Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
VIOLAÇÃO DE IMPOSIÇÕES
PROIBIÇÕES OU INTERDIÇÕES
MEDIDA DA PENA
Sumário
Comete o crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º1, al. a) do Código Penal, com referência ao art. 160.º, n.º1 e 3 do Código da Estrada, o condutor que, condenado em pena acessória de proibição de conduzir, não entrega o título de condução para efeitos de cumprimento dessa pena, apesar de notificado para esse efeito em prazo determinado e com a cominação de que, se o não fizesse, incorria na prática daquele crime.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. No processo nº573/10.0 TAABF do 1º juízo do Tribunal Judicial de Albufeira foi proferida decisão que condenou o arguido PC como autor de um crime de violação de imposições, proibições e interdições do artigo 353.º do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão suspensa na execução pelo período de um ano.
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da forma seguinte:
“1- O arguido foi condenado pela prática, em autoria material de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. p. no artº 353º do C.P., na pena de 4 meses de prisão, e ao abrigo do art. 50º/1 e 5 do C.P., foi determinada a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de um ano.
2- Discorda o recorrente da condenação do mesmo pela prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições (artº 353º do C.P.), porquanto se entende que a conduta do arguido não é susceptível de integrar a prática do referido crime, nem qualquer outro ilícito de natureza criminal.
3- Sem prescindir, dir-se-á que mesmo em caso de condenação do arguido, pelo crime de violação de imposições, proibições e interdições, entende-se que outra deveria ter sido a pena aplicada ao arguido, menos severa, entendendo-se que deveria o Tribunal “a quo” ter optado pela pena de multa, uma vez que esta realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
4- Assim, com o devido respeito e consideração, não concorda o ora recorrente com a Douta Sentença recorrida, o qual não se conformando com a mesma, dela vem interpor o presente recurso.
5- Não tendo o Douto Tribunal “a quo” considerado todas as circunstâncias que determinariam a absolvição do arguido ou a aplicação de uma pena mais favorável ao arguido, entende-se que foram violadas, nomeadamente, as disposições dos artºs 2º, 40º, 47º, nº 2, e 71º e 353º do C. Penal.
6- O presente recurso é interposto da Douta Sentença que absolveu o arguido da prática do crime pelo qual vinha acusado, ou seja, da prática de um crime de desobediência (art. 348º/1, al. b) do C.P.), mas condenou-o pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições (art. 353º do C.P.), na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
7- Pois que, entende-se que o comportamento do arguido não preenche os elementos do tipo de ilícito do art. 348º/1, al. b) do C.P., nem os elementos típicos do ilícito previsto no art. 353º do mesmo diploma legal.
8- A entrega da carta de condução foi determinada no âmbito de um processo sumário para cumprimento de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (pontos 1 e 2 dos factos dados como provados), pelo que terá sempre de se aplicar o disposto no art. 500º, nº 2 e 3 do C.P.P.
9- A omissão da entrega da carta de condução por parte do condenado, em pena acessória de proibição de conduzir, não se encontra legalmente cominada com a punição pelo crime de desobediência ou pelo crime de violação de imposições.
10- A falta de entrega voluntária da carta de condução para cumprir a pena acessória foi expressamente prevista pelo legislador (art. 500º/2 e 3 C.P.P.), tendo este decidido determinar como consequência dessa omissão, a apreensão da licença de condução pela entidade policial.
11- Não pode pretender-se reconduzir a conduta do arguido como preenchendo a descrição típica do crime de violação de imposições, proibições ou interdições.
12- Quando o legislador incluiu, na alteração introduzida pela Lei 59/2007, de 4/9, na descrição típica do crime do art. 353º do C.P., as imposições determinadas por sentença criminal, estas imposições serão aquelas em a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, é aplicada uma medida que se traduza, para o agente, na execução de um facto de conteúdo positivo.
13- Na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, o comportamento imposto ao arguido na sentença condenatória corresponde a um facto de conteúdo negativo – abstenção de conduzir veículos com motor.
14- E a entrega da carta de condução por parte do condenado é apenas o meio necessário para assegurar e fiscalizar a execução da pena acessória aplicada.
15- Assim, temos que apenas o comportamento por parte do condenado de conduzir veículos automóveis com motor, durante o período em que está inibido de o fazer, poderá ser susceptível de integrar a prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições (art. 353º do C.P.).
16- Pugnando, o recorrente, pela tese que entende que a conduta praticada pelo arguido não integra a prática de qualquer ilícito criminal.
17- No entendimento do recorrente, os factos dados como provados, não se mostram susceptíveis de integrar a prática do crime de desobediência pelo qual foi acusado o arguido, nem de qualquer outro ilícito de natureza criminal.
18- Esteve bem o Tribunal “a quo” quando entendeu que não ficaram demonstrados nos autos factos susceptíveis de integrar a prática do crime de desobediência, fosse pela a al. a) ou b) do art. 348º do C.P. e, consequentemente, decidiu bem a Mm. Juiz “a quo” quando o absolveu da prática do referido crime.
