CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
Sumário


1. Conforme vem sendo entendimento generalizado da jurisprudência, a determinação da medida da pena emergente do cúmulo jurídico não é um mero cálculo aritmético, mas antes envolve a formulação de um juízo de valor assente numa reapreciação global dos factos constitutivos da responsabilidade criminal do arguido e da personalidade deste.

2. A quantificação da pena unificada, tal como sucede com a das penas parcelares, leva em consideração as finalidades da punição definidas pelo nº 1 do art. 40º do CP, que são a defesa de bens jurídicos, concretizada na prevenção geral e especial da prática de crimes, e a ressocialização do condenado, dispondo o nº 2 do mesmo artigo que a pena não poderá ultrapassar, em qualquer caso, o limite da culpa do agente.

Texto Integral


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

Por acórdão do Tribunal Colectivo datado de 28/6/11 e proferido no Processo Comum nº 134/07.0PAETZ, que correu termos no Tribunal Judicial de Estremoz, foi decidido:

Procedendo ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos e nos processos acima identificados, condenar o arguido JF, na pena única de cinco anos de prisão suspensa pelo mesmo período, mas sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social e com a condição do arguido entregar 100 € ao ofendido do Processo Comum Singular n.º ---/07.9PAETZ, no prazo de três meses a contar do trânsito do acórdão.

A decisão cumulatória considerou as seguintes condenações sofridas pelo arguido JF:

Neste Processo Comum Singular n.º 134/07.0PAETZ do Tribunal Judicial de Estremoz:

Por sentença de 17-05-2010, transitada em julgado, pelo cometimento de três crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204 nº. 2, al. e) do Código Penal, nas penas parcelares de dois anos e seis meses, dois anos e oito meses de prisão e dois anos e oito meses de prisão.

Estão em causa factos praticados em 01-07-2007.

No Processo Comum Singular n.º ---/07.9PAETZ do Tribunal Judicial de Estremoz:

Por sentença de 17-10-2008, transitada em julgado, pelo cometimento de um crime de furto tentado, p. e p. pelos artigos 203 e 22, nºs. 1 e 2, al. c) do C.P., na pena de um ano de prisão, suspensa na respectiva execução, pelo mesmo período, com a condição do arguido entregar 100 € ao ofendido, no prazo de três meses a contar do trânsito do acórdão.~

Estão em causa factos praticados em 17-06-2007.

No Processo Comum Singular n.º ---/07.7PAETZ do Tribunal Judicial de Estremoz:
Por acórdão de 04-02-2010, transitado em julgado, pelo cometimento de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204 do C.P. e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347 do C.P., foi o arguido condenado nas penas parcelares de três, três e dois anos de prisão.

Em cúmulo jurídico foi fixada a pena única de cinco anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, mas sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.

Estão em causa factos praticados em 14-12-2007.

O mesmo acórdão consignou ainda:

Cumpre considerar a factualidade provada nas condenações em presença, cujo teor se dá como integralmente reproduzido.

A seguir transcrevemos a factualidade julgada provada em cada uma das decisões condenatórias atendidas no cúmulo jurídico:

Processo nº ---/07.0PAETZ
1. No período decorrido entre as 20h00m do dia 1 e as 10h00m do dia 9 de Julho de 2007. o arguido JF introduziu-se através de arrombamento de uma janela na residência de JI, sita na Rua ----, em Estremoz e do seu interior retirou os seguintes objectos que fez seus:

- 6 moedas de 200 escudos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 10 moedas de 50 escudos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 20 moedas de 20 escudos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 2 moedas de 5 escudos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 3 moedas do Rei D. Carlos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 2 moedas de 4 centavos emitida pelo Banco de Portugal:
- várias moedas de colecção em prata alusivas a temas desportivos e animais:
- 30 notas de 25 escudos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 4 notas de 50 escudos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 2 notas de 100 escudos emitidas pelo Banco de Portugal:
- 1 nota de 500 escudos emitida pelo Banco de Portugal:
- 1 nota de 1000 escudos emitida pelo Banco de Portugal:
- 1 saco em xadrez com asas de cabedal de cor creme e castanho:
- 1 galheteiro e um porta-chaves com chaves da residência: c
- 1 colecção de selos antigos:
- 1 caneta em prata trabalhada, no valor de EI.20:
- 1 ferro eléctrico a "apor:
- 1 machadinha de cortar e picar carne:
- 2 alicates de electricista:
- 1 lanterna a pilhas.

