhe, aliás, o vertido a fls. 57 e 58 do acórdão recorrido, cujo teor, por economia, damos aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos.
38ª – Ora, considerando que o intervalo punitivo se estende de 2 a 8 anos de prisão, o seu ½ situa-se nos 5 anos, sendo o limite superior ¼ os 3 anos e 6 meses de prisão.
Entendemos que, dado o valor das coisas subtraídas [elevado e consideravelmente elevado, no caso do furto ocorrido nas instalações da Bricomania], justifica-se a fixação de penas superiores àquelas, não se mostrando contudo, adequada a fixação entendida pelo recorrente, substancialmente afastada do limite inferior do primeiro ¼ do intervalo punitivo.
Nesta parte, o recurso também deverá improceder.
39ª – Quanto à medida da pena única, deverá ser fixada em conformidade com as regras da punição do concurso (cfr. art. 77º, n.º 1 do CP). A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão.
40ª - Aliás, «tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só o primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização» - vd. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, Lisboa, 1993, págs. 291 e 292.
41ª - Por conseguinte, atenta a moldura punitiva abstracta dos crimes (entre 02 e 8 anos de prisão) para cada um deles e as proporções que foram tidas em conta na fixação das penas parcelares, bem como, como bem se afirma no Acórdão recorrido, a circunstância de estarmos perante crimes contra o património; o conjunto dos factos, o modo de execução e o valor consideravelmente elevado das coisas alheias subtraídas, a personalidade revelada pelo recorrente e pelo co-arguido; a moldura pena em abstracto aplicável ao cúmulo das penas, as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que os crimes cometidos pelos arguidos reclamam, não podia ter sido outra a decisão do Tribunal “a quo”.
42ª – Relativamente à ponderação conjunta dos factos, entende-se que esta terá de passar, necessariamente, pela ponderação de cada uma das penas suportadas pelos arguidos. Assim, «com essa (…) dissolução ou confusão da pena numa punição global, o crime integra-se num conjunto de crimes e, simultaneamente, perde a sua correspondência directa que, de acordo com a norma incriminadora, lhe era proporcionada, para a encontrar apenas numa “quota ideal” da punição global que o agente na realidade vai cumprir, o que (…) põe em questão a proporção entre crime e pena que resultava da norma incriminadora singular.» - cfr. José Lobo Moutinho, in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, UCE, Lisboa, 2005, pág. 1285.
43ª - In casu, temos a considerar o seguinte, atenta a moldura punitiva abstracta dos crimes e as proporções que foram tidas em conta na fixação das penas parcelares, bem como, acertadamente decidiu o Tribunal “a quo”, a circunstância de estarmos perante crimes exclusivamente contra o património, o conjunto dos factos, a personalidade revelada pelos arguidos, a moldura penal em abstracto aplicável ao cúmulo das penas, as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que os crimes cometidos pelos arguidos reclamam, entende-se como justa e adequada a fixação de uma pena única de 10 (dez) anos de prisão.
44ª - Na circunstância, a pena parcelar de um ano de prisão aplicada apenas ao arguido CG pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º n.º 1, al. c) da Lei 5/06 de 23-02, dilui-se operado o cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, pelo que bem decidiu o Tribunal “a quo” condenando os co-arguidos (L e G), cada um deles, na pena única de 10 (dez) anos de prisão. Deverá improceder, também aqui, o recurso.
45ª - Assim, revela-se justa e adequada a decisão do Tribunal Colectivo e, consequentemente, pugnamos pela manutenção da pena única de 10 (dez) anos de prisão fixada no acórdão recorrido ao Recorrente, improcedendo, também aqui, o recurso.
46ª – Dada a latitude com que as disposições legais, são invocadas na motivação de recurso e a ausência das concretas questões, afigura-se-nos que o Recorrente discorda da globalidade do acórdão. Aliás, recurso após recurso invoca-se sempre os mesmos fundamentos e vícios. Salvo o devido respeito, a decisão recorrida não enferma de qualquer dos vícios invocados pelo recorrente (Lourenço).
47ª - Quanto aos vícios do art. 410º do CPP e revogação da pena única de prisão. Pelo exposto, deverá o Venerando Tribunal da Relação julgar totalmente improcedente o presente recurso; e, em consequência, manter integralmente o acórdão recorrido, não se vislumbrando qualquer disposição que tenha sido violada.
Contudo, como sempre, V. Exas. farão Justiça.”.---
E, relativamente ao arguido CG:---
“1ª - A leitura do douto Acórdão ocorreu no dia 06-04-2011, em processo urgente. Aquando da leitura do Acórdão recorrido, o arguido CG esteve presente. Nos processos de arguidos presos – os prazos não se interrompem (cfr. art. 103º, nºs 1 e 2 , alínea a) do CPP) -, nem os prazos processuais se suspendem, durante as férias da Páscoa.
2ª – O recorrente apresentou as motivações de recurso, no dia 09-05-2011 (a fls. 1370 a 1495 dos autos), sem que tenha apresentado o comprovativo do envio do fax símile no dia 06-05-2011, nem comprovou (ou requereu) a prática do acto, até ao 3º dia útil a contar do fim do prazo legal (a que alude o art. 411º do CPP), acrescido dos 3 dias previstos no art. 145º, nºs 1, 4 e 5 do CPC, e muito menos, apresentou o comprovativo do pagamento prévio da multa devida nos termos do Regulamento das Custas Processuais (o arguido preso não beneficia de isenção do pagamento da multa processual, mas sim, de isenção de pagamento prévio de taxa de justiça devida pelo recurso interposto).
O recurso não deverá, pois, ser recebido por extemporâneo.
3ª – Ainda que assim não se entenda,
Convirá que o recorrente apresentou as alegações de recurso, em data posterior aos 20 dias, sendo certo, embora requeira a reapreciação da prova gravada, não o fez com as exigências a que alude o artigo 412º, n.º 3 do CPP.
4ª - O Recorrente dispunha de 20 (vinte) dias para a interposição do presente recurso – cfr. art. 411º, n.º 1, alínea b) do C.P.P. – tratando-se (como é) de sentença, do respectivo depósito na secretaria; prazo aquele, acrescido de 3 dias, nos termos do art. 145º, n.º 5 do C.P.C. “ex vi” art. 104º, n.º 1 do C. P. Penal. Porém, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, aquele prazo é elevado para 30 dias (n.º 4 do mesmo normativo).
5ª - Com efeito, importa referir que, quando o recurso pretende impugnar a matéria de facto, o recorrente tem o dever legal (art. 412º, n.º 3 do CPP) de especificar, (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e (c) as provas que devem ser renovadas.
6ª - Considera-se que o ora recorrente (G) interpôs o seu recurso para além do vigésimo dia subsequente ao depósito do douto acórdão na secretaria judicial, concretamente, até ao dia 01 de Maio de 2011 (28 de Abril + 3 dias) – ou seja, no prazo de 20 dias seguidos, acrescidos de 3 dias e com a respectiva multa.
7ª - A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância em relação à decisão e que delimitam o âmbito do recurso.
8ª - Entende-se que, no que respeita ao recurso em causa, as exigências legais inerentes à impugnação ampla da matéria de facto não foram integralmente observadas.
Da harmoniosa interpretação das normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 412º do CPP, resulta que o recorrente terá, a um tempo, que individualizar cada facto julgado provado na sentença recorrida e a concreta localização de cada declaração ou depoimento que, no seu entender, impunha diverso julgamento e que, por assim não ter sido ali entendido, pretende em recurso ver reapreciado pelo Tribunal da Relação [neste sentido, já entendeu a Relação de Évora, nos acórdãos de 12/03/20008 e de 24709/2009, ambos disponíveis em htpp://www.dgsi.pt].
9ª - No caso sub judice, não restam dúvidas que o recorrente não cumpriu cabalmente o ónus supra referido (quer na motivação, quer nas conclusões do recurso) de indicação da parte seleccionada da gravação, com referência à hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo do respectivo termo: o que se indica é meramente um minuto e segundo que se desconhece se corresponde ao início de todo o depoimento, ao fim do mesmo, ao início de determinado trecho que interessa apontar ou o fim deste, inexistindo a necessária individualização temporal dos trechos específicos que fundamentam a impugnação, com indicação inequívoca do seu princípio e também do seu fim [sublinhado e negrito nossos].
10ª - Entende-se também que não pode haver convite ao recorrente para apresentar especificações em falta [cfr. Ac. RP de 28/05/2003, Proc. 0311827, acessível em htpp://www.dgsi.pt e Ac. TC n.º 259, de 18/06/2002, em DR, II série, de 13.12.2002 e Ac. TC n.º 140/2004, de 10/03/2004, em DR, II série, n.º 91, de 17/04/2004].
11ª - Pugna-se, assim, pela procedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público nesta sede, decidindo-se que o recurso é extemporâneo, o que conduz à sua rejeição, nos termos do disposto nos artigos 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, al. b) e 417º, n.º 6, al. b) do CPP.
12ª – O Acórdão recorrido está fundamentado até à exaustão – dizemos nós – a opção da pena e não aplicação do disposto no artigo 30º, n.º 2 do Código Penal. Afigura-se-nos fundamentação bastante – ainda que o arguido desta discorde.
13ª - A nosso ver, é tão clara a opção do Tribunal Colectivo no Acórdão e tão adequada e claramente expressa – a condenação – que neste domínio não conseguimos vislumbrar que o acórdão padeça de que vício seja.
14ª – Relativamente à qualificação jurídica feita do Acórdão, somos a concordar que a conduta do Recorrente e dos co-arguidos integra a prática, em co-autoria e concurso efectivo, de 8 (oito) crimes de furto qualificados, na forma consumada.
15ª – Na audiência de julgamento, o arguido G não quis falar – é um direito seu. Não pode é, agora, invocar o que tenha dito no primeiro interrogatório judicial de arguido detido – cfr. art. 356º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P.
16ª - Consequentemente, o que o arguido G tenha dito no inquérito é irrelevante, quer no decurso do julgamento, quer nos factos provados vertidos no acórdão recorrido, quer em sede de recurso.
17ª – Relativamente à comparticipação no cometimento dos oito crimes de furto qualificados (constantes do Acórdão recorrido), o Recorrente tinha o domínio do facto e actuou em comunhão de esforços e intentos, conjuntamente com o co-arguido e a intervenção de todos eles foi essencial.
18ª - O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu «tanto o co-autor como o cúmplice são auxiliadores já que, cada um ao seu jeito, ajuda ou concorre para a produção do resultado pretendido; por isso, colaborar não é privativo da actuação cúmplice. Porém, enquanto o primeiro assume um papel de primeiro plano, dominando a acção, concebida e executada com o seu acordo – inicial ou subsequente, expresso ou tácito – o segundo (que não necessita sequer de conhecer a cooperação que presta ao autor), é, por assim dizer um interveniente acessório, secundário ou acidental: só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, mesmo que não interviesse, sempre o feito seria levado a cabo; a sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto facto cometido, não é causal da acção e, por isso, trata-se de um auxiliador simplex ou causam non dans; de tal modo que pode conceber-se autoria sem cumplicidade, mas, não, esta, sem aquela» [cf. Ac. de 22-03-2001, www.colectaneadejurisprudencia.com].
19ª - Sobre os alegados meios proibidos de prova, o acórdão recorrido discorreu abundantemente, sendo certo que concluiu pela sua inexistência e valorou as provas em obediência aos princípios constitucionais, legais e processuais.
20ª – Do acórdão recorrido consta, aliás, o seguinte: «As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do CC). Os meios de prova são, por outro lado, os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto; são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher provas.»
21ª – A nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova. Em obediência a tal orientação constitucional, nos termos do art. 125º do CPP, estipula-se que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Nos termos do art. 126º do CPP, são nulas e, por isso, não podem ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
22ª - Nulas serão, ao abrigo do n.º 3 de tal preceito legal, também as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular. O regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
23ª – O auto de notícia de fls. 5 dos autos, começa por descrever um furto e detenção de duas pessoas (os arguidos) em flagrante. Refere o mesmo auto que, em face da falta de identificação de um deles (o arguido C), foi contactada a sua companheira, cuja identificação ali se faz (com recurso a informações do mesmo arguido) e que, deslocando-se esta ao posto (certamente porque percebeu que o devia fazer), apresentou o passaporte do arguido C.
24ª – Mais resultado que, verificado que o passaporte estava cancelado, os militares contactaram o Consulado. Desta comunicação existe um registo claríssimo a fls. 135, em que o próprio Consulado refere «ter já falado com o arguido» e, de acordo com as informações deste, confirmando que essa pessoa corresponde ao cidadão cuja identidade consta desse passaporte.
25ª - Esta informação conjugada com a que consta do depoimento do militar Jerónimo que referiu que ambos os arguidos prescindiram da presença de advogado, não deixa dúvidas sobre o facto de terem sido assegurados ao arguido o contacto com o Consulado e os direitos de defesa imediatos, havendo que aceitar que os diálogos foram estabelecidos, como refere o mesmo militar, por um colega que falava a língua inglesa, tanto mais quanto foi possível à GNR localizar, contactar e falar com a sua companheira que compareceu, na mesma madrugada, no posto da GNR. Assim como dali se retira que a autorização de busca, mesmo em língua portuguesa, foi validamente dada, aliás pelo mesmo arguido e pela sua companheira que, inclusivamente, foi assistida por advogado, conforme resulta de fls. 72 dos autos.
26ª – O procedimento descrito afigura-se-nos consentâneo com os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, previstos nos artºs 20º n.º4, 27º n.º 3 al. G), 27º n.º 4 e 32º (também do seu n.º 8) da Constituição da República, e também com os artºs 7º, 10º e 12º da DUDH e art. 5º nºs 2, 3, 4 e 5 da CEDH – isto porque o arguido G foi esclarecido do teor do referido documento, devidamente informado dos seus direitos pelos militares da GNR.
27ª - Quer as buscas, quer as detenções, foram validadas pelo Juiz de instrução em primeiro interrogatório, sem que tenham sido objecto de qualquer requerimento (então oportuno) de nulidade ou recurso (já que o recurso foi interposto sim, mas da medida de coacção). Não se descortina, aliás, que a defesa não tenha invocado a existência de nulidade dos meios de prova visando, desde logo, a revogação da medida de coacção de prisão preventiva e a fragilizar a recolha dos meios de prova em inquérito.
28ª - As buscas, enquanto meio de obtenção de prova que impõem a intromissão na vida privada, estão sujeitas a formalidades especiais. O artigo 177º CPP estabelece dois regimes para a busca, que resultam claramente dos seus nºs 1 e 2 – a busca efectuada em cumprimento de mandado de juiz e a busca efectuada para salvaguarda imediata e urgente da prova.
29ª - Para a primeira, cujos horários se estabelecem, as normas prevêem a autorização judicial prévia para que concorrem todas as exigências de forma ali plasmadas. Para as segundas, desde logo previstas para casos de detenção em flagrante (como é o caso) e por crime punível com pena superior a três anos (idem) ou em casos em que seja dado consentimento pelo visado (como se entende aqui ser o caso, quer no que ao arguido diz respeito, quer no que tange à sua companheira).
30ª – E não se venha insinuar, como fez o recorrente na motivação de recurso, que o Ministério Público não quis inquirir a testemunha E (contra a qual foi deduzida acusação), quando é certo que esta testemunha não compareceu em julgamento no Tribunal de Albufeira (apesar de notificada para o efeito) e, na verdade, prescindiu-se da sua inquirição, uma vez que sendo processo de arguidos presos e atenta a impossibilidade de audição, através de videoconferência, para o Reino Unido, o que protelaria a situação de prisão preventiva em que os arguidos se encontram.
31ª – Na verdade, a defesa do arguido G não se opôs ao requerimento do Ministério Público e muito menos, demonstrou interesse na inquirição de E, embora tenha sido arrolada como testemunha, simultaneamente, pela acusação e pelo própria defesa do arguido/ora recorrente.
32ª – Todavia, essa mesma testemunha (E), no início de Junho de 2011 e estando em curso o prazo para interposição de recurso, apresentou requerimento (a fls. 1310) visando a restituição de 3 óculos, marca “Bulgary”, de cor preta e outros óculos, marca “Prada”, igualmente de cor preta – o que, no mínimo, é estranho para alguém que nunca invocou o direito de propriedade sobre tais coisas e dar-se a coincidência de terem sido subtraídos vários pares de óculos (da “Óptica Lúcia) pelos arguidos L e C.
33ª - Aliás, a mencionada testemunha/requerente (namorada do G) pretendia ainda que o Tribunal lhe devolvesse outras coisas, sem que tenha apresentado documento comprovativo do seu direito de propriedade, como se impunha.
34ª – Acrescenta-se que as buscas serão realizadas, como resulta da conjugação das normas, imediatamente (atenta a detenção em flagrante), podendo de todo o modo ser ordenadas pelo Ministério Público ou realizadas pela autoridade policial (donde resulta, para o contexto fazer sentido, que o serão sem mandados, para conservação da prova), caso em que estamos no âmbito do nº 3 que remete para o nº 5 do artº 174º do CPP, numa tentativa de esclarecer esse mesmo contexto de medida urgente ou de polícia.
35ª – In casu, foi efectuada a busca nestes termos, foi lavrado o respectivo auto e foi a busca comunicada ao juiz de instrução que, em interrogatório, no dia imediato, validou as mesmas e, também com base nelas, aplicou a medida de coacção de prisão preventiva aos arguidos (veja-se interrogatório, maxime o despacho judicial a fls. 169), dando-se cumprimento ao disposto no 177º, nº 4 e artº 174º, nº 6, ambos do CPP.
36ª - Daqui resulta que as buscas foram apreciadas, foi verificada a sua conformidade e dos procedimentos à lei e validadas por juiz. Portanto, nestes autos, as buscas foram, nos termos da lei, executadas sem mandado prévio o que, como decorre do exposto, é perfeitamente legal, desde que validadas pelo juiz em momento posterior.
Como tal, também quanto à falta de mandado, não se verifica qualquer nulidade ou proibição de prova relativamente às buscas.
37ª - Em nosso entender também não foram violados os artºs 127º e 355º, ambos do Código Penal. Como sabemos o art. 127º do C.P. acolheu o princípio da “livre apreciação da prova”, o qual impõe uma valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência comum e dos conhecimentos científicos, que permite ao julgador a apreciação dos factos, requisito necessário para a motivação da decisão.
38ª – O Acórdão recorrido também não violou o princípio “in dúbio por reo”. Analisado o douto acórdão não se vislumbra que o Tribunal “a quo” tenha ficado na dúvida sobre a forma de decidir a matéria de facto e muito menos que tivesse optado por decidir essa dúvida contra o arguido (que é apenas hipotética ou apenas sentida pelo recorrente, portanto. O que, como dissemos, é compreensível, a quem se acha na posição de isenção, como é a do Tribunal). Assim, concluímos que também se não tem por verificada qualquer violação do princípio «in dubio pro reo». E por consequência de tudo o referido que se não vê razão para alterar a decisão da matéria de facto provada.
39ª - O Acórdão recorrido está fundamentado até à exaustão – dizemos nós. Afigura-se-nos fundamentação bastante – ainda que o recorrente desta discorde. Aliás, no decurso da audiência de julgamento e sobre os meios proibidos de prova, o Ministério Público assumiu posição, pugnando pelo indeferimento do requerido pelos co-arguidos L (ora recorrente) e G.
40ª - Na formação da convicção do Tribunal Colectivo não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, reflectindo-se aqui a relevância que têm na formação da convicção do julgador “elementos introduzíveis e subtis” tais como, a “mímica de todo o aspecto exterior de todo o depoente” e as “próprias reacções, quase reacções, quase imperceptíveis no auditório” que vão agitando o espírito de quem julga – cfr. Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1980, vol. III, 211 [negrito e itálico nossos].
41ª – As condutas do recorrente (G) são gravíssimas, cometidas no Algarve, em curso lapso de tempo e numa zona turística por excelência (infelizmente, fustigada com a prática crescente de crimes contra o património e de crimes com contra as pessoas, como tem sido amplamente noticiado pelos meios de comunicação social, nacionais e estrangeiros) e requerem sanção penal adequada e proporcional, por razões de prevenção geral e especial.
42ª – O recorrente G agiu com dolo directo, não revelou arrependimento, tem antecedentes criminais anteriores aos factos e remeteu-se ao silêncio em julgamento. Aliás, nenhum dos arguidos se dispôs a prestar declarações acerca da factualidade que lhes era imputada e, portanto, conforme pacificamente se entende na jurisprudência “o uso do silêncio a perguntas feitas por qualquer entidade, designadamente no decurso do julgamento, não pode prejudicar o arguido, pois é um direito consagrado na lei (artºs 61º, n.º1, al. c), e 343º do Código de Processo Penal). Todavia, ao não falar, o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento» [vd. Ac. STJ, de 24-10-2006, em www.dgsi.pt]. Ou seja, não tendo prestado declarações acerca disso, não serão prejudicados nem beneficiados.
43ª – Assim como, é acentuada a culpa do recorrente e do co-arguido Lourenço:
«Tendo em atenção as molduras penais abstractas, há a ponderar entre as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, contam a favor e contra os arguidos:
- quanto à execução dos factos: o elevado grau de ilicitude dos mesmos, assentes em processos decisórios autónomos, consequentes também, sem que umas circunstâncias tenham demovido à decisão sobre as demais;
- quanto ao dolo: o dolo directo e intenso de qualquer deles e por parte de ambos os arguidos, sem distinção;
- quanto às condições pessoais: o facto de serem os arguidos pessoas que não demonstram estarem integradas socialmente, não lhes sendo conhecida profissão estável em Portugal nem modo de vida, não mantendo aqui qualquer enquadramento familiar de suporte ou vontade de trabalhar licitamente;
- quanto à personalidade: os arguidos revelam-se como pessoa de formação normal e capacidade para distinguir o bem do mal, como revelam os relatórios sociais juntos;
- quanto ao comportamento anterior e posterior: a falta total de assunção das responsabilidades pelos arguidos, que nem sequer quiseram esclarecer ao Tribunal os factos que eram evidentes, o desinteresse total na colaboração com a Justiça, a falta absoluta de manifestação de sentimentos de auto-censura, bem como o facto de terem ambos antecedentes criminais;
- enfim, a culpa acentuada de ambos os arguidos em qualquer das circunstâncias, sem que se mostre justificada ou diminuída em qualquer delas.» - cfr. págs. 57 e 58 do Acórdão.
44ª – Por conseguinte, atenta a moldura punitiva abstracta dos crimes (entre 02 e 8 anos de prisão) para cada um deles e as proporções que foram tidas em conta na fixação das penas parcelares, bem como, como bem se afirma no Acórdão recorrido, a circunstância de estarmos perante crimes contra o património; o conjunto dos factos, o modo de execução e o valor consideravelmente elevado das coisas alheias subtraídas, a personalidade revelada pelo recorrente e pelo co-arguido; a moldura pena em abstracto aplicável ao cúmulo das penas, as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que os crimes cometidos pelos arguidos reclamam, não podia ter sido outra a decisão do Tribunal “a quo”.
45ª – Assim, revela-se justa e adequada a decisão do Tribunal Colectivo e, consequentemente, pugnamos pela manutenção da pena única de 10 (dez) anos de prisão fixada no acórdão recorrido ao Recorrente, improcedendo, também aqui, o recurso.
46ª – Dada a latitude com que as disposições legais, são invocadas na motivação de recurso e a ausência das concretas questões, afigura-se-nos que o Recorrente discorda da globalidade do acórdão. Aliás, recurso após recurso invoca-se sempre os mesmos fundamentos e vícios. Salvo o devido respeito, a decisão recorrida não enferma de qualquer dos vícios invocados pelo recorrente (Lourenço).
47ª - Quanto aos vícios do art. 410º do CPP e revogação da pena única de prisão. Julgá-lo totalmente improcedente e, em consequência, manter integralmente o acórdão recorrido, não se vislumbrando qualquer disposição que tenha sido violada.
