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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DA COISA
POSSE
Sumário
I – A entrega da coisa, na sequência de um contrato-promessa de compra e venda, não permite, em regra, falar de posse do promitente-comprador. II – Excepciona esta regra a posse do promitente-comprador que pagou a totalidade do preço e actua sobre a coisa como se sua fosse designadamente nela realizando obras que pela sua natureza e extensão expressam poderes de um verdadeiro possuidor. III – Não releva para a caracterização da posse do promitente-comprador a circunstância da promessa de venda se reportar a bens pertença de herança e se mostrar assinada por um só herdeiro.
Texto Integral
Proc. nº 76/04.1TBVVC.E1
Vila Viçosa
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório:
1.1. Apelantes: Brio…………….., casada, residente na ………………….. Joaquina…………., casada, residente na ………………………………. Manuel……………….., casado, residente no ………………….. Apelados: José ……………………. mulher, Maria ………………residentes em ………………………………….
1.2. No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Viçosa, José………………[1]intentou, em 11/2/2004[2], a presente acção declarativa com processo ordinário, contra os apelados, em síntese, pelas seguintes razões:
Em Abril de 1955, arrendou uma casa para habitar, composta de três divisões no “Monte do Sesmo”, sito na freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Borba, pagando a renda de 60$00.
Anos mais tarde, o prédio foi ampliado pelos herdeiros de Antónia da Conceição Serol que construíram uma casa igual à habitada pelo autor, ao lado desta.
Em princípios do ano de 1972, acordou com o então senhorio, em habitar as duas casas e passou a pagar uma renda mensal de 150$00, arrendamento que cessou em 1/1/1980, na sequência de um contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano de que até aí era arrendatário que, em 18/12/79, celebrou com Leopoldina ……………., na qualidade de cabeça de casal da herança de sua irmã Antónia …………………., pelo preço de 150.000$00.
O autor pagou a totalidade do preço sem realizar a escritura publica de compra e venda, por atrasos decorrente da situação registral do prédio, tendo-lhe sido entregue uma declaração de finais de Abril de 1981, dos herdeiros de Antónia…………, comprovativa de haverem recebido o preço total da venda do prédio.
Desde 1 de Janeiro de 1980, o autor têm vindo a agir como único proprietário do imóvel, assim, requisitou o fornecimento de água, de energia eléctrica e a instalação de serviço telefónico, colocou azulejos no chão de cimento, transformou portas em janelas, ampliou janelas, reconstruiu a chaminé, construiu uma casa de banho, construiu uma placa, colocou um telhado com vigas de cimento, construiu escadas, cimentou o chão da entrada, construiu um tanque no terreno adjacente à casa, afundou o poço, cultivou o terreno.
Tais actos foram praticados pelo autor em nome próprio, de boa fé, de modo pacífico e público, na convicção de que não lesava direitos de outrem o que confere ao autor o direito de aquisição do prédio por usucapião.
O autor veio a saber, há menos de uma ano, que os réus registaram a seu favor a aquisição do prédio, tendo como causa a adjudicação em inventário e daí para cá vive em sobressalto e sofrimento com a possibilidade dos réus ficarem com o prédio que é seu.
Formulou os seguintes pedidos (principal e subsidiário): “1- Serem os réus condenados a reconhecer o autor como legítimo proprietário do prédio identificado no artº 1º deste articulado[3]; 2- Ser ordenado o cancelamento do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial de Borba a favor dos réus; 3- Serem condenados os réus a pagar uma indemnização ao autor pelos danos patrimoniais sofridos com os presentes, nomeadamente os honorários suportados com a sua mandatária, quantia esta a liquidar em execução de sentença; e pelos danos não patrimoniais referidos nos artºs 95º a 109º deste articulado, a liquidar em execução de sentença. No caso de estes não procederem … deduz-se subsidiariamente o seguinte pedido: 1- Serem os réus condenados a pagar ao autor o valor por si gasto nas obras referidas nos artºs 46º a 71º, acrescido do montante correspondente ao valor que o prédio tem para o autor, conforme referido nos artºs. 72º a 81º, cujo valor não será inferior ao valor actual do prédio e que o autor contabiliza em € 100.000,00. 2- Devolver ao autor a quantia que o mesmo pagou pela compra do imóvel, € 748,20, acrescida dos juros legais vencidos desde o mês de Abril de 1979 até efectivo e integral pagamento. 3- Serem os réus condenados a pagar uma indemnização ao autor pelos danos patrimoniais sofridos com os presentes, nomeadamente os honorários suportados com a sua mandatária e danos não patrimoniais sofridos pelos factos referidos nos artºs 95º a 109º, quantia esta a liquidar em execução de sentença.”
[transcrição de fls. 25 e 26]
Contestaram os réus e deduziram reconvenção. Impugnando a versão dos factos apresentados pelo autor salientaram, em síntese, que Leopoldina ……………. não era a cabeça de casal da herança aberta pelo óbito de Antónia …………., facto que o autor conhecia, de qualquer forma o contrato-promessa porque outorgado após a morte desta, só seria válido se assinado por todos os herdeiros, o que não é o caso. O contrato é nulo e o autor tem ocupado o prédio por mera tolerância dos réus que não solicitaram judicialmente a sua entrega, após o haverem adquirido por adjudicação no inventário que correu termos após o óbito de Antónia………..
