(i) Face ao disposto no artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 79.º, proémio, do Código de Processo do Trabalho, em processo laboral, a regra é que só admitem recurso as decisões que, cumulativamente: (a) forem proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (b) a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal;
(ii) O valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, o que equivale ao valor do recurso traduzido na utilidade económica que com o mesmo se pretende obter;
(iii) em conformidade com as proposições anteriores, não é admissível recurso para o Tribunal da Relação se através da interposição daquele o recorrente pretende apenas a condenação da recorrida no pagamento de € 1.858,40 a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter, sendo certo que a alçada da 1.ª instância se encontra fixada em € 5.000,00.
Sumário do relator
Este foi admitido na 1.ª instância e, no exame preliminar, neste Tribunal da Relação.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.
Entretanto, foi pelo relator suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso por não se mostrar verificada uma das condições impostas pelo n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual só é admissível recurso se a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem, nada disseram.
O conhecimento do objecto da apelação depende do que vier a ser decidido sobre a sua admissibilidade, daí que se imponha, antes de mais, resolver esta última questão.
II. Da (in)admissibilidade do recurso em função da sucumbência
Como resulta do disposto no artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, proémio, a regra é que só admitem recurso as decisões proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, exigindo-se, cumulativamente, que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal.
Ou seja, o artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (em conjugação com o proémio do artigo 79.º, do Código de Processo o Trabalho) faz depender admissibilidade do recurso ordinário da verificação cumulativa de dois requisitos: (i) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (ii) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão.
As excepções a tal regra contemplam as acções em que estejam em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho, os processos emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional, e os processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e organismos sindicais, sendo, em todos os casos, independentemente do valor, admissível recurso, mas, apenas, até à Relação – 79.º, alíneas a), b), e c), do CPT.
Porém, no caso em apreciação não está em causa qualquer destas excepções à regra da admissibilidade dos recursos, pelo que se torna inútil qualquer outro desenvolvimento sobre a matéria.
E quanto à regra da inadmissibilidade legal de recurso, e especificamente quanto ao requisito do valor da sucumbência, impõe-se referir que, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2006 (Revista n.º 895/06-4.ª Secção, disponível em www.dsgi.pt, documento n.º SJ200607130008954), o mesmo «(…) reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter.
Assim, se a parte, tendo pugnado, nas instâncias, pela absolvição do pedido, ou um dos pedidos, sofre condenação de valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão, e interpõe recurso, em cuja alegação se conforma com o sentido da decisão, discordando, apenas, do quantum da condenação, o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso – é essa diferença que consubstancia a medida do que na decisão a recorrente passou a considerar que lhe foi desfavorável, posto que, no restante, não impugnado, porque convencida, aceitando a decisão, o ter ficado vencida se tornou irrelevante.
Compreende-se que assim seja, pois, subjacente à exigência da medida da sucumbência encontra-se a repercussão económica da decisão recorrida para a parte vencida, na perspectiva desta, que pode, no requerimento de interposição do recurso, restringi-lo a qualquer dos segmentos decisórios da decisão impugnada e, nas conclusões da alegação, restringir o objecto inicial do recurso, sendo que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso [].
E é a dimensão do valor do objecto do recurso que justifica ou exclui o conhecimento pelos tribunais superiores, sabido que as razões de política legislativa que determinaram a introdução da regra de sucumbência se prendem com a necessidade de “não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas por tribunais inferiores – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1.ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais[]».
Assim, voltando ao caso em apreciação verifica-se que:
(i) na acção o Autor pede a condenação da Ré, entre o mais, no pagamento de € 1.858,40 correspondente ao trabalho suplementar prestado aos sábados, dia de descanso semanal (cfr. artigo 12.º da petição inicial);
(ii) à acção foi atribuído o valor de € 5.449,95 (fls. 213);
(iii) tendo o Autor interposto recurso da sentença, e considerando que o objecto do recurso é definido pelas conclusões das respectivas alegações, extrai-se das mesmas que ele pretende a condenação da Ré no pagamento do trabalho suplementar prestado aos sábados.
Na verdade, termina o recurso pedindo que seja julgado «(…) procedente o pedido formulado pelo autor/Recorrente quanto ao trabalho prestado em dia de descanso semanal nos termos peticionados» (fls. 267 dos autos).
Assim, e tendo presentes os referidos requisitos de admissibilidade do recurso, verifica-se que quanto ao primeiro requisito, ou seja, valor da causa, face ao valor fixado, € 5.449,95, e o disposto no artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de 24 de Agosto – que fixou a alçada dos tribunais da 1.ª instância em € 5.000,00 – inexiste obstáculo legal à admissibilidade do recurso, o mesmo é dizer que a decisão seria recorrível.
Porém, o mesmo já não se verifica em relação ao segundo requisito, da sucumbência.
Com efeito, como se afirmou, para que seja admissível recurso para a Relação, é necessário que o valor da sucumbência seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão.
Ora, o valor da sucumbência do Autor, atento o recurso que interpôs, que define a utilidade económica que pretende obter, é de € 1.858,40.
Por tal motivo, entende-se não ser admissível o recurso para este Tribunal da Relação.
Para tal conclusão, atente-se que a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (artigo 685.º-C, n.º 5, do Código de Processo Civil) e o despacho do relator sobre a admissibilidade é, também, provisório, não formando caso julgado, por ser modificável pela conferência, quer por iniciativa do relator, dos seus adjuntos e das próprias partes (cfr. artigos 700.º e 704.º, do Código de Processo Civil).
Assim, embora o recurso tenha sido admitido na 1.ª instância, e, preliminarmente, nesta Relação, pelo relator, não existe obstáculo legal a que seja proferido acórdão a declarar a sua inadmissibilidade, sendo certo que às partes foi dada oportunidade de se pronunciarem sobre a questão.
III. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em não admitir o recurso interposto para este tribunal por Illya Kupchank.
Sem custas, atento o disposto no artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.
Évora, 28 de Fevereiro de 2012
(João Luís Nunes)
(Acácio André Proença)
(Joaquim Manuel Correia Pinto)