Contudo, como sempre, V. Exas. farão Justiça.”.---
Admitidos os recursos e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando, no essencial (excepciona apenas a questão relativa à alegada extemporaneidade dos recursos, afirmando, outrossim, a tempestividade dos mesmos), as motivações de recurso da Digna Magistrada do Ministério Público na 1ª instância, concluindo no sentido da improcedência dos recursos apresentados e da confirmação da decisão impugnada.---
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, sendo que apenas o arguido recorrente CG exerceu o seu direito de resposta. Nesta, afirma ter dado cumprimento aos ónus a cargo do recorrente e conclui nos mesmos moldes da peça recursiva por si apresentada.---
Foram colhidos os vistos legais.---
Foi realizada a conferência.---
Cumpre apreciar e decidir.---
II
Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82). ---
Vistas as conclusões dos recursos em apreço, verificamos que as questões suscitadas são as seguintes (agora ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas):---
No tocante à matéria de facto:---
1. Se são nulas (ou não) as buscas efectuadas (sendo que o arguido LC funda esta pretensão na circunstância de não ter dado o seu consentimento para a realização da busca domiciliária na morada em que a mesma foi realizada; e o arguido CG fundamenta tal pretensão nas circunstâncias, que não estava constituído arguido, não foi assistido nem por intérprete, nem por profissional forense, que o consentimento prestado não pode ser havido por válido e eficaz porque não compreende (nem se faz compreender) a língua portuguesa e a busca domiciliária foi realizada em morada diferente da autorizada);---
2. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de facto (impugnação alargada da matéria de facto apresentada pelo arguido CG);---
3. Se a decisão revidenda padece do vício a que alude o artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, isto é, de erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência (vício invocado pelo arguido LC);---
No tocante à matéria de direito:---
4. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de direito no tocante à qualificação jurídica do crime de furto perpetrado, no dia 25 de Maio de 2010, no estabelecimento “Água de Côco” (entendendo ambos os arguidos que tal crime deve ser enquadrado como furto qualificado, na forma tentada e não na forma consumada);---
5. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de direito no tocante às medidas das penas aplicadas aos arguidos.---
6. Se os arguidos devem ser absolvidos do pedido cível em que foram condenados.---
III
Com vista à apreciação das suscitadas questões, o acórdão recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (a cuja transcrição se procede na parte pertinente e necessária ao conhecimento do presente recurso):---
“(…)
II. OS FACTOS
Do julgamento, resultaram provados os seguintes factos ,
Em data não concretamente apurada, os arguidos acordaram entre si que se iriam dedicar a assaltos a residências, espaços comerciais ou a outros locais onde fosse previsível encontrar objectos de valor, de forma a apropriarem-se de todos os que encontrassem e que pudessem levar consigo, o que fariam, fazendo-os seus, contra a vontade dos seus legítimos donos.
Entre as 09 horas do dia 14 de Julho de 2009 e as 09 horas do dia imediato, da casa do ofendido PF (sita na Rua da Alegria, em Vale Serves – Ferreiras), foi retirado, sem o seu conhecimento ou consentimento e por indivíduos não concretamente identificados, o velocípede sem motor da marca Berg (modelo Coutry 106 Disc, de cor laranja) no valor, em novo, de 329€.
Tal objecto foi recuperado por militares da GNR no dia 25.05.10, na casa onde o arguido CG vivia com a sua companheira, E, (…) na sequência da busca domiciliária ali efectuada.
O referido objecto foi devolvido ao seu proprietário.
Além disto,
Em hora não concretamente apurada do dia 12 de Abril de 2010, entre as 00.00 e as 07.00 horas, os arguidos, em comunhão de esforços e na concretização do plano supra referido, dirigiram-se ao estabelecimento comercial Artisport (sito na Praceta do Pinhal, Falésia, Albufeira).
Chegados ao referido local, quebraram, por meios não apurados, a grade e o vidro da porta daquele estabelecimento, introduzindo-se no seu interior, de onde retiraram e se apropriaram, contra a vontade do seu dono, os seguintes objectos:
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência Top0762, no valor unitário de 5,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência Top0727, no valor unitário de 5,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência Topmetalic0001, no valor unitário de 8,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência Topmix0363, no valor unitário de 9,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência Topmix0090, no valor unitário de 9,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência Trend 0006, no valor unitário de 9,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência Trend 0052, no valor unitário de 9,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência 4nite0001, no valor unitário de 12,45€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência sunny 2818, no valor unitário de 8,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência summer 0052, no valor unitário de 9,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência summer 2547, no valor unitário de 9,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência slim 2719, no valor unitário de 10,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência slim 2819, no valor unitário de 10,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência slim 0762, no valor unitário de 10,95€;
Doze (12) pares de havaianas - marca Europe, referência slim tribal 0001, no valor unitário de 12,45€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência slim peackok, no valor unitário de 10,95€;
Dezasseis (16) pares de havaianas da marca Europe, referência fit 2719, no valor unitário de 12,45€;
Dezassete (17) pares de havaianas da marca Europe, referência fit 0982, no valor unitário de 12,45€;
Oito (8) pares de havaianas da marca Europe, referência fit 0001, no valor unitário de 12,45€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Europe, referência spirit 0001, no valor unitário de 12,45€;
Doze (12) pares de havaianas - marca Europe, refª flash urban fresh 2056, no valor unitário de 9,95€;
Nove (9) pares de havaianas da marca Europe, refª flash urban fresh 0198, no valor unitário de 9,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca kids speed 0016, no valor unitário de 6,95€;
Sete (7) pares de havaianas da marca kids slim garden 0001, no valor unitário de 8,95€;
Seis (6) pares de havaianas da marca kids slim garden 2712, no valor unitário de 8,95€;
Cinco (5) pares de havaianas da marca kids slim garden 0363, no valor unitário de 8,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Baby top 0198, no valor unitário de 6,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Baby estampas 0163, no valor unitário de 7,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Baby estampas 0142, no valor unitário de 7,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Baby numbers 2827, no valor unitário de 7,95€;
Doze (12) pares de havaianas da marca Baby numbers 0001, no valor unitário de 7,95€;
Nove (9) pares de havaianas da marca Baby butterfly 2720, no valor unitário de 7,95€;
Sete (7) pares de havaianas da marca Cia Brasil high look, no valor unitário de 19,85€;
Seis (6) pares de havaianas da marca Cia Slim elephant, no valor unitário de 17,45€;
Cinco (5) pares de havaianas da marca Cia Slim lucky owl, no valor unitário de 17,45€;
Nove (9) pares de havaianas da marca Cia Slim birds, no valor unitário de 17,45€;
Dez (10) pares de havaianas da marca Cia 4nite, no valor unitário de 8,95€;
Nove (9) pares de havaianas da marca Kit summer, no valor unitário de 14,95€;
Cinco (5) pares de havaianas da marca Kit romantic, no valor unitário de 14,95€;
Duas (2) Toalhas Europe havaiana de veludo, no valor unitário de 20€;
Cinco (5) Toalhas Europe bicolor, no valor unitário de 20€;
Duas (2) Toalhas Europe magenta 99, no valor unitário de 17,50€;
Três (3) pares de calças da marca Pro Pant, no valor unitário de 37,50€;
Três (3) pares de calças da marca Capri Pantt, no valor unitário de 18,50€;
Três (3) pares de calças da marca Strees Gut s8w817752, no valor unitário de 18,15€;
Três (3) pares de calças da marca Strees Gut s8w817923, no valor unitário de 13,60€;
Dois (2) pares de calças da marca Strees Gut s8w817753, no valor unitário de 20,40€;
Um (1) par de calças da marca Strees Gut s8w812656, no valor unitário de 18,15€;
Três (3) Sweats da marca Strees Gut, no valor unitário de 19,20€;
Um (1) calção short, no valor unitário de 13€;
Um (1) perfume d marca Little Kiss cherry, no valor unitário de 16,92€;
Um (1) perfume da marca 212 et, no valor unitário de 33€;
Um (1) perfume da marca Escada, no valor unitário de 22€;
Dois (2) perfumes da marca Hello Kit, no valor unitário de 21€;
Um (1) perfume da marca Ch et, no valor unitário de 36,23€;
Um (1) perfume da marca L´eau d´issey, no valor unitário de 36,54€;
Um (1) perfume da marca Flower by Kenzo, no valor unitário de 40,28€;
Um (1) perfume da marca L´eau d´issey femme, no valor unitário de 52,28€;
Um (1) perfume da marca Kenzo amour, no valor unitário de 25€;
Um (1) perfume da marca Ana Salazar, no valor unitário de 33,74€;
Um (1) perfume da marca Fantasy, no valor unitário de 20€;
Um (1) perfume da marca Fleweur, no valor unitário de 22€;
Um (1) perfume da marca Boss emotion, no valor unitário de 27€;
Três (3) casacos JFR Hannah Montana, no valor unitário de 19,99€;
Quatro (4) casacos JFR Hello Kitty, no valor unitário de 29,99€;
Um (1) vestido JFR Tweety, no valor unitário de 11,99€;
Três (3) pares de sandálias da marca Mystic Sea 0964206, no valor unitário de 28€;
Um (1) par de sandálias Mystic sea 0926203, no valor unitário de 23,25€;
Uma (1) mochila da marca José Olipio Neves, no valor unitário de 48€;
Uma (1) mochila da marca Belonis, no valor unitário de 16,53€;
Um (1) saco da marca Belonis 10305, no valor unitário de 17,48€;
Um (1) saco da marca Belonis 10243, no valor unitário de 13,30€;
Um (1) saco da marca Belonis 10212, no valor unitário de 16,53€;
Um (1) Bikini da marca Ritual do Sol no valor de15,7€;
Um (1) Bikini da marca Ekena Bay 10001-332, no valor de 23,40€;
Um (1) Bikini da marca Ekena Bay 1503-316, no valor de 28,60€;
Um (1) Bikini da marca Ekena Bay 10001-329, no valor de 23,40€;
Dois (2) Tops da marca Reebok Radian 510R, no valor unitário de 25€;
Dois (2) casacos da marca Reebok no valor unitário de 20€;
Três (3) Tops da marca Reebok alumínio, no valor unitário de 22,50€;
Três (3) pares de calças da marca Reebok aluminio, no valor unitário de 30€;
Três (3) T-shirts da marca Burnot, no valor unitário de 17,50€;
Três (3) pares de calças da marca Boocurt, no valor unitário de 30€;
Dois (2) fatos de treino da marca Reebok laser, no valor unitário de 26€;
Seis (6) bonés da marca Reebok no valor unitário de 9€;
Dois (2) pares de calças da marca Strees Gut, no valor unitário de 25€;
Dois (2) casacos Reebok fuil size no valor unitário de 25€;
Um (1) par de calções da marca Ripzone de cor creme, no valor de 45€;
Um (1) par de calções da marca Ripzone de cor creme, no valor de 45€;
Um (1) par de calções da marca Adidas de cor cinza, no valor de 35€;
Uma (1) t-shirt da marca Scorpion bay de cor vermelha, no valor de 35€;
Uma (1) t-shirt da marca Scorpion bay de cor branca, no valor de 35€;
Uma (1) t-shirt da marca Scorpion bay de cor verde, no valor de 33€;
Uma (1) t-shirt da marca Scorpion bay de cor preta, no valor de 47€;
Uma (1) t-shirt da marca Scorpion bay de cor verde, no valor de 33€;
Uma (1) t-shirt da marca Scorpion bay de cor preta, no valor de 35€;
Uma (1) camisola da marca Adidas de cor azul, no valor de 45€;
Dois (2) bonés da marca Adidas de cor azul com listas verdes florescente, no valor de 35€;
Dois (2) bonés da marca Adidas de cor azul, no valor de 34€;
Um (1) boné da marca Reebok de cor azul, no valor de 15€;
Um (1) par de calções da marca Scorpion bay de cor branca, no valor de 50€;
Quatro (4) pares de calções da marca Adidas de cor branca, no valor de 107,60€;
Dois (2) pares de calções, marca Scorpion Bay, cor branca/vermelha, no valor de 120€;
Um (1) par de calções da marca Ripzone de padrão camuflado, no valor de 48€;
Dois (2) pares de calções da marca Adidas de cor azul e vermelha, no valor de 42€;
Um (1) par de calções da marca Scorpion bay de cor amarela, no valor de 49€;
Dois (2) pares de calções da marca Reebok de cor verde florescente, no valor de 34€;
Um (1) par de calções da marca Adidas de cor azul, no valor de 30€;
Dois (2) pares de calções da marca Scorpion bay de cor branca, no valor de 98€;
Um (1) par de calções da marca Ripzone de cores castanho e azul, no valor de 48€;
Um (1) par de calções da marca Scorpion bay de cor branca, no valor de 54€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor rosa, no valor de 20€;
Um (1) par de calções da marca Adidas de cor azul, no valor de 32€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor branca, no valor de 36€;
Um (1) par de calções da marca Ripzone de cor creme, no valor de 48€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor azul, no valor de 17€;
Uma (1) t-shirt da marca Scorpion bay de cor azul, no valor de 47€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor azul, no valor de 29€;
Uma (1) T-shirt da marca Adidas, sem mangas, de cor preta, no valor de 41€;
Um (1) par de havaianas douradas, no valor de 23€;
Um (1) par de havaianas cremes, no valor de 25€;
Dois (2) pares de havaianas brancas, no valor de 40€;
Um (1) par de havaianas amarelas, no valor de 20€;
Um (1) par de havaianas douradas, no valor de 37€;
Um (1) par de havaianas azuis, no valor de 17€;
Um (1) par de havaianas castanhas, no valor de 35€;
Um (1) par de havaianas lilases, no valor de 22€;
Um (1) par de havaianas rosa, no valor de 22€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor vermelha, no valor de 30€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor creme, no valor de 30€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de castanha/rosa, no valor de 30€;
Um (1) par de calções da marca Ripzone de cor preto/cinza, no valor de 48€;
Um (1) par de calções da marca Adidas de cor cinza com riscas rosa, no valor de 49€;
Um (1) par de calções da marca Scorpion bay de cor cinza, no valor de 45€;
Um (1) par de calções da marca Adidas de cor cinza, no valor de 35,90€;
Uma (1) T-shirt de marca Scorpion bay de cor amarela, no valor de 35€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor azul, no valor de 39€;
Um (1) par de calções da marca Ripzone de cor preto/cinza, no valor de 45€;
Um (1) par de calças da marca Adidas de cor vermelha, no valor de 26€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor preto/vermelho, no valor de 28€;
Uma (1) T-shirt da marca Reebok, de cor vermelha e branca, no valor de 28€;
Um (1) par de calções da marca Reebok de cor verde/azul/branco, no valor de 33€;
Um (1) par de calções da marca Scorpion bay de cor branca, no valor de 54€;
Um (1) par de calções da marca Scorpion bade, cor verde/preto, no valor de 49€;
Uma (1) T-shirt da marca Scorpion bay, de cor branca, no valor de 35€;
Uma (1) camisa da marca Scorpion bay, de cor branca, no valor de 69€.
Perfazendo estes objectos o valor total de 9.340,50€ .
Os objectos acima descritos foram parcialmente recuperados pelos militares da GNR, na busca realizada no dia 25.05.10, na casa do arguido CG e da companheira (remetendo-se para o auto de apreensão de fls. 45, cujo teor se tem aqui por reproduzida para os legais efeitos), local onde ambos os arguidos guardavam e armazenavam a maioria dos objectos que obtinham nos assaltos que efectuavam.
Na residência do arguido LC, na sequência da busca domiciliária também realizada nessa data, foram apreendidos parte dos bens ali subtraídos (conforme auto de busca de fls. 79, cujo teor damos por reproduzido para todos os efeitos legais).
Os objectos recuperados foram reconhecidos e devolvidos ao seu legítimo proprietário.
No dia anterior ao acima indicado, a companheira do arguido CG esteve na loja em causa, durante o período de funcionamento, acompanhada por ele, duas vezes, e aí regressando ainda uma terceira vez sozinha.
Em hora não concretamente apurada do dia 20 de Abril de 2010, entre as 00 horas e as 01.20 horas, os arguidos, sempre em comunhão de esforços e na concretização do supra referido plano, dirigiram-se ao estabelecimento comercial Óptica Lúcia (sito na Guia, Albufeira).
Chegados ao local, partiram, por meios não concretamente apurados, a parede das traseiras do referido estabelecimento e, depois de arrancarem da parede o móvel que estava aparafusado à mesma, causando com isso prejuízos no valor de 3.000€ , introduziram-se no interior do estabelecimento.
Retiraram desse interior e apropriaram-se, contra a vontade do seu dono, nomeadamente, dos seguintes objectos:
- Cinco expositores com cadeado, contendo 16 pares de óculos de marcas diversas, no valor aproximado de 6.000€;
- Seis pares de óculos graduados no valor de 1.200€;
- Um telemóvel de marca Nokia (nº 92.7810383), no valor de 60€.
Tais objectos perfaziam o valor total de 7.260€ .
Esse telemóvel foi utilizado, ainda nessa noite, às 02.42 horas, pelos arguidos, tendo sido estabelecida através dele uma ligação para o telemóvel da companheira do arguido CG, E ((…)).
No dia 25 de Maio de 2010 foram recuperados alguns dos mencionados artigos, pelos militares da GNR que realizaram as buscas na casa do arguido CG e da companheira, tendo assim sido devolvidos ao seu legitimo proprietário os seguintes objectos:
1) Um par de óculos de sol Gucci, no valor de 225€;
2) Quatro pares de óculos de sol da marca Carolina Herrera, no valor de 920€;
3) Um par de óculos de sol da marca Calvin Klein no valor de 230€;
4) Um par de óculos de sol Gucci, no valor de 225€;
5) Uma bolsa porta óculos da marca Carolina Herrera no valor de 10€;
6) Uma bolsa porta óculos da marca Carolina Herrera no valor de 10€;
7) Uma bolsa porta óculos da marca Marco Gucci no valor de 10€;
8) Uma bolsa porta óculos da marca Just Cavali no valor de 10€.
O valor dos objectos recuperados perfazia a quantia de 1.640€.
No mesmo dia, na busca realizada à casa do arguido LC, foram aí apreendidos cinco pares de óculos das marcas Ray Ban e Bulgari.
A hora não concretamente apurada do dia 22 de Abril de 2010, entre às 00 horas e as 05.00 horas, sempre em comunhão de esforços e na concretização do supra referido plano, os arguidos dirigiram-se ao estabelecimento comercial Minimercado Santos (sito na estrada da Galé) em Albufeira.
Chegados ao local, forçaram e arrombaram, por meio não concretamente apurado, a grade de protecção da porta do estabelecimento e, depois de afastarem o vidro da mesma, causando com isso prejuízos de valor não concretamente apurado ao seu proprietário, introduziram-se então no interior daquele.
Retiraram e apropriaram-se, contra a vontade do seu dono e nomeadamente, dos seguintes objectos:
1) 16 toalhas de praia de veludo, como valor total de 94,40€;
2) 16 toalhas de praia, no valor total de 94,70€;
3) 9 garrafas de vodka Absolut, no valor total de 90,87€;
4) 3 garrafas de whisky Jameson, no valor total de 28,05€;
5) 3 garrafas de whisky Ballantines, no valor total de 23,55€;
6) 3 garrafas de whisky Grants, no valor total de 19,77€;
7) 13 caixas de maços de tabaco de marcas diversas, no valor total de 444,61€;
8) 3 caixas de maços de tabaco de marcas diversas, no valor total de 61,93€;
9) 9 caixas de maços de tabaco de marcas diversas, no valor total de 271,99€;
10) 70 chocolates da marca kinder, no valor de 30,55€;
11) 51 chocolates da marca milka, 166 chocolates Dairy milk e 12 chocolates Crunchie, tudo no valor total de 457,59€;
12) 2 garrafas de Maciera, no valor total de 14,02€;
13) 3 garrafas de Aguardente 1920, no valor total de 21,57€;
14) 3 garrafas de Bailey’s, no valor total de 29,64€;
15) 6 garrafas de whisky Grants, 20ml, no valor total de 21,49€;
16) 8 garrafas de whisky Jameson, 20ml, no valor total de 29,02€;
17) 8 garrafas de whisky J. Walker, 20ml, no valor total de 23,40€;
18) 3 garrafas de gin Gordons, no valor total de 23,73€;
Tais objectos perfaziam o valor total de 1.757,48€ .
No dia 25 de Maio de 2010 foram recuperados, pelos militares da GNR na casa do arguido CG e da companheira e foram devolvidos ao seu legitimo proprietário apenas os seguintes objectos:
1) 88 mortalhas de cor vermelha, da marca smoking;
2) 10 embalagens de mortalhas de cor preta, da marca smoking;
3) 13 Isqueiros pequenos da marca Bic, de cor vermelha;
4) 2 isqueiros grandes, marca Bic, de cor preta;
5) 1 isqueiro grande da marca Bic de cor preta;
6) 2 isqueiros da marca Bic de cor laranja;
7) 2 isqueiros da marca Clipper de cor amarela;
8) 2 máquinas de encher cigarros, da marca OCB, de cor branca e preta;
9) 3 garrafas de whisky da marca Cutty Shark;
10) 3 garrafas de Macieira;
11) 2 garrafas de Constantino;
12) 2 garrafas de whisky da marca Ballantines;
13) 2 garrafas de whisky da marca Jameson;
14) 2 garrafas de whisky da marca Grants;
15) 2 garrafas de Bacardy superior;
16) 1 garrafa de rum da marca Havana Club;
17) 1 garrafa de vinho do porto da marca Taylors de 40 anos;
18) 1 garrafa de vinho do porto da marca Taylors de 30 anos;
19) 1 garrafa de brandy Croft;
20) 1 cachecol da marca Pierre Cardin de cor castanha;
21) Um volume de tabaco da marca Regal com 7 maços no valor de 3,85€ cada;
22) 1 volume de tabaco da marca Silk Cut Purple, com 200 cigarros;
23) 1 volume de tabaco da marca Berkley contendo 200 cigarros;
24) 2 escovas de cabelo marca Body Care de cor azul;
25) 1 escova de cabelo da marca Body Care de cor preta;
26) 2 escovas de cabelo da marca Body Care de cor vermelha.
Em hora não concretamente apurada, mas entre as 08.00 horas do dia 26 de Abril de 2010 e as 00.18 horas do dia 27.04.10, ainda em comunhão de esforços e na concretização do supra referido plano, os arguidos dirigiram-se ao parque de estacionamento projectado à Rua Francisco Sá Carneiro - Lagoa, local onde o ofendido F tinha estacionado o seu veículo automóvel de matricula (…) da marca Mitsubishi, modelo Strakkar, de valor não inferior a 10.000€ àquela data.
Chegados ao referido local, forçaram e arrombaram a porta do referido veículo, por meios não apurados, entraram no seu interior e, também de forma não concretamente apurada, colocaram-no em funcionamento e levaram-no consigo, apropriando-se do mesmo, contra a vontade do proprietário.
Em hora não concretamente apurada do dia 27 de Abril de 2010, mas pouco antes da 00.18 horas, acompanhados de um terceiro indivíduo, cuja identidade não foi concretamente apurada, sempre em comunhão de esforços e na concretização do plano originalmente estabelecido, os arguidos dirigiram-se, no veículo (…), ao estabelecimento comercial Bricomania (sito no Parque Industrial do Rogel, Alcantarilha).
Chegados ao local, aceleraram o referido veículo na direcção da montra do estabelecimento, destruindo-a, causando assim danos de valor não concretamente apurado mas não inferior a 1.600€, introduzindo-se de seguida no interior do mesmo.
Retiraram então dali e apropriaram-se, contra a vontade do seu dono, nomeadamente, dos seguintes objectos:
1) 4 machadinhas MEX-c/fibra;
2) 3 serrotes de podar BeI-4587-13;
3) 2 jerricans de plástico 20lt vermelhos;
4) 3 machados MGL-C/F PIAM;
5) 3 machados MGL-15;
6) 6 rebarbadoras 230 MM 200WD28490;
7) 4 rebarbadoras BSC-GWS 21-230H;
8) 1 Martelo demolidor D25899K;
9) 1 Martelo PERF-BSC-5KI4OMM!1 100W;
10) 1 rebarbadora ACAB.1 1 5MM 1100W D281 16;
11) 1 Serra de corte rápido DW872-QS;
12) 1 Serra de corte rápido metal E28700;
13) 1 rebarbadora DWL-230MM 2200W;
14) 1 disco de fibra de grão 80DT3223;
15) 1 disco de fibra de grão 100 DT3225;
16) 1 desempanador bate chapas mader 10T0;
17) 1 martelo demolidor RSC-11K/1500W+REB11S;
18) 1 berbequim MML-S/FIO 18V;
19) 1 berbequim HP146F2K;
20) 1 rebarbadora DWL-I15MM D28111;
21) 1 berbequim sem fios 12V NIC;
22) 1 BIT’S-MGL-C/ADAPT 32PCS;
23) 50 pontas pozidrive 25MM n.°2;
24) 1 kit adapt. Red7extensor —MGL 6 PC;
25) 1 chave dinometrica MGL;
26) 1 roquete MG-72 DENTES;
27) 1 roquete 1/2 PROF. MEXCEL;
28) 2 BROCAS SDS MAX 30X570 4 cortantes;
29) 2 rebarbadoras BSC-GWS 6-115.670W;
30) 1 mala de ferramentas MGL-91 PCS CX ALUMINTO;
31) 1 chave CX-MGL-JG 1/4;
32) 1 kit tarracha MGL-3050032;
33) 1 TORNO BANCA-MGL-90902-17500 FIXO;
34) 1 disco diamante MG-TURBO 2007 230MM;
35) 1 CHAVE STILSON MG-ISOLADA 101120;
36) 1 CHAVE CRESCENTE MGL18”;
37) 1 CHAVE STILSON MG-REF61027-36AL;
38) 1 CHAVE T/SUECO M&-61013-2;
39) 1 TORNO C/FUSO MG 61202.
