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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
TÍTULO EXECUTIVO
LETRA DE CÂMBIO
Sumário
I- A impugnação da matéria de facto tem na sua base concretos meios probatórios e não considerações genéricas a respeito da razão de ciência das testemunhas inquiridas. II- Cabe ao executado provar a realidade das letras de favor bem como o pacto de preenchimento que lhe está subjacente. III- Não se fazendo tal prova, o título executivo vale por si.
Sumário do relator
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
Por apenso à execução que F… move contra F… deduziu este a presente OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO, alegando para tanto, em suma, que as letras que servem de fundamento à acção executiva foram assinadas em branco pelo executado/oponente, tratando-se de letras de favor para com a sociedade Auto Mecânica… assinadas com o intuito de substituir o pagamento, por urgência, perante Repartições de Finanças ou entidades bancárias, não tendo havido qualquer relação comercial, pessoal ou profissional subjacente à sua assinatura travada entre as partes.
O exequente/oposto defendeu a improcedência da oposição à execução.
Requereu ainda que o executado/oponente fosse condenado como litigante de má fé.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a oposição improcedente.
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Inconformado, o executado recorre impugnando a matéria de facto por, em seu entender, as respostas aos quesitos deverem ter sentido diferente, e alega também que a sentença deve ser revogada.
Nas suas conclusões faz ainda referencia a uma nulidade da sentença.
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O exequente contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Começaremos pela questão da nulidade.
Afirma o recorrente que o tribunal «ao não apreciar correctamente os artigos acima mencionados da LULL [1.º, 2.º e 10.º], e não ter conjugado essa apreciação com a prova produzida afectou também o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC».
Não tem qualquer razão e basta ler a citada al. b) para logo assim se concluir.
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Ora, o que o recorrente alega acaba por ser uma discordância sobre a interpretação de algumas normas legais e sua aplicação ao caso dos autos; não se trata, em parte nenhuma, de alegar que a sentença não contém descrição de factos ou fundamentação de direito.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente a arguida nulidade.
Também invoca uma nulidade nos seguintes termos: «Quer a questão da detenção dos próprios títulos, quer inclusive do seu preenchimento nos termos suscitados e atrás mencionados, quer a razão da sua existência, não pode deixar de ser apreciada na D. sentença, em clara violação do artigo 668º do CPC». Claro que sim desde que estejam alegados factos a isso respeitantes. Não os existindo (e basta ler os quesitos para se concluir que assim é) não uma questão sobre a qual o tribunal não se pronunciou; não existe sequer essa questão.
Assim, não se verifica qualquer omissão de pronúncia.
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Como se disse, o recorrente impugna a matéria de facto. Uma vez que o Direito há-de ser aplicado àquilo que ficou provado, entendemos que esta parte do recurso deve ser apreciada antes da apreciação da sua parte jurídica. Com efeito, se houver alterações na matéria de facto, a fundamentação legal que justifique a decisão deve ter em conta os factos fixados e não os que podem vir a ser alterados.
Por isso, e ao contrário do que faz o recorrente, julgar-se-á em primeiro lugar a segunda parte do recurso.
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A este respeito, conclui o recorrente da seguinte forma:
«18. Não foram valorizados devidamente os depoimentos das testemunhas.
«19. Tão pouco se compreende, nem existe razão justificativa para tal, em consonância com as declarações das próprias testemunhas, para não credibilizar e conceder o referido “crédito judiciário” às testemunhas Elsa Gaspar e Fernando Santos;
«20. Testemunhas estas que pelas suas funções e qualidades, em especial na sociedade auto Mecânica… e pela relação pessoal que tinham com as partes envolvidas são as únicas que poderiam suscitar o esclarecimento dos autos;
«21. Aliás, se a falta de credibilidade judiciária assistisse, necessariamente a mesma deveria ser debatida e esclarecida em sede de julgamento, afim de perante as pessoas e os Advogados, esclarecer que o seu depoimento não foi tomado por relevância e não seria apreciado para efeitos da decisão da causa.