2. No período decorrido entre as 00h00m do dia 22 de Setembro de 2007 e as 14h00m do dia 22 de Outubro de 2009. o arguido JF introduziu-se através de arrombamento da janela traseira do 1.° andar, na residência de JL, sita na Rua ----, em Estremoz e retirou do seu interior os seguintes objectos que fez seus:

- 1 televisão marca Grunding. de cor preta:
- 1 equipamento de som. marca Thompson, modelo VTCD200. de cor cinza e respectivo comando:
- 1 quadro do Benfica:
- 1 botija de gás BP de cor verde:
- 50 cassetes áudio:
- várias garrafas de bebida:
- 1 gravador:
- 60 CDs:

3. Posteriormente, em data e hora indefinida, o arguido JF voltou a introduzir-se na residência sita no n.º---- da Rua ---, em Estremoz, levando consigo duas mesinhas de cabeceira, em madeira castanha escura.

4. No período decorrido entre as 00h00m do dia 1 de Novembro de 2007 e as 18h00m do dia 13 de Novembro de 2009, o arguido JF introduziu-se através do telhado, na residência de ME, sita na Rua ---, em Estremoz e retirou do seu interior os seguintes objectos que fez seus:
- 1 grelhador:
- 1 tosteira;
- 1 torradeira:
- 1 cloche:
- 1 varinha mágica:
- 1 aparelhagem marca Sony c duas colunas respectivas:
- 1 jarra de vidro e ferro;
- 1 taça de vidro e ferro:
- várias garrafas de bebidas:
- 1 tabuleiro de macieira e metal:
- 1 mesa branca em ferro com espelho:
- 3 baús:
- 1 conjunto de mesa e bengaleiro:
- 1 jarra de bronze em duas cores;
- 2 colchas de lã;
- diversos bibelots:
- 2 apliques dourados.

5. O arguido sabia que estes objectos não lhe pertenciam c que ao subtrai-los fazendo-os seus, estava a agir contra a vontade dos proprietários dos mesmos ainda assim quis actuar ela forma descrita, o que conseguiu.

6. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e tinha capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

Do Pedido de Indemnização Civil:

7. JG teve de suportar com a substituição da fechadura, vidro e arranjo da ombreira da porta da sua casa o montante de € 60,00.

8. A demandante JG, como consequência directa e necessária da conduta do arguido JF, sofreu perturbação, medo, inquietação, angústia, preocupação e incómodos.

9. Andou nervosa e triste e preocupada.

10. Deixou de dormir no seu quarto ficando a dormir no sofá, junto à porta da sua casa, que estava fechada a cadeado.

11. Como o seu estado de ansiedade e medo não diminuiu. a mesma viu-se obrigada a mudar a sua residência para Vila Viçosa, nove meses depois dos factos acima descritos.

Mais se provou que:
12. O arguido JF encontra-se desempregado, vive com a mãe, que o sustenta.
13. Tem o 5.° ano de escolaridade.
14. Não tem antecedentes criminais.

15. O arguido JF vive com a companheira.

16. Encontra-se reformado por invalidez, recebendo a pensão de € 207,06 mensais, e tem a ajuda económica dos familiares da sua companheira.

17. Tem a 3.ª classe, provem de uma família desestruturada e, na altura dos factos, era toxicodependente.

18. Actualmente não são conhecidos comportamentos aditivos ao arguido.

19. O arguido JF admitiu a prática dos factos e mostrou-se arrependido.

20. O arguido JF tem os seguintes antecedentes criminais:

- no processo n.º ---/2001, do Tribunal da comarca de Estremoz, por sentença proferida em 03/12/2001, transitada em julgado cm 10/01/2002, foi condenado pela prática de um crime de furto na pena de 60 dias de multa à taxa diária de mil escudos, por factos ocorridos cm 23/11/2001: esta pena foi declarada extinta pelo integral cumprimento:

- no processo n.º ---/03.4PALTZ, do Tribunal da comarca de Estremoz, por sentença proferida em 24/11/2003, transitada em julgado em 12/12/2003, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária €2.50. por factos ocorridos cm 11-10-2003: esta pena foi declarada extinta por cumprimento.