Os supra referidos objectos perfaziam o valor total de 5.452,47€ .
No dia 25 de Maio de 2010, foram recuperados, pelos militares da GNR na casa do arguido CG e da companheira, e foram devolvidos ao seu legítimo proprietário apenas os seguintes objectos:
1) 2 machadinhas mex-c/fibra 600GR;
2) 1 serrote de podar BeI-4587-13;
3) 1 machadinha mex-c/fibra 600GR;
4) 2 machados MGL-C/FP/AM800G;
5) 1 machado MGD-1,5LB;
6) 4 REBARBADORAS 230MM 2000W D284490-QS;
7) 2 REBARBADORAS BSC-GWS 21-230H;
8) 1 MARTELO DEMOLIDOR D25899K;
9) 1 MARTELO PERF-BSC-5KJ4DMM/1 100W;
10) 1 REBARBADORA ACAB 1I5MM 1100W D28116;
11) 1 SERRA DE CORTE RÁPIDO DW872-QS;
12) 1 REBARBADORA DWL-230MM 2200;
13) 1 DISCO DE FIBRA DE GRÃO 80DT3223;
14) 1 DISCO DE FiBRA DE GRÃO 10CDT3225;
15) 1 DESEMPANADOR BATE CHAPAS MADER 1OT;
16) 1 BERBEQUIM S7F 12V 1.3AH NICD;
Os objectos recuperados supra referidos perfazem o valor total de 2.298,12€ .
Nessa mesma noite, os arguidos, ao volante do referido veículo foram detectados e perseguidos por uma patrulha da GNR que tinha sido chamada ao local do assalto.
Conseguiram, todavia, pôr-se em fuga para destino não concretamente apurado, sendo certo que, durante a perseguição efectuada pela viatura caracterizada da GNR, atiraram para a estrada uma das máquinas furtadas momentos antes, conseguindo atrasar com isso a marcha da GNR que os perdeu de vista.
Ainda nessa mesma noite, decidiram os arguidos livrar-se do veículo de matrícula (…), o que fizeram, lançando-o das arribas da Praia de S. Rafael – Albufeira, danificando-o por forma a que, pedido o orçamento para o respectivo arranjo pelo ofendido, foi o mesmo orçado em 15.046,13€ .
Em hora não apurada, mas entre as 12.40 horas e as 14.47 horas do dia 30 de Abril de 2010, os arguidos, sempre em comunhão de esforços e na concretização do plano originalmente estabelecido, dirigiram-se à rua das Escolas (Ferreiras – Albufeira), onde o ofendido P tinha deixado estacionado o veículo Toyota (modelo Yaris e matrícula (…)), com o valor de 6.000€.
Ali chegados, aproveitando o facto do ofendido ter deixado o veículo com as chaves na ignição, entraram no interior do mesmo e, depois de o colocar em funcionamento, levaram-no consigo, apropriando-se dele, sem conhecimento e contra a vontade do seu legítimo dono.
O veículo foi abandonado pelos arguidos, detectado no mesmo dia, pelas 16 horas, e recuperado por militares da GNR de Lagos (na Urb. De S. Pedro Marateca, Lagos) e entregue ao seu dono.
Todavia, contra a vontade do dono, os arguidos subtraíram do seu interior um aparelho de GPS da marca Garmin, de valor não inferior a 100€ .
Este GPS foi recuperado pela GNR de Albufeira no dia 25.05.10 na casa do arguido CG e da companheira, na sequência das buscas efectuadas, dentro do guarda-fatos, tendo sido devolvido ao seu legitimo proprietário.
Em hora não concretamente apurada do dia 4 de Maio de 2010, mas entre as 16.00 horas e as 16.30 horas, sempre em comunhão de esforços e em concretização do plano original, os arguidos dirigiram-se à Urbanização Monte Funchal, lote 14 em Lagos, residência do ofendido M e administrada na sua ausência por J.
Chegados ao local, por meios não apurados, introduziram-se pela janela do escritório da referida residência, causando com isso prejuízos de valor não concretamente apurado, introduziram-se no interior da mesma.
Daí retiraram, apropriando-se deles, contra a vontade do seu dono, nomeadamente, os seguintes objectos:
1) Um computador portátil da marca Sony Vaio, no valor de 1.199€;
2) Um cofre metálico, de valor não apurado, com quantia em dinheiro no seu interior de valor também não apurado e chaves do veículo BMW estacionado na garagem;
3) Um veiculo automóvel, da marca BMW (modelo M3 Cabrio RL, de cor cinzenta e matrícula personalizada 77MG), no valor de, pelo menos, 75.000€.
Aquando da detenção dos arguidos, na madrugada do dia 25.05.10, foi apreendida na posse do arguido CG uma chave do veículo referido e foi apreendido na residência do arguido LC o computador Sony Vaio, encontrando-se o veículo estacionado na rua da residência do primeiro arguido, tendo sido todos estes bens devolvidos ao seu proprietário.
Feita a inspecção à viatura, no seu interior foi encontrada uma chave de fendas de características semelhantes àquela que foi apreendida na posse do arguido Lourenço Cordeiro aquando da detenção.
Realizada a recolha e perícia de lofoscopia ao mesmo veículo pelo LPC, foi identificado um vestígio correspondente ao arguido CG.
Em data e hora não concretamente apurada, mas entre os dias 19 e 22 de Maio de 2010, mais uma vez em comunhão de esforços e sempre na concretização do plano original, os arguidos dirigiram-se à residência de A (sita em Vale de Rei, (…) Lagoa).
Chegados ao referido local, depois de forçarem e arrombarem, por meios não apurados, a porta da referida residência, introduziram-se no interior da mesma, de onde retiraram, contra a vontade daquele, e entre outros objectos, um veículo da marca Citröen (modelo Xsara, com a matrícula (…)), com o valor não inferior a 4.000€ .
Estes factos deram origem aos autos de inquérito n° 391/10.5GDPTM, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Portimão, onde foi proferido despacho de acusação.
Realizada a recolha e perícia de lofoscopia ao mesmo veículo pelo LPC, foi identificado um vestígio correspondente ao arguido CG.
No dia 25 de Maio de 2010, pouco antes das 1.50 horas, os arguidos, ainda em comunhão de esforços e mais uma vez na concretização do seu plano original, dirigiram-se à Rua 25 de Abril - Albufeira, transportando-se no veículo automóvel Citröen referido acima, onde se situa o estabelecimento comercial Água de Côco, pertença da ofendida M.
Chegados aí, depois de forçarem e arrombarem, por meio não apurado, a grade metálica da respectiva montra e a própria montra, causando com isso prejuízos em valor não apurado, introduziram-se no interior do estabelecimento.
Daí retirando então, apropriando-se deles e levando-os consigo, contra a vontade do
dono os seguintes objectos:
1) 17 pares de havaianas de senhora, de valor não apurado;
2) 3 pares de chinelos Opanka, de valor não apurado;
3) 4 pares de chinelos Opanka, de valor não apurado;
4) 74 pares de havaianas de homem, de valor não apurado;
5) 22 pares de havaianas de criança, de valor não apurado;
Dentro do veículo, estava também:
6) 2 pés-de-cabra;
7) 1 chave de estrela de cor preta e amarela;
8) 1 chapeu com os dizeres Peogeut;
9) 1 chapeu com os dizeres SOMM;
10) 1 fato-de-macaco de cor azul;
11) 1 bidão de 5 litros contendo gasolina;
12) 2 chaves, uma amarela e outra bege com os dizeres ORION;
Tais objectos perfaziam o valor total não concretamente apurado.
Após os arguidos terem feito seus os referidos artigos, que colocaram no interior da viatura em que se transportavam, e antes de abandonarem o local, foram interceptados por militares da GNR dos Olhos d’ Água, que ali foi chamada, procederam à sua detenção.
Os arguidos foram detidos no interior da loja.
Os objectos foram todos recuperados e entregues ao seu respectivo proprietário.
No dia imediatamente anterior a este, durante o período de abertura da loja ao público, a companheira do arguido CG, E, esteve na loja Água de Côco.
Para além disto, na busca efectuada pelos militares da GNR na casa do arguido CG, ainda durante o dia 25.05.10, foi encontrada uma pistola semi-automática, de sua pertença, da marca TANFOGLIO (modelo GT.28), originalmente de calibre nominal 8mm e destinada a deflagrar munições de alarme, transformada/adaptada a disparar munições com projéctil de calibre 6,35 browning, com o n° (…) e a inscrição (…) gravados no lado esquerdo do corpo, arma essa de origem italiana, com a superfície cromada e as falsas inscrições STA, made in Spain, Cal. 6,35, com carregador e 4 munições de calibre 6,35 browning, da marca Sellier&Bellot, de origem checa.
O arguido CG, que não era e nem é titular de licença de uso e porte de arma, sabia que não podia deter/possuir uma naquelas condições ou a qualquer título por se tratar de arma transformada ou viciada na sua natureza.
Ao actuarem da forma descrita, quiseram os arguidos subtrair os bens e valores que encontrassem nos locais, ainda que para isso necessário se mostrasse causar danos nos mecanismos de fecho ou acesso ao interior daqueles.
Usavam, para o efeito ou para auxiliar nos arrombamentos, entre outras ferramentas, chaves de fendas, tendo sido apreendidos alguns exemplares dentro das viaturas BMW e Toyota citadas, bem como na posse do arguido LC aquando da detenção, e na casa do arguido CG e companheira.
Agiram os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, de forma voluntária, livre e consciente, com o intuito de fazer seus os objectos referidos, apesar de saber que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem conhecimento e contra vontade dos respectivos donos, conformando com isso a sua actuação.
Sabiam que tais condutas eram proibidas pela Lei Penal.
Ambos os arguidos têm antecedentes criminais, tendo o arguido CG estado preso no Reino Unido, e o arguido LC, pelo menos, na Noruega, de onde foi deportado por esse facto.
Resultou, ainda, provado,
O arguido CG vem de uma família estruturada e economicamente equilibrada, tendo-se mudado para Inglaterra aos oito anos de idade onde o pai montou uma empresa com sucesso.
Estudou até aos 16 anos de idade, relacionando-se depois com grupos marginais e com o consumo de drogas que intensificou com a morte do filho que teve com a então companheira, pouco depois do nascimento, e aos 18 anos foi internado num centro de reabilitação.
Pouco depois voltou a casa e ao consumo de drogas, trabalhando com o pai mas mantendo relacionamento com grupos delinquentes, cometendo então um crime pelo qual cumpriu pena em Inglaterra.
Está em Portugal, pelo menos, desde Março de 2010, vivendo com a companheira.
Nunca exerceu em Portugal profissão declarada para efeitos de segurança social.
Não tem familiares em Portugal, permanecendo cá ilegalmente.
O arguido LC foi entregue em pequeno aos cuidados dos avós, devido às ausências em trabalho da mãe, tendo no entanto acompanhado esta para a Noruega quando para aí foi trabalhar.
Estudou até ao 9º ano de escolaridade, envolvendo-se com pares relacionados com o consumo de drogas, passando a viver sozinho aos 16 anos de idade.
Passou então a fazer frequentes deslocações entre a Noruega, a Suécia e a Dinamarca, acabando por ser expulso da Noruega após cinco condenações por crimes de furto ou roubo.
Tem pendente um processo neste Tribunal (32/10.0GAABF do 1º juízo) por crimes de ocultação ou profanação de cadáver, na forma tentada, e omissão de auxílio.
O último desconto que foi feito em seu nome para a segurança social é de Setembro de 2009 e referente ao período de 30 dias.
Os arguidos usaram, em julgamento, da faculdade de não prestar declarações sobre os factos imputados pela acusação.
Estão presos preventivos à ordem destes autos desde 26.05.10, data em que foram ouvidos em primeiro interrogatório judicial.
O demandante F teve um prejuízo de 10.000€, que era o valor da carrinha à data do furto, não tendo pago a respectiva reparação por ser de valor superior ao valor da própria carrinha.
Usava a carrinha para o seu trabalho.
**
NÃO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
Que o plano dos arguidos era de se organizarem também com outros indivíduos cuja identidade não foi concretamente apurada para a prática dos actos acima descritos, ou não.
Que os arguidos ou algum deles tenham, ou não, subtraído a bicicleta da casa do ofendido P, fazendo-a sua e levando-a consigo, apesar de saberem que a mesma não lhe pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo dono.
O valor da referida bicicleta Berg à data do seu desaparecimento.
Que na Urbanização Monte Funchal e na loja Água de Coco os arguidos tenham, ou não, e por que forma, quebrado o mecanismo de segurança de portões da entrada e o que arrombaram e como, ou não, a janela daquele, do escritório, ou a porta desta última para entrarem.
Que os arguidos tenham, ou não, subtraído do estabelecimento Água de Coco quaisquer outros objectos ou qual o valor dos objectos em concreto.
Que o mesmo ofendido colocou em casa sistemas de alarme, novas janelas e outros mecanismos com a mesma finalidade, por causa de acto praticado por qualquer dos arguidos.
Que os arguidos exercessem qualquer profissão regular e habitual à data dos factos.
Que o veículo do ofendido F tivesse, à data da sua subtracção, o valor de 30.000€.
Que o arguido LC tivesse papel preponderante no plano de furtos ou que, em qualquer circunstância, tivesse forçado o arguido CG a participar em qualquer das descritas circunstâncias.
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III. OS MEIOS DE PROVA E AS RAZÕES DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
A liberdade do convencimento que conforma o modelo da livre apreciação da prova, ainda que tenha que ser expressão de uma convicção pessoal, não pode ser uma liberdade meramente intuitiva. Trata-se de um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações nem do contributo dos dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza e segurança da decisão.
O juiz forma a sua convicção verificando directamente um facto material, um fenómeno ou uma situação (evidência imediata ou directa), reportando-se ao atestado por outrem (testemunhas, peritos e/ou arguidos) ou por meio de raciocínio, deduzindo de factos conhecidos factos ignorados ou contrastantes.
Atento o disposto no artº 374º, nº 2 do CPP, importa fundamentar a decisão do Tribunal relativa à matéria de facto, não bastando a fundamentação genérica ou enunciação dos meios de prova considerados.
A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica dos meios de prova disponíveis, com apelo às regras de experiência comum e de normalidade – artº 127º CPP.
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• Prova por declaração dos arguidos.
Os arguidos usaram da faculdade legal de não prestar declarações em julgamento sobre os factos que lhes são imputados nestes autos.
Os arguidos aceitaram, no entanto, esclarecer o Tribunal sobre a actualidade dos elementos recolhidos em sede de relatório social, respectivamente aceitando que os elementos dali constantes estão actualizados.
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• Prova por depoimento testemunhal.
As testemunhas ouvidas, com conhecimento parcial dos factos, já que não assistiram directamente a qualquer dos furtos, ao menos integralmente, vieram confirmar na respectiva parte a acusação, na medida daquilo que foi sendo compatível com a apontada restricção.
De facto, atenta a própria descrição da factualidade, percebe-se com facilidade que só foi possível a sequência e número de acontecimentos porque a actividade não era acompanhada presencialmente por terceiros e porque os próprios arguidos usavam expedientes diversos para não serem confrontados com a presença desses terceiros e flagrante dos factos. Desde logo, usando luvas, peças de vestuário ocultando-lhes a cara, precisamente com o intuito de de não serem identificados pelas autoridades policiais.
Por isso, também se veio justificando que, unidas as primeiras pontas comuns, fossem sucessivamente localizados os diversos expedientes, cujas participações começavam por evidenciar similitude de comportamentos, homogeneidade de locais e a compatibilidade das listas de bens subtraídos com aquelas que foram objecto das apreensões.
Por essa razão, como se compreende, o núcleo fundamental de prova advém das declarações dos agentes de investigação que começaram por delinear um perfil e ligar os traços comuns aos factos sucessivamente denunciados, declarações estas que se completam com os restantes meios probatórios.
Essas declarações são as dos militares da GNR responsáveis pela investigação.
Assim,
A testemunha A (militar da GNR que teve a cargo a investigação e foi coligindo elementos relevantes) veio dizer que foi a partir da sua comparência numa ocorrência comunicada a partir de Olhos d’Água, na data de 25.05.10, cerca das 2 horas da madrugada. Comparecendo a GNR no local – estabelecimento comercial Água de Côco -, e encontrando-se já ali a patrulha dessa localidade, foi informado de que os arguidos, já então detidos, tinham-se feito transportar para o local num Citröen que ali se encontrava e tinha dentro os artigos subtraídos na loja e que os arguidos tinham sido surpreendidos no interior dela pelos militares da GNR detentores. Refere que os arguidos, pelos vestígios no local, partiram o gradeamento exterior da loja e, estroncando a fechadura, introduziram-se no local, encontrando-se também na viatura dois pés-de-cabra; o material fora retirado dos expositores, não tendo sido feita a recolha de lofoscopia porque o local fora já manipulado, desde logo, pelos militares da GNR que ali compareceram; confirmou as fotografias tiradas do local e da viatura em causa que, fiscalizada, se descobriu ter sido furtada da casa do dono, em Lagoa. Refere, ainda, que os arguidos e a companheira do arguido C autorizaram as buscas que, feitas, vieram a resultar na apreensão de diverso material identificado em dispensos NUIPCs de furto pendentes. Mais, informou que junto à casa daquele mesmo arguido estava estacionado o veículo BMW correspondente às chavez que estavam na posse de ambos os arguidos e que fora igualmente furtado em Lagos, com assalto da residência do respectivo proprietário. Acrecenta que, na sequência das buscas e reunidos os elementos relativos aos processos de inquérito pendentes, foram feitos reconhecimentos de objectos que estão documentados. Explica como foram relacionados os factos entre si. Finalmente, explica a testemunha como foi feito o visionamento das imagens de segurança relativas ao assalto ao estabelecimento Bricomania (cujos fotogramas estão nos autos), assegurando que, pelo que conhece dos arguidos, da sua estatura, forma e tiques de andar, reconheceu dois dos encapuzados nas imagens como sendo estes arguidos .
A testemunha J (também militar da GNR, do posto de Albufeira), veio dizer que é o participante no processo principal, tendo participado na detenção em flagrante dos arguidos, no interior do estabelecimento comercial Água de Côco, à porta do qual estava, carregado já com artigos daquela loja, um Citröen Xshara que foi apreendido e tendo os militares constatado a porta do estabelecimento arrombada, entrando, foram localizar os arguidos escondidos em compartimentos diferentes, expositores já desnudos de artigos que estavam na viatura utilizada. Que o arguido Lourenço tinha uma chave de fendas consigo, entre outros artigos, e o arguido C, também entre outras coisas, a chave do BMW depois identificado nos autos. Na bagageira do Citröen estavam já os artigos retirados da loja, amontoados, bem como dois pés-de-cabra e uma outra chave de fendas. Conduzidos os arguidos ao posto da GNR de Olhos d’Água, foram constituídos arguidos, prescindindo ambos de defensor, e tendo o diálogo com o arguido C sido realizado por um militar da GNR que fala e entende língua inglesa (T). Que os arguidos autorizaram as buscas, bem como a companheira do arguido C, E, também cidadã que falava inglês, chamada ao posto para cabal identificação do arguido, que trouxe o seu passaporte, tendo esta acompanhado a busca à casa onde residia com esse arguido e não tendo este arguido acompanhado no local a diligência porque a GNR teve receio de que tentasse ou conseguisse fugir, estando indocumentado em Portugal.
A testemunha D (militar também da GNR) nada acrescentou.
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As restantes testemunhas ouvidas, não sendo já militares da GNR, vieram circunscrever os factos aos respectivos contextos, notando-se embora que nenhuma é presencial dos factos, mas apenas de algumas das circunstâncias relevantes.
Neste lote, embora com o perdão desta inclusão em face do estatuto específico, incluimos os demandantes.
Assim,
O demandante OF (na qualidade de ofendido e requerente cível) veio dizer que apresentou queixa porque, entre 14 e 15 de Julho de 2009, durante a noite, alguém entrou no seu quintal, murado e vedado, e levou uma bicicleta Berg de cor laranja, adquirida por si há menos de 6 meses, pelo valor de 329,00€ e que veio a recuperar na sequência desta investigação. Que o sentimento de insegurança experimentado por si e sua família foi enorme, determinando-lhe a colocação de alarmes e vidros reforçados em casa. Que, muito embora não tenha visto o furto, terá sido precisa mais do que uma pessoa, atenta a altura da vedação e necessidade de a transpor com a bicicleta. Que quando recuperou a bicicleta, a mesma vinha danificada, com as mudanças estragadas, bem como e selim, tendo desaparecido o contador de quilómetros.
O demandante FO (na qualidade de ofendido e requerente cível) veio dizer que entre 26 e 27 de Abril de 2010 a sua carrinha ((…), Mitsubishi Strakar, adquirida por si em 1999, com apenas 15.000 Km e pelo valor de 27.000€), que estacionara fechada junto a casa, foi furtada e usada posteriormente num assalto à Bricomania, tendo sido objecto de perseguição policial e, posteriormente, atirada para uma ravina, ficando danificada e com prejuízos orçamentados em 15.000€, que o ofendido ainda não mandou arranjar porque o valor do arranjo será superior ao valor do carro que, àquela data, rondaria os 8 ou 10 mil euros; tendo ainda pago a remoção do local no valor de 450€ que suportou sem que ninguém até hoje lhe tenha dado uma satisfação ou pagamento de qualquer natureza.
A testemunha B (Oficial de Marinha, reformado) disse que a sua casa em Vale de Rei – Lagoa foi assaltada, tendo-se dado pelo assalta a 21 de Maio de 2010 porque o encarregado da casa viu a garagem aberta, depois verificando que a porta da cozinha fora arrombada, tendo sido levados diversos electrodomésticos e o seu carro, Citröen Xshara (…) depois recuperado nos autos, tendo depois recuperado o carro (com danos), um leitor de Dvd (no valor de 1000€), uma caixa com berbequim (no valor de 300€) e um televisor plasma (no valor de 167€). Que, não tendo presenciado o assalto, nada conhece dos arguidos, faltando-lhe recuperar diversos outros artigos.
A testemunha A (caixeiro de 1ª, funcionário da Bricomania), veio dizer que, não conhecendo os arguidos e não tendo presenciado o assalto, cerca da meia noite do dia referido na acusação, a montra do estabelecimento comercial foi violada, tendo os assaltantes retirado dali diversas máquinas que estão descritas na acusação, todas máquinas de grande valor, tendo a empresa recuperado as que constam da acusação e tendo o seguro pago o valor inventariado, bem como o arranjo da montra (este, cerca de 1600€). Refere, ainda, que, não tendo o estabelecimento vigilância exterior, foram captadas imagens do assalto pelo estabelecimento contíguo que foram entregues à GNR para análise.
A testemunha L (optometrista e proprietária da optica Lúcia), veio descrever o furto na sua loja na Guia, naquilo que avaliou após os factos já que não assistiu ao assalto, dizendo que a montra fora partida e retirados óculos variados de marcas que indicou, confirmando a lista constante da acusação e o reconhecimento dos objectos apreendidos nas buscas, bem como um telemóvel da empresa. Refere que o seguro pagou quase integralmente os prejuízos, tendo ainda recuperado os objectos constantes dos autos.
A testemunha M (empresário e dono da loja Artisport) veio dizer que não assistiu ao assalto, que foi durante a noite, tendo os intrusores partido a grade e vidro, o que casou prejuízos referidos na acusação, tendo apresentado todas as facturas ao processo. Que o seguro pagou quase tudo, tendo recuperado os bens através da GNR. Mais do que isto, diz que no dia anterior ao furto o arguido C esteve na sua loja com uma senhora, tendo lá ido duas vezes no mesmo dia, o que só por si não é um facto normal de acontecer, até porque a senhora que acompanhava o arguido ainda lá foi uma terceira vez à loja, no mesmo dia.
A testemunha N (gerente comercial e proprietário de um Toyota Yaris de matrícula (…)), veio dizer que parou o carro, entre as 12 horas e as 13 horas, de 30 de Abril de 2010, junto à loja e foi à mesma, deixando as chaves na ignição e o carro aberto, tendo o mesmo sido furtado. Que tinha a declaração de venda do carro mas ainda não o tinha pago e que, com o carro, desapareceu uma carteira com documentos, um GPS e outros objectos pessoais, tendo o GPS sido recuperado no processo pela GNR.
A testemunha S (serralheiro civil, proprietário do minimercado Santos), veio dizer que o assalto ao seu estabelecimento não foi presenciado por si, tendo-se os assaltantes introduzido após quebrarem a porta de grade e de vidro, tendo-lhe sido subtraídos artigos de bebidas, tabacos, de praia e os restantes referidos na acusação, tendo recuperado através da GNR apenas parte deles e não tendo seguro, pelo que arcou com prejuízos totais de cerca de 5.400€.
A testemunha M (técnico de óptica) veio dizer ser co-proprietário com a mulher da optica Lúcia, confirmando as declarações daquela, bem como os valores dos prejuízos, e o reconhecimento feito dos dois arguidos.