A ocupação e detenção do prédio ofende os direitos de propriedade dos réus e o autor está obrigado a desocupar o mesmo.
A ocupação do prédio pelo autor contra a vontade dos réus, ao longo de vários anos sem qualquer contrapartida confere aos autores o direito a uma indemnização correspondente ao rendimento mensal que este lhes proporcionaria, caso estivesse arrendado, que quantificam em € 150,00 mensais.
Concluem pela improcedência da acção e formulam o seguinte pedido reconvencional: “… devendo … condenar-se o autor a restituir o prédio misto, identificado no artº 1º da p.i. aos réus e ainda a pagar-lhes uma indemnização no valor de € 25.650,00 acrescida dos juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento”
[transcrição de fls. 153].
O autor respondeu por forma a concluir como havia concluído na p.i. e requereu o chamamento à demanda dos Herdeiros de Antónia…………….
1.3. Designado dia para a realização de uma audiência preliminar, a autora desistiu do incidente da intervenção, foi admitido o pedido reconvencional, e condensado o processo com factos provados e base instrutória[4].
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto incluída na base instrutória e depois proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: - Julgo improcedente a acção, por não provada, e em consequência absolvo os RR. dos pedidos principais e subsidiários formulados. - Julgo procedente o pedido reconvencional deduzido, condenado os AA no pagamento de uma quantia mensal, desde Fevereiro de 1990, até à data de entrega do imóvel, correspondente ao valor locativo do prédio, relegando-se para liquidação de sentença o apuramento desse valor, e considerando a responsabilidade patrimonial do pagamento de tal montante em função da data de óbito do A,. conforme supra exposto.
1.4. É desta sentença que os habilitados autores interpuseram o presente recurso, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: 1- Considerou o Douto Tribunal "a quo" que o A. sabia que a casa ainda não lhe pertencia, concluindo pela inexistência do elemento "animus" analisado na Douta Sentença recorrida. Salvo o devido respeito, que é muito, não aceitam os Recorrentes que não exista o referido elemento. 2- Resultou provado que o A., na sequência do acordo escrito acordou com a Leopoldina ……………, que se intitulou como cabeça-de-casal da herança integrada pelo prédio em causa, a venda da mesma, no ano de 1980. 3- Decorre da matéria provada (…)que no início de 1980 o preço da compra do imóvel já se encontrava integralmente pago e que desde aí passou a usufruir da casa com a sua família, como dono da mesma, de forma plena e de boa fé, convicto de que era o proprietário. 4- Exercendo o poder de facto, com a intenção de agir como titular exclusivo do direito de propriedade sobre o prédio referido, efectuou as obras necessárias para criar condições de habitabilidade na casa. Fê-lo sem a oposição de quem quer que fosse, exercendo-os ostensivamente e à vista de toda a gente. 5- O A. acreditou no que a Cabeça de Casal lhe disse e que o facto de ter pago a totalidade do preço seria suficiente para assegurar a sua qualidade de proprietário. 6- Nesta conformidade, não existia, por parte do A. uma mera expectativa de aquisição, como é referido na Douta Sentença recorrida, mas efectivamente o direito de aquisição da propriedade. 7 - Da matéria provada resulta claramente que o A. tem usufruído e usado o imóvel como se de coisa sua se tratasse e não por mera tolerância dos proprietários. Actuou, não em nome do promitente-vendedor, mas em nome próprio com a intenção de exercer sobre o prédio o direito de propriedade. 8- Assim, a posse do A. sobre o referido prédio, depois do pagamento da totalidade do preço convencionado para a compra e venda - o que aconteceu em princípios de 1980 - era boa para usucapião; por outras palavras, deixou, nessa data de ser uma mera detenção ou posse precária, para passar a ser uma posse em nome próprio, em termos de direito de propriedade, com os requisitos de "corpus" e "animus". 9- Por outro lado, o que inicialmente era um contrato promessa de compra e venda tornou-se num verdadeiro contrato de compra e venda, com o pagamento integral do preço (em princípios do ano de 1980). 10-Na realidade, celebrado um contrato mediante o qual o A. compra um determinado imóvel, pagando desde logo a totalidade do preço e entrando de imediato na posse de tal terreno, deverá qualificar-se tal contrato como de compra e venda e não como um contrato-promessa de compra e venda. 11- O facto de o negócio ter sido realizado verbalmente, nada tem a ver com a qualificação do contrato mas apenas com a sua validade formal. Pois, não tendo sido o contrato celebrado mediante escritura pública, a posse do autor/comprador deverá ter-se como não titulada, embora a decorrente presunção da má fé possa ser, como foi, ilidida pelo possuidor. 12- Tendo o autor mantido a posse continuada e de boa fé, pública e pacífica, durante mais de 15 anos, adquire a propriedade do terreno por usucapião. 13-0s RR. nunca se opuseram à posse do A., conforme resulta da matéria provada. 14- O A. é, assim, proprietário do prédio em causa por haver adquirido o respectivo direito por usucapião, pelo que, o pedido de reconhecimento da usucapião deveria ter sido julgado procedente e não improcedente. Assim, a Douta Sentença violou o disposto no art. 1287° do C.Civil. 