- no processo n.º --/03.4PAETZ, do Tribunal da comarca de Estremoz, por acórdão proferido cm I5/12/2005, transitado em julgado em 12/01/2006, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em 22 12/2004, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses: esta pena foi extinta por cumprimento:

- no processo n.º ---/07.2PAETZ. do Tribunal da comarca de Estremoz, por sentença proferida cm 18/04/2008, transitada em julgado em 28/04/2008, foi condenado por um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €'2.50: esta pena foi extinta por cumprimento:

- no processo n.º ---/07.9PAETL do Tribunal da comarca de Estremoz, por sentença proferida em 17/10/2008, transitada em julgado cm 27/11/2008, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, cometido em 17 de Junho de 2007, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano subordinada à condição de entregar ao ofendido a quantia de € 100, no prazo de 3 meses após o trânsito em julgado da decisão.

Processo nº 121/07.9PAETZ

1 - No dia 17 de Junho de 2007, em hora não concretamente apurada, porém próxima das 02h40m, o arguido dirigiu-se ao Estabelecimento Comercial "Café Boémia", propriedade de JR, sito na Rua ---, Bairro de S. Tiago, em Estremoz, com o propósito de se introduzir no respectivo interior.

2 - Para alcançar tal finalidade. o arguido arrancou as grades de ferro, com o auxílio das mãos (aproveitando a circunstância das mesmas se mostrarem em deficiente estado de conservação, no local por si escolhido). e de seguida partiu o vidro da janela, introduzindo a mão pela janela e abrindo o fecho, não tendo, contudo, alcançado o seu propósito por ter sido, surpreendido por LF:

3- O arguido, ao forçar as grades e partir o vidro da janela, causou ao proprietário do "Café Boémia" prejuízos no montante aproximado de € 100,00:

4 - O propósito do arguido era o de alcançar, pelo interior do estabelecimento, mencionado em 1), o estabelecimento do tipo minimercado que lhe é anexo, a fim de daí subtrair, fazendo seus, objectos que aí se encontrassem.

5 - Que o sobredito comércio se mostra contíguo ao café mencionado em 1), podendo ser acessado por meio de duas portas interiores que os separam fisicamente.

6 - À data mencionada em 1), o arguido atravessava dificuldades económicas, relacionadas com a falta de trabalho e a necessidade de pagar várias despesas, entre elas uma renda mensal de € 160,00;

7 - O arguido sabia que o seu comportamento era adequado a produzir a destruição das grades e vidro do "Café Boémia", permitindo o acesso não autorizado ao respectivo interior, e quis destruí-los, não obstante ter conhecimento de que causava prejuízos ao proprietário deste:

8 -- Agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de fazer seus os objectos que se encontrassem no interior do estabelecimento mencionado em 4), apenas não tendo conseguido lograr os seus intentos por uma acção que lhe foi exterior, a qual foi susceptível de impedir a concretização de tal resultado:

9 - Sabia ser tal conduta proibida e punida por lei:

10- O arguido é trabalhador rural, auferindo cerca de € 500.00 mensais:

11 – Reside, em união de facto, com a companheira, em casa dos sogros, pela qual não despendem qualquer importância:

12 – Liquida, a título prestacional, uma multa aplicada em processo deste Tribunal por factos conexos aos ora em apreço:

13 - A companheira do arguido encontra-se actualmente desempregada:

14 - O arguido tem o 3.º ano de escolaridade:

15 - Do seu certificado do registo criminal consta a condenação, por sentença transitada em julgado em 10/01/2002, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00, por factos datados de 23/11/2001, integradores da incriminação de furto, pelo crime de condução sem habilitação legal. p. e p. pelo artigo 3" do DL n." 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €2,50, no total de € 175.00. por factos reportados a 11/10/2003, mediante decisão transitada em julgado em 12/12/2003, e por crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21°. n.º 1 e 25°. alínea a), ambos do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por factos datados de 22/12/2004, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, por decisão transitada em julgado em 12/11/2006.

Processo nº ---/07.7PAETZ

1 - Entre as 18:00 horas do dia 14 de Dezembro de 2007 e as 08:00 horas do dia 17 de Dezembro de 2007, o arguido dirigiu-se ao Centro Social Paroquial de Santo André, sito no Largo de Santiago, em Estremoz e introduziu-se no interior do mesmo, tendo para o efeito arrombado a porta da entrada do pré-escolar.