«Não dando credibilidade às próprias testemunhas, pondo e causa o seu depoimento, caberia a estas ser esclarecidas desta posição pelo Julgador e infirmar tais conclusões;
«22. A justificação para a não credibilidade destas testemunhas, não tem qualquer correspondência com a realidade. Não só porque estas testemunhas não têm interesse na causa, usufruem de qualquer vantagem ou desvantagem com a decisão, ou tão pouco foram directamente envolvidos na relação entre as partes, nem dos títulos de crédito em apreço consta os seus nomes;
«23. Parte do julgamento, mormente, das testemunhas apresentadas pelo exequente, representam declarações que se debruçam e incidem sobre anos anteriores a 2005 e não sobre 2006, 2007 e 2008. Aliás, questionados inclusive da existência de relações pessoais, profissionais ou comerciais entre as partes envolvidas foram unânimes em reconhecer a sua inexistência ou pouco ou nada acrescentaram à decisão;
«24. As testemunhas a que foram dada credibilidade e sem qualquer intervenção na administração, gerência ou contabilidade da sociedade, pelo menos até 2006 (excepto uma, cuja função era auxiliar de contabilidade) não poderiam pela sua experiência e funções na sociedade Auto Mecânica… conhecer e debruçar-se sobre qualquer convenção de favor ou acordo de preenchimento, bem como reconhecer letras, assinaturas e algarismos;
«25. Aliás, a expressão em numerário constante das letras não pode ser atribuída ao executado e oponente, só por mera sugestão ou opinião, carecendo de prova pericial para o efeito, que caberia ao exequente, impugnada que foi, com excepção da assinatura;
«26. Acresce registar, que nenhuma das testemunhas a que foi dada credibilidade, mencionou qualquer relação entre as partes envolvidas nos títulos de crédito sobre os anos de 2006, 2007 e 2008 nunca se pronunciando sobre as letras opostas nos autos, em concreto;
«27. As testemunhas a que foi dada credibilidade, apenas emitiram opiniões, pareceres e suposições que não poderiam de forma alguma ser valorizados;
«28. Face à audiência de discussão e julgamento realizada no presente processo, tão pouco as declarações e depoimentos das testemunhas podem deixar de ser analisadas em face da reacção, sentimentos e emoções que essas mesmas testemunhas revelaram aquando do seu depoimento. As diversas sessões de julgamento não poderiam ter deixado qualquer convicção ao Julgador, mesmo atendendo ao que atrás foi referido que, se falava com verdade e com consciência do que se estava a dizer. É o caso das testemunhas, E… e F…, e ao contrário, as dúvidas que se suscitaram do depoimento da testemunha M…;
«29. A convicção do Julgador, se ora é posta em causa, e no aspecto precedente, não pode deixar de ser avaliada, não podendo a este respeito argumentar-se que só o visionamento das imagens poderia esclarecer devidamente desta convicção. Obviamente que as partes, mormente a parte recorrente não pode ser prejudicada nem afectada, ou tão pouco, coarctados os seus direitos e princípios de justiça e julgamento, sob pena de violação inclusive dos artigos 18º, 20º, 202º, e 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, em face de omissão legislativa de uma obrigação ou admissão da prova visionada por imagem;
«30. Em face dos quesitos suscitados, o quesito n.º 1 deveria ter sido respondido por provado, o n.º 2 suprimida a expressão que a importância foi preenchida integralmente pelo oposto, sendo que no quesito 3 devia ser dada a resposta como provado, alterando-se assim as respostas ao quesitos.»
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Em relação à impugnação da matéria de facto, importa ter presente o art.º 685.º-B, Cód. Proc. Civil.
A al. b) do seu n.º 1 determina que o recorrente especifique os «concretos meios probatórios (...) que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida». A recorrente indica tais meios, designadamente, os depoimentos de cada testemunha que menciona. Por seu turno, o n.º 2 do mesmo preceito legal, e para o caso previsto na citada al. b), exige que o recorrente indique, quando a prova foi gravada, «com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição»; isto sob pena da imediata rejeição do recurso sobre esta questão. O que se compreende uma vez que a lei não pretende um segundo julgamento na 2.ª instância mas tão-só uma melhor aferição do que foi decido no tribunal recorrido, o que se pretende é um reexame e não um exame. Como se escreve no ac. desta Relação, de 27 de Setembro de 2011, «importa também atender que o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância: antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
«Em tal situação, o tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e, daí, pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil)» (em www.dgsi.pt, proc. n.º 814/10.3TTSTB.E1).