A testemunha O (gerente comercial) veio dizer que na data referida na acusação, seguindo para casa, assistiu a uma perseguição da GNR a uma carrinha pick-up que, pareceu-lhe, para despistar a polícia e atrasar a mesma, atirou para a estrada uma máquina amarela, tipo serra de corte.
A testemunha C (professora) nada veio acrescentar ao depoimento da testemunha L, dizendo apenas que foi, no passodo, sócia da mesma.
A testemunha P (gestor imobiliário) veio dizer que tinha a gestão da casa do ofendido M no Monte Funchal, e que a empregada tinha deixado tudo fechado na casa e que, ao voltar, deu por falta do BMW e das chaves que estavam sempre, ambas, numa gaveta da casa, percebendo que, por arrombamento da janela do escritório (no primeiro andar), alguém ali se introduzira e levara aquelas, o carro, um computador portactil Sony Vaio com o valor constante da factura entregue nos autos. Que, através da GNR, recuperaram o carro, umas das chaves e o computador, tendo vindo reconhecer os objectos ao posto policial, confirmando os documentos e valores constantes dos autos. Quanto ao portão da casa, supõe que o arrombamento foi com uma viatura, pelo estrago apresentado e estrutura do mesmo.
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A testemunha remanescente do demandante, L (comerciante), veio dizer que fez diligências com o demandante para localizarem a carrinha, tendo ela sido localizada no fundo de uma ravina, toda amolgada e destruída, tendo os prejuízos sido orçados em 15.000€.
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A testemunha de defesa, A (relações públicas, amiga do arguido L), veio dizer que o conheceu em finais de 2009, tendo bastante convivência com ele, e que este arguido trabalhava num hotel e depois foi para um restaurante. Que conheceu o arguido C a meio de Maio de 2010, apresentado pelo arguido L, tendo-lhe o arguido L dito que o tinha conhecido e que lho queria apresentar.
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Contou o Tribunal com os documentos, autos, perícias, fotografias e informações juntos aos autos, com particular destaque para os de fls. 5, 17, 41, 12 a 16, 20, 24, 28, 37, 39, 43, 44, 45, 47, 201, 187, 49 a 67, 72, 73, 74, 78, 79, 80 a 83, 84, 88, 90, 92, 94 e 95, 96, 98, 99, 101, 103, 107, 110, 111, 112, 113 e 114, 115, 120, 124, 125, 132 a 136, 137 a 141, 159, 163, 169, 181, 191 a 199, 238, 258, 263, 286, 287, 290 (exame), 298 (exame), 314, 316, 332, 354, 359, 435 (relatório), 367 (exame), 370 (exame), 590, 600, 603, 606, 717, 764, 774, 828 a 844, 706.
Tiveram-se em conta, finalmente, os relatórios sociais de fls. 1118 e 1138 dos autos e CRCs de fls. 1142 e 1147, além das informações policiais dispersas.
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• A Prova e os alegados métodos proibidos de prova
A Jurisprudência tem sido, a miúde, chamada a intervir, interpretar e decidir questões relativas à validade dos meios de prova em processo penal, designadamente neste particular aspecto que foi alegado pelos arguidos em requerimento em acta de julgamento.
Não sem razão, uma vez que o melindre da questão se prende directamente com matéria relativa a direitos, liberdades e garantias do cidadão, tendo como finalidade o respeito pelos normativos constitucionais.
Porque a questão vem exposta e ponderada em dois acórdão recentes deixamos transcritas as notas fundamentais.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do Código Civil).
Os meios de prova são, por outro lado, os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto; são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher provas.
Com efeito, nos termos do art. 124º do CPP, constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis ( n.º 1).
Por outro lado, o artº 32º nº 8 da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe: “São nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
Quer isto dizer que a nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova. Em obediência a tal orientação constitucional, nos termos do art. 125º do CPP, estipula-se que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
(…) nos termos do art. 126º do CPP, são nulas e, por isso, não podem ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
Nulas serão, ao abrigo do n.º 3 de tal preceito legal, também as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular.
É que, o artº 26º da CRP consagra o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada.
No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.
Contudo, a própria lei fundamental, no seu artº18º nº 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Quer isto dizer que, pese embora os princípios gerais acima referidos, a própria lei fundamental admite excepções.
Assim e consagrando uma dessas excepções, nos termos do art. 167º do CPP estipula-se que:
“1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
2 - Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro”.
Significa isto que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Cód. Proc. Penal.
Assim e caso se trate de prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente reconhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como nulidade insanável, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do art. 119.º do CPP .
Por outro lado, vem o mesmo Tribunal dizer, numa outra decisão, que na esteira da doutrina alemã, as proibições de prova representam meios processuais de imposição da tutela de direitos materiais, constituindo limites à descoberta da verdade que têm em si subjacentes o fim de tutela de um direito. Nesta perspectiva as proibições de prova representam, portanto, «meios processuais de imposição do direito material» que visam «prevenir determinadas manifestações de danosidade social» e garantem «a integridade de bens jurídicos prevalentemente pessoais», como entre nós tem sido defendido pelo Professor Manuel da Costa Andrade (Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, p. 83).
Dito de forma simples e sucinta: as proibições de prova assumem, na prática, um papel de tutela dos direitos fundamentais.
A nossa Constituição adoptou uma concepção dos direitos fundamentais diferente da concepção liberal que via naqueles direitos exclusivamente direitos subjectivos de defesa perante o Estado, considerando, nos termos do seu art. 18.º/1, estes direitos relevantes não apenas nas relações entre os particulares e o Estado, como também nas relações entre os particulares (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, em anotação ao art. 18.º).
(…)
Transpondo estes ensinamentos para o processo penal («direito constitucional aplicado», como de há muito classificado), temos assim que as regras de proibição de prova constitucionalmente definidas ou concretizadas pelo legislador ordinário na legislação processual penal, mormente o CPP, servindo a tutela dos direitos fundamentais, dirigem-se em primeira mão às instâncias formais de controle, designadamente aos investigadores, ministério público e juiz de instrução. São eles, por exemplo, os destinatários expressamente eleitos das normas contidas no art. 34.ª/4 da CRP e 187.º e 188.º do CPP .
Realizado o contexto jurídico, há que indagar, considerando o caso em discussão, atentos os requerimentos da defesa que antecederam as alegações – fundamentalmente alegando a nulidade das buscas efectuadas com base na nulidade da constituição de arguido do arguido C e das autorizações dos arguidos, atentas as moradas buscadas -, importa atender a alguns factos que, importando para a sua apreciação, estão inequivocamente plasmados nos autos.
O auto de notícia de fls. 5 – por sinal, muito bem elaborado e exaustivo -, começa por, como é óbvio, noticiar um furto e detenção de duas pessoas (os arguidos) em flagrante. Refere o mesmo auto que, em face da falta de identificação de um deles (o arguido C), foi contactada a sua companheira, cuja identificação ali se faz (obviamente com recurso a informações do mesmo arguido) e que, deslocando-se esta ao posto (certamente porque percebeu que o devia fazer), apresentou o passaporte do arguido C. Nesta sequência, verificado que o passaporte estava cancelado, os militares contactaram o Consulado. Desta comunicação existe um registo claríssimo a fls. 135, em que o próprio Consulado refere ter já falado com o arguido e, de acordo com as informações deste, confirmando que essa pessoa corresponde ao cidadão cuja identidade consta desse passaporte. Ora, esta informação conjugada com a que consta do depoimento do militar J que referiu que ambos os arguidos prescindiram da presença de advogado, não deixa dúvidas sobre o facto de terem sido assegurados ao arguido o contacto com o Consulado e os direitos de defesa imediatos, havendo que aceitar que os diálogos foram estabelecidos, como refere o mesmo militar, por um colega que falava a língua inglesa, tanto mais quanto foi possível à GNR localizar, contactar e falar com a sua companheira que compareceu, na mesma madrugada, no posto da GNR. Assim como dali se retira que a autorização de busca, mesmo em língua portuguesa, foi validamente dada, aliás pelo mesmo arguido e pela sua companheira que, inclusivamente, foi assistida por advogado, conforme resulta de fls. 72 dos autos.
Daqui resultam ainda outros elementos importantes. O arguido indicou, como residência, a morada constante da sua constituição de arguido (fls. 28) e que é exactamente a mesma que consta da autorização de busca, e da identificação da sua companheira, ou seja, coincidindo literalmente com a morada que a sua companheira E deu como morada de ambos, deu na sua autorização de busca e, finalmente, deu na constituição de arguida já assistida por advogado, conforme fls. 43, 44, 45 e 73 destes autos. Mais do que isso, esta morada que tantas dúvidas suscita à defesa, é exactamente a mesma que o mesmo arguido, perante Juiz de instrução e obrigado ao dever de verdade quanto a esses elementos, assistido por advogado, deu no primeiro interrogatório judicial a fls. 159 (…). Como foi a mesma que a sua companheira, nas mesmas circunstâncias, deu ao Ministério Público (fls. 142).
Como tal, podemos daqui retirar duas coisas distintas: primeira, que o arguido teve assegurados todos os direitos constitucionais, sem excepção, aceitando-se as declarações da testemunha da GNR (sem qualquer interesse nos autos) no sentido de que as conversações foram mantidas em língua inglesa (pois que, de outro modo, como perceberiam arguido e companheira o que lhes era pedido?), foi inclusivamente contactado o SEF (que ordenou a detenção do arguido por permanência ilegal – fls. 136) e o respectivo Consulado, nunca tendo este arguido antes (oportunamente, diríamos) invocado qualquer atropelo de regras processuais ou nulidade; segunda, que a morada que deu para constituição de arguido, para autorizar a busca, para identificação perante o Juiz, seja antes e depois de ter Advogado nomeado, foram uma e a mesma, aliás, a mesma também que a sua companheira deu em todas as diligências a que foi presente, sem e já com advogado nomeado.
Talvez porque houve necessidade de, precisamente, completar aquelas indicações – que são, repita-se, da exclusiva autoria de ambos -, a GNR fotografou a casa aquando da busca e precisou a morada que, no entanto, não deixa de ser a mesma. Além disto, são os CTT que, a fls. 706, vem dar a informação de que, nessa morada, importa precisar a letra correspondente à fracção e que fica em S. Rafael.
Ora, a menos que o arguido e companheira, deliberadamente tenham querido praticar o crime a que aludem os arts. 141º, nº 3 do CPP e 359º, nº 2 do CP, não se vê como pode agora a defesa vir invocar que a morada buscada não é a do arguido quando, do acervo processual, resulta inequívoco que a morada foi dada, a GNR foi à mesma, onde estavam pertences do arguido, acompanhando a diligência a outra moradora no local, sua companheira, sendo essa exactamente a mesma que consta do auto de fls. 45 e que as fotografias de fls. 49 a 67 vieram apenas precisar.
Buscas essas, aliás como as detenções, que foram validadas pelo Juiz de instrução em primeiro interrogatório, sem que tenham sido objecto de qualquer requerimento (então oportuno) de nulidade ou recurso (já que o recurso foi interposto sim, mas da medida de coacção).
Nesta parte – que por si só engloba a referida ilegalidade da autorização dada em língua portuguesa, da não constituição de advogado ou intérprete e da desconformidade de moradas -, como tal, improcede totalmente a alegada ilegalidade, ou nulidade ou irregularidade invocada no fim da produção de prova em julgamento.
Esta ilegalidade vem, no entanto, algo misturada com a alegação de que a busca não foi ordenada por autoridade competente, não constando dos autos os elementos a que alude o artº 177º do CPP.
Vejamos, ainda.
Como se antevê do intróito a esta questão, as buscas, enquanto meio de obtenção de prova que impõem a intromissão na vida privada, estão sujeitas a formalidades especiais. Neste ponto, assiste razão à defesa. No entanto, esta é também uma verdade universal, se assim pode dizer-se, no sentido em que, muito mais do que a lei escrita, seja ela constitucional ou não, o Direito impõe que assim seja, e o Direito não se cinge à lei nacional.
Todas as Declarações de direitos, europeu e além dele, todas as tão bem invocadas pela defesa, impõem essas limitações, precisamente porque em causa estão direitos fundamentais das pessoas e que são, por maioria de razão, direitos essenciais à Humanidade.
E se, como nas palavras de Mia Couto , cada pessoa é uma humanidade individual, cada direito nacional deve procurar o respeito das normas internacionais, como deve promover, independentemente delas, o bem fundado sustentáculo da respectiva Democracia. Por isso, em nosso modesto entender, a primeira responsabilidade por normas equilibradas, justas e exequíveis é a do Estado e o nosso, com os defeitos e virtudes que tenha, soube muito bem salvaguarda esses direitos.
E é assim que se faz questão de deixar claro um regime que, não plasmado apenas na referida norma, há-de ser integrado no todo do seu contexto.
O artº 177º CPP estabelece dois regimes para a busca, que resultam claramente dos seus ns. 1 e 2 – a busca efectuada em cumprimento de mandado de juiz e a busca efectuada para salvaguarda imediata e urgente da prova. Para a primeira, cujos horários se estabelecem, as normas prevêem a autorização judicial prévia para que concorrem todas as exigências de forma ali plasmadas. Para as segundas, desde logo previstas para casos de detenção em flagrante (como é o caso) e por crime punível com pena superior a três anos (idem) ou em casos em que seja dado consentimento pelo visado (como se entende aqui ser o caso, quer no que ao arguido diz respeito, quer no que tange à sua companheira), as buscas serão realizadas, como resulta da conjugação das normas, imediatamente (atenta a detenção em flagrante), podendo de todo o modo ser ordenadas pelo Ministério Público ou realizadas pela autoridade policial (donde resulta, para o contexto fazer sentido, que o serão sem mandados, para conservação da prova), caso em que estamos no âmbito do nº 3 que remete para o nº 5 do artº 174º do CPP, numa tentativa de esclarecer esse mesmo contexto de medida urgente ou de polícia.
Ora, neste caso, foi efectuada a busca nestes termos, foi lavrado o respectivo auto e foi a busca comunicada ao juiz de instrução que, em interrogatório, no dia imediato, validou as mesmas e, também com base nelas, aplicou a medida de coacção de prisão preventiva aos arguidos (veja-se interrogatório, maxime o despacho judicial a fls. 169), dando-se cumprimento ao disposto no 177º, nº 4 e artº 174º, nº 6, ambos do CPP.
Daqui resulta que as buscas foram apreciadas, foi verificada a sua conformidade e dos procedimentos à lei e validadas por juiz. Como tal, também nesta parte improcede a alegação.
Por isso, também, como resulta fácil de ver, as buscas foram, nos termos da lei, executadas sem mandado prévio o que, como decorre do exposto, é perfeitamente legal, desde que validadas pelo juiz em momento posterior.
Como tal, também quanto à falta de mandado, não se verifica qualquer nulidade ou proibição de prova relativamente às buscas.
Finalmente, muito embora resulte à saciedade do exposto, não apenas é de considerar válido o consentimento do arguido C, como sempre seria possível a realização da busca, tendo em conta, desde logo, que os arguidos foram detidos em flagrante pela prática de crime punível com pena máxima superior a três anos, como na posse de um veículo que fora objecto de furto no NUIPC 391/10.5GDPTM, conjuntamente com outros bens e valores que, razoavelmente podia supor-se estarem na posse dos arguidos também.
Finalmente, importa dizer que as proibições de prova, enquanto métodos proibidos de obtenção de prova no processo criminal, impõem um juízo de adequação dos meios usados à finalidade do processo.
Essa adequação mais não é do que o princípio da legalidade penal, impondo-se por isso que a recolha de prova seja legal para que essa prova possa ser tida por eficaz. No entanto, a eficácia da prova depende, também, da acuidade com que é recolhida o que, fechando o círculo, equivale a dizer que a prova recolhida há-de ser também eficaz. Esta consideração, muito embora na aparência pareça ser circular sobre si mesma, quer tão-só significar que, perante um crime grave (e o critério aqui é o do limite máximo previsto na lei) e verificado o flagrante delito, podem as autoridades policiais fazer a recolha dos elementos de prova adequados para a consistência do processo em causa. E essa consistência não é ponderada apenas na perspectiva da investigação, mas também da Justiça – é de justiça que se fala quando se opta por uma ou outra medida de coacção, como é de justiça que se fala quando, por causa disso, se validada uma detenção e a prova já apresentada.
Os autos não revelam, como se viu, qualquer atropelo aos direitos do arguido, como revelam inequivocamente um respeito rigoroso pelos interesses da Sociedade em surpreender, deter e apresentar a juiz um indivíduo que estava numa circunstância de flagrante delito por crime que, no rigor, é também contra a Sociedade.
Resumindo, não foi posto em causa, como resulta do exposto, qualquer direito constitucional do arguido, uma vez que as normas do processo penal foram devidamente aplicadas e, como tal, em conformidade à Constituição, inexistindo também qualquer inconstitucionalidade dessa interpretação.
Improcedem, assim, totalmente as ilegalidades invocadas pelo arguido CG.
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E o mesmo se diga quanto ao arguido LC, já que veio também, na mesma altura, requerer idêntica apreciação.
De facto, este arguido vem dizer que a fls. 78 deu autorização de busca numa morada que não é a que consta do auto de busca e que nem sequer existe realmente, como decorre das informações dos CTT a fls. 706, pelo que a busca realizada foi não autorizada e, como tal, em violação da privacidade do arguido.
Esta afirmação, tal como aquela feita pelo arguido CG e já abordada, causa algumas perplexidades. Desde logo, assaltando-nos a ideia ou a possibilidade de que o arguido, propositadamente, possa ter dado uma morada errada, acompanhando a GNR a outra, com vista a poder, em altura que reputasse adequada, invocar a ilegalidade da busca. O que seria, desde logo, um facto que viria demonstrar um propósito do arguido de perturbar a aquisição e conservação da prova que, como se sabe, serve de fundamento à aplicação da medida de coacção mais grave. Para além de poderem daqui retirar-se ilações em termos de ponderação de pena, caso a final se decidisse pela condenação pois que, como se sabe, a colaboração do arguido é uma das circunstâncias a ponderar nos termos do artº 71º do CP.
No entanto, pensamos que não é este o caso.
De facto, como decorre do que se passou também com o co-arguido, aquilo que decorre dos autos é que os arguidos, desconhecedores da real identificação e pormenor das respectivas moradas, limitaram-se a fornecer a morada que conhecem como sua, aquela que lhes permite identificar, no seu dia-a-dia, a respectiva casa, acontecendo com frequência que uma pessoa de entendimento mediano nem sempre sabe, de cor, dos elementos integrais da respectiva morada, códigos postais ou números de telefone pessoais. Nada de estranho, neste aspecto.
Aliás, compulsados os autos, verifica-se que o arguido Lourenço Cordeiro deu, na autorização de busca, a fls. 78, a morada que consta do auto (chamando apenas de Edifício Galeão ao prédio) localizada na Rua (…) em Albufeira e deu, na sua identificação em primeiro interrogatório judicial (fls. 163) essa morada, precisando que era o nº 37 e porta 22, tal como consta do auto de busca a fls. 79. Ora, esta foi a morada que foi objecto efectivo de busca, precisando-se no local os elementos concretos através de fotografias desde logo (veja-se fls. 80 a 83), como decorre da normalidade das coisas, aliás, tendo o arguido acompanhado a diligência, cujo auto, além disso, não foi sequer impugnado naquele interrogatório ou posteriormente no processo.
Ao vir dizer que o nº 37 é um café e não existe porta 22, os CTT limitaram-se a concretizar a informação postal formal que identifica, para esses mesmos efeitos, a casa. Nada mais do que isso. Como bem se compreende, uma vez que o arguido, ao dar exactamente a morada indicando o nº 37 e porta 22 ao juiz de instrução, em interrogatório judicial, obrigado que estava ao dever de verdade e, como se disse antes, a menos que tenha querido, deliberadamente, cometer um facto crime, certamente não se retira daqui senão a conclusão de que o arguido indicou mal uma morada que também conhecia mal. E esta conclusão é tanto mais certa quanto o arguido, acompanhando a busca (fls. 79), podia ter dito que a casa buscada não era a sua, não o tendo feito então e nem depois.
Valendo aqui, mutatis mutandis, as considerações acima feitas, na medida em que resultem de um mesmo contexto, parece excessiva qualquer outra consideração adicional, improcedendo por isso a alegada proibição de prova em que consistem os autos de busca e apreensão do processo também quanto ao arguido LC.
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• Entrecruzando os elementos de prova – convicção do tribunal,
Não é por acaso que, maioria das vezes, as acusações começam com um ou mais parágrafos que, necessariamente generalistas, pretendem dar uma visão de conjunto das circunstâncias que depois vão individualizando por datas, horas ou locais.
Muito embora o Tribunal faça, em termos de raciocínio, o percurso inverso, partindo do individualizado para a conclusão, o facto é que, maioria das vezes, o contexto de acção do ou dos arguidos permite extrair um modo de actuação comum, frequente ou repetido, como uma impressão digital, tantas vezes designado por modus operandi.
Ora, esta caracterização feita como é hábito ver-se no despacho de encerramento do inquérito tem, precisamente, como finalidade mostrar a forma de actuação, os meios usados, o tempo decorrido, as semelhanças de procedimentos, como uma regra que cada um dos factos individualizados virá confirmar.
Se quiséssemos usar a mesma metodologia, e porque na fundamentação da decisão de facto ela se mostra mais ajustada muitas vezes, sobretudo num caso em que temos vários actos em cadeia temporal, actos da mesma natureza e com características comuns, podíamos começar aqui por dizer que os factos apontam para uma realidade genérica que é a de que os arguidos, conjuntamente, se vinham dedicando à prática de furtos, tendo como característica base comum que se intuem do todo, o facto de se acautelarem para não deixarem vestígios de lofoscopia (no auto de notícia menciona-se a presença de um par de luvas no local), o facto de preferirem o uso de viaturas com as quais não tivessem ligação (três carros furtados são nota nestes autos), o facto de escolherem a noite para fazer os furtos (como resulta das circunstâncias em geral e daquela que levou à detenção), o facto de arrombarem os espaços com recurso àquelas viaturas (como na Bricomania e como entende o representante do ofendido G, testemunha P, que terão feito ao portão da casa Monte Funchal, ou como terá sido o caso da Óptica Lúcia), com o uso de pés-de-cabra para arrombarem gradeamentos (os arguidos tinham na sua posse dois aquando da detenção e em várias ocasiões foi referido que os arrombamentos eram compatíveis com o uso desses instrumentos) e a recolha de objectos em casa que, mais ou menos fungíveis (material de praia e perfumaria, máquinas e ferramentas ou bebidas), permitissem uma fácil disseminação, livrando-se os arguidos daqueles que podiam ser mais facilmente identificados com os proprietários, como electrodomésticos, por exemplo (veja-se os autos de busca e apreensão e os autos de reconhecimento constantes dos autos, bem como as listas de objectos subtraídos em cada caso, percebendo-se inequivocamente que assim era), sendo que era preferencialmente a casa do arguido C que servia de armazém para os objectos. Há, como tal, uma forma de agir com características comuns a várias das ocorrências.
Daqui, pode partir-se para o particular.
Deixamos de fora duas circunstâncias para já: o furto de uma bicicleta da residência do ofendido P de 14 para 15.07.09, por razões que adiante explicaremos ; e o furto na casa de Vale de Rei de 19 para 22.05.10 porque o Ministério Público o exclui destes autos, por ter sido o crime objecto de acusação autónoma .
No dia 12.04.10 o estabelecimento Artisport foi objecto de furto com arrombamento – a testemunha M confirmou os artigos furtados, bem como a presença do arguido C no local no dia anterior, acompanhado da companheira, tendo os artigos furtados sido apreendidos na casa dos arguidos C (fls. 115, 120, 124, 125) e L (fls. 79). Note-se, está a fls. 588 um auto de reconhecimento, em que a testemunha Lisete Messias reconheceu a companheira deste arguido, E, como sendo a pessoa que, no dia anterior ao assalto (11.04.10), esteve na loja acompanhada de um indivíduo que, aliás, disse identificar na sala de audiências, em julgamento, como sendo o arguido C.
No dia 20.04.10 o estabelecimento Óptica Lúcia foi objecto de furto com arrombamento (fls. 41 e 28), tendo os artigos furtados sido parcialmente recuperados na casa do arguido C e na casa do arguido C, tendo o telemóvel aí subtraído sido utilizado para estabelecer conversação para o telemóvel da companheira daquele arguido, E (91.4859130), nessa mesma noite, às 02h42m (fls. 96, 98, 99, 101, 103). Tenha-se em atenção que a ofendida juntou aos autos a facturação do telemóvel subtraído na loja (fls. 6 e 80 dos respectivos autos) que foi utilizado para telefonar para a referida E (fls. 98), cujo IMEI está devidamente identificado e bem como o número desta.