2 - Já no interior das instalações do referido Centro Social e Paroquial, o arguido dali retirou e abandonou o local na posse dos seguintes objectos, que fez seus:

- Um aquecedor a óleo, de marca Delonghi, no valor de € 75,00;
- Um vídeo VHS, de marca Grundig, no valor de € 135,00;
- Um leitor de CD' s de marca Tronic, no valor de € 40,00;
- Um comando à distância de marca Grundig;
- Um comando à distância de cor cinzenta;
- Um cabo Scart, no valor de € 5,00
- Um leitor de DVD's, no valor de € 5,00
- 2,5Kg de pescada, no valor de € 24,95;
- Cinquenta pasteis de bacalhau, no valor de € 9,50;
- Dois sacos com carne picada, no valor de € 12,60;
- Dois patos, no valor de € 12,75;
- Um saco com bacalhau, no valor de € 23,00;
- Um saco de luvas de látex, no valor de € 3,25;
- Um garrafão de água de 5 lt, no valor de € 0,38; e
- Dois rolos de papel higiénico, no valor de € 2,38.

3 - No dia 17 de Dezembro de 2007, a Polícia de Segurança Pública de Estremoz efectuou uma vigilância a um quintal no Largo Portas de Évora, por haver notícia que ali se encontravam alguns dos objectos subtraídos no Centro Paroquial.

4 - Pelas 19:45 horas daquele dia, compareceu no local o arguido que se deslocou até junto dos objectos subtraídos que ali se encontravam e como se proprietário dos mesmos fosse.

5 - Nesse momento, a arguido foi interceptado pelo agente DR, tendo o arguido de imediato proferido as seguintes expressões "Foda-se são sempre a mesma coisa, eu é que sou sempre o culpado. Vocês não vêem os outros, já estou farto de vocês todos. Filho da puta, cabrão, ainda te vou fazer a folha".

6 - O agente DR deu, então, voz de detenção ao arguido, tendo este encetado uma fuga apeada, ao mesmo tempo que dizia "agora dêem-me um tiro seus cabrões”, pelo que os agentes DR, VM e CA iniciaram perseguição apeada ao arguido.

7 - Quando conseguiram agarrar o arguido, este ainda lhes tentou bater, só não o tendo conseguido porque os agentes VM e CA recorreram às técnicas de controlo e algemaram o arguido.

8 – Após a detenção do arguido, foram-lhe apreendidos os primeiros seis objectos acima referidos, que se encontravam na sua posse.

9 - Cerca de dois meses depois, entre as 17:00 horas do dia 23 de Fevereiro de 2008 e as 08:00 horas do dia 2S de Fevereiro de 2008, o arguido dirigiu-se ao armazém industrial, propriedade da Salsicharia Moreira e Pimenta, Lda, sito na Zona Industrial, em Estremoz.

10 Ali chegado, o arguido forçou a abertura do portão eléctrico que dá acesso às instalações e, em seguida, escalou até uma janela que se encontrava aberta, cortou a rede mosquiteira que a mesma linha e introduziu-se no interior do mencionado armazém.

11 - Já no interior do armazém, o arguido dali retirou e abandonou o local na posse dos seguintes objectos, que fez seus:

- 99 Kg de paia de toucinho, no valor de € 1.336,50;

- 88,65 Kg de chouriços grossos de porco preto, no valer de € 1.281,07; e

- 134,85 Kg de chouriços grossos de porco preto, de alho e sal, no valor de € 1.955, 32.

12 - O arguido sabia que todos os objectos que subtraiu não lhe pertenciam e que ao retirá-los de Centro Paroquial e do armazém de salsicharia fazendo-os seus, estava a agir contra a vontade dos proprietários dos mesmos, ainda assim quis retirá-los, o que conseguiu.

13 – O arguido também sabia que ao proferir as expressões que proferiu, ao fugir e tentar bater nos agentes da Polícia de Segurança Pública desencadeava uma oposição exercício das funções daqueles, com a intenção de os impedir de praticar um acto legítimo relativo ao exercício das suas funções que era a detenção dele.

14 O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e tinha a capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

Quanto à determinação da sanção:

15 O arguido foi julgado no âmbito do PAb. N° ---/2001, do Tribunal de Estremoz, tendo sido condenado em 03-12-01, pela prática de um crime de furto, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de mil escudos. Estão em causa factos praticados em 23-11-2001.