Em relação à impugnação da matéria de facto, importa notar que o tribunal de recurso não faz um segundo julgamento. A lei não pretende um segundo julgamento na 2.ª instância mas tão-só uma melhor aferição do que foi decido no tribunal recorrido; o que se pretende é um reexame da causa e não um exame. A «garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte (...) o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 655.º do Cód. Proc. Civil» (ac. da Relação de Lisboa, de 26 de Janeiro de 2011, em www.dgsi.pt). Por isso, o juízo probatório feito na 2.ª instância visa mais aferir «a razoabilidade da motivação apresentada, só intervindo quando ela se mostre improvável ou inverosímil» (ac. da Relação do Porto, de 25 de Novembro de 2009, no mesmo local) ou quando, acrescentamos nós, algum elemento probatório importante não foi considerado sendo que esta omissão pode levar a um resultado, também ele, improvável ou inverosímil.
Por outro lado, e como é natural, a parte que impugna a matéria de facto pretende obter só as respostas que lhe sejam favoráveis, pretende obter uma versão dos eventos que a não onere de qualquer forma. Os quesitos indicados referem-se à contestação da recorrente e, portanto, encerram matéria que lhe é favorável para a decisão. Naturalmente, aliás, é daí que vem o desacordo com o tribunal recorrido.
Mas, como é sabido, não são as partes, em caso de conflito, que decidem esta ou outras questões; elas são partes com tudo o que isso significa.
É tendo estas considerações em mente que se analisará a alegação da recorrente.
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Lendo atentamente as conclusões antes citadas que, por causa disto, foram transcritas e não sumariadas, temos de concordar com o recorrido quando este afirma que o «recorrente (...) não identificou os concretos pontos que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», entendendo-se «pontos» como meios de prova — cfr. o citado art.º 685.º-B, n.º 1, al. b), Cód. Proc. Civil.
Também concordamos com o recorrido quando afirma o seguinte:
«Além do já referido, verifica-se também que em sede de conclusões o recorrente não indicou com exactidão as passagens de gravação em que se funda, identificando de forma precisa e separada os depoimentos.
«Limita-se a pôr em causa a valoração dos depoimentos das testemunhas por si indicadas do modo como a Juíza do Tribunal a quo os equacionou, em obediência ao princípio da liberdade de julgamento a que alude o art. 655º do CPC».
Na verdade, em parte alguma das conclusões (e mesmo das alegações) descortinamos os concretos meios de prova, desde logo os depoimentos das testemunhas inquiridas, que imponham solução diferente. O recorrente não afirma que o tribunal decidiu branco quando as testemunhas disseram preto. A discordância situa-se só ao nível da valoração que o tribunal fez da razão de ciência das testemunhas. Entende que devia ter sido dado relevo ao depoimento de uma ou outra e não ao daquelas a que o tribunal deu relevo.
A razão de ciência permite a valoração de um depoimento, sem dúvida, mas não se confunde com ele, queremos dizer, não é a razão de ciência que motiva uma determinada resposta a um quesito mas sim o que a testemunha narra com base nessa razão de ciência.
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Sendo assim, mantém-se a matéria de facto tal como consta da sentença recorrida e que são os seguintes:
1. Em 16/10/2009 o oposto/exequente instaurou execução para pagamento de quantia certa contra o oponente/executado, dando à execução, como título executivo, 7 letras de câmbio, datadas, com vencimento e no valor de, respectivamente:
- a primeira letra datada de 2006/10/10, com vencimento em 2007/01/10, no valor de €5.000,00;
- a segunda letra datada de 2007/03/01, com vencimento em 2007-04-10, no valor de €5.000,00;
- a terceira letra datada de 2008/09/15, com vencimento em 2008-10-15, no valor de €5.000,00;
- a quarta letra datada de 2008/09/15, com vencimento em 2008-11-15, no valor de €5.000,00;
- a quinta letra datada de 2008/09/15, com vencimento em 2008-12-15, no valor de €5.000,00;
- a sexta letra datada de 2008/09/15, com vencimento em 2009-01-15, no valor de €5.000,00; e,
- a sétima letra datada de 2008/09/15, com vencimento em 2009-02-15, no valor de €5.000,00 [alínea A) dos factos assentes].
2. Nessas letras consta, no local destinado ao sacador a identificação do oposto e, no local destinado ao nome e morada do sacado consta, “F…, Rua…” [alínea B) dos factos assentes].
3. E no lugar destinado à assinatura do sacador consta a assinatura do oposto e no verso das letras consta, por duas vezes, a assinatura do oponente [alínea C) dos factos assentes].
4. Nenhuma das referidas letras foi paga, e foi cobrada ao oposto uma comissão de devolução no valor total de €168,40 [alínea D) dos factos assentes].