15-0s RR. deveriam ter sido, pelo menos condenados em quantia que se viesse a apurar em execução de Sentença, relativamente ao valor das benfeitorias, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa … 16-Determina o artigo 1273° do Código Civil que tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito e, bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 17 -É óbvio que as referidas benfeitorias passaram a constituir parte integrante do imóvel, não podem ser retiradas sob pena de deterioração ou detrimento das mesmas e do imóvel em causa e que foram efectuadas pelo possuidor. É, também, manifesto que as referidas benfeitorias valorizaram o prédio. 18-0s Apelantes sempre teriam direito a receberem o montante das benfeitorias que realizaram no prédio em causa, sob pena de enriquecimento sem causa, uma vez que sem essas obras e plantações, o sobredito prédio estaria hoje definhado e com valor inferior ao do mercado. 19-A Douta Sentença recorrida ao não considerar o referido direito dos Apelantes no ressarcimento das benfeitorias, salvo o devido respeito, violou o disposto nos arts. 4730 e 4790 do C. Civil. 20- Não corresponde à verdade que o A. não possuísse título que legitimasse a ocupação do prédio, pelos motivos anteriormente referidos. 21-Não resulta da matéria provada que os RR. tenham solicitado a devolução do prédio ao A., no ano de 1990. Antes resulta, nos números …. da matéria provada que os factos descritos em …. foram praticados pelo A. de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém. 22- A Douta Sentença recorrida ao considerar que os RR. solicitaram a devolução do prédio ao A., no ano de 1990, não resultando o mesmo da matéria provada, conheceu de questão de que não poderia tomar conhecimento, o que constitui causa de nulidade de sentença (cfr. art. 6680 nº1 1 aI. d) do CPC). 23- Não está preenchido o art. 4830 e ss do C. Civil, não existindo obrigação de indemnizar os Apelados. 24- Deve a Douta Sentença recorrida Ser revogada e substituída por outra que considere procedente a acção por provada e improcedente o pedido reconvencional.
Os réus responderam pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Objecto do recurso.
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artºs. 684º, nº3 e 685º-A, nº1, ambos do Código de Processo Civil.
Considerando o teor destas, importa decidir se:
- a sentença é nula por excesso de pronuncia;
- estão reunidos os pressupostos legais de aquisição por usucapião do prédio que o autor, em vida, habitou ou se o autor têm direito a indemnização por benfeitorias no mesmo realizadas.
3. Fundamentação. 3.1 Factos.
É a seguinte a matéria de facto a considerar:
a) O prédio misto denominado "Monte do Sesmo", sito na freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Borba, descrito na Conservatória do Registo Predial de Borba sob o n° 227, daquela freguesia, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 21°, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1053, encontra-se registado a favor de José …………, mediante a inscrição G-l.
b) Por sentença proferida nos autos de inventário com o n° 16/1978, que correu termos por este mesmo tribunal, em que foi inventariado Antónia …………, foi homologada a partilha constante do mapa de fls. 233 a 246 daqueles autos, tendo sido adjudicado ao interessado José António………., a verba n° 7 da relação de bens, onde se relaciona o prédio misto sito na freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Borba, descrito na Conservatória do Registo Predial de Borba sob o n° 4847, a fls. 164, do Livº B-15, inscrito nas respectivas matrizes prediais sob os arts. 21° da secção H (rústico) e 1053 (urbano), sentença aquela que transitou em julgado.
c) No aludido inventário exerceu as funções de cabeça-de-casal o interessado António ………….
d) Em Abril de 1955, Antónia …………… e José ……….. ajustaram entre si, verbalmente, como senhorio e inquilino, o arrendamento da habitação composta por três divisões, sito no local referido em a).
e) Em principio do ano de 1972, Antónia ………….. e José…….., ajustaram entre si, verbalmente, como senhorio e inquilino, o arrendamento da habitação composta por três divisões, anexa à habitação referida na alínea anterior, mediante a renda mensal de 75 cêntimos, renda esta abrangendo as divisões indicadas em d).
f) No dia 18 de Dezembro de 1979, Leopoldina………. e José……….., declararam, por escrito particular, a primeira que prometia vender ao segundo a parte urbana, inscrita na matriz sob o art. 1053°, do prédio misto referido em a), tendo o segundo declarado aceitar.
g) A casa composta pelas divisões referidas em d) e e) desde Abril de 1955, não tinha luz, nem água, nem esgotos.
h) O chão da casa era em cimento.
i) O tecto da casa era forrado com paus e tábuas.
j) Não existia casa de banho, nem esgotos.
l) Para a higiene pessoal, o A. tinha de ir buscar água à fonte e utilizar bacias e outros recipientes.
m) A água usada na bebida e para confeccionar as refeições era transportada da fonte para a sua casa.
n) Para iluminar o interior da casa utilizavam velas e candeeiros a óleo.
o) O A. solicitou junto de Antónia ……………. a realização de obras.
p) No acordo referido em f) Leopoldina ……… identificou-se na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Antónia………...
q) No mesmo acordo, convencionou-se que José ………….. entregaria a Leopoldina …………….a quantia de 150.000$00.
r) Tendo, no momento em que o acordo foi celebrado, entregue a Leopoldina de …………… a importância de 75.000$00.
s) Foi, ainda, acordado que o restante do valor seria entregue a Leopoldina de ................ no acto da outorga da escritura.
t) Mais foi convencionado que a escritura seria feita o prazo de dois meses a contar da efectivação dos registos.
u) Comprometendo-se a Leopoldina de ................ a diligenciar aquela efectivação e uma vez realizados, avisaria o autor do dia e hora e cartório da realização da escritura.
v) Devendo esse aviso ser feito por carta registada e com a antecedência mínima de dez dias.
x) Também foi acordado que o A. "cessará o pagamento da respectiva renda a partir do dia 1 de Janeiro de 1980”, deixando a partir dessa data pagá-la.
z) Entre 18 de Dezembro de 1974 e Abril de 1980, Leopoldina de ................ pediu ao A. para este liquidar o restante montante por referência à factualidade descrita em p) e q).
aa) No início de 1980 foi efectuado esse pagamento.
ab) A partir de princípios do mês de Abril de 1980, o A. instalou esgotos na casa a que se referem as alíneas d) e e).
ac) Instalou canalização para ligação ao sistema de rede pública de abastecimento de água.
ad) Em 31 de Março de 1983, o A. requisitou junto da Câmara Municipal de Borba, fornecimento de água.
ae) Em 26 de Março de 1975, o A. requisitou junto da federação de Municípios dos Distritos de Évora e Portalegre o fornecimento de energia eléctrica.
af) Em 15 de Setembro de 1992, o A. requereu junto da "Portugal Telecom" a instalação de serviço telefónico.
ag) Na parede que dividia as duas habitações, o A. construiu um "hall" de entrada e colocou azulejos no chão de todas as divisões.
ah) As portas que existiam em cada uma das habitações foram transformadas em duas janelas e foi colocada uma porta divisória das duas.
ai) O A. alargou as janelas e colocou estores e pedra mármore à sua volta.
aj) O A. colocou azulejos nas paredes da cozinha e da casa de banho.
al) O A. pintou as paredes e colocou portas.
am) O A. colocou no tecto da casa, abrangendo todas as divisões, uma placa de cimento.
an) O A. elevou a chaminé meio metro.
ao) O A. construiu uma casa de banho.
ap) No tecto da casa, o A. construiu um sótão e para lhe aceder, construiu umas escadas.
aq) O chão da entrada da casa foi cimentado e o A. erigiu um muro à volta da casa, revestido a mármore.
ar) O A. construiu um tanque num terreno envolvente à casa.
as) O A. afundou, em 10 metros, o poço existente no terreno envolvente à casa e construiu um muro de cimento à volta do mesmo.
at) O A. com a sua mulher e filhos lavraram o terreno envolvente à casa e nele semearam e colheram batatas, couves, nabiças, feijão, milho, uvas, laranjas, limões e azeitonas.
au) E roçaram o mato e silvas e retiraram lenhas.
av) Os factos descritos de ab) a au) foram praticados pelo A. de forma ininterrupta.
ax) À vista de toda a gente.
az) Sem a oposição de ninguém.
ba) O A. agiu dessa forma confiando no teor do contrato referido em f) e na sequência deste.
bb) O A. mostrou-se preocupado com a noticia de que a habitação havia sido adjudicada a outro herdeiro do antigo senhorio, procurando resolver a questão de forma conciliatória, procurando aquele e que teve conhecimento de tal adjudicação na data em que foram efectuadas as licitações em tribunal.
3.2. Do direito.
3.2.1. Nulidade da sentença.
A sentença é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – artº 668º, nº1, al. d), do CPC.
O critério a observar decorre da 2ª parte do nº2 do artº 660º do CPC, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Dir-se-á, assim, que sempre o juiz se ocupar de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes e não sendo caso de delas dever conhecer por razões do seu ofício, a pronuncia é exorbitante ou excessiva.
O princípio geral é este: asentença deve corresponder à acção.[5]
E no respeito por este principio o juiz deve conhecer na sentença, sob pena de nulidade desta, os pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, as causas de pedir por estes invocadas, às excepções deduzidas e está vinculado àquelas que tenham sido suscitadas pelas partes e, ressalvadas a permissão ou imposição de conhecimento oficioso de outras, só destas poderá conhecer.
A lei impõe ainda outro limite à actividade do juiz, na elaboração da sentença, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes – cfr. artº 664º, do C.P.C.
Incumbe às partes a formação da base factual do litígio cuja resolução reclamam, estando vedado ao juiz a consideração de factos principais que as partes não alegaram, com excepção dos factos notórios, dos factos que o tribunal deva conhecer por exercício das suas funções e dos factos constitutivos de simulação ou fraude processual – cfr. artºs. 264º nº2 e 3, 514º, 665º, todos do C.P.C.
Posto isto, ponderam os autores que a sentença recorrida ao considerar que os réus solicitaram a devolução do prédio ao autor, no ano de 1990, não resultando o mesmo da matéria provada, conheceu de uma questão de que não poderia tomar conhecimento e daqui a nulidade.
Não estabelecem os autores qualquer distinção entre facto e questão; mas na economia da nulidade que suscitam tal distinção é essencial pois a mesma só ocorre, no segmento que importa considerar, quando o juiz aprecie «questões» - e não de «factos» - de que não podia tomar conhecimento. Ou seja, se no raciocínio de subsunção dos factos ao direito, para elaboração do silogismo judiciário que a sentença, em regra deve comportar, o juiz se serviu de um facto que não está provado, que é o argumento dos autores, o que ocorre não é a nulidade da sentença mas o erro de julgamento.
A questão já não é nova e mereceu a atenção de Alberto dos Reis, que a resolveu demonstrando “…mesmo quando o juiz tome conhecimento de factos de que não podia servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (artº 664º), não comete necessariamente a nulidade … do artº 668º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.[6]
Assim se conclui pela improcedência da arguida nulidade da sentença sem prejuízo de, sendo o caso, se analisar a questão em sede de conhecimento do mérito do recurso.
3.2.2. Prescrição aquisitiva.
Consideram os autores – 2ª questão colocada no recurso - que a posse pública, pacífica, continuada durante mais de 15 anos conferiu ao falecido autor, seu pai, a aquisição, por usucapião, da propriedade do prédio a que os autos se reportam.
A sentença recorrida negou-lhes este direito por não haver logrado encontrar nos actos materiais que o autor exerceu sobre o prédio o animus possidendi, indispensável à afirmação da posse[7].
Vejamos se assim deverá ser.
O autor que já habitava no “Monte do Sesmo” desde Abril de 1955, na qualidade de arrendatário,[8] veio a celebrar 18 de Dezembro de 1979, com Leopoldina ................ um contrato-promessa para compra e venda do prédio que tomara de arrendamento deixando, por acordo com a promitente-vendedora, de pagar rendas a partir de 1/1/1980[9].
Enquanto arrendatário o autor era um possuidor em nome alheio, não há dúvidas, as dificuldades surgem quanto à natureza da posse do autor enquanto promitente-comprador a quem foi entregue a coisa.
A entrega da coisa na sequência do contrato-promessa não permite, em regra, afirmar a posse do promitente-comprador e isto porque como escreve Antunes Varela “… o promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa.”[10]
Nesta perspectiva, o promitente-comprador que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste sendo por conseguinte um detentor ou possuidor precário – cfr. artº 1253º, do Cód. Civil.
Foi, aliás, e segundo nos parece, a aplicação desta regra que determinou o sentido da decisão recorrida.
Esta regra, porém, deve comportar excepções. Como já se escreveu, “um crescente número de situações anómalas ou invulgares, que têm vindo a ser julgadas pelos nossos tribunais, obrigou, contudo, a uma inflexão nessa posição de princípio, por se revelar, cada vez mais, redutora, inadequada e injusta para com os direitos do promitente-comprador.”[11]
São configuráveis hipóteses em que o promitente-comprador com traditio pratica em relação à coisa, actos materiais, em nome próprio, correspondentes ao exercício do direito de propriedade, ou seja, actua em relação à coisa como se fosse sua[12].
Com ensina Menezes Cordeiro, “… Tudo depende da vontade das partes: haverá, pois, que interpretar o acordo relativo à traditio usando, para isso e se necessário, todos os demais elementos coadjuvantes … a traditio visou antecipar o cumprimento do próprio contrato definitivo; trata-se de uma hipótese frequente nos casos em que o preço esteja todo ou quase todo pago; o promitente-adquirente é, então, desde logo, investido num controlo material semelhante ao do proprietário, podendo falar-se em posse em termos de propriedade”[13]
Também no Ac. STJ de 17/4/2007[14], se considerou que “… pode efectivamente haver…posse do promitente-adquirente, o que sucederá quando, obtido o corpus pela tradição, a coberto daquela pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e na expectativa fundada de que tal se verifique, pratica actos de posse com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietário em seu próprio nome, ou seja, intervindo sobre a coisa como se sua fosse. … Naquela primeira situação, de verdadeira posse, poder-se-ão integrar, eventualmente entre outros, casos como os do promitente-comprador que pagou a totalidade ou quase totalidade do preço, ou em que a entrega da coisa lhe é feita pelo promitente-vendedor «como se sua fosse já» e aquele como tal passa a agir, ou ainda em que a tradição seja motivada ou acompanhada de circunstâncias que, por incompatíveis com acto de mera tolerância, revelem ou consolidem uma expectativa de irreversibilidade da situação….Numa palavra hão-de ser o acordo de tradição e as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo a determinar a qualificação da detenção.”
Vejamos então se a leitura permita pelos factos provados, sobre a vontade das partes e o controlo material que o autor exerceu sobre o prédio, revelam uma expectativa de irreversibilidade da situação.
O preço, mostra-se integralmente pago[15], a partir do dia 1 de Janeiro de 1980 o autor, como já se referiu, deixou da pagar a renda, instalou esgotos na casa, instalou canalizações para abastecimento de água, requisitou o fornecimento de água, de energia eléctrica e a instalação de serviço telefónico, construiu um “hall” e colocou azulejos no chão de cimento, transformou portas em janelas, ampliou janelas, colocou azulejos nas paredes da cozinha e da casa de banho, pintou paredes, colocou portas, construiu uma placa de cimento no tecto da casa que abrange todas as divisões, reconstruiu a chaminé, construiu uma casa de banho, construiu escadas, cimentou o chão da entrada, construiu um tanque no terreno adjacente à casa, afundou o poço, cultivou o terreno envolvente à casa, roçou matos e silvas, retirou lenhas, tudo fazendo de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, confiado no contrato-promessa que havia celebrado com Leopoldina ................ e na sequência deste.[16]
Tais factos, estamos em crer, evidenciam que o autor interiorizou que o prédio já era seu e passou a actuar como se proprietário fosse do mesmo. Num primeiro momento, por haver pago a totalidade do preço ajustado para a sua aquisição (para o cidadão médio a escritura da contrato de compra e venda constitui uma mera formalidade já que em termos sócio-económicos, com o pagamento integral do preço, a venda mostra-se efectuada).
Posteriormente, por haver levado a efeito no prédio um conjunto de obras, não só de melhoramento das condições de habitabilidade mas também de natureza estrutural impróprias de quem possui em nome de outrem e ajustadas a quem possui em nome próprio. De facto, só uma expectativa de irreversibilidade da situação é compaginável com as obras de instalação de esgotos, canalizações para ligação do abastecimento de água, colocação de uma placa de cimento, abrangendo todas as divisões, construção de casa de banho, transformação de portas em janelas ou elevação da chaminé que, entre outras, foram obras realizadas pelo autor no prédio.
É das regras da experiência que um detentor ou um possuir precário não tomaria a iniciativa de realizar obras com a natureza e amplitude das obras que o autor efectuou no prédio mormente quando o próprio senhorio e em data anterior ao contrato-promessa as não realizou[17].
Configura-se, assim, in casu, a situação em que, o autor na sequência do contrato-promessa passou logo a agir como se dono da coisa fosse, praticando sobre ela actos materiais, cuja natureza e amplitude, só se podem qualificar como correspondentes ao exercício do direito de propriedade, no caso, adquirindo a posse por inversão do título da posse[18], ou seja, antes possuidor em nome alheio, como arrendatário, agora possuidor em nome próprio como proprietário.
Se duvidas houvessem quanto à natureza da posse exercida pelo autor e, como procurou demonstrar-se não há, a mesma haver-se-ia que presumir exercida em nome próprio, atenta a factualidade em apreço e o disposto no artº 1252º, do Cód. Civil.
Actos de posse, aliás, que incidiram não só sobre a parte urbana prometida vender mas também sobre a parte rústica.[19]
A tal não obsta a demonstrada circunstância do autor se haver mostrado preocupado com a noticia de que a habitação havia sido adjudicada a outro herdeiro do antigo senhorio, procurando resolver a questão de forma conciliatória, procurando aquele e que teve conhecimento de tal adjudicação na data em que foram efectuadas as licitações em tribunal.[20]
Primeiro, porque esta factualidade não permite extrair qualquer conclusão quanto à atitude, em concreto, assumida pelo autor; embora procurando resolver a questão de forma conciliatória desconhece-se se actuou, nessa diligência, como proprietário da coisa, ou como detentor ou possuidor precário, ou seja, da factualidade assim apurada nada se extrai de relevante para a caracterização da existência ou inexistência do animus da posse.
Depois, porque é natural que o autor, mesmo actuando como proprietário do prédio, sabendo que a escritura pública não chegara a ser realizada, e note-se que foi a promitente-vendedora quem ficou incumbida de diligenciar pela sua realização,[21] ficando a saber que o prédio, que considerava seu, havia sido adjudicado em partilhas num inventário, tivesse diligenciado na salvaguarda dos seus interesses procurando chegar à fala com o adjudicatário.
Tal iniciativa – nos termos genéricos em que se mostra demonstrada - não configura qualquer comportamento antagónico com a sua assumida posição de proprietário, podendo até interpretar-se como uma legítima preocupação com a defesa dos seus interesses.
“A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.” – cfr. artº 1287º, do Código Civil.
A posse do prédio pelo autor, decorrente da inversão do título de posse operada com a promessa de compra e venda, remonta a 1 de Janeiro de 1980 e traduz, pelo que se deixou dito, uma antecipação do cumprimento do próprio contrato definitivo.
Os réus suscitaram, porém, a questão da nulidade do contrato-promessa, por configurar por parte da herdeira Leopoldina ................ a promessa de venda de bens que não lhe pertenciam.[22]
De facto, resulta do artº 2091º, nº1, do Cód. Civil que “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros”, donde a venda de um bem da herança por apenas um dos herdeiros, sem o consentimento dos outros, é havida como venda de coisa alheia. Mas não é o caso. Trata-se de uma promessa de venda de que decorre, não a alienação de património da herança, mas sim a mera obrigação de contratar. A promessa de venda de bem alheio é válida, em virtude de ficar sujeita ao regime da venda de bens futuros, com assento no artº 893º, do Código Civil e, assim, excluída do regime de nulidade emergente do artº 892º, do mesmo diploma[23].
Mas ainda que fosse substancialmente inválido o contrato insusceptível seria de inquinar a posse do autor para efeitos de usucapião, de facto, a lei considera “ … titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico” – cfr. artº 1259º, nº1.
Precisando o sentido da lei, ensina Mota Pinto que “… posse titulada é a que se funda num modo legítimo de adquirir, ou seja, posse titulada é a que se funda num modo que segundo o seu tipo geral é idóneo para provocar uma aquisição, independentemente de, no caso concreto, o transmitente ter ou não o direito a transmitir e independentemente da validade substancial do negócio jurídico.”[24]
Não releva, assim, para descaracterizar a posse do autor, a apontada nulidade – se fora o caso e não é - do contrato-promessa, consubstanciada na promessa de venda por parte de uma herdeira de bens que pertenciamà herança.
Posse esta, assim, titulada, presumida de boa-fé[25] (a qual se reporta ao momento da sua aquisição, sendo irrelevantes as posteriores alterações do estado de espírito do possuidor[26]), pacífica (porque adquirida sem coacção física ou moral[27]), pública (porque exercida à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém[28]).
Assim e porque exercida ininterruptamente[29] havia mais de quinze anos, à data da propositura da acção[30], prazo aplicável por força do disposto no 1296º do Código Civil e da caracterização da posse a que nos vimos reportando designadamente de boa fé, impõe-se a conclusão que o autor adquiriu o prédio – parte urbana e rústica – por usucapião.
Dir-se-á e no caso é certo por resultar dos factos provados e da cópia da inscrições do registo[31], que os réus registaram a seu favor a aquisição do prédio em 11/09/1990 e que tal registo sendo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, que no caso seriam os réus.
Mas tal circunstância, só por si, não interrompeu o prazo da prescrição aquisitiva que corria a favor do autor.
A interrupção da prescrição só ocorre “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, equiparando a lei à citação ou notificação … qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”[32]
Mas os réus não demonstraram ter procedido deste modo e quando, em sede de contestação, afirmaram o seu domínio sobre o prédio que o autor vinha possuindo, o que ocorreu em 20/5/2004,[33] há muito que a propriedade do mesmo se havia consolidado na esfera jurídica do autor, por via da usucapião.
As razões porque assim procederam, nem são relevantes para a questão de direito, nem ficaram explicadas nos autos mas não pode deixar de estranhar-se que os réus – alegadamente de modesta condição económica, tal como o autor - tenham descurado de tal forma a defesa dos seus interesses, pois quando registaram o prédio a seu favor ainda estavam muito a tempo – ainda tinham quase cinco anos – para interromperem o prazo que corria a favor do autor; não o fizerem e, atento o que se expôs, outra solução não resta que não seja a de reconhecer a aquisição da propriedade pelo autor, por usucapião, com o consequente cancelamento da inscrição que no registo consta a seu favor.
3.2.3. Pedido Reconvencional.
Do que ficou já decorre que o parcial provimento do pedido reconvencional, que a sentença recorrida consagrou, não se poderá manter por ter como fundamento uma abusiva ocupação pelo autor de um prédio da propriedade dos réus que não se reconhece.
O pedido reconvencional deverá, pois, improceder.
Em jeito de sumário:
I – A entrega da coisa, na sequência de um contrato-promessa de compra e venda, não permite, em regra, falar de posse do promitente-comprador.
II – Excepciona esta regra a posse do promitente-comprador que pagou a totalidade do preço e actua sobre a coisa como se sua fosse designadamente nela realizando obras que pela sua natureza e extensão expressam poderes de um verdadeiro possuidor.
III – Não releva para a caracterização da posse do promitente-comprador a circunstância da promessa de venda se reportar a bens pertença de herança e se mostrar assinada por um só herdeiro.
4. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente a apelação e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, condenando os réus a reconhecerem os autores como legítimos proprietários, em comum e partes iguais do prédio misto, denominado “Monte do Sesmo”, sito na freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Borba - rústico com a área de 1250 m2, inscrito na matriz sob o artº 21 da secção H; urbano – destinado a habitação e quintal, inscrito matriz predial urbana sob o artº 1053, descrito na Conservatória do Registo Predial de Borba sob a ficha nº 00227/110990,por o haverem adquirido por usucapião,declarando-se extinto o direito dos réus sobre o referido prédio misto e ordenando o cancelamento da respectiva inscrição (Ap.01/110990). - Julgam ainda improcedente o pedido reconvencional.
Custas (em ambas as instâncias) a cargo dos recorridos/réus.
Évora, 19/1/2012
Francisco Matos
José António Penetra Lúcio
João Gonçalves Marques
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[1] Falecido na pendência da causa, tendo sido habilitados, como seus únicos e universais herdeiros os ora apelantes para com eles prosseguir a acção – cfr. despacho de fls. 446 a 448.
[2] Porque iniciado antes de 1/1/2008, aplica-se ao presente processo o regime de recursos prévio à reforma introduzida pelo Dec-Lei nº 303/2007, de 24/8 (v. os respectivos artigos 9º, alínea a), 11º, nº1 e 12º, nº1) . Pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterado pelo referido D.L., referir-se-á à versão anterior a este.
[3] No artº 1º da p.i. foi identificado o seguinte prédio:
“… prédio misto, denominado Monte do Sesmo, sito na freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Borba, tendo a parte rústica a área de 1250 m2, descrita na matriz sob o artº 21 da secção H; e a parte urbana, composta de casa de habitação e quintal, a confrontar a norte com estrada pública, a Sul com Amaro Vinhas, a Nascente com caminho público e a Poente com Adriano Geadas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1053 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Borba sob o nº 227.
[4] Cfr. fls. 229 a 237 dos autos.
[5] Acção aqui entendida em sentido amplo cfr. Alberto dos Reis, CPC, anot, vol. 5º, pág. 52.
[6] Ob. e vol. cit., pág. 145.
[7] Escreveu-se a este propósito na sentença recorrida:
«Da matéria de facto provada resulta uma situação "sui generis".
Com efeito, resulta que o A., na sequência de acordo escrito acordou com alguém que se intitulou de cabaça-de-casal da herança integrada pelo prédio em causa a venda da mesma, no ano de 1980.
E que desde então passou a utilizar aquela casa como sua, sendo que já antes a tinha por arrendamento, fazendo diversos melhoramentos na mesma.
E fê-lo sem a oposição de quem quer que fosse, exercendo-os ostensivamente e á vista de toda a gente.
Todavia, da matéria de facto provado resulta que, sendo certa a expectativa de aquisição do bem, tendo em consideração o acordo escrito, nunca deixou o mesmo de ter consciência que, tratando-se a venda de um negócio formal, para o qual é exigido a realização de escritura pública, a mesma não se realizou até á presente data. Assim, sabia o A. que só após esse acto ele deixaria de ser mero detentor, com uma alegada expectativa de aquisição.
A isso acresce que pelo menos desde 1990, ano em que foi feita a partilha no inventário que integrou o prédio em causa como bem a partilhar, que o A. sabia que o cabeça de casal é o aqui R. e que o bem lhe foi adjudicado.
Por conseguinte, fica demonstrado à saciedade que o A. sabia que a casa ainda não lhe pertencia, inexistindo, portanto, o elemento "animus' supra analisado.
Assim há que improceder o pedido principal formulado de aquisição por usucapião. Sendo o conteúdo do alegado direito elementos indispensável do mesmo, e elemento de prova que cabia ao A., resultando o mesmo incerto, terá a acção de improceder "in totum".»
[8] Cfr. al. d) da matéria de facto provada.
[9] Cfr. als. f) e x) da matéria de facto provada.
[10] RLJ, 128, pág. 146.
[11] Ac. RL, de 8/5/2008, proc. 1331/2008-6, in www.dgsi.pt
[12] Nos termos do artº 1251º, do Código Civil, a “posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
[13] Tratado de Direito Civil, II, Tomo II, pág 392
[14] Cfr. ainda doutrina e jurisprudência no aresto citadas, proc. 07A480, in www.dgsi,.pt . No mesmo sentido, cfr. Ac. R.L. de 19/11/2002, proc. 0082057, in www.dgsi.pt
[15] O autor entregou a Leopoldina ................, na data da celebração do contrato-promessa a quantia de 75.000$00 e no início de 1980 o restante, ou seja a quantia de 75.000$00, assim perfazendo o total de 150.000$00 que foi o preço acordado no contrato-promessa – cfr. als. q), r) e z) e aa) da matéria de facto provada.
[16] Cfr. als. ab) a ba) da matéria de facto provada.
[17] Provou-se que o autor solicitou junto de Antónia Serol a realização de obras – cfr. al. o) – sendo legítimo concluir que esta as não realizou, pois se as tivesse realizado o autor não teria necessidade de as fazer.
[18] Cfr. artº 1263º, al. d), do Cód. Civil.
[19] Cfr, als. ar) a au) da matéria de facto provada.
[20] Cfr. al. bb) da matéria de facto provada.
[21] Cfr. al. u) da matéria de facto provada.
[22] A propósito deste ponto afirmaram os réus:
“O autor tinha perfeito conhecimento que por óbito da proprietária do prédio, Antónia da Conceição Serol, lhe sucederam vários herdeiros e que a alegada promessa de compra e venda teria que ser feita e formalizada por todos eles, o que não aconteceu.
O contrato de promessa junto aos autos é nulo por configurar por parte da herdeira Leopoldina ................ a promessa de venda de bens que não lhe pertenciam” – cfr. artºs 34º e 35º da contestação.
[23] Cfr., neste sentido o Ac.STJ de 6/5/2008, em que foi relator Mário Cruz, in www.dgsi.pt
[24] Direitos Reais, 1972, pág. 199
[25] “A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.
A posse titulada presume-se de boa fé…” – cfr. artº 1260º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
[26] Designadamente as que podem ter ocorrido quando o autor teve conhecimento da a notícia de que a habitação havia sido adjudicada a outro herdeiro do antigo senhorio e procurou resolver a questão de forma conciliatória, a que supra nos reportámos.
[27] “1. Posse pacifica é a que foi adquirida sem violência.
2. Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou moral, nos termos do artigo 255º.” – cfr. artº 1261º do Código Civil.
[28] “Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados” – artº 1262º, do Código Civil.
[29] Cfr. al. av) da matéria de facto provada.
[30] Com início em 1/1/1980, à data da propositura da acção – 11/2/2004 – a posse do autor era exercida havia mais de 24 anos.
[31] Cfr. fls. 55 e 89.
[32] Cfr. artº 323º, nº1, aplicável ex vi do artº 1292º, ambos do Cód. Civil.
[33] Cfr. fls. 138 dos autos.