19- Discorda o recorrente quando o Tribunal “a quo” decidiu, face aos factos dados como provados, que a sua conduta integraria a prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições (art. 353º do C. P.), decisão com a qual não concorda pois entende, face ao supra exposto, que a sua conduta não integra a prática de qualquer ilícito de natureza criminal.
20- Entende o recorrente que deverá manter-se a Douta Sentença recorrida na parte em que o absolve do crime de desobediência pelo qual vinha acusado, devendo ser revogada e substituída por outra, na parte em que o condena pelos mesmos factos, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições e interdições (art. 353º do C.P.), quando deveria ter decidido que a sua conduta não integra qualquer ilícito criminal, concluindo-se tão só pela absolvição do arguido.
21- Ao não ter decidido assim, violou o Tribunal “a quo” o vertido no art. 353º do C.P., art. 127º do C.P.P. e arts. 18º e 32º/1 da C.R.P.
22- Sem nunca prescindir, concluindo o Douto Tribunal “a quo” pela condenação do arguido, o que não se aceita, deveria, no entanto, o mesmo ser merecedor de decisão mais favorável, pois que a pena aplicada é excessiva tendo em conta a moldura penal do crime em causa e as circunstâncias do caso sub judice.
23- Deverão ser valoradas todas as circunstâncias que foram objecto de conhecimento do Tribunal “a quo”, e que constam dos factos dados como provados e que depuseram a favor do arguido;
24- Designadamente, as suas condições pessoais, a confissão, a sua postura, o facto de ser pessoa inserida familiar, profissional e socialmente, os antecedentes criminais do arguido referem-se a crimes de natureza diversa daqueles que constam dos presentes autos e respeitam a decisões de 1998, 2002 e 2005, sendo a última condenação do arguido há mais de 6 anos.
25- Estes factos, só por si, justificavam, salvo melhor opinião, a aplicação de pena menos severa ao arguido, pois que a pena aplicada de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, é excessiva face às necessidades da prevenção especial e geral, que, no caso, se fazem sentir.
26- Pelo que o Tribunal “a quo” também nesta questão terá violado o disposto nos art. 50º e 71º/1 e 2 do C.P. ao não atender, na determinação da medida da pena, a todas as circunstâncias que depunham a favor do arguido e ao não aplicar uma pena menos gravosa ao arguido, designadamente ao não ter optado pela pena de multa.
27- A aplicação de uma pena de multa no caso sub judice seria adequada e satisfaria de forma suficiente as necessidades de prevenção geral e especial exigidas nos presentes autos.
28- Nestes termos, e salvo o devido respeito, terá o Tribunal “a quo” violado o disposto nos artigos 40º e 71.º/1 e 2 – als. a) e d) do C.P..
29- Concluindo o Tribunal “a quo” pela condenação do arguido, o que não se aceita, entende-se que será adequada e suficiente face às necessidades de prevenção – geral e especial – a aplicação de uma pena de multa, atendendo às condições económicas e sociais do arguido, sendo que essa pena será suficiente para garantir que este não voltará a reincidir sobre este tipo de crime.”
Na sua resposta ao recurso, o M.P. pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, mas concluindo por seu turno:
“1. Por sentença de 1.06.2011, foi o arguido PC absolvido da prática do crime de desobediência de que vinha acusado, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e condenado como autor material pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.
2. Inconformado, veio o mesmo recorrer de tal decisão alegando, em síntese, que a sua conduta não é susceptível de integrar a prática do referido crime, nem de qualquer outro ilícito criminal, pelo que não deveria ter sido condenado pela prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal.
3. Mais refere, sem conceder, que caso assim não se entenda, o tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena de multa, ao invés de uma pena de prisão, por entender que esta realiza de forma adequada as finalidades da punição.
4. O Ministério Público discorda das razões aduzidas pelo recorrente, entendendo que o mesmo incorreu na prática de um crime que, a nosso ver, será de desobediência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
5. Com efeito, o arguido PC foi condenado na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses, o que, nos termos do artigo 500.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, implicava a obrigação de entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da referida decisão.
6. Foi-lhe pessoal e regularmente comunicada, pelo Mmo. Juiz que procedeu ao respectivo julgamento, a ordem de entrega da sua carta de condução no aludido prazo legal, bem como a cominação da prática de crime de desobediência simples, caso não o fizesse – cominação essa legítima, em nada lhe obstando o facto do legislador ter previsto expressamente, no artigo 500.°, nº 3, do Código de Processo Penal, a possibilidade de ser ordenada a apreensão da carta de condução não entregue tempestivamente.
7. O arguido percebeu perfeitamente o teor da referida notificação e, não obstante, não entregou a sua carta no prazo de que dispunha.
8. Verifica-se, assim, que a sua conduta integra todos os elementos típicos objectivos do crime de desobediência simples de que vinha acusado, sendo que, subjectivamente, poder-lhe-á ser imputada, pelo menos, a título de dolo necessário, já que ao ter decidido não entregar a carta de condução, o arguido sabia que estava necessariamente a desobedecer à ordem que lhe havia sido dada nesse sentido.
9. Não ignoramos certamente a querela jurisprudencial existente em volta desta questão, existindo inclusivamente quem entenda que a conduta em apreço não configura a prática de qualquer ilícito criminal, conforme pugna o recorrente; que a mesma integra o crime de desobediência, nos termos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 160.º, n.º 1 e n.º 3 do Código da Estrada e ainda quem entenda que se trata do crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto no artigo 353.º do Código Penal, conforme o fez a Mma. Juiz na decisão recorrida.
10. No entanto, ao contrário do que considerou a sentença recorrida, é nosso entendimento que a não apresentação por parte do arguido do seu título de condução no prazo que lhe foi fixado, o fez incorrer na prática do crime de desobediência, p. e p. no artigo 348°, nº 1, al. b), do Código Penal (efectuada que foi a competente cominação aquando da notificação da sentença e verificados os demais pressupostos legais), afigurando-nos adequada a condenação do arguido numa pena de prisão pela prática de tal crime, ainda que suspensa na sua execução.
11. Muito embora se compreenda os argumentos avançados pela Mma. Juiz a quo, no sentido de que se trata de uma conduta subsumível ao tipo legal do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, perfilhamos aquele entendimento de acordo com o qual pratica o aludido crime quem violar as imposições determinadas a título de pena acessória e não imposições processuais decorrentes da aplicação de uma pena acessória.
12. Logo, pratica o crime de violação de proibições quem puser em causa o conteúdo material da pena acessória, no caso da pena acessória do artigo 69.º do Código Penal, quem conduzir veículo motorizado, mas já não pratica o crime quem não cumpre as obrigações processuais decorrentes da aplicação da pena acessória, designadamente a não entrega a carta de condução, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
13. Por outro lado não se pode entender, a nosso ver e na esteira do entendimento que se defende, que a obrigação de entrega da carta faz parte do conteúdo da própria pena acessória de proibição de condução, pois que o legislador define conteúdo desta pena acessória no artigo 69.º, nº 1 do Código Penal – “é condenado na proibição de conduzir” – e o princípio da legalidade e da tipicidade da norma penal não deixam espaço para interpretações que contrariem o elemento literal do tipo.
14. Independentemente do supra exposto, com o que não poderemos concordar de todo é – conforme sustenta o recorrente – que a sua conduta não consubstancia a prática de nenhum tipo de ilícito criminal.
15. Sem conceder na argumentação por si expendida, entende o recorrente que a pena aplicada é excessiva, tendo em consideração a moldura penal do crime em causa e as circunstâncias do caso concreto.
16. No que respeita à escolha da pena, considerou o tribunal, como não poderia deixar de o fazer, os antecedentes criminais do arguido e, bem assim, as elevadas exigências de prevenção geral.
17. Tudo ponderado, entendeu o tribunal como adequada a condenação numa pena privativa da liberdade (uma vez que a pena de multa já não se revela suficiente e adequada para realizar as finalidades da punição), fixando-a em 4 meses de prisão, atendendo ao grau médio da ilicitude e da culpa, ao dolo intenso e directo com que o arguido actuou, às circunstâncias em que o crime foi cometido e aos antecedentes criminais do arguido.
18. Mais decidiu o tribunal a quo suspender na sua execução a referida pena, pelo período de um ano.
19. Assim, aderindo à fundamentação vertida na douta sentença – e independentemente do entendimento diverso quanto à qualificação jurídica da conduta do arguido – é nosso entendimento que, a manter-se a decisão recorrida, a pena aplicada deve ser mantida nos seus precisos termos, afigurando-se adequada às finalidades punitivas que o caso requer.”
Neste Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, opinando também pela procedência parcial do recurso, considerando que os factos integram crime de desobediência simples, sendo este o crime pelo qual o arguido deve ser condenado.
Colhidos os Vistos, teve lugar a Conferência.
2. Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos provados:
“1. No âmbito do Processo Sumário com o n.º ---/10.3 GDABF, que correu termos no 3.º Juízo deste Tribunal Judicial de Albufeira, foi o arguido julgado e condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de noventa dias de multa à taxa diária de € 5,00.
2. Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses, sendo advertido de que deveria entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença na secretaria do tribunal, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
3. Apesar de ter sido pessoalmente notificado da referida decisão judicial, sabendo que tal ordem era legítima, por provir de entidade com competência para o efeito e ter previsão legal, ainda assim, o arguido desrespeitou-a, sendo que não entregou a sua carta de condução no prazo que lhe fora determinado.
4. Ao agir como descrito, quis o arguido furtar-se ao cumprimento de uma pena e de uma ordem judicial, que sabia ser legítima, tendo conhecimento das consequências e ilicitude da sua conduta.
5. Agiu de modo livre, deliberado e consciente.
6. O arguido exerce a profissão de servente de pedreiro, sendo que actualmente se encontra desempregado e aufere subsídio de desemprego no montante de € 419,00.
7. Vive com a companheira que exerce a profissão de escriturária.
8. Tem sete filhos, dois da actual companheira, e os primeiros cinco residem com a mãe.
9. Paga renda de casa no montante mensal de € 350,00.
10. Por acórdão de 13 de Julho de 1998, transitado em julgado, proferido no âmbito do Processo Comum Colectivo N.º ---/97.0 JAFAR, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, foi o arguido condenado pela prática em 18 de Agosto de 1997, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de seis anos de prisão, já declarada extinta.
11. Por sentença de 9 de Maio de 2002, transitada em julgado a 24 de Maio de 2002, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º --/02.3 FBOLH, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00, já declarada extinta.
12. Por sentença de 7 de Dezembro de 2004, transitada em julgado a 21 de Janeiro de 2005, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º ---/04.0 GTABF, do 2º Juízo de Competência Criminal de Loulé, foi o arguido condenado pela prática em 12.11.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigo 69.º, n.º 1, al.a) e 292.º, n.º1, ambos do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 3,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e vinte dias, ambas já declaradas extintas “
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:
- Erro de subsunção;
- Medida da pena.
Da integração jurídica dos factos provados:
Anteriormente condenado em pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses, com a advertência de que deveria entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença na secretaria do tribunal sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, o arguido nada fez.
Foi, por esse comportamento, condenado nos autos por crime de violação de imposições, proibições ou interdições do artigo 353.º do Código Penal, na sequência de uma acusação por crime de desobediência do artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
Pretende agora ser absolvido, por considerar que os factos do processo não integram crime.
E são precisamente estas as três respostas jurídicas, à omissão da entrega da carta de condução por parte do condenado em pena acessória de proibição de conduzir, que têm vindo a ser dadas pelos tribunais, todas elas já avançadas nos autos: a desobediência, pelo M.P., a violação de imposições pelo juiz de julgamento; a atipicidade da conduta, pelo arguido.
A título meramente exemplificativo, vejam-se também, por mais recentes, os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt: a favor da tese da desobediência, TRP 21-09-2011 (Rel. Melo Lima), TRP 18-05-2011 (Rel. Paula Guerreiro), TRP 02-03-2011 (Rel. Araújo Barros), TRP 02-03-2011 (Rel. Castela Rio) TRL 05-04-2011 (Rel. Neto Moura), TRL 24-03-2010 (Rel. Carlos Almeida), TRE 31-01-2012 (Rel. António João Latas), TRE 14-06-2011 (Rel. Pedro Vaz Patto), TRE 24-03-2011 (Rel. Sénio Alves), TRE 27-05-2010 (Rel. Berguette Coelho); a favor da tese da violação de imposição, TRG 03-05-2011 (Rel. Paulo Silva), TRC (Rel Paulo Guerra), TRE 06-12-2011 (Rel. João Gomes de Sousa); a favor da não punibilidade da conduta, TRG 12-09-2011 (Rel. Tomé Branco), TRC 13-12-2011 (Rel. Luís Ramos), TRL 29-04-2010 (Rel. Calheiros da Gama).
Todos estes acórdãos, e muitos outros, cumprem a divulgação dos argumentos a favor e contra cada uma das três posições, pelo que nos limitaremos a justificar sumariamente a posição que perfilhamos, por contraposição às restantes, que sinteticamente afastaremos.
Assim, no plano estritamente teorético ou da pura abstracção, a falta de entrega da carta de condução por parte do condenado em pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é, quanto a nós, susceptível de convocar as seguintes (cinco) construções jurídicas:
- atipicidade do comportamento;
- crime de desobediência do artigo 348.º, n.º 1, al. a);
- crime de desobediência do artigo 348.º, n.º 1, al. b);
- crime de violação de imposições, proibições ou interdições, do artigo 353.º do Código Penal;
- crime de desobediência e crime de violação de imposições, a resolver pelas regras do concurso aparente de normas ou, na construção de Figueiredo Dias, da unidade de norma ou de lei (Dias, Jorge de Figueiredo, Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 992 e ss).
A primeira construção pressupõe que o comportamento omissivo não é penalmente punido; as segunda e terceira, que ele desrespeita ordem legalmente comunicada e emanada de autoridade judiciária competente; a quarta, que a omissão de entrega viola uma imposição proferida a título de pena acessória; a quinta, que uma mesma e única conduta é susceptível de preencher em abstracto os dois tipos de crime, de desobediência e de violação de imposição.
Antes de avançar, importa relembrar um aspecto importante, e relativamente ao qual não haverá desacordo – a proliferação de leis penais extravagantes e a deficiente inserção sistemática de normas é, em Portugal, uma realidade. A “vastidão, dispersão e contradição dos textos penais extravagantes” resulta, por exemplo, bem evidenciada nos dois volumes do “Comentário das Leis Penais Extravagantes (Org. Pinto de Albuquerque, J. Branco, U.C.P., 2010/2011) que reúne, comentando, os ilícitos penais fora do Código penal, dispersos por noventa e três diplomas legais.
A interrogação sobre a existência, ou não, de um código penal português mantém-se, pois, actual (recentemente (re) colocada, por exemplo, por Barbas-Homem no colóquio “Crime e Castigo: Reformar as Leis Penais”, em 09.01.2012, na F.D.U.L. constatando que o velho ideal das “Luzes” se perdeu e concluindo com um apelo ao “regresso ao código penal”).
Como actual se mantém a persistente recomendação de Luigi Ferrajoli – assente numa reserva de Código que este professor propõe em substituição da genérica reserva de Lei – de que todas as normas relativas a crimes, penas e processos deveriam estar contidas no Código Penal e no Código de Processo Penal, “medida indispensável para voltar a dar credibilidade ao direito penal e restituir-lhe a natureza de “extrema ratio”. Ferrajoli propõe a “refundação da legalidade penal através da introdução na Constituição de uma reserva reforçada de Código contra as intervenções de excepção e de ocasião do legislador ordinário”, “exigência de Código, enquanto sistema claro, unitário e coerente de proibições e punições” (Garantismo e Direito Penal, 1º aniversário da Revista Julgar, CEJ, 30.01.2008)
Tudo para dizer que a (des)localização de uma norma para diploma diverso do CP e do CPP ou a sua eventual desinserção sistemática não é argumento decisivo de interpretação; e que, para a resolução da nossa questão, para além das normas já mencionados, haverá que convocar preceito jurídico extravagante, ou seja,do Código da Estrada.
E será neste quadro legal então completo que encontraremos a resposta à questão colocada em recurso, avançando que a solução, quanto a nós, passará pela integração jurídica dos factos no tipo de crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. a) do CP, uma vez que a omissão da entrega da carta de condução se encontra cominada como desobediência simples, por disposição legal – no caso, o art. 160º, nº1 e 3 do Código da Estrada.
Vejamos, então, os preceitos legais convocandos:
Art. 348º, nº1 – a) do CP : “Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido (…) se uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples”
Não nos interessa a al. b) – “na ausência de disposição legal…” – pois, como veremos, esta previsão não ocorre. A al. b) “existe tão só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qualquer for a sua natureza (…) prevê aquele comportamento desobediente” (Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense ao CP, Dirigido por Figueiredo Dias, p. 354).
No caso, inexiste “ausência de disposição legal” para o comportamento desobediente, ou seja, pelo contrário, existe disposição legal que comina a punição da desobediência.
E fica, assim, consequentemente neutralizada a tese da atipicidade da conduta.
Com efeito, esta construção jurídica assentaria no carácter residual ou subsidiário do crime de desobediência previsto na al. b), cuja punição não se justificaria no caso da omissão da entrega da carta, atenta a previsão legal de outra consequência para tal desobediência à ordem. Esta outra consequência seria a apreensão da carta de condução prevista no art. 500º, nº 3 do CPP (“se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução”). Tudo isto, conforme valores constitucionais da necessidade e da intervenção mínima do direito penal, categorizados no binómio dignidade penal – carência de tutela penal, respectivamente “requisito negativo” da incriminação e “requisito positivo” da incriminação (Costa Andrade, A dignidade Penal e a Carência de Tutela Penal como Referências de uma Doutrina Teleológica –Racional do Crime, 1992, nº2, pp. 173ss)
Era esta, também, a posição defendida pelo recorrente, nas suas conclusões 9. “a omissão da entrega da carta de condução por parte do condenado, em pena acessória de proibição de conduzir, não se encontra legalmente cominada com a punição pelo crime de desobediência ou pelo crime de violação de imposições” e 10. “a falta de entrega voluntária da carta de condução para cumprir a pena acessória foi expressamente prevista pelo legislador (art. 500º/2 e 3 C.P.P.), tendo este decidido determinar como consequência dessa omissão, a apreensão da licença de condução pela entidade policial”, que, assim, não vinga.
Já o crime da al. a) do art. 348º, nº1 serve de “norma auxiliar a alguns preceitos de direito penal extravagante que incriminam um determinado comportamento desobediente, sem contudo fixarem uma moldura penal própria” (Cristina Líbano Monteiro, loc. cit., p. 354. E a autora exemplifica o âmbito de aplicação da norma com a hipótese prevista no art. 12º, nº7 do D.L. nº 454/91 - desrespeito pela injunção de restituição dos módulos de cheques ao banco pelo agente interditado do uso de cheque – que tem, curiosamente, algumas homologias fenomenológicas com o nosso caso. E, também ali, a lei pune diferentemente a mera não devolução dos módulos de cheque e a própria emissão de cheque por sujeito interditado, resultado a que conduzirá também, no caso sub judice, a solução que perfilhamos).
Identifiquemos, então, a norma legal que comina como desobediência.
Adiantámos já tratar-se do art. 160º do Código da Estrada, que dispõe: “os títulos de condução devem ser apreendidos para cumprimento da cassação do título, proibição ou inibição de conduzir” (nº1); “quando haja lugar à apreensão do título de condução, o condutor é notificado para, no prazo de 15 dias úteis, o entregar à entidade competente, sob pena de crime de desobediência, devendo, nos casos previstos no n.º 1, esta notificação ser efectuada com a notificação da decisão” (nº 3).
Acrescenta o nº 4, numa estatuição aliás semelhante à do nº3 do art. 500º do CPP, que “sem prejuízo da punição por crime de desobediência, se o condutor não proceder à entrega do título de condução nos termos do número anterior, pode a entidade competente determinar a sua apreensão, através da autoridade de fiscalização e seus agentes”.
Do art. 69º do CP resulta que “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo” (nº 3); “a secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir á Direcção-geral de viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior” (nº4).
Por último, o art. 500º do CPP determina que “a decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral De Viação” (nº 1); “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo” (nº2); “se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução” (nº3).
Como resulta expressamente da lei, o art. 160º do CE trata dos casos de apreensão de títulos de condução e preceitua – expressamente, repetimos – que os títulos de condução devem ser apreendidos para cumprimento da proibição de conduzir (e da cassação e da inibição), e que o condutor é notificado para entregar o título à entidade competente sob pena de crime de desobediência.
A proibição de conduzir é a pena acessória – de natureza penal – prevista no art. 69º do CP.
A inibição de conduzir e a cassação são sanções acessórias – de natureza contra-ordenacional– respectivamente previstas nos arts. 147º e 148º do CE.
E sendo certo que do art. 282º, nº3 CRP possa resultar uma equiparação de regimes do direito penal e do direito de mera ordenação social, identidade reconhecida pelo tribunal constitucional a vários propósitos – quanto a garantias do art. 29º (ATC 380/99 e 547/01), quanto ao princípio da culpa (ATC 547/01 e 357/01), quanto aos limites das penas e proibição de efeitos automáticos da condenação (ATC 176/00 e 405/01) – as suas diferentes naturezas não se confundem, particularmente no que se refere às respectivas reacções, e as sanções contra-ordenacionais são precisamente sanções ordenativas de carácter não penal.
Tudo para dizer que a proibição de conduzir referida no art. 160º do CE não é uma sanção administrativa (estando também estas aliás sujeitas ao princípio da tipicidade) e sim a pena acessória prevista no código penal; pena acessória cuja aplicação implica a apreensão de título de condução; e, quando haja lugar a esta apreensão, deve o condutor ser notificado para entregar o título de condução sob pena do crime de desobediência.
Tudo isto resulta do disposto no art. 160º do CE, norma complementar e (não in)compatível com o art. 500º do CPP, que trata da proibição de conduzir, mas adjectivamente.
Acresce que a norma do art. 160º do CE é, das três normas (arts 69º do CP, 500º do CPP e 160º do CE), a que tem redacção mais recente, pelo que uma eventual incompatibilidade normativa – que, porém, não se reconhece – dever-se-ia resolver de acordo com o critério de que a lei posterior revoga a lei anterior.
Tudo isto bem se nota no Acórdão deste TRE de 31.01.2012 (Rel. António João Latas), onde se desenvolve apurado acompanhamento da sequência cronológica das várias alterações legislativas que no caso ocorreram e se conclui que “o actual art. 160 nºs 1 e 3 do C.Estrada, tal como o art. 167º do C.Estrada (introduzido pelo Dec-lei 2/98), que passou a incriminar como desobediência a falta de entrega do título de condução na sequência da citada lei de autorização legislativa de 1997 que expressamente referia a inibição e a proibição de conduzir, como o subsequente art 166º (redação de 2001) não foi de modo algum revogado pelos arts 69º do C. Penal e 500º do C.P.P., que lhe são anteriores”. Dizendo-se ainda, expressivamente, que “a regulação da matéria jurídica em causa fora do corpo normativo onde, sistematicamente, melhor se enquadraria, não legitima a sua desqualificação ou degradação no ordenamento jurídico. Correlativamente, a norma sistematicamente bem colocada não goza de qualquer superioridade hierárquica, por essa circunstância”.
A desinserção sistémica da norma em causa, afinal, mais não é do que expressão das denúncias da doutrina, a que já nos referimos, reforçando as recentes palavras de Fernanda Palma (proferidas também no colóquio “Crime e Castigo: Reformar as Leis Penais”, em 09.01.2012, na F.D.U.L.), sobre a “necessidade de um meta-discurso apaziguador” e de um “discurso reformador global”, não devendo “substituir-se o pensamento penal global por pensamentos sectoriais concretizados em reformas legislativas retalhadas e pontuais”.
No caso, os factos provados preenchem o tipo de crime de desobediência da al. a) do nº1 do art. 348º do CP.
E não preenchem qualquer outro – designadamente o do art. artigo 353º do CP – pelo que a situação que abstractamente elencámos em último lugar – a do eventual concurso (aparente) ou da decisão sobre a unidade de norma ou de lei – na prática, não se (nos) coloca. Ocorrerá, sim, nos casos em que o agente, punido em pena de proibição de condução, não procede à entrega da carta e conduz veículo motorizado. Ou, acrescentaríamos, não cumpre a obrigação de entrega para continuar a conduzir.
Nestas situações haverá concurso de crimes entre o crime de desobediência, que pune menos gravemente a conduta menos grave, e o crime de violação de proibição, que pune mais gravemente a conduta mais grave; a resolver pelas regras do concurso aparente, quando reconhecido um sentido único de ilicitude revelado pela relação ilícito-meio/ilícito-fim.
Na verdade, o bem jurídico tutelado pelo crime de violação de imposições, proibições e interdições do artigo 353.º do Código Penal traduz-se na “não frustração de sanções impostas por sentença criminal” (Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do CP, Dir. Figueiredo Dias, III, 400).
E a alteração introduzida (pela Lei nº 59/2007) na redacção desta norma, nada alterou no que respeita ao bem jurídico – não frustração de sanção impostas por sentença, repete-se – embora tenha alargado o âmbito da tutela penal. Com esta ampliação pretendeu-se, apenas, resolver um problema – o das consequências da violação de imposições determinadas a título de pena aplicada em processo sumaríssimo – que nada tem a ver com a situação ora em análise.
Estas “imposições, proibições e interdições” têm que ser impostas por sentença (penal) e constituir ou integrar uma pena acessória, uma medida de segurança ou uma pena aplicada em processo sumaríssimo.
No caso, o preenchimento do tipo objectivo exigiria que a obrigação de entrega da carta constituísse ou, pelo menos, integrasse a pena acessória de proibição de conduzir, como pena acessória determinada por sentença penal, “indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotada de uma moldura penal específica” e “entidade distinta, tanto do ponto de vista dognmático como político-criminal, dos meros “efeitos penais da condenação”” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p.181).
Ora, a obrigação da entrega da carta não constitui nem integra a pena acessória de proibição de conduzir, sendo apenas uma consequência, um efeito ou uma decorrência dessa mesma pena, mas situando-se já fora dela ou depois dela, pelo que a conduta do recorrente não preenche o crime do art. 353.º do CP. Registe-se, por último, que não faria sentido punir – abstractamente – de forma igual comportamentos de evidente diferente gravidade.
- Da escolha e medida da pena:
O recorrente pretende que a sua pena seja alterada para multa.
A determinação concreta da pena terá de partir do dispositivo nuclear dos arts 40º e 71º, nº1 do C.P., relacionando adequadamente os princípios da culpa e da prevenção, no quadro constitucional da proibição do excesso.
Na construção dogmática de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005) e acompanhada por Anabela Rodrigues (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995), toda a pena prossegue finalidades exclusivamente preventivas.
Figueiredo Dias resume o seu pensamento da forma seguinte: “toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” (Direito Penal Português, Parte Geral I, Coimbra Editora, 2004, p.81)
A prevenção geral positiva ou de integração apresenta-se como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, não podendo a prevenção especial positiva pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, tendo a culpa como limite.
O tribunal justificou a pena desta forma:
“No caso em apreço nos presentes autos, o arguido tem antecedentes criminais pela prática do crime de condução em estado de embriaguez cuja pena deu origem aos presentes autos e ainda por um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução em estado de embriaguez. O arguido já foi condenado numa pena de prisão e em três penas de multa, sendo que, nenhuma delas foi suficiente para afastar o arguido da prática de actos ilícitos. Por outro lado, as exigências de prevenção geral também se revelam prementes tendo em consideração que este tipo de crime tem vindo a aumentar substancialmente procurando os cidadãos condenados ludibriar as autoridades judiciárias por forma a evitarem o cumprimento da pena acessória. Como tal, face às anteriores condenações do arguido e às exigências de prevenção geral supra referidas, entende o tribunal que a condenação do arguido numa pecuniária já não se revela suficiente e adequada para realizar as finalidades da punição. Escolhida a natureza da sanção a aplicar, tendo em vista as finalidades que com a mesma se pretende atingir e vertidas no artigo 40º do Código Penal.
A fixação da medida concreta da pena far-se-á nos termos equacionados no artigo 71º do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui um limite inultrapassável, traduzindo-se num princípio fundamental do Estado de Direito, tendo em conta ainda as exigências de prevenção de prevenção de futuros crimes. Visando a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não pode em caso algum a medida daquela ultrapassar a medida da culpa - artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal. Deste modo, a culpa, ou seja, o juízo de censura dirigido ao agente por não se ter comportado de acordo com a norma, serve para determinar o limite máximo da pena, dependendo a medida desta das exigências de prevenção. Por outro lado, deverão ser consideradas, ainda, todas as circunstâncias gerais que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente, designadamente, o grau de ilicitude do tacto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao tacto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica. O grau de ilicitude e de culpa do facto mostra-se médio, atendendo ao tipo crime em causa. O dolo é intenso, porquanto existiu na modalidade de directo e o arguido tem antecedentes criminais. Por fim, há que considerar as circunstâncias em que o crime foi cometido, designadamente pela atitude do arguido que em audiência de julgamento fez crer ao tribunal que não se encontrava na posse de qualquer título por ter a sua carta apreendida, quando na verdade tinha na sua posse uma guia de substituição, a qual veio a ser apreendida”
Sobre a decisão proferida, dir-se-á que se concorda, no essencial, com as razões indicadas, rectificando-se apenas que não há uma “culpa do facto” mas sim um juízo de censura da personalidade revelada no facto, e ainda que não devem ser retiradas consequências agravantes do segmento final transcrito. Se bem que o arguido, no caso, não beneficie de uma (inexistente) confissão, também não deve ser penalizado (a título de pena) pela estratégia de defesa que escolheu, não sendo totalmente perceptível o que quis dizer o tribunal com “as circunstâncias em que o crime foi cometido, designadamente pela atitude do arguido que em audiência de julgamento fez crer ao tribunal que não se encontrava na posse de qualquer título por ter a sua carta apreendida, quando na verdade tinha na sua posse uma guia de substituição, a qual veio a ser apreendida” e sendo ainda certo que todos os factos relevantes para a decisão – inclusive a decisão sobre a determinação da sanção – são os constantes dos factos provados (ou dos não provados) e apenas esses. Mas, feita a rectificação, a escolha e a medida da pena apresentavam-se correctamente justificadas.
O arguido apresenta-se condenado na pena de quatro meses de prisão suspensa na execução pelo período de um ano, por crime de violação de imposições, proibições ou interdições do art. 353.º do CP, punível com prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
A alteração da qualificação dos factos para crime de desobediência do artigo 348°, nº1, al. a) do CP, implica uma reponderação da pena, no quadro da nova moldura abstracta, mesmo independentemente do pedido expresso do recorrente.
Cumprindo reequacioná-la na nova moldura, começa por se reafirmar – pelas mesmas razões, que persistem – a opção pela pena de prisão, na nova pena abstracta igualmente compósita alternativa, de prisão até um ano ou multa até 120 dias.
Como factos pessoais relevantes, temos que o recorrente se apresenta familiar e profissionalmente integrado (embora pontualmente desempregado, pois recebe subsídio de desemprego) mas regista os antecedentes criminais já transcritos em 2., com três condenações anteriores (em 1998, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de seis anos de prisão; em 2002, por um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00; e em Dezembro de 2004, por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 3,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e vinte dias, ambas já declaradas extintas).
É, pois, de manter a escolha da pena de prisão tendo em conta as anteriores condenações em pena de prisão e em penas de multa, no período compreendido entre 1998 e 2004, que se revelarem ineficazes no sentido da neutralização de novos comportamentos criminosos.
Sempre de acordo com o quadro legal de referência (arts. 40º, 70º e 71º do CP), e mantendo-se o afastamento da pena de multa (principal), a pena de prisão é agora de fixar em três meses.
Achada a pena principal, a ponderação sobre a escolha da pena de substituição não pode deixar de partir das mesmas linhas gerais que moldam todo o sistema punitivo, devendo optar-se por esta (pena de substituição), desde que realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E haveria sempre que justificar uma não opção por pena de substituição, no decurso do processo de determinação da pena, cujos passos, como se sabe, são os seguintes: 1º escolha da pena principal; 2º determinação da medida concreta da pena principal; 3º ponderação da aplicação de uma pena de substituição; sua escolha e determinação concreta.
No caso, a pena de três meses de prisão admite substituição por multa (art. 43º, nº1 do CP), pena de substituição menos gravosa do que a pena suspensa também admissível (art. 50º, nº1).
A opção inicial por pena de prisão, afastando a multa principal, não impede agora a substituição da prisão por multa de substituição, pois “uma coisa é a aplicação da pena de multa ser preferível à da prisão, outra diversa, e muito mais estrita, é que a execução da prisão seja exigida por razões de prevenção; além temos um critério de conveniência e de maior ou menor adequação, aqui um critério estrito de necessidade” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, p. 364).
No caso, nem a prevenção especial de socialização nem a prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico impõem a necessidade da execução da pena de prisão, nem tão pouco obstam à substituição desta por multa, pelo que, seguindo o critério de correspondência normativa defendido por Figueiredo Dias (loc. cit. p.565), se substituem os três meses de prisão por sessenta dias de multa a 5€/dia (arts. 43º, nº1, 47º, nº2 do CP). A fixação do quantitativo diário obedeceu à ponderação da situação económico-financeira do condenado e aos seus encargos pessoais (art. 47º, nº2 do CP).
4. Face ao exposto, acordam os juízes da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar parcialmente procedente o recurso, mantendo-se a condenação do recorrente mas agora por um crime de desobediência do artigo 348°, nº1, al. a) do CP, na pena de 3 (três) meses de prisão substituída por 60 (sessenta) dias de multa a 5€/dia.