5. As letras referidas em 1 foram preenchidas, integralmente pelo oposto, por si, excepto quanto à assinatura do oponente no lugar destinado ao aceite e no seu verso, bem como quanto à importância [artigo 2.º da base instrutória].
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Quanto ao Direito, as conclusões do recorrente são as seguintes:
1. Não se conhece qualquer relação pessoal, profissional ou comercial entre exequente e executado, em data contemporânea a Outubro de 2006, Março de 2007 e Setembro de 2008, que justificasse a emissão das respectivas letras;
2. Face ao artigo 342º do Código Civil, ao executado compete a prova de que não existe qualquer transacção comercial entre as partes e a inexistência de qualquer convenção de favor e acordo de preenchimento que justifique a emissão das ditas letras. Simultaneamente, em confrontação, caberá ao exequente a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga e postos em causa pelo executado. A contraprova do que não existe – e tal ficou provado – só pode impor que a outra parte, mormente o exequente, prove que existe;
3. Tal orientação é promovida pelo ainda artigo 342º do Código Civil, que o D. Juiz não respeitou devidamente no seu teor, - na nossa opinião -. A existência de título de crédito e o seu preenchimento, quando é excepcionado, não pode impedir que a prova da existência do direito e do correcto preenchimento das letras (não abusivo, de má fé ou com falta grave) se encontra devidamente realizado, em conformidade com o estabelecido.
4. A relação subjacente, e/ou a relação que provocou a emissão das assinaturas, como aceite, se bem que estamos perante títulos formais, abstractos e literais, quando invocada pelo sacado e também aceitante, deve ser devidamente apreciada afim de esclarecer do preenchimento abusivo e contrário à lei que consta no próprio documento;
5. O documento, “per si”, se reconhecido na assinatura como constante do mesmo, não pode deixar de ser apreciado à luz do preenchimento dos outros itens - sob pena de qualificação de letra como incompleta - e se tem correspondência com qualquer convenção de favor e acordo de preenchimento, não impedindo tal facto a força jurídica e probatória que resulta dos títulos de crédito;
6- As letras de favor, assim classificadas pelo Exma. Juiz, deverão ser analisadas de facto e em concreto, não se bastando a sua classificação, por menção à sua definição e significado, bem como dos direitos e deveres que dela resultam, conforme apenas se revelou na D. Sentença, por insuficiência na fundamentação e na aplicação da mesma ao caso concreto;
7- A identificação das letras como de favor, não pode deixar de apreciar precisamente o “favor” que nelas se encontra englobado, se tal facto foi posto em causa. E esse favor ao ser averiguado, deve ser contemporâneo e justificativo do preenchimento dos títulos de crédito;
8- Obviamente para que determinadas letras sejam classificadas como letras de favor, primeiro tem que se conhecer da existência do favor. E este, para benefício do sacado ou de outro interveniente terceiro, está sujeito a uma convenção de favor que se pode identificar como se de um contrato existisse. Ora, esta relação contratual ou obrigacional, nunca foi provada sob as letras, concretamente em apreciação, mormente emitidas em Outubro de 2006, Março de 2007 e Setembro de 2008;
9- Aliás, mesmo que terceira entidade fosse beneficiária na presumível existência do dito acordo, tal não podia subsistir quando essa entidade deixou de ter qualquer actividade comercial e profissional ou foi declara insolvente;
10- Mesmo existindo qualquer direito cartular ou qualquer convenção de favor, em Outubro de 2006, Março de 2007 e Setembro de 2008, esse direito estaria extinto, ou seja, nestas datas, não havia qualquer justificação para manutenção desse direito e para a sua existência. O facto de o exequente ser portador das letras, só se justifica por nunca as ter devolvido, pese embora lhe assistisse essa obrigação, permitindo-lhe preencher, abusiva ou de má fé e sem qualquer razão licita, os respectivos títulos de crédito, sendo certo que os tinha em seu poder injustificadamente;
11- A D. sentença não pode, como fez, analisar do abuso do preenchimento das letras apenas reconduzindo à falta de prova desse preenchimento. Deveria – convencendo as partes aquando da leitura da sua decisão – explicar os motivos porque não foi realizada a prova que invoca;
12- Ora, a justificação do preenchimento abusivo das letras em causa, devem encontrar-se no respeito pelo pacto de preenchimento das mesmas. Inexiste pacto de preenchimento. Nenhum das testemunhas provou da sua existência, por convenção ou acordo, sobre as letras em causa nos autos;