O arguido foi julgado no âmbito do PSum. Nº ---/03.4PAETZ, do 3° Juízo Criminal, tendo sido condenado em 14-11-05, do Tribunal de Estremoz pela prática de um crime de condução ilegal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 2, 50. Estão em causa factos praticados em 11-10-2003.

O arguido foi julgado no âmbito do PCC nº --/03.4PAETZ, do Tribunal de Estremoz, tendo sido condenado em 15-12-05, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de prisão de l4 meses, suspensa na respectiva execução.

Estão em causa factos praticados em 22-12-2004.

O arguido foi julgado no âmbito do PCS nº---/07.2PAETZ, do Tribunal de Estremoz, tendo sido condenado em 18-04-08, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária € 2,50. Estão em causa factos praticados em 27-07-2007.

O arguido foi julgado no âmbito do PCS nº ---/07.9PAETZ, do Tribunal de Estremoz, tendo sido condenado em 17-10-08, pela pratica de um crime de furto qualificado, na pena de prisão de 12 meses, suspensa na respectiva execução.

16 - À data dos factos, o arguido estava sem ocupação laboral e consumia produtos estupefacientes.

17 - O arguido encontra-se reformado por invalidez, auferindo uma pensão de cerca de € 207,06.

18 - Vive, em casa do avô, com uma companheira, que se encontra desempregada. Não tem filhos.

19 - Tem como habilitações o 3º ano de escolaridade.

20 – Padece de doença crónica, encontrando-se medicado.

Do referido acórdão cumulatório o MP interpôs recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

1. As penas aplicadas ao arguido JF nos processos comuns que correm termos na comarca de Estremoz sob os nºs. ---/07.0PAETZ, ---/07.9PAETZ e ---/07.7PAETZ mostram-se em concurso pelo que deverá ser aplicada ao arguido uma pena única.

2. Tendo os arguido sido condenado nesses processos por acórdãos de 17.05.2010, 17.10.2008 e 04.02.2010, respectivamente, por factos praticados entre Julho de 2007 e Fevereiro de 2008, nas penas parcelares de prisão de dois (2) anos e seis (6) meses, dois (2) anos e oito (8) meses e dois (2) anos e oito (8) meses, por crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artº 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal, um (1) ano de prisão, pelo crime de furto simples tentado, p. e p. pelos artºs. 203º e 22º, do Cód. Penal e três (3) anos, três (3) anos e dois (2) anos de prisão, por dois crimes de furto qualificado e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelos artºs. 204º e 347º, do Cód. Penal.

3. A pena única aplicada deve ser fixada em seis (6) anos e seis (6) meses de prisão, nos termos do disposto nos artºs. 71º, nºs. 1 e 2 e 77º, nº 1, do Cód. Penal.

4. Assim o impõem as circunstâncias do arguido ter praticado sete crimes no espaço de oito meses, seis dos quais contra o património;

5. Do arguido já possuir registadas no c.r.c. quatro condenações anteriores, sendo uma delas, por acórdão de 15.12.2005, em pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses;

6. Ter praticado dois dos crimes de furto qualificado contra pessoas com mais de 60 anos de idade e um outro contra um centro paroquial que se dedica ao auxílio a pessoas carenciadas;

7. Não exercer qualquer actividade laboral ou outra socialmente útil;

8. Ter deixado de viver com a companheira na sequência de graves conflitos com os vizinhos.

9. O conjunto dessas circunstâncias revela que o arguido possui uma personalidade que não se inibe de atentar contra bens jurídicos alheios, mesmo que afecte pessoas fragilizadas ou entidades com fins assistenciais, que não se deixa influenciar pela mera ameaça de sanções penais por forma a abster-se da prática de ilícitos criminais e que não se mostra inserido num meio familiar.

10. Caso assim não se entenda sempre deverá considerar-se, pelos supra expostos motivos, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma suficiente as finalidades da punição pelo que deverá determinar-se o efectivo cumprimento da pena única de prisão aplicada ao arguido.

11. Ao não decidir como aqui preconizado o Acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 77º, nº 1 e 50º, nº 1, do Cód. Penal pelo que deverá ser revogado e substituído por Acórdão que condene o arguido JF na pena única de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão ou caso assim não se entenda, que determine o cumprimento efectivo da pena de cinco (5) anos de prisão em que foi condenado na primeira instância.

A motivação do recurso foi notificada ao arguido afectado pela sua interposição, que não exerceu o seu direito de resposta.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso em presença, no sentido da respectiva procedência.

Tal parecer foi notificado aos sujeitos processuais, para sobre o mesmo se pronunciarem, querendo, nada tendo eles respondido.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância do acórdão recorrido, expressa pelo MP nas suas conclusões de recorrente, versa apenas sobre matéria de direito e centra-se, exclusivamente, nas seguintes questões:

a) Impugnação da quantificação da pena única resultante do cúmulo jurídico cuja medida o Digno Recorrente entende dever ser fixada em 6 anos e 6 meses, a qual excluiria, à partida, a suspensão da respectiva execução;

b) Subsidiariamente, caso este Tribunal entenda dever ser mantida a medida da pena única, peticiona o Digno Recorrente que seja denegada a suspensão da execução desta.

Os termos da punição do concurso de crimes são definidos pelo art. 77º do CP:

1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Para fundamentação da determinação da pena única aplicada ao arguido JF, o acórdão sob recurso expende (transcrição com diferente tipo de letra):

Tomando em atenção a moldura penal concreta aplicada a cada um dos ilícitos em questão, a moldura penal abstracta aplicável situa-se:

- no limite máximo de dezasseis anos e dez meses de prisão de prisão e o limite mínimo de três anos de prisão.

Impõe-se agora encetar pela determinação concreta da medida da pena conjunta do concurso, aplicável dentro dos limites das referidas molduras penais abstractas máxima e mínima.

Convém precisar que “… só em casos extremos o Tribunal deve aplicar, em cúmulo, uma pena única igual à soma das penas parcelares.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-01-2005, com texto integral disponível in www.dgsi.pt – Processo n.º 0414555), devendo, por regra e em princípio, a pena situar-se abaixo desse limite abstracto máximo.

Como ficou já especificado, para determinação da pena concreta única a aplicar em sede de cúmulo jurídico, há que atender aos factos que resultaram provados, bem como à personalidade do arguido manifestada nessa mesma factualidade.

Dentro dos limites da mencionada moldura penal abstracta, a pena conjunta do concurso há-de encontrar-se “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção”.

No caso em concreto, há que atentar que, com a sua actuação, o arguido atentou, por diversas vezes, contra bens jurídicos aos quais o nosso ordenamento jurídico confere elevada protecção – integridade física, património, liberdade, vida em sociedade - demonstrando um total desrespeito pelos mesmos.

As exigências de prevenção geral e especial são prementes, tendo em conta a conduta anterior e posterior do arguido.

Face a quanto supra ficou aduzido, afigura-se proporcional e adequada a aplicação ao arguido, em cúmulo jurídico a efectuar entre as penas parcelares que lhe foram aplicadas nestes autos e nos processos acima referidos, a seguinte pena:

- cinco anos de prisão suspensa pelo mesmo período, mas sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social e com a condição do arguido entregar 100 € ao ofendido do Processo Comum Singular n.º 121/07.9PAETZ, no prazo de três meses a contar do trânsito do acórdão.

Conforme vem sendo entendimento generalizado da jurisprudência, a determinação da medida da pena emergente do cúmulo jurídico não é um mero cálculo aritmético, mas antes envolve a formulação de um juízo de valor assente numa reapreciação global dos factos constitutivos da responsabilidade criminal do arguido e da personalidade deste.

A quantificação da pena unificada, tal como sucede com a das penas parcelares, leva em consideração as finalidades da punição definidas pelo nº 1 do art. 40º do CP, que são a defesa de bens jurídicos, concretizada na prevenção geral e especial da prática de crimes, e a ressocialização do condenado, dispondo o nº 2 do mesmo artigo que a pena não poderá ultrapassar, em qualquer caso, o limite da culpa do agente.

Verifica-se que, com referência aos factos tratados nas decisões condenatórias envolvidas na relação de concurso, o arguido JF cometeu seis crimes de furto qualificado (além de mais uma infracção de diferente natureza), dos quais cinco consumados, num lapso de tempo de oito meses sensivelmente.

Tais crimes de furto qualificado foram levados a efeito em residências, estabelecimentos comerciais e num Centro Paroquial.

A subtracção de objectos no interior de estabelecimentos comerciais e habitações constitui uma parcela apreciável dos ilícitos contra a propriedade cometidos em Portugal, suscitando, como tal, imperativos de prevenção geral não despiciendos.

Os referidos imperativos mostram-se particularmente acentuados no caso dos crimes cometidos no interior de residências, porquanto lesam, para além do património dos ofendidos, a inviolabilidade do domicílio destes, contribuindo assim ara a criação de um sentimento de insegurança generalizado.

Para além dos crimes que foram objecto das decisões envolvidas no cúmulo jurídico, o arguido JF sofreu, em momento anterior à prática dos mesmos, quatro condenações pela prática de infracções criminais, num caso em pena de prisão suspensa na sua execução e nos restantes em pena de multa, em que avultam um crime de furto e um crime de tráfico de estupefaciente (presume-se que de menor gravidade).

A multiplicidade dos crimes envolvidos no cúmulo jurídico e os antecedentes criminais do arguido JF deixam transparecer um quadro de fortes exigências de prevenção especial, que só em parte é contrabalançado pela postura assumida pelo arguido em julgamento, confessando, em geral, as condutas por que respondeu e mostrando-se arrependido.

De todo o modo, o arrependimento manifestado não se traduziu em qualquer gesto de reparação dos prejuízos causados aos vários ofendidos.

As condições pessoais do arguido dão conta de um acentuado desenquadramento social, ainda que fundado em circunstâncias que não lhe são, pelo menos em parte, imputáveis, pois encontra-se reformado por invalidez, do que aufere uma magra pensão, e sofre de doença crónica.

Se é certo que, conforme já se salientou, a determinação da medida da pena resultante do cúmulo jurídico não pode ser reduzida uma operação de aritmética, também é verdade que os Tribunais se têm socorrido frequentemente, para o efeito, de critérios quantitativos, de valor meramente orientador, como padrão a utilizar nos casos em que não se verifiquem circunstâncias que militem especialmente no sentido da agravação ou da atenuação da sanção final, os quais se traduzem, o mais das vezes, na adição à pena mais grave integrante do cúmulo, de uma fracção da pena restante, designadamente, um terço ou um quarto.

A aplicação de qualquer das referidas «fórmulas» conduziria sempre à imposição ao arguido JF de uma pena única de medida bastante superior aos cinco anos de prisão aplicados pelo acórdão recorrido.

O caso em apreço reveste padrões de normalidade, inexistindo razões que militem especialmente no sentido da agravação ou da atenuação da responsabilidade do arguido.

O limite máximo da moldura punitiva abstractamente aplicável situa-se nos 16 anos e 10 meses de prisão, pelo que o chamado factor de compressão das penas mais elevadas, originado pela imposição de um tecto inultrapassável de 25 anos de prisão, estatuída pelo nº 2 do art. 77º do CP, ainda não se faz sentir com especial intensidade.

Tudo visto, diremos que o ponto de equilíbrio entre as exigências de prevenção geral e especial do crime e as necessidades de reintegração social do condenado, que a medida da pena deverá exprimir, deverá ser fixado num quantitativo superior ao que foi encontrado pelo Tribunal «a quo».

Nesta conformidade, entendemos por justo e equilibrado quantificar em 6 anos de prisão a pena única a aplicar ao arguido JF, em resultado do cúmulo jurídico efectuado.

Quanto à eventualidade de suspensão da execução da pena única, importa referir que o nº 1 do art. 50º do CP restringe a aplicação de tal pena substitutiva às penas privativas de liberdade fixadas em medida não superior a cinco anos.

Consequentemente, o aumento da medida da pena única em que foi condenado o arguido JF, que acabámos decidir, obsta irremediavelmente a que seja suspensa a respectiva execução.

Assim, a pena global em que o mesmo arguido vai ser condenado não pode deixar de ser uma pena de prisão efectiva

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto e:

a) Revogar o acórdão recorrido;

b) Condenar o arguido JF, em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares em que ele foi condenado no presente processo e nos processos nºs ---/07.9PAETZ e ---/07.7PAETZ, na pena única de 6 anos de prisão efectiva.

Sem custas.

Notifique.

Évora 28/2/12 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)