No dia 22.04.10, o estabelecimento de Minimercado Santos foi objecto de furto com arrombamento, tendo os artigos sido em grande medida recuperados em casa do arguido C (fls. 324). Estão juntas as relações de bens furtados (fls. 11 dos respectivos autos e fls. 191), sendo que nas fotografias da busca a casa do arguido C são visíveis os bens dali subtraídos.
No dia 26.04.10 foi furtada de junto da casa do ofendido/demandante Fernando Oliveira a carrinha Strakar da Mitsubishi (…), que viria a ser interveniente no assalto ao estabelecimento Bricomania (fotogramas nos autos) e objecto de perseguição policial (na qual foi atirada uma máquina subtraída na Bricomania na direcção da viatura da GNR, logrando os perseguidos fugir), vindo depois a carrinha a ser encontrada destruída, atirada a uma ravina (fls. 89), não muito longe da casa do arguido C (declarações da testemunha P, GNR), tendo as máquinas sido recuperadas na casa deste mesmo arguido (fls. 45). Vejam-se a participação de fls. 80 do processo 241/10.2GESLV que tem o auto incorporado, bem como o auto de fls. 3 do mesmo (perseguição) e a identificação da máquina atirada para a estrada no intuito de despistar a GNR (fls. 51) cuja identidade combina com as restantes encontradas na casa do arguido C, também fotografadas.
No dia 27.04.10, precisamente com a utilização dessa carrinha, foi assaltado o estabelecimento Bricomania, tendo os assaltantes investido a carrinha contra a montra e partido a mesma, retirando dali as máquinas referidas na acusação que, como se antecipou acima, foram recuperadas na casa do arguido C (fls. 45). Existem filmagens e fotogramas nos autos, captadas as imagens por uma câmara de vigilância das redondezas – a este respeito, note-se, a testemunha da GNR Pais, veio dizer que, pelos tiques e estilo de andar e estatura, reconhecera os arguidos como dois dos executantes do furto . A carrinha, como se disse, foi objecto de perseguição policial, logrando os ocupantes despistar a GNR e atirando aquela para uma ravina, não muito longe da casa do arguido C (S. Rafael) na qual, aliás, viriam a ser recuperados bens furtados naquele estabelecimento (fls. 47 e 23).
No dia 30.04.10 foi furtado o veículo Toyota Yaris (…)do ofendido P, estacionado em Albufeira com as chaves na ignição, que tinha no interior um aparelho de GPS (Garmin) que foi recuperado na busca em casa do arguido C (fls. 45). Note-se, existe um auto de visionamento do GPS, cujo conteúdo é inequívoco, a fls. 286. Por outro lado, a fls. 26 e 27 do respectivo inquérito estão fotografias deste carro, após recuperado, em que são visíveis imagens de chave de fendas, verificadas na inspecção de fls. 23, chave essa semelhante às demais relacionadas com diversos dos furtos aqui em causa. O GPS, encontrado no guarda-fatos do arguido C (fls. 55) foi localizado na referida casa, juntamente com os diversos artigos provenientes de outros furtos.
No dia 04.05.10 foi assaltada a casa do ofendido Guerin na Urbanização Monte Funchal, de onde foram retirados objectos e uma viatura BMW de matrícula estrangeira e personalizada (77MG), os dois exemplares das chaves da viatura, um cofre, por arrombamento da janela do escritório, depois de ter sido arrombado e abalroado o portão da casa (fotos a fls. 23 e 24 do respectivo processo), nas palavras do responsável pela mesma, certamente com uma viatura porque o portão era robusto e só assim seria possível. Aqui, no entanto, importa dizer que, em julgamento, não se apurou em concreto se e como foi abalroado o referido portão, como não se apurou se e como foi forçada a janela do escritório, ou seja, atenta a forma como foi dado o alerta para a situação (pela empregada da casa e não directamente pela testemunha depoente), não podendo o Tribunal concluir por um ou outro modo.
Ora, um jogo de chaves foi recuperado na posse do arguido C aquando da detenção em flagrante (fls. 24), tendo o computador portátil sido apreendido em casa do arguido L (fls. 79 e 89), ainda com as fotografias de família do respectivo dono, que foram vistas, após a apreensão, pelo representante do ofendido, testemunha P. Ora, neste veículo foi obtido vestígio de lofoscopia com valor positivo que permite identificar o arguido CG como tendo utilizado o mesmo (fls. 370) que, aliás, estava estacionado aquando da apreensão na rua junto à sua casa – a mesma casa e com a morada fornecida pelo arguido C e cujo auto se pretendeu aqui impugnar, onde foram feitas as apreensões de parte dos restantes objectos. Neste BMW foram encontrados, aquando da sua recuperação, artigos, desde logo uma chave de fendas semelhante às apreendidas – fotos de fls. 113 e 114 do respectivo processo e fls. 373 do processo principal.
No dia 25.05.10, os arguidos foram detidos, ambos, dentro da loja Água de Côco, quando tinham vários artigos já acondicionados dentro da viatura que estava estacionada à porta (auto de fls. 5 e 24), desde logo também dois pés-de-cabra, veículo esse subtraído no âmbito do inquérito citado no processo 391/10.5GDPTM. Nesta ocasião, detidos os arguidos, um deles tinha uma chave do BMW citado (fls. 26), tendo resultado também positivo o exame de lofoscopia ao Citröen que utilizavam nessa data, pertencendo os vestígios ao arguido C (fls. 367) . Não resultou, porém, especificamente determinado o modo como entraram os arguidos na loja.
Assim,
Desta desmontagem de cada um dos universos factuais resulta, como se disse, um universo maior com similitudes e pontos de contágio que deixam perceber, sem qualquer dúvida, que estes arguidos actuavam em conjunto, num propósito comum de furtarem casas e estabelecimentos apoderando-se dos respectivos bens e valores que guardavam entre si, como decorre inequivocamente dos factos acima descritos, conjugados com cada uma das participações criminais, com cada uma das apreensões, reconhecimentos e recuperações dos objectos documentados nos autos de forma exaustiva e, finalmente, a relação temporal entre os factos, entre os factos principais e acessórios, entre todos estes e a detenção e apreensões feitas nessa sequência.
Para além deste conjunto, as pontas que os arguidos foram deixando soltas permitem, ainda, num juízo legítimo e com recurso à normalidade das coisas e à experiência formar uma cadeia entre os factos que resulta, também inequivocamente, no resultado apontado.
A este respeito, exemplarmente como vem sendo hábito, considerou o nosso Supremo Tribunal de Justiça que no complexo de actos que concorrem para formar a convicção do julgador são valorizadas as provas e as presunções, esclarecendo-se que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos, e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir.
Dentro das regras da experiência que vigoram na nossa sociedade podem identificar-se dois grandes grupos: por um lado, as leis científicas e, por outro, todas aquelas ilações que não são mais que regras de experiência quotidiana. As primeiras formam-se a partir dos resultados obtidos pelas investigações das ciências, a que se atribui o carácter de empíricas, enquanto as outras assentam na denominada experiência quotidiana que surge através da observação, ainda que não exclusivamente científica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se pode estabelecer consenso.
A máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre os factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos.
O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa.
O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.
O princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno .
Ora, da conjugação dos factos acima demonstrados, quer entre si, quer com as regras de valoração do que é a normalidade da vida e a experiência comum, resulta demonstrado, pensamos que à saciedade, que os arguidos, conjuntamente, se dedicaram, no lapso de tempo que estes factos permitem relacionar entre si, aos furtos, quer como forma de obterem meios para irem gerindo a própria actividade (o que é patente no caso dos furtos de veículos), quer como forma de deterem produtos, para si ou para revenda, não se tendo isto apurado em concreto, mas fazendo disso a sua actividade primordial (note-se, o arguido C não desenvolvia profissão, como a sua companheira também não, e o arguido Lourenço idem – fls. 600, 603 e 606 dos autos).
O modo de actuação foi semelhante em todos os casos – arrombamentos, nos quais eram utilizadas ferramentas tipo pé-de-cabra, aliás, apreendidos dois na viatura usada no dia da detenção (fls. 25), dois em casa do arguido C (fls. 45); ou chaves de fendas, como as apreendidas no veículo usado na noite da detenção (fls. 25), ou na posse do arguido L detido em flagrante (fls. 25), no interior do BMW usado pelos mesmos (fls. 113 e 114, foto 2 e legenda respectiva), na casa do arguido C (fls. 45); por vezes usando veículos para arrombarem montras ou portões (fotogramas relativos ao estabelecimento Bricomania - fls. 359, 717, 828 a 844) ou como terá acontecido na casa da Urbanização Monte Funchal (declarações da testemunha P) e na loja Água de Coco, sem que, no entanto, nestes dois casos, se possa concretizar o modo, o que será ponderado oportunamente em favor dos arguidos.
Os objectos eram recolhidos pelos arguidos, nas casas em que viviam, aquelas que indicaram à GNR e foram objecto de busca, preferencialmente na casa do arguido C (veja-se os respectivos autos), sendo que nesta residência estavam objectos reconhecidos por todos os ofendidos, provenientes de todos os furtos acima referidos (por ordem das circunstâncias: fls. 115, 120, 124, 125 – 47 e 48 e 79; fls. 96, 98, 99, 101, 103 – 46 e 47 e 79; fls. 191 a 199 e 324 – 45 e 46; fls. 84, 359, 717, 828 a 844; fls. 88, 90, 92, 94 e 95, 359, 717 e 828 a 844 – 45, 46 e 48 e 25; fls. 286, 287 – 45; fls. 113 e 114 – 26 e 370 e 79; fls. 5, 24 a 26, 367, 435, 37 e 39 – 316, 367) .
Para além disto, vestígios de lofoscopia que ligam o arguido C a ambos os veículos, Citröen e BMW (fls. 367 e 370), bem como ligam o mesmo BMW ou a casa objecto desse furto ao arguido Lourenço (fls. 79), já que ambos estão ligados ao primeiro dos referidos veículos, porque detidos na posse dele (fls. 5 e 24). Existindo indícios de que os arguidos agiam encapuzados (fls. 717 e 828 a 844), e usando luvas (para não serem detectados vestígios nos locais furtados – veja-se os autos de recolha e resultado negativo juntos aos autos e luvas apreendidas), tendo sido apreendidos bens susceptíveis de servirem essa finalidade (como bonés, blusões com gorro), sendo que neste particular, se bem que decorra com alguma facilidade da prova que os arguidos se precaviam (como objectivamente resulta dos fotogramas da loja Bricomania), não pode o Tribunal retirar certezas daqueles indícios.
Já não serão apenas indícios, mas factos relevantes, as apreensões de material/ferramentas em viaturas e na posse dos arguidos, ferramentas essas compatíveis com o tipo de danos produzidos nos arrombamentos perpetrados pelos arguidos - ferramentas comuns, como chaves de fendas, tesouras de corte de ferro, arranca-pregos, etc, como resulta de fls. 57. Ora, estes elementos, conjugados com a restante prova, adquirem uma consistência de onde pode extrair-se, sem hesitações, que os arguidos usavam parte das ferramentas apreendidas na sua actividade.
A prova, conjugada nos seus elementos, não deixa dúvidas ao Tribunal quanto às circunstâncias acima descritas.
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Se quanto ao factos autonomizados em inquérito próprio (veja-se nota em rodapé com o nº 18) também não resultam dúvidas para o Tribunal de que, à parte as circunstâncias de modo acima assinaladas, nenhuma conclusão de direito compete nestes autos tirar, já os factos a que se reporta o NUIPC 141/09.9GCABF, aqui incorporado, deixam reservas neste processo de convicção que passamos a esclarecer.
É o primeiro facto concreto da acusação – o furto da bicicleta ao ofendido/demandante P.
Quanto a estes factos, entendeu o Tribunal que, não se inscrevendo no acervo probatório acima diagnosticado, não conseguiu a prova persuadir num juízo de certeza tal que demonstrasse inequivocamente a sua relação com o restante. De facto, há entre o furto pretendido e o restante um hiato temporal de distância significativo, sendo que a prova junta, mesmo com o pedido de reparação civil (fls. 944 a 948) conjugada com o facto de se tratar de uma bicicleta sem referência específica, num contexto singular, e sendo certo que nenhum outro elemento de prova, por mínimo que seja, permite relacionar inequivocamente os arguidos a esse furto, entende-se que a dúvida deve ser ponderada a favor dos arguidos e, como tal, beneficiando o juízo probatório de igual conclusão.
É certo que na casa do arguido C foi apreendida uma bicicleta da mesma marca, que o ofendido reconheceu (fls. 45) mas, ao contrário de todos os outros casos, entre este facto singular e o furto não se estabelece uma relação suficientemente forte para bem fundar a convicção e a conclusão pretendida pela acusação.
Como tal, entendemos, nesta parte, não ser totalmente procedente a matéria de facto constante da acusação, permanecendo na penumbra indiciária alguns dos elementos de facto relevantes, beneficiando disso os arguidos.
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Porque se imputa aos arguidos, na parte final da acusação, a prática de seis crimes de dano, um deles qualificado, e porque a descrição factual pode dar azo a falta de esclarecimento suficiente se saltarmos para a qualificação de Direito sem um esclarecimento prévio, importa ainda tecer duas considerações adicionais.
Da prova constante dos autos resulta que os arguidos, como meio de conseguirem realizar as subtracções de bens referidas, danificaram bens de terceiros, desde logo montras, portões, portas, e uma carrinha Mitsubishi.
Quanto à carrinha, pouco há a dizer, sendo que quanto a esta, muito embora servisse os intentos dos arguidos, não esteve a sua subtracção associada, como causa e efeito, a um furto em cuja factualidade devesse autonomizar-se como circunstância extrínseca. O furto foi da própria carrinha, que foi recuperada com danos, pelo que é sempre a circunstância primordial do furto que permanece e será atendida em sede de direito, sendo os danos decorrentes da sua subtracção e sendo esses danos, como se viu, o valor daquela à data da mesma subtracção.
Quanto aos restantes factos, impõe-se, numa sequência que é lógica mas também cronológica, considerar que os danos produzidos foram instrumentais do furto associado, ou seja, que a intenção dos arguidos não se autonomizou num primeiro momento para estragar e num outro para subtrair. A intenção dos arguidos foi tão-somente subtrair, ainda que para isso tivessem de danificar acessos, mecanismos, etc.
Por isso, entende o Tribunal que a prova demonstra apenas a intenção de furtar, sendo que os danos decorrentes foram um meio para o conseguir o que, desde logo, impõe que a factualidade consistente em produzir danos depende daquela que consiste em subtrair, ou seja, que há meios usados (danos) para conseguir o fim almejado (furto), perdendo por consequência os danos a autonomia que se distingue, sobretudo a nível do mecanismo volitivo, num acervo factual diverso daquele. Nesta medida, entende-se subsumir a factualidade daqueles nestes, por manifesta harmonia com aquela que resultou ser a verdade dos factos acontecidos, o que terá sobretudo relevância na avaliação de Direito.
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Quanto à arma, resulta demonstrado nos autos que o arguido CG a tinha na sua posse (fls. 45 a 48, maxime fls. 48), nas suas coisas, pelo que tanto basta para, juntamente com a perícia realizada e documentada nos autos (fls. 764) que dá a arma como transformada, para além da falta de justificação legal deste arguido para possuir qualquer tipo de arma, considerar assente a factualidade vertida na acusação.
Eis, pois, a razão de convicção do Tribunal.
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IV. OS FACTOS E O DIREITO
Fixada a matéria de facto, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
• Quanto aos crimes de furto,
Dispõe o CP, não se tendo alterado os parâmetros gerais da previsão legal que:
Artigo 203º - Furto
1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – (…).
e
Artigo 204º - Furto qualificado
1 - Quem furtar coisa móvel alheia:
a) De valor elevado;
b) Transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais;
c) Afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério;
d) Explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum;
e) Fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança;
f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar;
g) Com usurpação de título, uniforme ou insígnia de empregado público, civil ou militar, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
h) Fazendo da prática de furtos modo de vida; ou
i) Deixando a vítima em difícil situação económica;
é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Quem furtar coisa móvel alheia:
a) De valor consideravelmente elevado;
b) Que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico;
c) Que por sua natureza seja altamente perigosa;
d) Que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em colecção ou exposição públicas ou acessíveis ao público;
e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalonamento ou chaves falsas;
f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta; ou
g) Como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando;
é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
3 - Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado para efeito de determinação da pena aplicável o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na medida da pena.
4 - Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.
Como bem se ensinou no Ac. STJ de 14.04.93, «o crime de furto consuma-se com a violação do poder de facto de guardar ou dispor da coisa que sobre ela tem o seu proprietário ou detentor e com a substituição desse poder pelo do agente, independentemente de a coisa ficar ou não pacificamente por mais ou menos tempo na posse do agente», o que significa que não impede a verificação do tipo o facto de os bens terem sido apreendidos e recuperados integralmente .
São elementos do tipo, em qualquer das versões, (1) a subtracção, (2) o carácter alheio da coisa e (3) a intenção ilegítima de apropriação, para si ou terceiro, por parte do autor dos factos.
Este furto (simples ou típico) sofre agravação penal quando qualificado por circunstâncias susceptíveis de revelarem especial gravidade dos factos, como as que se fazem constar do artº 204º CP.
A agravação não opera automaticamente, relevando as circunstâncias apenas na medida em que concretamente revelem a maior gravidade do furto .
Ensinava o Professor Beleza dos Santos que por subtracção se deve entender «a violação de poder de facto que tem o detentor de guardar o objecto do crime ou de dispor dele e a substituição desse poder pelo do agente» , o que significará que a subtracção é o retirar da disponibilidade do bem para o seu dono ou detentor, mais além do que a simples retirada do próprio bem da sua esfera patrimonial uma vez que a actualidade mede o valor das coisas pela possibilidade da sua utilização ou rendibilidade.
No que concerne ao elemento subjectivo, exige-se para além dos elementos essenciais e gerais do dolo, um elemento especial – a intenção de apropriação.
Já escreveu o Doutor Maia Gonçalves a este respeito que «a intenção de furtar preenche-se com a intenção do agente de, contra a vontade do proprietário da coisa furtada, se passar a comportar relativamente a ela animo sibi rem habendi, integrando-a na sua esfera patrimonial ou na de outrem» .
Ora, se atendermos aos factos, podemos concluir imediatamente pela absoluta eficácia deles em face do tipo legal na maioria das circunstâncias, ou seja, pela prova genérica dos factos referidos na acusação, em termos de tipo penal, uma vez que se apurou que os arguidos dirigiram-se aos estabelecimentos e casas e introduziram-se nos mesmos por arrombamento, ali entrando, com intenção de subtrair bens que pudessem fazer seus, de onde retiraram efectivamente os objectos e valores descritos.
Em termos de furtos e da sua qualificação, não subsistem dúvidas quanto ao estabelecimento Artisport (introdução com quebra de mecanismo de segurança e fecho e subtracção de bens), - furto que se mostra qualificado nos termos do artº 204º, nº 2, al. e) do CP, cujo valor total de bens subtraídos atingiu os 9.340,50€; também não subsistindo dúvidas quanto ao furto no estabelecimento Óptica Lúcia (introdução com quebra de mecanismo de segurança e fecho e subtracção de bens), - furto que se mostra qualificado nos termos do artº 204º, nº 2, al. e) do CP, cujo valor total de bens subtraídos atingiu os 7.260,00€; bem como o furto no estabelecimento Minimercado Santos (introdução com quebra de mecanismo de segurança e fecho e subtracção de bens), - furto que se mostra qualificado nos termos do artº 204º, nº 2, al. e) do CP, cujo valor total de bens subtraídos atingiu os 1.757,48€; como o furto no estabelecimento Bricomania (introdução com quebra de mecanismo de segurança e fecho e subtracção de bens), - furto que se mostra qualificado nos termos do artº 204º, nº 2, al. e) do CP, cujo valor total de bens subtraídos atingiu os 5.452,47€; bem como na Urbanização Monte Funchal (introdução e subtracção de bens), - furto que se mostra qualificado nos termos do artº 204º, nº 1, al. f) do CP, cujo valor total de bens subtraídos atingiu os 76.199,00€ (sendo aqui o valor a qualificativa menos importante, atento a que também foram objectos recuperados, optando-se pela qualificação mas nos termos do nº 1, al. f) do preceito penal); como no estabelecimento Água de Côco (introdução e subtracção de bens), - furto que se mostra qualificado nos termos do artº 204º, nº 1, al. f) do CP, cujo valor total de bens subtraídos atingiu os 6.440,00€ (sendo aqui o valor a qualificativa menos importante, atento a que também foram objectos recuperados, optando-se pela qualificação mas nos termos do nº 1, al. f) do preceito penal).
Quatro crimes, para já, qualificados exactamente do mesmo modo, sendo que em nenhum deles se mostra viável a desqualificação pelo valor do nº 4 do mesmo preceito legal – nº 2, al. e) do artº 204º do CP; dois crimes qualificados mas pelo nº 1, al. f) do mesmo preceito legal.
Consumados todos eles. De facto, se quanto aos demais dúvidas não subsistem, mesmo no caso do estabelecimento Água de Côco deve considerar-se que o flagrante delito não importa conclusão diversa dos restantes, sendo certo que os arguidos tinham os bens da loja na viatura que usavam, portanto, já tinham retirado efectivamente da disponibilidade de facto do respectivo dono esses mesmos objectos, apropriando-se deles. Quanto ao mais, não lograram apropriar-se eventualmente de outros objectos, desconhecendo-se se o queriam efectivamente fazer já que o carro estava carregado, de todo o modo e por mero facto alheio à sua vontade, a intervenção inesperada da autoridade de investigação, sendo certo que não tinham consigo, na sua pessoa, outros objectos.
Como tal, não se suscitam dúvidas ao Tribunal sobre a efectiva consumação deste crime, também.
Vejamos o restante.
Quanto ao imputado crime de furto da bicicleta Berg, o que deixámos dito em sede de convicção e prova tem aqui inteira aplicação. Os factos não permitem concluir, com a certeza e segurança necessárias, que os arguidos estiveram envolvidos no furto, pelo que, sem considerações que aqui se mostrariam desnecessárias, importa dar-lhes o benefício da dúvida ali aportada, absolvendo-os em conformidade da prática deste ilícito.
Quanto ao furto da carrinha Mitsubishi Strakar, também não deixa dúvidas a matéria apurada, sendo certo que foi o próprio ofendido que, a instâncias do Ministério Público, referiu que o valor inicialmente dado (30.000,00€) era o preço da carrinha nova quando, de facto, a comprou já em segunda mão, e que o valor da mesma, com poucos quilómetros feitos e com as características que tinha, não valeria mais de 10.000€.
Assim, o furto não deixa de ser qualificado, muito embora o seja nos termos da al. a) do nº 1 do citado artº 204º do CP (valor elevado).
Procede, pois, a matéria da acusação, com a correcção do valor que se apurou em concreto em julgamento.
Finalmente, quanto ao furto do veículo Toyota Yaris (…)e confirmando os factos o furto em causa, importa dizer que o valor apurado em julgamento foi de 6.000€ para a viatura e valor não inferior a 100€ do GPS. Como tal, provado que está o furto, também aqui o furto se qualifica pela al. a) do nº 1 do artº 204º citado.
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• As qualificativas quanto aos pontos procedentes,
Grande parte dos crimes cuja imputação é procedente e assenta no arrombamento, escalamento ou utilização de chave falsa estão perfeitamente enquadrados na qualificativa do referido artº 204º do CP (nº 2, al. e) e nº 1, al. f)).
As definições constam do artº 202º do mesmo diploma, respectivamente das alíneas f) e e) e cujo significado aí surge com uma clareza que dispensa outras considerações.
Ponderado que seja que qualquer destes conceitos está plasmado nos factos, e sendo que a utilização de qualquer deles se mostra como grave, com uma ilicitude acrescida e, como tal, revelando uma culpa acentuada, não faz sentido ponderar o valor dos bens subtraídos para qualificar os mesmos factos, senão nos casos expressamente referidos, até porque a dupla qualificativa está vedada ao Tribunal, sendo apenas susceptível de ser ponderada na determinação da pena, como se fará, ou numa eventual desqualificação dos crimes para o tipo simples, o que não se verifica.
Posto isto,
Atentos os factos provados, o Tribunal conclui que eles revelam uma actuação a título de co-autoria, mostrando-se inequivocamente que os arguidos actuaram em conjugação de esforços e intentos e de acordo com um plano traçado por ambos para realizar furtos em estabelecimentos comerciais e casas, também utilizando viaturas que furtavam dessas casas ou outras para o efeito.
A co-autoria, nos termos do artº 26º do CP, traduz-se em o agente tomar parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e não a um simples contributo atomístico, somatório material de factos executivos de diversas pessoas, de modo a cada um ser responsabilizado pelo próprio acto.
Essencial à co-autoria é um acordo, expresso ou tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas à luz das regras de experiência comum, bem como a intervenção, maior ou menor, dos co-autores na fase executiva dos factos, em realização de um plano comum.
Esse acordo de execução tanto pode ser extremamente simples como complexo, mas abrange sempre uma divisão de tarefas. Através desse acordo, os co-autores atribuem-se e aceitam executar, reciprocamente, as tarefas que lhes estão confiadas, destinadas ao plano comum a concretizar; trata-se de um encontro de vontades dos co-autores acerca do plano de execução e repartição de funções a ele inerente , como os factos provados revelam ter-se verificado.
In casu, podemos falar sem hesitações deste contexto comum de actuação pois que, se uns elementos tendem a aparentar a preponderância de um dos arguidos, outros demonstram o contrário. Assim é que, por exemplo, e relativamente ao arguido C foi, e falamos de referências pela sua companheira, que a testemunha P mencionou no seu depoimento, de que o elemento preponderante seria o arguido LC.
Por outro lado, outros elementos no processo tendem a infirmar esta ideia, desde logo o facto de ter sido na casa do arguido C que foi apreendida a maioria dos objectos furtados, ou o facto de ter na sua disponibilidade efectiva a viatura BMW (estacionada junto a sua casa e tendo na sua posse a chave dela) ou mesmo o Citröen (os vestígios de lofoscopia são indesmentíveis nesse aspecto quanto a ambos os veículos) ou, mesmo, o facto de ser este o único arguido a quem foi apreendida uma arma ou o facto de, de acordo com os reconhecimentos e identificação em julgamento por uma das testemunhas, haver elementos que permitem concluir que, pelo menos em duas situações, terá sido o arguido C a estudar os locais depois assaltados, deslocando-se aí previamente com a companheira.
Assim, em face dos elementos, testados probatoriamente à exaustão, é de concluir que a factualidade descreve um contexto de actuação comum, indiferenciado do ponto de vista das decisões a tomar em cada momento, portanto, uma co-autoria a que chamaríamos perfeita, no sentido em que ambos os arguidos revelam um controlo igual dos momentos, da capacidade de decidir em cada um deles e de conformar o resultado dessa decisão.
Note-se, esta conclusão resulta claramente plasmada nos factos e na prova, tendo ainda em conta que os arguidos não quiseram esclarecer nada em audiência de julgamento, designadamente algum facto que impedisse a conclusão que é lógica neste processo dedutivo.
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Impõe-se uma nota final sobre os crimes de dano.
O Ministério Público – do nosso ponto de vista, bem, porque permite ao Tribunal a ponderação total das circunstâncias e a sua melhor integração a final – autonomizou a imputação dos crimes de dano.
O crime de dano consiste em o agente destruir, estragar, inutilizar bens alheios na convicção e propósito disso mesmo (artº 212º do CP).
Normalmente associada à problemática do crime de furto qualificado – designadamente quando cometido com arrombamento –, a questão do dano decorrente de estragar, inutilizando definitivamente ou não, os mecanismos de fecho ou encerramento, e há-de ser avaliada de facto, no sentido de permitir, ou não, uma autonomia volitiva por parte do respectivo agente. Não havendo crime sem dolo (ou sem culpa nos casos expressos) e sendo este um crime doloso na essência, apenas haverá a autonomização do dano quando se verifique o respectivo elemento subjectivo, ou seja, quando a vontade do agente se tenha dirigido especificamente à finalidade de causar dano e não a qualquer outra finalidade.
Ora, no caso em apreço, em qualquer das circunstâncias, o que fica demonstrado é que os arguidos quiseram furtar, sendo que, para isso, danificaram portas, portões e até uma viatura.
Das circunstâncias o que resulta é que a intenção dos arguidos foi uma única que, no entanto, em termos de facto, correspondeu a dois resultados típicos.
O nosso direito penal encara esta situação com a naturalidade decorrente do acima exposto quanto ao elemento volitivo, considerando e dando mecanismos ao Tribunal para, em caso de concurso, que será por isso aparente (uma vez que o bem protegido pelo dano é também protegido pelo furto, enquadrando esta melhor a realidade de facto), interpretar as normas de acordo com a maior adequação que os factos impõem, resolvendo este conflito, entre, por um lado, as circunstâncias que qualificam o crime desejado e, por outro, as circunstâncias que integrariam outro ilícito penal, com recurso à consumpção (regra da especialidade). Que mais não é do que aceitar, para efeitos típicos, que as circunstâncias do eventual dano estão já consumidas pela factualidade inerente ao crime de furto qualificado.
Como tal, e como aqui parece de maior acerto, não haverá crimes de dano, qualificados ou não, neste complexo circunstancial. Razão pela qual o Tribunal, naquela perspectiva, entende que os danos foram consumidos pelos actos de execução dos furtos, caindo a autonomização daqueles crimes e devendo ser os arguidos, portanto, absolvidos daqueles a final.
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• Quanto ao crime de detenção ilegal de arma,
Prevê o artº 86º citado que:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, engenho explosivo civil, ou engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) Produtos ou substâncias que se destinem ou possam destinar, total ou parcialmente, a serem utilizados para o desenvolvimento, produção, manuseamento, accionamento, manutenção, armazenamento ou proliferação de armas biológicas, armas químicas ou armas radioactivas ou susceptíveis de explosão nuclear, ou para o desenvolvimento, produção, manutenção ou armazenamento de engenhos susceptíveis de transportar essas armas, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos;
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.
O arguido, que não prestou declarações em julgamento, tinha, entre os bens que lhe foram apreendidos, a arma transformada examinada nestes autos (fls. 764), sendo certo que este facto se inscreve na norma transcrita, tal como se fez constar da acusação.
A lei foi alterada, neste meio tempo, passando a especificar, no que aqui importa que é a al. c), o tempo mínimo de prisão fixado em um ano, e com o seguinte:
Artigo 86º - Detenção de arma proibida e crime cometido com arma
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
(…)
A alteração tem, apenas, como efeito, permitir fixar o mínimo, não no mínimo legal, mas no mínimo de um ano de prisão.
O nosso Supremo Tribunal, a propósito deste ilícito, e através de um dos brilhantes Juízes, veio dizer recentemente que o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2.º, n.º 1, al. t), n.º 3.º, n.º 2, al. l), 4.º e 86.º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23-02, está construído como crime de perigo abstracto, em que a lei previne o risco de uma lesão que coincide com a própria actividade proibida.
Os crimes de perigo abstracto são crimes de mera actividade, em que esta traduz uma perigosidade geral de acção típica para determinados bens jurídicos; o perigo não pertence ao tipo, como no perigo concreto, mas o comportamento correspondente é tipicamente próprio da produção de um perigo concreto.
Nos crimes de perigo, a realização do tipo basta-se com a mera colocação em perigo de bens jurídicos e pode consistir simplesmente no motivo da proibição. Os comportamentos são tipificados em vista da perigosidade típica para um bem jurídico, sem que se mostre comprovada no caso concreto; há como que uma presunção inilidível de perigo, e por isso dispensa-se a criação de perigo efectivo (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., pág. 308-309).
Nos crimes de perigo abstracto o perigo constitui o motivo da proibição, em função da perigosidade típica para um bem jurídico ou para uma série de bens jurídicos, independentemente de ser criado um perigo efectivo para o bem jurídico.
O crime de detenção de arma proibida, como crime de perigo, ficou integrado, autonomamente, logo com a detenção, independentemente do uso da arma que tenha sido feito posteriormente.
No crime de detenção de arma proibida, a justificação da tutela penal e a carência de pena estão, assim, ligadas à perigosidade típica para bens jurídico-penalmente tutelados que podem ser afectados pela simples detenção – os valores da ordem, segurança e tranquilidade pública.
A justificação e a dimensão valorativa dos bens jurídicos protegidos identificam-se, mais remota ou difusamente, com a protecção de uma pluralidade de bens jurídicos, que a simples posse, ilegítima ou proibida, de um instrumento é susceptível de afectar, fazendo reverter para um campo de risco de afectação .
Ora, o crime assim definido é um crime grave, contra o bem comum, cuja tutela penal se antecipa ao momento da simples detenção precisamente pela gravidade em que consiste, simplesmente, o facto de ter a vontade e determinação para ter na posse um instrumento perigoso, ainda mais transformado, ou seja, com viciação da sua natureza e aparência.
É um crime doloso, como se compreende.
Os factos provados também não deixam ao Tribunal dúvidas quanto ao seu cometimento.
Porque a alteração introduzida entretanto impede o Tribunal, quanto ao limite mínimo da pena, de partir de pena inferior a um ano, sendo certo que anteriormente (atenta a norma vigente à data dos factos) o podia fazer, nos termos do artº 2º, nº 4 do CP, desde já, mesmo em abstracto, entende o Tribunal mais favorável ao arguido o regime vigente à data dos factos, pelo que opta por aplicar esse regime.
Nesta parte, como tal, procede também a acusação.
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Como tal, temos oito crimes de furto consumados, todos eles qualificados, sendo quatro pela als. e) do nº 2 do artº 204º citado, e quatro pelas als. a) ou f) do nº 1 do mesmo preceito legal (em co-autoria), e um crime de detenção de arma proibida, nos termos do artº 86º, nº 1, al. c) da Lei nº 5/06 de 23.02.
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• Os pedidos de reparação civil de danos
No que respeita aos pedidos de indemnização cível que foram formulados, haverá que ter, desde logo, em atenção o disposto no artº 128º do CP, segundo o qual a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos são, aqui como ali: a)- facto voluntário do lesante, b) ilicitude, c) imputação do facto ao lesante, d) o dano, e) nexo de causalidade entre o facto e o dano .
No que concerne à apreciação da questão, há que atentar ao teor do artº 483º, nº 1 do CC que esclarece que quem, com dolo ou culpa, violar de forma ilícita o direito de outrem ou norma que vise especificamente a sua tutela, está obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.
Por partes.
O demandante P, deduzindo pedido no valor de 1.761,22€ a título de danos patrimoniais e 750,00€ a título de danos morais, veio alegar que a subtracção da bicicleta Berg de dentro do seu quintal, pelos arguidos, fez com que criasse receios que o levaram a reforçar vários dos mecanismos de segurança da casa, para além da perda da bicicleta propriamente dita.
Acontece, no entanto, que a prova feita em julgamento não chegou para, com certeza e segurança, decidir o Tribunal pela culpabilidade dos arguidos relativamente ao furto da bicicleta e, como tal, entendeu beneficiar os arguidos. Por isso, também os pressupostos da indemnização não estão reunidos, desde logo porque a indemnização assenta no facto ilícito que o Tribunal não apurou e que, como tal, decide no sentido de que não existiu.
Tanto basta para que improceda totalmente este pedido.
Já o demandante F, que deduziu pedido pelos danos decorrentes da subtracção e danos causados no veículo Mitsubishi, modelo Strakar e matrícula (…), provou em audiência os factos essenciais à procedência quase integral do pedido de indemnização, enquanto tal (cfr. artº 342º, nº 1 do CC), porque alegou os factos necessários a consubstanciar a causa de pedir que vai além da apreciação objectiva dos critérios penais típicos, e fez a prova deles, no essencial.
Tratando-se sempre de uma actuação ilícita (artº 483º CC), como já se mencionou e decorre da prática dos apontados crimes, que são imputáveis ao arguido a título de autoria, sendo esta a causa de pedir que fundamenta o pedido, sendo ele responsável por essa indemnização – cfr. artº 497º do CC.
No entanto, prova-se apenas que o valor do carro à data da subtracção era de 10.000€ e que o demandante não reparou a carrinha, pelo que não gastou com ela os 15.046,13€.
Assim, os danos sofridos que se provaram limitam-se ao valor apurado de 10.000€, pelo que o pedido improcede quanto ao restante.
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VI. ESCOLHA E DETERMINAÇÂO DA PENA
• Critérios de ponderação
Verificados todos estes elementos e a conclusão pela existência de crimes p. e p. pelo artº 204º, nº 1, al a) e f) e nº 2, al. e), com refª ao artº 203º, nº 1, ambos do CP, importa ponderar as circunstâncias do artº 71º CP.
Têm-se em conta na ponderação geral três considerações fundamentais.
Primeira, a de que os arguidos, no cometimento destes factos, usaram de engenho e arte para conseguirem, sem alarme, sem ruído que despertasse atenções, procurando o esquivo de atitude como a noite ou a altura em que os estabelecimentos estavam sem frequência de público e as casas sem gente, meios que, embora comuns, se mostraram muito eficazes e rápidos, quase sempre homogéneos, para conseguirem entrar naqueles. Meios esses que não eram ostensivos genericamente, portanto discretos, usando ferramentas fáceis de transportar e de usar, o que revela um nível de preparação e eficácia consideráveis. Provando que a eficácia não carece sempre de sofisticação e que, por vezes, a discrição é uma mais valia para o sucesso da operação.
Segunda, que resulta aqui demonstrado que os arguidos tinham uma organização e método de actuação dignos de nota – o uso de viaturas de terceiros, a vigilância que faziam aos locais (necessariamente, até porque sabiam quando ir e como agir ali), a rapidez com que actuavam (já que os assaltos se foram sucedendo sem detenções ou flagrantes), como se o tempo fosse sempre o factor importante a ter em conta, a forma como arrumavam parte considerável dos bens subtraídos nas suas casas (portanto, sem os dissiparem imediatamente para não levantarem suspeitas), todos estes factores demonstram que os arguidos sabiam o que queriam e como ir buscar, de forma quase escorreita.
Terceira, chamando à atenção para o facto, já notado acima de passagem, de que os arguidos subtraíam bens de dissipação fácil e rápida – comidas e bebidas que, visíveis nas fotografias, serviriam para o seu dia-a-dia, e ferramentas – que podiam usar mas que, certamente, seriam vendáveis a baixo preço nas obras e serviços que proliferam nesta região, o dinheiro que é, por excelência, o bem mais fungível que existe e valioso, bem como produtos como roupas de desporto, perfumes, chinelos, tudo coisas que se vendem facilmente pelos próprios ou através de alguém, mesmo em mercados alternativos ou se trocam para obter outros bens.
Estas circunstâncias são especiais e são consideradas aqui de forma especial, uma vez que contribuem decisivamente para a percepção de que não estamos perante um núcleo de furtos comuns e, muito embora não se tendo apurado a que se destinavam, sempre deixam perceber que não se destinavam, decisivamente, ao sustento simples ou prazer dos arguidos, beneficiando mesmo um deles do facto de não estar legalmente autorizado a permanecer em território nacional, o que dificulta a sua detecção pelas autoridades.
Finalmente, antes da ponderação dos demais critérios, deixa-se como nota, a ter especial relevância na determinação final da pena única – já que o concurso efectivo de crimes é evidente e as penas abstractas deixam adivinhar que o limite máximo será consideravelmente alto – o facto de os crimes aqui provados terem ocorrido todos num lapso de tempo curto (Abril e Maio de 2010), o que só por si, afastado que está à evidência o crime continuado, não deixará de ser ponderado em benefício dos arguidos – que, por isso, não revelam uma tendência constante de comportamentos deste tipo, pelo menos, naquilo que se apurou nestes autos – na pena final.
Tendo em atenção as molduras penais abstractas, há a ponderar entre as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, contam a favor e contra os arguidos:
- quanto à execução dos factos: o elevado grau de ilicitude dos mesmos, assentes em processos decisórios autónomos, consequentes também, sem que umas circunstâncias tenham demovido à decisão sobre as demais;
- quanto ao dolo: o dolo directo e intenso de qualquer deles e por parte de ambos os arguidos, sem distinção;
- quanto às condições pessoais: o facto de serem os arguidos pessoas que não demonstram estarem integradas socialmente, não lhes sendo conhecida profissão estável em Portugal nem modo de vida, não mantendo aqui qualquer enquadramento familiar de suporte ou vontade de trabalhar licitamente;
- quanto à personalidade: os arguidos revelam-se como pessoa de formação normal e capacidade para distinguir o bem do mal, como revelam os relatórios sociais juntos;
- quanto ao comportamento anterior e posterior: a falta total de assunção das responsabilidades pelos arguidos, que nem sequer quiseram esclarecer ao Tribunal os factos que eram evidentes, o desinteresse total na colaboração com a Justiça, a falta absoluta de manifestação de sentimentos de auto-censura, bem como o facto de terem ambos antecedentes criminais;
- enfim, a culpa acentuada de ambos os arguidos em qualquer das circunstâncias, sem que se mostre justificada ou diminuída em qualquer delas.
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• fixação das penas concretas parcelares
Assim, além do limite da prevenção e àquem do da culpa, entende o Tribunal, ponderado as disposições penais citadas.
Nos termos do artº 70º, 203º e 204º, nº 1 e 2 do CP e artº 86º da Lei nº 5/06, que tem que ser aplicada aos arguidos penas de prisão, atenta a natureza das próprias molduras penais e o que antecede, mostrando-se adequado fixar as penas em: 3 anos e 6 meses de prisão para cada um dos dois crimes de furto qualificado; 1 ano de prisão para o crime de detenção de arma e para o arguido CG, tendo-se optado por aplicar o regime vigente à data dos factos, uma vez que a moldura parte do mínimo legal e, após alteração, parte do mínimo de um ano de prisão.
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• Concurso de crimes e fixação da pena única
O sistema penal português, assentando no pressuposto da ressocialização do indivíduo, convive pacificamente, e estimula, as situações de cumprimento de pena em que se responsabilize o indivíduo pelo passado que não deveria ter tido e o futuro que a ordem jurídica e social desejam que tenha. Sem pudores, sem subterfúgios, a nossa Legislação abre mão da vingança social, para assentar na renovação do indivíduo, investindo-se assim indirectamente na humanidade de todos nós, na busca de uma sociedade que reinvista a justiça e justeza de julgamento num futuro melhor para todos e com todos.
Procurando a pacificação social, o Legislador deixou ao critério prudente de quem julga a fixação da pena concreta, porque deve assim ser, porque só assim se entende.
Esta faculdade, ao contrário de estimular a arbitrariedade, exige ponderação, equilibrio e responsabilização. Porque, afinal, o que aqui se decide implica com a vida de todos.
A Jurisprudência – a decisão dos Prudentes -, vem adoptando dois critérios fundamentais de avaliação de situações de crimes concursais para fixação de pena única, critérios esses que, não pretendendo ser o todo que espartilha cada uma das suas partes, servem de guia, de pêndulo ou prumo, como pontos de partida de onde possa retirar-se, por um lado a certeza e segurança judiciárias e, por outro lado, a homogeneidade que respeite o princípio da igualdade, tal como vem sendo constitucionalmente entendido.
Estes critérios, partindo da pena mais alta aplicada - e que é a pena mais alta das penas que estejam em concurso -, pode variar entre a ponderação do terço ou metade de cada uma das demais que, além daquela, garantiam o mínimo da prevenção relativamente àquele indivíduo em concreto.
Tendo em conta a relação concursal destes ilícitos, atentos os critérios apontados do artº 77º do CP, e a necessidade de fixar a pena única aos arguidos, entende o Tribunal que esta pena única deve reflectir a anti-socialidade e danosidade social dos comportamentos, a que nada acresce que possa ponderar-se a favor da personalidade dos arguidos que bem caracterizada ficou, bem como ponderando a natureza dos antecedentes criminais do arguido C que são preocupantes e o acréscimo de um crime para o arguido C que, no entanto, revela um passado criminal menos intenso (anulando-se mutuamente as desvantagens singularizadas) decide, entre o máximo da moldura de cúmulo (soma das penas concretas) e o seu mínimo (pena mais alta do concurso), fixar as penas únicas concretas em:
a) para o arguido LC, a pena única de dez (10) anos de prisão;
b) para o arguido CG, a pena única de dez (10) anos de prisão;
**
(…).”.---
IV
Como supra se deixou enunciado, cumpre, antes de mais, apreciar e decidir da invocada (por ambos os arguidos recorrentes) nulidade das buscas domiciliárias realizadas no âmbito dos presentes autos, em 25 de Maio de 2010.---
Dispõe a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 34º, reportando-se à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, que:---
“1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei.
3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei.
4. (…).”.---
E o artigo 18º, da Constituição da República Portuguesa que, na parte dedicada aos direitos e deveres fundamentais, se reporta à força jurídica, estatui nos seguintes termos:---
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”.---
Costa Andrade, in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal. Uma Perspectiva Jurídico-Crminal”, Coimbra Editora, pág. 33, nota 4, assinala que “os direitos fundamentais correspondentes aos bens jurídicos pessoais valem como direitos de defesa (...) e proibições de intromissão ou agressão (...) por parte dos poderes públicos, só comportando as restrições consentidas por lei (reserva de lei) e preordenadas à salvaguarda de outros valores ou interesses constitucionalmente tutelados e contidas nas exigências de necessidade, idoneidade e proporcionalidade – e ressalvada sempre a intangibilidade do seu núcleo essencial.”.---
Da lei ordinária, concretamente, do Código de Processo Penal, importa-nos o disposto:---
(i) - no artigo 125º, onde se consagra o princípio da legalidade (e a regra da não taxatividade dos meios de prova) – “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”;---
(ii) - no artigo 126º, que se reporta aos métodos proibidos de prova, qualificando de nulas e considerando não utilizáveis, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular (nº 3);---
(iii) - no artigo 174º, que definindo pressupostos, estabelece que quando houver indícios que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada a busca.---
(iv) - no artigo 177º, que se reporta a buscas domiciliárias e em escritório de advogado, exigindo-se a intervenção de juiz.---
As buscas, enquanto meios de obtenção de prova, são instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova. Não são instrumentos de demonstração do thema probandi, são instrumentos para recolher no processo esses instrumentos.---
A regra é a de que as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência – cfr. artigo 174º, nº 3, do aludido diploma.---
Porém, os artigos 174º, nº 5 e 251º, do Código de Processo Penal, prevêem casos em que as buscas podem ser efectuadas sem autorização ou ordem das autoridades judiciárias e o artigo 177º, contém disposições especiais aplicáveis à busca domiciliária, em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento oficial de saúde.---
No tocante às buscas domiciliárias (apenas estas nos importam) podem ser ordenadas pelo juiz e pelo Ministério Público e ser efectuadas por órgão de polícia criminal, mas em condições estritas que constam do artigo 177º, do Código de Processo Penal.---
Podem ser ordenadas pelo juiz e realizadas: a) entre as 7 e as 21 horas, sem limitações – artigo 177º, nº 1; b) entre as 21 e as 7 horas, nos casos de (i) terrorismo ou criminalidade violenta ou altamente organizada; (ii) com consentimento do visado, documentado por qualquer forma; (iii) em flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior no seu máximo a três anos – artigo 177º, nº 2. Podem ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal: a) entre as 7 e as 21 horas, nos casos de (i) terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; (ii) em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; (iii) aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão – artigo 177º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Penal; b) entre as 21 e as 7 horas, nos casos de (i) consentimento do visado, documentado por qualquer forma; (ii) flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos.---
Quando a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação – cfr. artigo 177º, nº 6, do Código de Processo Penal. A validação respeita á verificação dos pressupostos e dos requisitos da validade da busca. A recusa da validação tem como efeito a proibição de prova, nos termos do estatuído no artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal.---
Ora, no caso dos autos, como muito bem elucida o aresto revidendo, e os autos o demonstram e comprovam, no dia 25 de Maio de 2010, os arguidos foram detidos, em flagrante delito, pela prática de crime de furto qualificado e de crime de furto de uso de veículo – cfr. auto de notícia de fls. 5 a 11. Em tal ocasião, foram os detidos constituídos arguidos e tomado aos mesmos termo de identidade e residência – cfr. fls. 28 e 29 e 32 e 33.---
Na sequência da detenção, da constituição como arguido e prestação de termo de identidade e residência, foram realizadas buscas aos domicílios dos arguidos – cfr. fls. 45 a 48 e 79 –, domicílios cuja respectiva morada foi pelos mesmos indicada, em todos aqueles termos, e que foi também a que ofereceram aquando do respectivo interrogatório judicial (nesta ocasião devida e previamente prevenidos da obrigação de responderem com verdade às perguntas sobre a sua identidade e antecedentes criminais) – cfr. fls. 159 e 163. Os arguidos assinaram as declarações, datadas de 25 de Maio de 2010, que constam de fls. 43 e 78 dos autos, com o seguinte teor: «Eu (…), abaixo assinada, declaro nos termos do Art.º 174º, nº5 alínea b) do C. P. Penal, que autorizo elementos da Guarda Nacional Republicana de Olhos D`água, a passar uma “Busca Domiciliária” à minha residência, sita em (…), com vista a possível apreensão de artigos relacionados com furtos.».---
O arguido LC vem na sua peça recursiva invocar, uma vez mais, que o consentimento que prestou não foi para a morada em que a busca se realizou e, por força dessa invocação, arguir uma proibição de prova.---
Ressalvado o devido respeito, não vislumbramos mais argumentos, que os articulados na 1ª instância [“(…) aquilo que decorre dos autos é que os arguidos, desconhecedores da real identificação e pormenor das respectivas moradas, limitaram-se a fornecer a morada que conhecem como sua, aquela que lhes permite identificar, no seu dia-a-dia, a respectiva casa, acontecendo com frequência que uma pessoa de entendimento mediano nem sempre sabe, de cor, dos elementos integrais da respectiva morada, códigos postais ou números de telefone pessoais. Nada de estranho, neste aspecto. Aliás, compulsados os autos, verifica-se que o arguido LC deu, na autorização de busca, a fls. 78, a morada que consta do auto (chamando apenas de Edifício Galeão ao prédio) localizada na Rua (…) em Albufeira e deu, na sua identificação em primeiro interrogatório judicial (fls. 163) essa morada, precisando que era o nº 37 e porta 22, tal como consta do auto de busca a fls. 79. Ora, esta foi a morada que foi objecto efectivo de busca, precisando-se no local os elementos concretos através de fotografias desde logo (veja-se fls. 80 a 83), como decorre da normalidade das coisas, aliás, tendo o arguido acompanhado a diligência, cujo auto, além disso, não foi sequer impugnado naquele interrogatório ou posteriormente no processo. Ao vir dizer que o nº 37 é um café e não existe porta 22, os CTT limitaram-se a concretizar a informação postal formal que identifica, para esses mesmos efeitos, a casa. Nada mais do que isso. Como bem se compreende, uma vez que o arguido, ao dar exactamente a morada indicando o nº 37 e porta 22 ao juiz de instrução, em interrogatório judicial, obrigado que estava ao dever de verdade e, como se disse antes, a menos que tenha querido, deliberadamente, cometer um facto crime, certamente não se retira daqui senão a conclusão de que o arguido indicou mal uma morada que também conhecia mal. E esta conclusão é tanto mais certa quanto o arguido, acompanhando a busca (fls. 79), podia ter dito que a casa buscada não era a sua, não o tendo feito então e nem depois.(…)”], e assaz documentados, como supra se enunciou, que possam convencer o recorrente da sua sem razão, pondo termo a tergiversar sobre se a casa buscada era ou não a da sua residência. Da leitura dos autos, designadamente das indicadas peças processuais, apenas podemos concluir que a busca levada a cabo pela G.N.R. de Olhos D`Água, no dia 25 de Maio de 2010, foi efectivamente realizada na morada indicada pelo arguido, como sendo a da sua residência e ademais por ele expressamente consentida e acompanhada. Nem naquele momento, nem em sede de interrogatório judicial, acompanhado por profissional forense, suscitou qualquer dúvida ou ensombramento sobre a busca domiciliária realizada.---
Assim, impõe-se sem necessidade de outros considerandos, concluir pela plena validade da busca efectuada no domicílio do arguido Lourenço Cordeiro.---
O arguido CG vem também ele invocar a nulidade da busca domiciliária efectuada, invocando, um vez mais, que não estava constituído arguido, não foi assistido nem por intérprete, nem por profissional forense, que o consentimento prestado não pode ser havido por válido e eficaz porque não compreende (nem se faz compreender) a língua portuguesa e a busca foi realizada noutro lugar que não a residência do arguido. Conclui pela verificação de uma proibição de prova.---
Tais fundamentos foram esgrimidos pela 1ª instância, nos seguintes termos: [“(…) O auto de notícia de fls. 5 (…) começa por, (…), noticiar um furto e detenção de duas pessoas (os arguidos) em flagrante. Refere o mesmo auto que, em face da falta de identificação de um deles (o arguido C), foi contactada a sua companheira, cuja identificação ali se faz (obviamente com recurso a informações do mesmo arguido) e que, deslocando-se esta ao posto (certamente porque percebeu que o devia fazer), apresentou o passaporte do arguido C. Nesta sequência, verificado que o passaporte estava cancelado, os militares contactaram o Consulado. Desta comunicação existe um registo claríssimo a fls. 135, em que o próprio Consulado refere ter já falado com o arguido e, de acordo com as informações deste, confirmando que essa pessoa corresponde ao cidadão cuja identidade consta desse passaporte. Ora, esta informação conjugada com a que consta do depoimento do militar J que referiu que ambos os arguidos prescindiram da presença de advogado, não deixa dúvidas sobre o facto de terem sido assegurados ao arguido o contacto com o Consulado e os direitos de defesa imediatos, havendo que aceitar que os diálogos foram estabelecidos, como refere o mesmo militar, por um colega que falava a língua inglesa, tanto mais quanto foi possível à GNR localizar, contactar e falar com a sua companheira que compareceu, na mesma madrugada, no posto da GNR. Assim como dali se retira que a autorização de busca, mesmo em língua portuguesa, foi validamente dada, aliás pelo mesmo arguido e pela sua companheira que, inclusivamente, foi assistida por advogado, conforme resulta de fls. 72 dos autos. Daqui resultam ainda outros elementos importantes. O arguido indicou, como residência, a morada constante da sua constituição de arguido (fls. 28) e que é exactamente a mesma que consta da autorização de busca, e da identificação da sua companheira, ou seja, coincidindo literalmente com a morada que a sua companheira E deu como morada de ambos, deu na sua autorização de busca e, finalmente, deu na constituição de arguida já assistida por advogado, conforme fls. 43, 44, 45 e 73 destes autos. Mais do que isso, esta morada que tantas dúvidas suscita à defesa, é exactamente a mesma que o mesmo arguido, perante Juiz de instrução e obrigado ao dever de verdade quanto a esses elementos, assistido por advogado, deu no primeiro interrogatório judicial a fls. 159 ((…). Como foi a mesma que a sua companheira, nas mesmas circunstâncias, deu ao Ministério Público (fls. 142). Como tal, podemos daqui retirar duas coisas distintas: primeira, que o arguido teve assegurados todos os direitos constitucionais, sem excepção, aceitando-se as declarações da testemunha da GNR (sem qualquer interesse nos autos) no sentido de que as conversações foram mantidas em língua inglesa (pois que, de outro modo, como perceberiam arguido e companheira o que lhes era pedido?), foi inclusivamente contactado o SEF (que ordenou a detenção do arguido por permanência ilegal – fls. 136) e o respectivo Consulado, nunca tendo este arguido antes (…) invocado qualquer atropelo de regras processuais ou nulidade; segunda, que a morada que deu para constituição de arguido, para autorizar a busca, para identificação perante o Juiz, seja antes e depois de ter Advogado nomeado, foram uma e a mesma, aliás, a mesma também que a sua companheira deu em todas as diligências a que foi presente, sem e já com advogado nomeado. Talvez porque houve necessidade de, precisamente, completar aquelas indicações – que são, repita-se, da exclusiva autoria de ambos -, a GNR fotografou a casa aquando da busca e precisou a morada que, no entanto, não deixa de ser a mesma. Além disto, são os CTT que, a fls. 706, vem dar a informação de que, nessa morada, importa precisar a letra correspondente à fracção e que fica em S. Rafael. Ora, a menos que o arguido e companheira, deliberadamente tenham querido praticar o crime a que aludem os arts. 141º, nº 3 do CPP e 359º, nº 2 do CP, não se vê como pode agora a defesa vir invocar que a morada buscada não é a do arguido quando, do acervo processual, resulta inequívoco que a morada foi dada, a GNR foi à mesma, onde estavam pertences do arguido, acompanhando a diligência a outra moradora no local, sua companheira, sendo essa exactamente a mesma que consta do auto de fls. 45 e que as fotografias de fls. 49 a 67 vieram apenas precisar. Buscas essas, aliás como as detenções, que foram validadas pelo Juiz de instrução em primeiro interrogatório, sem que tenham sido objecto de qualquer requerimento (então oportuno) de nulidade ou recurso (já que o recurso foi interposto sim, mas da medida de coacção). (…).”].---
Ante o expendido na 1ª instância e devidamente informado nos autos, vejamos:---
Afigura-se-nos incontornável que o arguido CG aquando da busca realizada já havia sido constituído arguido. Aliás, se o não tivesse sido teria a qualidade de suspeito (entendido este como “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar.” – cfr. artigo 1º, alínea e), do Código de Processo Penal) – e, por conseguinte, não era sujeito processual titular de direitos e sujeito a deveres processuais especiais (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. I, Editorial Verbo, 5ª edição, 2008, pág. 286), falecendo, por isso, desde logo, que tivesse em tal acto de busca que ser assistido por profissional forense.---
Afigura-se-nos, igualmente incontornável, que a constituição como arguido de indivíduo sobre quem recaiam suspeitas da prática de ilícitos criminais importa um conjunto de direitos e de deveres processuais entre os quais o de, sendo estrangeiro e desconhecedor da língua portuguesa, ser assistido por defensor em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, e de lhe ser nomeado intérprete – cfr. artigos 57º, nºs 1 e 2, 58º, nºs 1, alíneas c) e d) e 2, 61º, 64º, nº 1, alínea c) e 92º, nºs 1, 2 e 3, todos do Código de Processo Penal. Porém, se a falta de defensor, quando ela é obrigatória, gera uma nulidade insanável, nos termos prevenidos no artigo 119º, alínea c), do citado diploma, a falta de nomeação de intérprete é sancionada como nulidade dependente de arguição, ou seja, nulidade sanável, como preceituado no artigo 120º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal. E, acompanhando o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.01.2009, proferido no processo 275/08.7GBVNO-A.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc. “(...) Não sendo razoável que a invocação desta nulidade tenha de ser efectuada até ao termo do acto a que o visado assistiu sem intérprete [sob pena de completo esvaziamento da tutela pretendida] mas isto apenas nos casos em que não está presente o defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se, para eles, a aplicação da regra geral de arguição de nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias, (art. 105º, nº 1, do C. Processo Penal), a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 85). Desta forma, a nulidade sanável prevista no art. 120º, nº 2, c), do C. Processo Penal não significa uma compreensão e muito menos, intolerável, do direito constitucionalmente garantido ao processo equitativo, nem restrição inadmissível dos direitos de defesa, constitucionalmente assegurados nos arts. 20º, nº 4, e 32º, nº 1, da Lei Fundamental.”.---
Vale o exposto por se afirmar, ponderando a factualidade constante dos autos, que a invocada nulidade por falta de nomeação de intérprete uma vez que não foi arguida até ao termo do acto de busca, nem nos 10 dias subsequentes ao interrogatório judicial, realizado no dia 26.05.2010, e no qual foi o arguido assistido por defensor (e intérprete) – cfr. fls. 159 a 162 –, se mostra sanada. Acresce que, in casu, dúvidas não se nos suscitam (pelas razões supra transcritas) que os diálogos havidos entre o arguido CG e o órgão de polícia criminal, aquando da sua detenção, e com vista quer à sua constituição como arguido, quer à prestação do termo de identidade e residência, quer ao consentimento prestado para realização da busca em causa, o foram em língua inglesa, desempenhando funções de “intérprete” o militar da G.N.R. Tiago Silva, conhecedor daquela língua (e que não interveio na investigação em causa), concluindo-se assim, de forma que não se nos afigura arrojada, nem contendora dos direitos e garantias do arguido, outrossim sensata, que o consentimento dado pelo arguido CG para a busca resultou de um processo de formação livre e esclarecida da vontade, tendo o arguido entendido claramente o significado de tais actos, designadamente o significado da assinatura que apôs na mencionada autorização de busca domiciliária, constante de fls. 43 dos autos. E, pelas razões acima referidas para semelhante invocação por banda do arguido L, somos também do entendimento que a busca realizada e consentida pelo arguido CG, foi efectivamente efectuada na morada correspondente à da sua habitação e de sua companheira E.---
Diferentemente, na senda do que afirmámos, a busca enquanto acto processual, que se traduz em meio de obtenção de prova, relativo a arguido estrangeiro desconhecedor da língua portuguesa tem que ser obrigatoriamente assistido por defensor, sob pena de nulidade insanável – cfr. artigos 64º, nº 1, alínea c) e 119º, alínea c), do Código de Processo Penal.---
Ora, in casu, lamentavelmente, tal assistência/representação não aconteceu, sendo irrelevante, salvo o devido respeito por melhor opinião, a afirmação (como feita no acórdão revidendo) que o arguido prescindiu da presença de defensor (o que não se mostra de alguma forma documentado pelo punho do mesmo e resulta, tão só, do teor do depoimento prestado pelo militar da G.N.R., Sérgio Jerónimo). É que, tratando-se de assistência obrigatória de defensor em acto processual relativo a arguido desconhecedor da língua portuguesa, a constituição ou nomeação (não ocorrendo aquela) de profissional forense, por ser legalmente imposta, não está sequer na disponibilidade do arguido tê-la ou não: se o arguido não tiver constituído defensor, ser-lhe-á nomeado um, quer o requeira ou não, quer se oponha ou não à nomeação. Bem se compreende que assim seja se atentarmos que “A obrigatoriedade de defensor em certos actos do processo penal tem sobretudo uma função de garantia, de controlo da legalidade dos actos e de assistência técnica ao arguido para que este possa estar bem informado dos seus direitos e deveres processuais e das consequências jurídicas dos seus actos. É do interesse da Justiça que o arguido possa desenvolver a mais ampla defesa, pois que o que se busca no processo é acima de tudo a realização da justiça.” – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, ob.cit., vol. I, pág. 312.---
E, por força do que se deixa expendido, ressalvado sempre o devido respeito, o que está in casu em causa não é a busca domiciliária em apreço ser uma “proibição de prova”, posto que os pressupostos da sua admissibilidade se verificaram – busca domiciliária efectuada por órgão de polícia criminal com o consentimento do visado titular do direito à inviolabilidade do domicílio (cfr. artigos 174º, nº 2 e 177º, nºs 2 e 3, alínea b), do Código de Processo Penal) –, mas antes as consequências de uma nulidade verificada – ausência de defensor em acto processual de arguido que não domina a língua portuguesa e em que a lei estabelece a obrigatoriedade da presença – e que é qualificada como insanável, nos termos prescritos, como já referido, nos artigos 64º, nº 1, alínea c) e 119º, alínea c), do citado diploma.---
As proibições de prova [ou proibição de produção de prova] são verdadeiras limitações, ou prescrições de limite, à descoberta da verdade material. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. II, pág. 138, “É manifesto que com a proibição de prova se pode sacrificar a verdade, já que a prova proibida, seja qual for a causa da proibição, pode ser de extrema relevância para a reconstituição do facto histórico, pode mesmo ser a única. Um facto pode ter de ser julgado como não provado simplesmente porque o meio que o provaria não pode ser utilizado no processo, porque é um meio de prova proibido e, por isso, não admissível para formar a convicção do julgador. Simplesmente (…) não se propõe a busca da verdade absoluta e por isso não se admite que a verdade possa ser procurada, usando de quaisquer meios, mas tão-só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis.”. A proibição de prova origina, sempre, uma proibição de valoração de prova. Mas a proibição de valoração de prova não pressupõe a proibição de prova [a proibição de produção de prova]. Como refere Carlos Adérito Teixeira, in “Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas”, Revista do C.E.J., 1º Semestre 2008, nº 9 (Especial) – Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, pág. 292 e 293, “(…) as proibições de prova são invalidades que dispõem de uma causa específica (vício) e de um efeito específico (consequência): ao nível da causa, representam limitações à descoberta da verdade material por a sua violação constituir colisão de direitos fundamentais ou de (…) garantias de defesa do arguido; ao nível do efeito, as provas proibidas estão atingidas por uma inutilizabilidade, quer endoprocessual originária quer externa.”.---
A lei processual penal, no artigo 118º, onde se reporta ao princípio da legalidade que consagra no domínio da violação ou inobservância das suas disposições, expressamente ressalva do regime das nulidades as normas relativas a proibições de prova. O artigo 126º, do Código de Processo Penal disciplina nos seus nºs 1 e 2 as provas absolutamente proibidas e no nº 3 as provas relativamente proibidas. As primeiras nunca podem ser utilizadas e as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a intromissão nos direitos tutelados, isto é, desde que respeitadas as regras da sua admissibilidade.---
Diferentemente, a apontada ausência de defensor em acto processual de arguido desconhecedor da língua portuguesa, parece tratar-se de uma concreta e específica regra de produção de meio de prova cuja violação a lei sanciona com nulidade insanável.---
E, nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, do Código de Processo Penal, “As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles que puderem afectar.”.---
Assim, forçoso é concluir que a verificada nulidade insanável por ausência de defensor no acto processual de busca realizado no domicílio do arguido CG, desconhecedor da língua portuguesa, torna nulo o meio de obtenção de prova em que a busca domiciliária se consubstanciou e bem assim o meio de prova que permitiu recolher no processo e em que se concretizou, a apreensão do material descrito a fls. 45 a 48 dos autos. Parece-nos inequívoca a dependência causal e necessária, lógica e jurídica, entre o acto viciado (ausência de defensor na busca quando legalmente imposta) e o que dele depende (a apreensão) – cfr. nº 2, do mencionado artigo 122º.---
Declarada a nulidade da busca assim efectuada e também do meio de prova através dela obtida, quid juris no tocante à decisão revidenda e aos poderes deste Tribunal ad quem?---
Dispõe o artigo 379º, do Código de Processo Penal, que:---
“1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artigo 414º.”.---
Dúvidas não se suscitam que a sentença fundada em provas nulas (provas insanavelmente nulas ou provas cuja nulidade seja sanável, mas não deva considerar-se ainda sanada) é, também ela, nula nos termos do estatuído no mencionado artigo 122º, nº 1, do Código de Processo Penal.-
Por seu turno, resulta do disposto nos nºs 2 e 3, do mencionado preceito que “A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, (…)”, sendo que “Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.---
Do exposto nos mencionados preceitos poderia inculcar-se a ideia de que, declarada por este Tribunal ad quem a nulidade da sentença por força de nulidade de prova em que a mesma se fundamentou, desde logo se imporia ao Tribunal a quo a prolação de nova decisão expurgada, então, da prova declarada nula.---
Constituiu, porém, princípio geral, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, que as Relações conhecem de facto e de direito.---
E, de acordo com o preceituado no artigo 431º, do Código de Processo Penal, “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: (a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; (b) se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do artigo 412º; ou (c) se tiver havido renovação da prova.”.---
Nestes termos, em face do preceituado nos artigos 428º e 431º, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, tendo ainda em vista o disposto no artigo 363º, do citado diploma, somos da opinião que:---
(i) - excluindo a valoração do meio de obtenção de prova e meio de prova cuja nulidade foi declarada;---
(ii) - contendo o processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base (não se descortinando outros que o Tribunal a quo não tivesse e devesse ter valorado e/ou que pudesse produzir e valorar);---
(iii) - havendo impugnação alargada da matéria de facto nos termos do estatuído no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, por banda do arguido Chad Goodall (que impugna todos os factos cujo cometimento lhe é imputado à excepção daqueles por que foi detido em flagrante delito); e ---
(iv) – precedendo audição da prova gravada, ---
impõe-se-nos, em conformidade com o que deixámos expendido, modificar a decisão sobre a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.---
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – cfr. artigo 341º, do Código Civil –, constituindo objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e, ainda, os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil, se tiver sido formulado pedido nesse sentido – cfr. artigo 124º, do Código de Processo Penal.---
Como refere Marques Ferreira, em “Jornadas de Direito Processual Penal”, pág. 227, a propósito do princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, deve o mesmo ser entendido como o dever de “(…) perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação da prova há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controle”.---
Ou, como se lê em Paulo Pinto Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica, 3ª ed., pág. 328, “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão.”. Tal princípio tem, portanto limites: limites endógenos, relativos ao exercício da apreciação da prova e que condicionam o próprio processo de formação da convicção e da descoberta da verdade material e exógenos, no sentido que condicionam o resultado da apreciação da prova. De entre os primeiros, refira-se o grau de convicção requerido para a decisão, a proibição de meios de prova e a observância do princípio da presunção de inocência; e dos segundos, a observância do princípio in dubio pro reo – cfr. ob. e loc. citados.---
Citando uma vez mais o Prof. Germano Marques da Silva, in ob. cit., vol. II, 4ª ed., pág. 151, “Com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim. A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre «uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros».
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir de factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há-de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.”.---
A verdade que se busca em processo penal é o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificadamente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtido por meios válidos. “A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida.
A lei processual não impõe a busca da verdade absoluta, e, por isso também, as autoridades judiciárias, mormente o juiz, não dispõem de um poder ilimitado de produção de prova. O thema probandi vai sendo delimitado em cada fase processual e limitados são também os meios de prova admissíveis no processo, os métodos para a sua obtenção e o momento e forma da sua produção: a verdade obtida com tais limitações nos métodos e meios há-de ser, por isso, também apenas uma verdade histórico-prática, uma determinação humanamente objectivada de uma realidade humana.” - cfr. Prof. Germano Marques da Silva, ob. supra citada, pág. 130 e 131.---
Certo é que para além das provas directas, existem as denominadas provas indirectas que tal como as primeiras podem ser suficientes para alicerçar a certeza necessária à condenação.---
A prova indirecta (ou indiciária) não tem estatuto de menoridade relativamente à prova directa, pois se na prova indirecta intervém a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência o que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa poderá intervir um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do depoimento de uma testemunha.---
Acresce que a nossa lei penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.---
Ou seja, na prova directa tal como na prova indirecta intervém o princípio da livre apreciação consignado no artigo 127º, do Código de Processo Penal que implica a avaliação da prova e das condicionantes da sua produção segundo as regras da experiência.---
Contudo, essas denominadas provas indirectas ou indiciárias, na terminologia dos doutrinadores espanhóis (sobre a prova indiciária em processo penal veja-se com interesse, “La Mínima Actividad Probatória en el Proceso Penal”, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda Estrampes, páginas 231 a 249), devem ser usadas com particular cautela, a fim de evitar erros judiciários com consequências tanto mais devastadoras quanto maior for a gravidade dos factos objecto de julgamento.---
A utilização deste tipo de provas exige, em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários, distinguindo-se os casos de pluralidade aparente dos casos de efectiva pluralidade, em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes e, em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios, isto é, importa que tais indícios sejam inequívocos.---
Com efeito, a verdade em direito é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directamente ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto. E quando a base do juízo de facto é indirecta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros.---
Daqui decorre que não é decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente. Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.---
Sobre o tema da prova indiciária, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-9-2007, proferido no processo 07P4588, disponível em www.dgsi.pt, “(…) Vejamos que o indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-juridico intelectual necessário antes que se gere a impunidade. (…) E sobre a prova indiciária (…) entende-se, ainda, que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso. Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.”.---
Tendo em consideração estes ensinamentos e expurgando a decisão revidenda da valoração do meio de obtenção de prova (busca realizada no domicílio do arguido CG) e do meio de prova (apreensão ali efectuada), declarados nulos e atentando que: (i) como se afirma no aresto revidendo, os arguidos usaram da faculdade de não prestar declarações em julgamento sobre os factos cujo cometimento lhes era imputado, e apenas as prestaram sobre a actualidade dos elementos constantes dos relatórios sociais, que aceitaram, o que vale por dizer que apenas as prestaram no tocante à condição pessoal e sócio-económica de cada um e que (ii) como também decorre do afirmado no aresto revidendo, em sede de fundamentação da matéria de facto e da enunciação dos meios de prova valorados e explicitação do processo de formação da convicção e raciocínio desenvolvido, com excepção da subtracção que motivou a detenção dos arguidos em flagrante delito, nenhuma prova directa foi produzida no que respeita ao envolvimento dos arguidos nos demais factos que se encontram traduzidos no acórdão recorrido.-
Para concluir no sentido ali explanado da autoria dos arguidos nos eventos objecto do processo (repete-se, com excepção dos factos relativos à subtracção ocorrida no estabelecimento “Água de Coco”), o Tribunal a quo apoia-se em ilações que retira da análise de prova (indirecta), quer por depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, quer por declarações dos demandantes, posto que nem uma, nem outra é presencial dos factos, mas apenas de algumas das suas circunstâncias relevantes, quer da análise da prova por documentos, autos, perícias, fotografias e informações juntas, que enuncia e descrimina, concluindo nos termos ali constantes.---
E, impõe-se afirmar que, ressalvada a valoração indevida do meio de obtenção de prova e meio de prova ora declarados nulos, a restante prova produzida, mostra-se examinada e valorada na decisão revidenda em moldes que não são merecedores de qualquer crítica ou censura, outrossim, diga-se, de forma muito criteriosa, exaustiva e abundante.---
E porque assim, cremos que, com base nas regras de experiência, exactamente o que os elementos indiciários valorados pelo Tribunal a quo permitem é, tão só, sustentar a conclusão, para além de qualquer dúvida razoável, que os arguidos apenas se constituíram agentes dos factos que seguidamente se enunciam e só de tais factos. É que inutilizada a apreensão resultante da busca efectuada na habitação do arguido CG, a prova produzida na 1ª instância apenas consente, sem qualquer dúvida, “colocá-los” nos factos relativos às subtracções ocorridas nos dias 20 de Abril de 2010, no estabelecimento comercial “Óptica Lúcia”, no dia 4 de Maio de 2010, na residência da “Urbanização Monte Funchal” e no dia 25 de Maio de 2010, no estabelecimento “Água de Coco”.---
Em face do que se deixa exposto, decide-se modificar (suprimindo e alterando) a decisão sobre matéria de facto dada como provada e constante da decisão revidenda nos termos seguintes:---
Em hora não concretamente apurada, do dia 20 de Abril de 2010, entre as 00 horas e as 01.20 horas, os arguidos CG e LC, em conjugação e comunhão de esforços e interesses, dirigiram-se ao estabelecimento comercial “Óptica Lúcia”, sito na Guia, Albufeira.---
Chegados ao local, partiram, por meios não concretamente apurados, a parede das traseiras do referido estabelecimento e, depois de arrancarem da parede o móvel que estava aparafusado à mesma, causando com isso prejuízos no valor de € 3 000,00 (três mil euros), introduziram-se no interior do estabelecimento.---
Retiraram desse interior e apropriaram-se, contra a vontade do seu dono, nomeadamente, dos seguintes objectos:---
- Cinco expositores com cadeado, contendo 16 pares de óculos de marcas diversas, no valor aproximado de 6.000€;---
- Seis pares de óculos graduados no valor de 1.200€;---
- Um telemóvel de marca Nokia (nº 92.7810383), no valor de 60€.---
Tais objectos perfaziam o valor total de € 7 260,00 (sete mil, duzentos e sessenta euros).
Aquele telemóvel foi utilizado, ainda nessa noite, às 02.42 horas, pelos arguidos, tendo sido estabelecida através dele uma ligação para o telemóvel da companheira do arguido CG, E (nº …).---
Alguns dos mencionados artigos foram recuperados no dia 25 de Maio de 2010, pelos militares da G.N.R. na busca que realizaram na casa do arguido Lourenço Cordeiro, designadamente cinco pares de óculos das marcas Ray Ban e Bulgari.---
Foram devolvidos ao seu legitimo proprietário os seguintes objectos:---
1) Um par de óculos de sol Gucci, no valor de 225€;---
2) Quatro pares de óculos de sol da marca Carolina Herrera, no valor de 920€;---
3) Um par de óculos de sol da marca Calvin Klein no valor de 230€;---
4) Um par de óculos de sol Gucci, no valor de 225€;---
5) Uma bolsa porta óculos da marca Carolina Herrera no valor de 10€;---
6) Uma bolsa porta óculos da marca Carolina Herrera no valor de 10€;---
7) Uma bolsa porta óculos da marca Marco Gucci no valor de 10€;---
8) Uma bolsa porta óculos da marca Just Cavali no valor de 10€.---
O valor dos objectos recuperados perfazia a quantia de 1.640€.---
Em hora não concretamente apurada do dia 4 de Maio de 2010, entre as 16.00 horas e as 16.30 horas, em conjugação e comunhão de esforços e interesses, os arguidos dirigiram-se à “Urbanização Monte Funchal”, lote 14 em Lagos, residência do ofendido M e administrada na sua ausência por J.---
Chegados ao local, por meios não apurados, introduziram-se pela janela do escritório da referida residência, causando com isso prejuízos de valor não concretamente apurado, introduziram-se no interior da mesma.---
Daí retiraram, apropriando-se deles, contra a vontade do seu dono, nomeadamente, dos seguintes objectos:---
1) Um computador portátil da marca Sony Vaio, no valor de 1.199€;---
2) Um cofre metálico, de valor não apurado, com quantia em dinheiro no seu interior de valor também não apurado e chaves do veículo BMW estacionado na garagem;---
3) Um veiculo automóvel, da marca BMW (modelo M3 Cabrio RL, de cor cinzenta e matrícula personalizada 77MG), no valor de, pelo menos, 75.000€.---
Aquando da detenção dos arguidos, na madrugada do dia 25.05.10, foi apreendida na posse do arguido CG uma chave do veículo referido e foi apreendido na residência do arguido LC o computador Sony Vaio, encontrando-se o mencionado veículo estacionado na rua da residência do primeiro arguido, tendo sido todos estes bens devolvidos ao seu proprietário.---
Feita a inspecção à viatura, no seu interior foi encontrada uma chave de fendas de características semelhantes àquela que foi apreendida na posse do arguido LC aquando da detenção.---
Realizada a recolha e perícia de lofoscopia ao mesmo veículo pelo LPC, foi identificado um vestígio correspondente ao arguido CG.---
No dia 25 de Maio de 2010, pouco antes das 1.50 horas, os arguidos, mais uma vez, em conjugação e comunhão de esforços e interesses, dirigiram-se à Rua 25 de Abril, em Albufeira, transportando-se no veículo automóvel Citröen, modelo Xsara, de matrícula (…), pertencente a A, onde se situa o estabelecimento comercial “Água de Côco”, pertença da ofendida M.---
Chegados aí, depois de forçarem e arrombarem, por meio não apurado, a grade metálica da respectiva montra e a própria montra, causando com isso prejuízos em valor não apurado, introduziram-se no interior do estabelecimento.---
Daí retirando então, apropriando-se deles e levando-os consigo, contra a vontade do
dono dos seguintes objectos:---
1) 17 pares de havaianas de senhora, de valor não apurado;---
2) 3 pares de chinelos Opanka, de valor não apurado;---
3) 4 pares de chinelos Opanka, de valor não apurado;---
4) 74 pares de havaianas de homem, de valor não apurado;---
5) 22 pares de havaianas de criança, de valor não apurado;---
Dentro do veículo, estava também:---
6) 2 pés-de-cabra;---
7) 1 chave de estrela de cor preta e amarela;---
8) 1 chapeu com os dizeres Peogeut;---
9) 1 chapeu com os dizeres SOMM;---
10) 1 fato-de-macaco de cor azul;---
11) 1 bidão de 5 litros contendo gasolina;---
12) 2 chaves, uma amarela e outra bege com os dizeres ORION;---
Tais objectos perfaziam o valor total não concretamente apurado.---
Após os arguidos terem feito seus os referidos artigos, que colocaram no interior da viatura em que se transportavam, e antes de abandonarem o local, foram interceptados por militares da G.N.R. de Olhos D’ Água, que ali foi chamada, procederam à sua detenção.---
Os arguidos foram detidos no interior da loja.---
Os objectos foram todos recuperados e entregues ao seu respectivo proprietário.---
Realizada a recolha e perícia de lofoscopia ao mencionado veículo pelo LPC, foi identificado um vestígio correspondente ao arguido CG.---
Ao actuarem da forma descrita, quiseram os arguidos subtrair os bens e valores que encontrassem nos locais, ainda que para isso necessário se mostrasse causar danos nos mecanismos de fecho ou acesso ao interior daqueles.---
Usavam, para o efeito ou para auxiliar nos arrombamentos, entre outras ferramentas, chaves de fendas, tendo sido apreendidos alguns exemplares dentro da viatura BMW citada, bem como na posse do arguido LC aquando da detenção.---
Agiram os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, de forma voluntária, livre e consciente, com o intuito de fazer seus os objectos referidos, apesar de saber que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem conhecimento e contra vontade dos respectivos donos, conformando com isso a sua actuação.---
Sabiam que tais condutas eram proibidas por lei.---
Em hora não concretamente apurada, mas situada entre as 08.00 horas do dia 26 de Abril de 2010 e as 00.18 horas do dia 27 do mesmo mês e ano, indivíduo ou indivíduos cuja identidade se desconhece, dirigiram-se ao parque de estacionamento projectado à Rua Francisco Sá Carneiro, em Lagoa, local onde o ofendido Fernando José Campos de Oliveira tinha estacionado o seu veículo automóvel de matrícula (…), da marca Mitsubishi, modelo Strakkar, de valor não inferior a 10.000€ àquela data.---
Chegados ao referido local, forçaram e arrombaram a porta do referido veículo, por meios não apurados, entraram no seu interior e, também de forma não concretamente apurada, colocaram-no em funcionamento e levaram-no consigo, apropriando-se do mesmo, contra a vontade do proprietário.---
O demandante F teve um prejuízo de 10.000€, que era o valor do seu veículo à data da descrita subtracção, não tendo pago a respectiva reparação por ser de valor superior ao valor do próprio veículo.---
Usava-o para o seu trabalho.---
Acresce à factualidade ora dada como assente por este Tribunal ad quem e supra enunciada, a factualidade sedimentada na 1ª instância nos seguintes termos (que transcrevemos):---
“Ambos os arguidos têm antecedentes criminais, tendo o arguido CG estado preso no Reino Unido, e o arguido LC, pelo menos, na Noruega, de onde foi deportado por esse facto.
Resultou, ainda, provado,
O arguido CG vem de uma família estruturada e economicamente equilibrada, tendo-se mudado para Inglaterra aos oito anos de idade onde o pai montou uma empresa com sucesso.
Estudou até aos 16 anos de idade, relacionando-se depois com grupos marginais e com o consumo de drogas que intensificou com a morte do filho que teve com a então companheira, pouco depois do nascimento, e aos 18 anos foi internado num centro de reabilitação.
Pouco depois voltou a casa e ao consumo de drogas, trabalhando com o pai mas mantendo relacionamento com grupos delinquentes, cometendo então um crime pelo qual cumpriu pena em Inglaterra.
Está em Portugal, pelo menos, desde Março de 2010, vivendo com a companheira.
Nunca exerceu em Portugal profissão declarada para efeitos de segurança social.
Não tem familiares em Portugal, permanecendo cá ilegalmente.
O arguido LC foi entregue em pequeno aos cuidados dos avós, devido às ausências em trabalho da mãe, tendo no entanto acompanhado esta para a Noruega quando para aí foi trabalhar.
Estudou até ao 9º ano de escolaridade, envolvendo-se com pares relacionados com o consumo de drogas, passando a viver sozinho aos 16 anos de idade.
Passou então a fazer frequentes deslocações entre a Noruega, a Suécia e a Dinamarca, acabando por ser expulso da Noruega após cinco condenações por crimes de furto ou roubo.
Tem pendente um processo neste Tribunal (32/10.0GAABF do 1º juízo) por crimes de ocultação ou profanação de cadáver, na forma tentada, e omissão de auxílio.
O último desconto que foi feito em seu nome para a segurança social é de Setembro de 2009 e referente ao período de 30 dias.
Os arguidos usaram, em julgamento, da faculdade de não prestar declarações sobre os factos imputados pela acusação.
Estão presos preventivos à ordem destes autos desde 26.05.10, data em que foram ouvidos em primeiro interrogatório judicial.”.---
Em consequência decide, ainda, este Tribunal ad quem aditar aos factos dados como não provados na decisão revidenda os seguintes:---
Que tenham sido os arguidos CG e LC, por alguma forma, os autores das subtracções descritas (e valoradas jurídico-penalmente) na decisão recorrida, referentes aos dias: no dia 12 de Abril de 2010, no estabelecimento comercial “Artisport”; no dia 22 de Abril de 2010, no estabelecimento de “Minimercado Santos”; no dia 26 de Abril de 2010, do veículo automóvel de matrícula (…), pertencente a F; no dia 27 de Abril de 2010, no estabelecimento comercial “Bricomania”; e no dia 30 de Abril de 2010, do veículo automóvel de matrícula (…), pertencente a P.---
Que a pistola semi-automática, marca “TANFOGLIO”, modelo GT.28, originalmente de calibre nominal 8mm e destinada a deflagrar munições de alarme, transformada/adaptada a disparar munições com projéctil de calibre 6,35 browning, com o nº D773?9 e a inscrição CAT4398 gravados no lado esquerdo do corpo, arma essa de origem italiana, com a superfície cromada e as falsas inscrições STA, made in Spain, Cal. 6,35, com carregador e 4 munições de calibre 6,35 browning, da marca “Sellier&Bellot”, de origem checa, era pertença do arguido CG.---
Em suma, por tudo o que se deixa exposto, importa afirmar que, por um lado, a impugnação alargada da matéria de facto a que o arguido CG procedeu na sua peça recursiva, pela apreciação efectuada nesta sede, por este Tribunal ad quem, se mostra prejudicado o seu conhecimento na precisa medida em que referido à factualidade ora dada como não provada e, por outro, no que respeita à factualidade cuja prova se entendeu dar como assente, pela valoração efectuada na 1ª instância, expurgada nos termos mencionados supra do meio de prova cuja nulidade foi declarada, e a cuja reapreciação se procedeu, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não merece, nessa precisa medida, provimento.---
De igual modo, no tocante ao alegado vício do artigo 410º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal por banda do arguido recorrente LC, não se detecta qualquer violação do favor rei, na medida em que se não verifica, nem demonstra que haja o Tribunal a quo resolvido qualquer dúvida contra o arguido.---
Como já se afirmou, expurgado o aresto revidendo da prova cuja nulidade foi declarada, conceda-se o mesmo encontra-se elaborado de forma coerente e lógica, com exame criterioso das demais provas produzidas.---
V
Atentando na decisão de direito (enquadramento jurídico-penal) da 1ª instância, em consequência da decisão da matéria de facto proferida por este Tribunal ad quem, importa, desde já, afirmar que a factualidade assente só consente a imputação aos arguidos recorrentes CG e LC de 3 (três) dos 8 (oito) crimes de furto qualificado por que foram condenados pelo Tribunal a quo, devendo, consequentemente, ser absolvidos da prática dos restantes e o arguido CG, bem assim, absolvido do crime de detenção de arma proibida por que foi, também, ali condenado.---
Precisando, com a qualificação jurídico-penal efectuada pelo Tribunal a quo, (apenas posta em causa pelos arguidos recorrentes no que toca ao furto no estabelecimento comercial “Água de Côco” e cuja apreciação procederemos mais adiante neste aresto), a factualidade ora assente apenas permite condenar os arguidos pelos furtos seguintes:---
1. Um crime de furto qualificado, na forma consumada, (no estabelecimento comercial “Óptica Lúcia”), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal;---
2. Um crime de furto qualificado, na forma consumada, (na residência da “Urbanização Monte Funchal”), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f), do Código Penal; e ---
3. Um crime de furto qualificado, (no estabelecimento comercial “Água de Côco”), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f), do Código Penal.---
Ora, é precisamente a qualificação jurídica deste crime que os arguidos recorrentes pretendem por em crise.---
Porém, ressalvado o devido respeito, não lhes assiste razão. Como bem discorreu a propósito o Tribunal a quo, “(…) mesmo no caso do estabelecimento Água de Côco deve considerar-se que o flagrante delito não importa conclusão diversa dos restantes, sendo certo que os arguidos tinham os bens da loja na viatura que usavam, portanto, já tinham retirado efectivamente da disponibilidade de facto do respectivo dono esses mesmos objectos, apropriando-se deles. Quanto ao mais, não lograram apropriar-se eventualmente de outros objectos, desconhecendo-se se o queriam efectivamente fazer já que o carro estava carregado, de todo o modo e por mero facto alheio à sua vontade, a intervenção inesperada da autoridade de investigação, sendo certo que não tinham consigo, na sua pessoa, outros objectos. Como tal, não se suscitam dúvidas ao Tribunal sobre a efectiva consumação deste crime, também.”. E assim é. Na verdade, há muito tem sido entendimento da nossa jurisprudência que, no crime de furto, a consumação é formal ou jurídica, dependendo tão só do preenchimento de todos os elementos típicos do crime e já não da sua consumação material, isto é, do aproveitamento do ilícito praticado. O crime de furto traduz-se num ilícito instantâneo, que ocorre logo que se verifica o elemento subtracção da coisa móvel alheia. Desta forma, a detenção pertinente ao furto dever-se-á considerar realizada, para efeitos de consumação, quando o agente passa a controlar de facto a coisa, passa a tê-la no seu domínio. Por isso, não é necessário, para que ocorra a consumação do furto, que o agente tenha o objecto subtraído em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, ainda que transitório. Assim, quanto à emergência do exigível elemento subtracção para a verificação do crime de furto, pode o mesmo definir-se como a violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objecto ou de dele dispor e a sua substituição pela do agente. Isto é, a consumação do furto ocorrerá no momento em que a coisa deixa de estar sob o poder de detenção ou guarda do sujeito passivo (o ofendido) e se transfere para a esfera jurídica do agente – cfr., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.02.1998, in C.J. (STJ), 1998, Tomo I, pág. 208, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.06.1987, in C.J., 1987, Tomo III, pág. 54 e do Tribunal da Relação do Porto, de 25.03.1987, in C,J, 1987, Tomo II, pág. 257.---
E, assim sendo entendido, não se mostra adequada a ilação dos arguidos recorrentes ante a factualidade assente na 1ª e nesta instância. Por conseguinte, concluímos, na senda do expendido no aresto recorrido que também o crime de furto qualificado perpetrado pelos arguidos no estabelecimento comercial “Água de Côco” o foi na forma consumada.---
Uma breve referência para a actuação dos arguidos, sufragando o expendido no aresto revidendo a este propósito e sem necessidade de outros considerandos, ser, decididamente, uma actuação em co-autoria material, mostrando-se inequivocamente que os mesmos actuaram em conjugação de esforços e intentos e sendo sabido que a co-autoria material, nos termos do artigo 26º, do Código Penal, traduz-se em o agente tomar parte directa na execução do facto, por acordo (expresso ou tácito) ou juntamente com outro ou outros, como o demonstra a factualidade assente.---
No tangente às penas (parcelares) fixadas pelo Tribunal a quo e com referência aos aludidos três crimes de furto qualificado na forma consumada imputados aos arguidos. Vejamos:---
A propósito da determinação do quantum das penas parcelares a aplicar aos arguidos foram ponderadas pelo Tribunal a quo as seguintes circunstâncias: “(…) Tendo em atenção as molduras penais abstractas, há a ponderar entre as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, contam a favor e contra os arguidos: quanto à execução dos factos: o elevado grau de ilicitude dos mesmos, assentes em processos decisórios autónomos, consequentes também, sem que umas circunstâncias tenham demovido à decisão sobre as demais; quanto ao dolo: o dolo directo e intenso de qualquer deles e por parte de ambos os arguidos, sem distinção; quanto às condições pessoais: o facto de serem os arguidos pessoas que não demonstram estarem integradas socialmente, não lhes sendo conhecida profissão estável em Portugal nem modo de vida, não mantendo aqui qualquer enquadramento familiar de suporte ou vontade de trabalhar licitamente; quanto à personalidade: os arguidos revelam-se como pessoa de formação normal e capacidade para distinguir o bem do mal, como revelam os relatórios sociais juntos; quanto ao comportamento anterior e posterior: a falta total de assunção das responsabilidades pelos arguidos, que nem sequer quiseram esclarecer ao Tribunal os factos que eram evidentes, o desinteresse total na colaboração com a Justiça, a falta absoluta de manifestação de sentimentos de auto-censura, bem como o facto de terem ambos antecedentes criminais; enfim, a culpa acentuada de ambos os arguidos em qualquer das circunstâncias, sem que se mostre justificada ou diminuída em qualquer delas. (…)”.---
Sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena – artigo 71º, do mesmo Código –, apenas se dirá de forma resumida, reproduzindo o Professor Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, que “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.---
Ora, atentos os factos julgados provados, o bem jurídico protegido pelas incriminações, e as indicadas circunstâncias, não se vê no conspecto sedimentado no Tribunal a quo, qualquer margem para a pretendida afirmação de que a medida da culpa dos arguidos foi excedida, figurando-se as penas (parcelares) doseadas em medida adequada aos factos apurados e ademais temperadas com equilibrado critério.---
Nestes termos, cremos que é de manter as penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo, fixadas em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um dos três crimes de furto qualificado, posto que não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa –, antes se mostram adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa dos arguidos.---
Por fim, no que tangente à fixação da pena única, como se diz no aresto revidendo “(…) O sistema penal português, assentando no pressuposto da ressocialização do indivíduo, convive pacificamente, e estimula, as situações de cumprimento de pena em que se responsabilize o indivíduo pelo passado que não deveria ter tido e o futuro que a ordem jurídica e social desejam que tenha. Sem pudores, sem subterfúgios, a nossa Legislação abre mão da vingança social, para assentar na renovação do indivíduo, investindo-se assim indirectamente na humanidade de todos nós, na busca de uma sociedade que reinvista a justiça e justeza de julgamento num futuro melhor para todos e com todos. Procurando a pacificação social, o Legislador deixou ao critério prudente de quem julga a fixação da pena concreta, porque deve assim ser, porque só assim se entende. Esta faculdade, ao contrário de estimular a arbitrariedade, exige ponderação, equilibrio e responsabilização. Porque, afinal, o que aqui se decide implica com a vida de todos.A Jurisprudência (…) vem adoptando dois critérios fundamentais de avaliação de situações de crimes concursais para fixação de pena única, critérios esses que, não pretendendo ser o todo que espartilha cada uma das suas partes, servem de guia, de pêndulo ou prumo, como pontos de partida de onde possa retirar-se, por um lado a certeza e segurança judiciárias e, por outro lado, a homogeneidade que respeite o princípio da igualdade, tal como vem sendo constitucionalmente entendido. Estes critérios, partindo da pena mais alta aplicada - e que é a pena mais alta das penas que estejam em concurso -, pode variar entre a ponderação do terço ou metade de cada uma das demais que, além daquela, garantam o mínimo da prevenção relativamente àquele indivíduo em concreto. Tendo em conta a relação concursal destes ilícitos, atentos os critérios apontados do artº 77º do CP, e a necessidade de fixar a pena única aos arguidos, entende o Tribunal que esta pena única deve reflectir a anti-socialidade e danosidade social dos comportamentos, a que nada acresce que possa ponderar-se a favor da personalidade dos arguidos que bem caracterizada ficou, bem como ponderando a natureza dos antecedentes criminais (…)”, e consequentemente decide-se, nesta instância, entre o máximo da moldura de cúmulo in casu dez anos e seis meses de prisão (soma das penas parcelares concretas) e o seu mínimo, três anos e seis meses de prisão (pena mais alta do concurso, sendo que no caso em apreço são todas iguais), fixar as penas únicas concretas em que cada um dos arguidos recorrentes fica condenado, respectivamente, em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.---
E, o que se deixa decido, não afronta o princípio da igualdade, porquanto “a proibição do arbítrio que constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo, estipulando que nem o que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem o que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. E, nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes” – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, anotação ao artigo 13º. Ocorrerá violação deste princípio caso um grupo de destinatários da norma, em comparação com outros, for tratado de modo diferente sem que existam entre os dois grupos diferenças de tal natureza e de tal peso que possam justificar um tratamento desigual – cfr. Parecer da Procuradoria Geral da República nº 14/2005. Assim, diferentemente do que afirmou o arguido recorrente L, embora fundado em pressupostos diferentes e ainda que o que se deixou supra exarado também para eles era plenamente válido, a imposição de idênticas penas aos arguidos está plenamente justificada como se deixou explicitado e não belisca tal princípio da igualdade.---
VI
No tocante à instância cível
Da apreciação e decisão proferida nesta sede a propósito da responsabilidade criminal dos arguidos/demandados no evento crime objecto do presente processo, porque não se logrou provar a sua autoria, por alguma forma, no facto ilícito relativo à subtracção do veículo automóvel de matrícula (…), pertencente a F, falece desde logo, a responsabilidade civil que lhes é assacada.---
Na verdade, não é possível concluir, como já se afirmou, ante a matéria dada como assente nesta instância, que os descrito facto se deveu ou foi protagonizado pelos arguidos/demandados, com dolo/culpa dos mesmos.---
Assim, sem necessidade de outros considerandos, impõe-se absolvê-los do pedido cível em que foram condenados na 1ª instância.---
VII
Em vista do decaimento parcial nos recursos interpostos pelos arguidos, ao abrigo do disposto no artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, não se impõe a sua condenação em custas.---
VIII
Decisão
Nestes termos acordam em:---
A) – Conceder, pelos motivos expendidos, provimento parcial aos recursos interpostos pelos arguidos, revogando parcialmente a decisão proferida na 1ª instância e consequentemente:--
I. Absolver os arguidos CG e LC do cometimento de cinco crimes de furto qualificado, na forma consumada, (os referentes às subtracções nos estabelecimentos comerciais “Artisport”, “Minimercado Santos” e “Bricomania” e às dos veículos automóveis de matrícula (…) e (…), por que foram naquela instância condenados.---
II. Absolver ainda o arguido CG da prática do crime de detenção de arma proibida cujo cometimento, também naquele sede, lhe foi imputado.---
III. Absolver os arguidos/demandados do pedido cível formulado pelo demandante F por que foram condenados em 1ª instância.---
IV. Condenar os arguidos CG e LC, pela prática em co-autoria material e concurso real, de três crimes de furto qualificado, na forma consumada, p. e p., dois deles, pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea f), do Código Penal e o outro, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), do mesmo diploma, respectivamente, nas penas parcelares de 3 (três) e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, cada um, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.---
B) – Não serem devidas custas.---
Remeta-se, de imediato, cópia do presente aresto ao Tribunal a quo nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 215º, nº 6, do Código de Processo Penal.---
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)
Évora, 17 de Janeiro de 2012
Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares (relatora) - António Manuel Clemente Lima