13- Perante a inexistência do pacto de preenchimento, conforme facilmente se provou e deriva do depoimento das testemunhas, caberia ao exequente provar do mesmo e do correcto preenchimento dos respectivos títulos de crédito. Ora, nos termos dos artigos 1º 2º e 10º da LULL, o preenchimento abusivo é um motivo de oposição ao portador, sendo que este alegou factos demonstrativos e subsequente prova de que inexiste qualquer acordo de preenchimento ou sequer que havia qualquer direito por parte do exequente no preenchimento das letras em apreciação;
14- O acordo de preenchimento, inexistindo, caberá – e tal prova foi feita – ao exequente a prova da sua existência, mormente, face ao teor das próprias letras. Não justificou quer da transacção comercial, quer da emissão das respectivas letras em Mouriscas, quer dos valores constantes das mesmas, quer das datas, quer inclusive da sua detenção, por portador;
15- Ora, denota-se da D. sentença, a falta de esclarecimento sobre factos que foram suscitados no âmbito do processo, e em especial, na oposição, sendo que a matéria de direito não está devidamente fundamentada, nem apreciada em conformidade com a matéria de facto. Tão pouco as questões de direito e de prova foram devidamente apreciadas. Na realidade, não basta alegar da existência de uma letra em branco, (definindo, por noção a mesma, e mencionar diversos acórdãos) letra de favor, ou inexistência de abuso de preenchimento, sem reconduzir à matéria apurada em concreto e às excepções suscitadas no âmbito do presente processo.
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As conclusões (e desde logo a primeira) partem de uma premissa de facto a que o tribunal respondeu de forma negativa. Afirma a recorrente que nenhuma relação existia entre exequente e executado que justificasse a emissão das letras. Isto deu origem ao quesito 3.º e que não ficou provado.
Assim, o recorrente apresenta como verdadeiro, como fundamento para impugnar a sentença, um facto que não se verificou. Ora, todo o raciocínio das alegações partem desta base que não existe o que, desde logo, determina o resultado do recurso.
Sem dúvida que «ao executado compete a prova de que não existe qualquer transacção comercial entre as partes e a inexistência de qualquer convenção de favor e acordo de preenchimento que justifique a emissão das ditas letras» e nem se compreende» e foi precisamente esse ónus que, de acordo com a resposta negativa ao quesito 3.º, não foi cumprido. E é certo que tal prova incumbia ao recorrente, nos termos gerais do art.º 342.º, n.º 2, Cód. Civil, e como o próprio agora reconhece.
Mas já não é certo que «caberá ao exequente a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga e postos em causa pelo executado». Com efeito, o exequente é detentor de um título executivo que lhe define um determinado direito, que o incorpora. O exequente apenas tem que exibir tal título. Caso haja desconformidade entre ele e a realidade é àquele a quem o título é oposto que caberá demonstrar essa desconformidade.
Se, como alega o recorrente, as letras dadas à execução são letras de favor, ao executado caberá provar esse favor: em que circunstâncias foram as letras emitidas, qual o objectivo pretendido; caberá demonstrar que «não se encontra uma relação jurídica fundamental estabelecida entre ele e o favorecido, além da que decorre da própria convenção de favor» (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, poli., Coimbra, 1975, p. 50).
É precisamente esta convenção que tem de ser descrita e provada pelo executado. Não se cumprindo este ónus, vale o título tal como foi apresentado à execução.
Não se compreende, pois, que se alegue que «perante a inexistência do pacto de preenchimento (...) caberia ao exequente provar do mesmo e do correcto preenchimento dos respectivos títulos de crédito»; pelo contrário, se não existe pacto de preenchimento, existe a letra na sua literalidade e abstracção. Ou seja, mantém-se a eficácia executiva do título.
Concordamos com o recorrente quando afirma que a «identificação das letras como de favor, não pode deixar de apreciar precisamente o “favor” que nelas se encontra englobado, se tal facto foi posto em causa»; mas o que se passou no caso em concreto é que ele não provou qualquer favor, qualquer relação subjacente que pudesse pôr em crise o que consta do título.
Repare-se que, em termos gerais, a argumentação jurídica exposta nas alegações não deixa de estar correcta; no entanto teríamos que ter uma base real, um conjunto de factos, que nos permitisse aplicar a ela tais argumentos.
Mas esta base não existe e, por isso, as alegações não podem deixar de ser julgadas improcedentes, sendo irrelevantes quaisquer considerações a respeito do problemas das letras de favor.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 22.02.2012
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos