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CONTRA-ORDENAÇÃO
REMISSÃO PARA O PARECER
DOLO
Sumário
1 - Sem prejuízo de ser desejável que, na prolação de decisão condenatória de entidade administrativa que aplique uma coima, se faça menção explícita da página do processo onde se situa a proposta para que se remete, a omissão dessa referência não integra vício relevante que justifique o reenvio dos autos à autoridade administrativa para que proceda a tal menção. 2 - O princípio da culpa é um dos princípios basilares do direito de contra-ordenação, impondo-se, para que exista culpabilidade do agente no cometimento do facto, que este lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência. 3 - A subjectividade da conduta, que traduz o dolo, pode revelar-se de modo indirecto, mediante presunções naturais, pela análise da conduta material e concreta empreendida à luz das regras da experiência, 4 – Age com dolo uma empresa de construção civil que, apesar de conhecer os regulamentos que condicionam a sua actividade, não organizou a prestação do trabalho nem alterou os procedimentos de modo a garantir o cumprimento de tais regras e, sobretudo, a garantir a efectiva segurança dos seus trabalhadores, para mais tendo sido notificada, anteriormente, por infracções semelhantes em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Texto Integral
I) 1. A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), através da Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo, autuou (através do auto de notícia n.º CO041100033) a arguida/recorrente B…, L.da, com sede…, e outra empresa, imputando a cada uma delas a prática de infracção ao disposto nos artigos 40.º, 43.º, 155.º, 156.º, e 157.º, do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º, 13.º e 19.º, da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, 22.º, n.º 1, alíneas c) e m) e n.º 2, e 29.º, do Decreto-Lei n.º 273/2003, e no 15.º, n.ºs 1, 2, 10 e 11, da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro.
O processo de contra-ordenação correu os seus termos normais, culminando em relação à arguida/recorrente na prolação de decisão, em 11 de Maio de 2011, pela Sr.ª Sub Directora da aludida unidade local, a qual, considerando verificada a prática do ilícito, na forma dolosa, lhe aplicou a coima de € 4.590,00 (quatro mil quinhentos e noventa euros).
Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial, na Comarca do Alentejo Litoral, Juízo de Trabalho de Sines.
Considerando tratar-se de matéria de direito, foi dispensada – com a aceitação do Ministério Público e da recorrente – a realização de audiência e proferida decisão por simples despacho, onde se conclui no sentido de manter na íntegra a decisão administrativa proferida e, em consequência, a condenação da arguida/recorrente, pela prática de uma contra-ordenação muito grave, com referência às disposições legais antes referidas, na coima de € 4.590,00. 2. De novo inconformada, a arguida veio interpor recurso da sentença para este Tribunal da Relação (fls. 107 a 110).
Na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
A) A fundamentação da decisão da autoridade administrativa é feita por remição para uma proposta existente no processo de contra-ordenação;
B) A proposta a que se faz referência não é, porém, identificada.
C) Tal irregularidade obsta à apreciação do mérito da causa, devendo os autos ser reenviados à autoridade administrativa para sanação do vício de que enferma a decisão.
D) A decisão impugnada imputa à arguida, a título de dolo, a prática da contra-ordenação com base, única e exclusivamente, no facto daquela já ter sido notificada anteriormente por infracções semelhantes em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
E) Tal facto jamais pode permitir a conclusão e decisão subsequente da prática dolosa da contra-ordenação.
F) A decisão impugnada aplicou à arguida a coima de € 4.590,00 (quatro mil quinhentos e noventa euros), porquanto havia sido proposto que a coima fosse fixada no montante mínimo do dolo – €4.590,00 (quatro mil quinhentos e noventa euros), atendendo ao seu pedido de pagamento da coima pelo mínimo (fls. 65 da proposta de decisão).
G) Os critérios de determinação da pena concretamente aplicável são os constantes do artigo 18.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o regime geral das contra-ordenações, aplicável ex vi do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a saber: gravidade da contra-ordenação, culpa, situação económica do agente e benefício económico retirado da prática da contra-ordenação.
H) O facto da arguida ter pedido o pagamento da coima pelo mínimo jamais pode ser critério de determinação da mesma e no processo de contra-ordenação não foram indagados quaisquer dos elementos referidos em K).
I) Decorre do exposto que a decisão condenatória é omissa e insuficiente e não observa cabalmente o disposto na alínea b), do artigo 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, enfermando, por isso, de nulidade (Artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, Artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e Artigo 379.º do Código de Processo Penal).
J) Deverá, em consequência, ser ordenado o reenvio dos autos à autoridade administrativa para prolação de decisão que observe cabalmente o disposto no mencionado artigo 25.º, sanando-se, por essa via, a nulidade arguida. 3. O Ministério Público, em 1.ª instância, apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos:
1 - A Sra. Subdirectora da ACT da Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo decidiu, visto concordar com a proposta de decisão da instrutora do processo, fundamentar a sua decisão condenatória, como efectivamente fez, mediante simples remissão para a fundamentação, de facto e de direito, da dita proposta.
2 - Pese embora o facto de, por falta de rigor, não serem indicadas as folhas do processo das quais constava a proposta de decisão, esta deve considerar-se perfeitamente identificada, já que se trata de uma peça processual única, que antecede imediatamente a decisão da citada Directora, em cuja página inicial apresenta destacadamente o cabeçalho “Proposta de Decisão”, mostrando-se, a final, assinada por pessoa identificada como sendo a instrutora do processo.
3 - A decisão condenatória da autoridade administrativa, preenche os requisitos exigidos pelo art.º 58º, do RGCO e não enferma de qualquer nulidade.
4 - O facto de se sufragar, na proposta de decisão, para qualificar a conduta como dolosa, ter sido já notificada, anteriormente, a recorrente, por condutas semelhantes, decidindo conscientemente voltar a incumprir, conformando-se com o resultado que daí adviesse, não merece reparos e não consubstancia qualquer omissão de fundamentação da coima aplicada.
5 - O curto lapso de tempo decorrido entre essas notificações, levadas a cabo em 2010, e a data da autuação da presente contra-ordenação – 23.06.2011, justifica que a recorrente tinha plena consciência que agia contra a lei, ao violar novamente os artigos 22.º, n.º 1, alínea c), por reporte ao artigo 25.º, ambos do Decreto-Lei 273/2003.
6 - Não pode a recorrente, depois de ter requerido a fixação da coima pelo mínimo, atacar a decisão que satisfez essa sua pretensão, por falta de apreciação dos requisitos de determinação da sua concreta medida, sob pena de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e violação do princípio da boa fé e por falta de interesse em agir.
7 - Face a tudo o exposto, entende-se dever ser rejeitado o recurso, por manifesta improcedência, nos termos do disposto no artº 420, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, ex vi do artº 50, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, ou assim não se entendendo, deve ser julgado improcedente, o presente recurso, e confirmada a douta decisão judicial recorrida. 4. Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos e acompanhando a argumentação da resposta em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
A arguida, notificada, nada disse. 5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Face às conclusões da motivação do recurso [artigo 412.º do Código de Processo Penal, aplicável nos termos do artigo 50.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro], importa apreciar, essencialmente, as seguintes questões:
§ A alegada irregularidade da decisão administrativa.
§ A alegada nulidade da decisão da autoridade administrativa. II) Fundamentação 1.1 Na sentença recorrida consignam-se como provados os seguintes factos, extraídos da “proposta de decisão” de fls. 65 e seguintes:
1. No dia 15 de Abril de 2010, num estaleiro temporário de construção do Centro Escolar do Torrão, sito na Rua Bento de Jesus Caraça, Torrão, a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens e direcção, os trabalhadores V… (carpinteiro de cofragem de 1.ª), F… (carpinteiro de cofragem de 2.ª), J… (carpinteiro de cofragem de 1.ª), M… (carpinteiro de cofragem de 1.ª), A… (pedreiro de 1.ª) e J… (servente).
2. Estavam a decorrer:
a. Trabalhos de armação de ferro, cofragem e descofragem, relacionados com a construção do muro de suporte ou contenção, nos lados Norte e Oeste da construção;
b. Trabalhos de armação e atamento de ferro para construção do referido muro;
c. Trabalhos de alvenaria na zona do ginásio, sobre o Piso 1 do Pavilhão Desportivo, com a livre circulação dos trabalhadores sobre a mesma laje, com as respectivas bordaduras desprotegidas;
d. Trabalhos de colocação de estruturas metálicas (pilares) sobre as bordaduras da laje, na zona do referido ginásio;
3. Os referidos trabalhos estavam a ser executados no cima das plataformas de trabalho e sobre a laje do 1.º andar do Pavilhão Desportivo, a qual apresentava no seu perímetro desníveis de dimensão variável, até mais de três metros de altura, onde os trabalhadores se encontravam a trabalhar e a circular, sem quaisquer garantias de segurança contra quedas, nomeadamente para o exterior do perímetro da construção.
4. Na execução dos trabalhos, os trabalhadores não dispunham os trabalhadores de acessos adequados e seguros às plataformas de trabalho, às fundações do muro de suporte ou contenção, e às bordaduras da laje do ginásio do pavilhão desportivo, nem dispunham de guarda-corpos que evitassem quedas em altura, nomeadamente sobre as fundações do referido muro com ferros em espera e no perímetro da referida laje.
5. Os trabalhadores não utilizavam meios de protecção individual, na operação de montagem e desmontagem das cofragens e de montagem da estrutura metálica (pilares) por forma a prevenir o risco de queda em altura.
6. O acesso dos trabalhadores aos postos de trabalho localizados nas plataformas de trabalho para cofragem e descofragem do muro de suporte era feito por escadas-de-mão simples, pelas quais os trabalhadores subiam e desciam.
7. Não existindo um acesso aos postos de trabalho localizados sobre as fundações do muro de suporte, os trabalhadores limitavam-se a saltar para dentro da vala sobre o betão já existente, na proximidade dos ferros em espera, para executarem as funções que lhes estavam determinadas.
8. Nenhuma das bordaduras da laje já construídas na zona do ginásio do pavilhão desportivo dispunha de protecções colectivas (guarda-corpos).
9. A arguida já tinha sido notificada, anteriormente, por infracções semelhantes em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
10. Agiu a arguida com plena consciência dos seus comportamentos ilícitos, não os alterando e conformando-se necessariamente com o seu resultado. 1.2 Na mesma peça processual e em sede de fundamentação da matéria de facto, afirma-se:
“Os factos dados como provados resultam da decisão administrativa proferida (excluídas as referências a meios de prova, matéria de direito e factos puramente conclusivos), os quais não foram impugnados pela arguida/recorrente.
Note-se que, embora a arguida/recorrente venha invocar que a decisão administrativa não poderia concluir pela prática dolosa da infracção, a mesma nunca nega a efectiva prática dolosa da mesma, nem alega quaisquer factos que consubstanciasse uma situação de negligência.” 1.3 Na “proposta de decisão” de fls. 65 e seguintes, especificamente, a fls. 68 e 69, consta ainda, com relevância na matéria em discussão:
“A contra-ordenação é-lhe imputável [à arguida/recorrente] a título de dolo, conforme refere o Sr. Inspector Autuante, a fls. 3 do auto de notícia, na medida em que a arguida já tinha sido notificada, anteriormente, por infracções semelhantes em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, conforme se prova a fls. 16, continuando a não dar cumprimento às suas obrigações no que a esta matéria diz respeito. Efectivamente agiu a arguida com plena consciência dos seus comportamentos ilícitos, não os alterando e conformando-se necessariamente com o seu resultado (critério da probalidade "in Kauf niebem"), integrando a sua conduta os elementos constitutivos do dolo, nomeadamente, o elemento intelectual ou cognoscitivo e o elemento emocional ou volitivo (art.º 14.º do Código Penal):
- O elemento intelectual ou cognoscitivo, que se caracteriza não só pelo conhecimento dos elementos relativos à factualidade que rodeia o início da conduta do agente como também pelo conhecimento dos elementos que são desencadeados pela própria actuação do agente;
- O elemento emocional e volitivo, que se traduz numa especial direcção de vontade traduzida na realização do facto previsto.
Da definição legal de dolo (art.º 14.º, do Código Penal, que prevê três modalidades, a saber: dolo directo, dolo necessário e dolo eventual) resulta que, age com dolo não só quem representando um facto que preenche um tipo legal de contra-ordenação actua com intenção de o realizar, mas também quem represente esse facto e admita a sua ocorrência como consequência necessária da sua conduta e ainda quando represente como consequência possível da sua conduta a violação de um dever legal, conformando-se com a realização do facto que preenche o tipo legal sancionador.
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acentuar que para a existência do dolo, não é necessária a existência de actos de consciência ou de vontade reflexivos, bastando a existência de uma consciência marginal, sendo necessário que o agente esteja na posse da informação suficiente e relevante sobre a prática do acto ilícito (os conhecimentos próprios de um cidadão comum).” 1.4 Na mesma “proposta de decisão”, dando satisfação a pedido formulado pela arguida, na sequência da respectiva notificação relativamente ao teor do auto de notícia, conclui-se:
“Assim, atendendo ao seu pedido de pagamento da coima, pelo mínimo, proponho que a coima a aplicar se fixe no montante mínimo do dolo – € 4590,00 (quatro mil quinhentos e noventa euros).” 1.5 Finalmente, na “decisão” da autoridade administrativa, a fls. 71, consta:
“Vistos os autos e considerada a proposta do Sr. Instrutor, nos termos do artigo 25º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, profiro a seguinte decisão (…):
No uso da delegação de competências que em mim foi delegada (…), concordo com a proposta acima referida, a fls. ____ dos autos, que aqui dou por inteiramente reproduzida nos termos do n.º 5 do artigo 25º da Lei 107/2009 (…), passando a fazer parte integrante da presente decisão.
Nestes termos, aplico a B…, L.da, a coima de Euros 4590,00 (…)”: 2. A alegada irregularidade da decisão administrativa.
A recorrente sustenta esta arguição no facto da decisão remeter para a proposta, sem identificação da mesma, pretendendo que tal obsta ao conhecimento de mérito.
A Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, veio estabelecer o regime jurídico do procedimento aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, tendo-se iniciado a respectiva vigência em 1 de Outubro de 2009, primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação (cf. artigos 1.º e 65.º, n.º 1, do referido diploma).
O auto de notícia que deu origem aos presentes autos foi lavrado em 10 de Janeiro de 2011, reportando-se a factos ocorridos em Abril de 2010, pelo que tem aqui inteira aplicação o referido diploma legal, cujo artigo 25.º, na parte que aqui interessa, estabelece que a decisão que aplica a coima contém a identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção [n.º 1, alínea a)], a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas [n.º 1, alínea b)], a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão [n.º 1, alínea c)] e a coima e as sanções acessórias [n.º 1, alínea d)]. A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação [n.º 5].
Esta última disposição (artigo 25.º, n.º 5) acolhe o que já antes determinava e determina ainda, em relação ao acto administrativo em geral, o artigo 125.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-lei n.º 442/91, de 11 de Novembro, com ulteriores alterações: a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
Neste enquadramento, é pacífica a admissibilidade de decisão que proceda à aplicação de coima, por entender verificada a prática de contra-ordenação, cuja fundamentação se concretize através de parecer prévio para o qual remete.
A recorrente, se bem se interpretam os fundamentos do recurso, também não questiona propriamente esta regra; ao arguir a irregularidade, pretende que, no caso em apreciação, não terá sido identificado o parecer para o qual se remete.
No ponto anterior deixou-se transcrita a decisão questionada, na parte que aqui interessa. Está em causa o facto de aí se remeter para “a proposta acima referida, a fls. ____ dos autos”, sem que se indiquem as concretas folhas da proposta.
Como refere o Ministério Público, na resposta ao recurso (fls. 116), reconhece-se que, “ao não indicar as folhas do processo das quais consta a proposta de decisão a que aderiu, houve alguma falta de rigor, por parte da autoridade administrativa, na elaboração da decisão impugnada”.
Não se afigura, no entanto, que tal falha comprometa a percepção e validade da decisão administrativa que aplicou a coima à arguida/recorrente.
Na verdade, compulsados os autos e apesar de não terem sido explicitadas as concretas folhas em que se situa a proposta de decisão para que se remete, é inequívoco que se trata da que antecede imediatamente a decisão em causa (fls. 65 e seguintes), proposta que foi presente a despacho, conforme teor de fls. 70 e que mereceu o referido despacho.
Apesar de a decisão se expressar em modelo genérico que é susceptível de ser utilizado em diferentes processos que forem apresentados para o efeito, é certo que tal modelo foi inequivocamente adequado à recorrente, com a menção explícita do seu nome e da concreta coima a aplicar, mostrando-se estes elementos concordantes com o que consta na proposta para que remete a decisão.
Por outro lado, a recorrente foi notificada da decisão e da proposta para que remete e que, nos termos do artigo 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, daquela faz parte, sem que se veja que tenha havido qualquer perturbação na correcta percepção do seu conteúdo, o que, aliás, não é invocado.
Em tais circunstâncias, sem prejuízo de ser desejável que, na prolação de decisão condenatória de entidade administrativa que aplique uma coima, se faça menção explícita da página do processo onde se situa a proposta para que se remete, não se vê que haja vício relevante que, como pretende a recorrente, justifique o reenvio dos autos à autoridade administrativa para que proceda agora a tal menção, pelo que improcede nesta parte o recurso. 3. A alegada nulidade da decisão da autoridade administrativa.
A recorrente faz assentar o vício em duas razões distintas: por um lado, a decisão impugnada imputa à arguida a prática da contra-ordenação a título de dolo, com base, única e exclusivamente, no facto daquela já ter sido notificada anteriormente por infracções semelhantes em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, entendendo a recorrente que este facto jamais pode permitir a conclusão e decisão subsequente da prática dolosa da contra-ordenação; por outro lado, fixou a coima sem ponderar os critérios de determinação da pena constantes do artigo 18.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, o que determina a nulidade da decisão, com referência ao disposto nos artigos 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e 379.º do Código de Processo Penal, apesar de na mesma se ter acolhido o pedido da arguida para o pagamento da coima pelo mínimo. 3.1 No caso dos autos, é certo que a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens e direcção, num estaleiro temporário de construção, os trabalhadores que em sede própria se deixaram mencionados, sem que estivesse garantida a protecção dos mesmos contra quedas em altura nas plataformas de trabalho, em infracção ao disposto nos artigos 40.º, 43.º, 155.º, 156.º, e 157.º, do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º, 13.º e 19.º, da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, 22.º, n.º 1, alíneas c) e m) e n.º 2, e 29.º, do Decreto-Lei n.º 273/2003, e no 15.º, n.ºs 1, 2, 10 e 11, da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro.
O Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, estabelece o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
A Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis.
O Decreto-lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, procede à revisão da regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho em estaleiros temporários ou móveis.
Finalmente, a Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro aprova o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção.
A infracção a que se reportam os autos (com referência às normas legais anteriormente mencionadas) consubstancia contra-ordenação muito grave, com violação de normas sobre segurança no trabalho; nos termos do Código do Trabalho, os limites das coimas correspondentes às infracções muito graves, se praticadas nestas circunstâncias e por empresa com volume de negócios inferior a € 500.000, como é o caso da arguida, têm os valores (entre o mínimo e o máximo) de 20 UC a 80 UC em caso de negligência e de 45 UC a 190 UC em caso de dolo.
A arguida não questiona, nem a generalidade da matéria de facto, nem a prática da aludida infracção, mas antes o facto de se considerar que agiu com dolo.
Determina o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Daqui decorre que o princípio da culpa é um dos princípios basilares do direito de contra-ordenação, impondo-se, para que exista culpabilidade do agente no cometimento do facto, que este lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência.
A negligência consubstancia-se na falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei – artigo 15.º do Código Penal.
O dolo, pressupondo dois elementos (um intelectual ou cognoscitivo que se consubstancia na representação antecipada de facto que preenche um tipo de contra-ordenação e um elemento volitivo que se configura na resolução, seguida de um esforço do querer dirigido à realização do facto representado), conhece três graduações distintas. Assim, age com dolo directo quem, representando um facto que preenche um tipo de contra-ordenação, actuar com intenção de o realizar; age com dolo necessário quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de contra-ordenação como consequência necessária da sua conduta e prossegue na mesma; finalmente, age com dolo eventual quem, representando como consequência possível da sua conduta a realização de um facto que preenche um tipo de contra-ordenação, actuar conformando-se com essa realização – artigo 14.º do Código Penal.
A recorrente questiona a convicção relativamente à prova do elemento subjectivo do tipo.
A subjectividade da conduta, que traduz o dolo, pode revelar-se de modo indirecto, mediante presunções naturais, pela análise da conduta material e concreta empreendida à luz das regras da experiência,
Decorre das regras de experiência comum que a arguida, sendo uma empresa de construção civil, conhecia os regulamentos antes mencionados e que condicionam a sua actividade; apesar disso, não organizou a prestação do trabalho na obra em referência (construção do Centro Escolar do Torrão) de modo a garantir o cumprimento de tais regras e, sobretudo, a garantir a efectiva segurança dos respectivos trabalhadores.
A sua actuação é claramente violadora das normas legais atrás referidas, a título de dolo, pelo menos eventual, porquanto, perante tal conhecimento, não deixou de prever como possível a violação das normas relativas à segurança no trabalho e conformou-se com ela, aceitando-a, nada fazendo para a evitar.
Não deixa de relevar neste ponto e de modo determinante em termos de efectiva percepção da desconformidade do seu procedimento em relação às regras que condicionam a sua actividade, como se salienta na proposta de decisão, o facto da arguida ter sido notificada, anteriormente, por infracções semelhantes em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho. Não obstante essas autuações a arguida não alterou os seus procedimentos, como se constatou na intervenção da ACT que deu origem aos presentes autos.
Nada se demonstrou que ponha em causa os juízos de normalidade que, considerados pela decisão administrativa e, posteriormente, pela sentença recorrida, proferida em primeira instância, firmaram a convicção quanto à conduta dolosa da arguida, consubstanciada no conhecimento que tinha de estar a incumprir as regras de segurança no trabalho, bem como das possíveis consequências, mantendo tal atitude, o que evidencia conformar-se com isso.
Assim, também aqui improcede o recurso. 3.2 A arguida/recorrente pretende depois que também ocorre nulidade pelo facto da decisão administrativa ter fixado a coima sem ponderar os critérios de determinação da pena constantes do artigo 18.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações), com referência aos artigos 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e 379.º do Código de Processo Penal e apesar de ter acolhido o pedido que a recorrente formulou para o pagamento da coima pelo mínimo.
Afirma-se a este propósito na sentença recorrida: «Vem a arguida/recorrente alegar que “deverá ser ordenado o reenvio dos autos à autoridade administrativa para prolação de decisão que observe cabalmente o disposto no mencionado artigo 25.º”.
Ora, questionamos nós se a arguida/recorrente, que foi condenada em coima pelo mínimo legal, pretenderá que os autos sejam reenviados à autoridade administrativa para que esta venha a aferir das suas condições socioeconómicas e venha a aplicar-lhe uma coima superior à agora aplicada.
Presumindo que esse não será o caso, então tal alegação de nulidade e requerimento apenas terá por objecto a dilação do trânsito em julgado da decisão condenatória, sendo desprovido de qualquer fundamento legal.
Na verdade, bastaria a elevada gravidade da conduta e os presumíveis benefícios económicas para a autoridade administrativa aplicar à arguida uma coima superior ao mínimo legal.
Não o tendo feito, em cumprimento do disposto no artigo 72.º-A, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, ex vi artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, manter-se-á a coima aplicada.»
O artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações estabelece que a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação; prevê-se aí também, quer a possibilidade do limite máximo da coima se elevar para além da previsão legal, desde que o agente tenha retirado da infracção um benefício económico superior a esse máximo, quer a possibilidade de atenuação especial, perante a existência de erro censurável, ou em casos de tentativa ou de cumplicidade.
São ainda atendíveis a medida do incumprimento das recomendações constantes de auto de advertência, a coacção, falsificação, simulação ou outro meio fraudulento usado pelo agente – artigo 559.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Relativamente à decisão condenatória e no âmbito do regime geral das contra-ordenações, o artigo 58.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, estabelece que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a identificação dos arguidos, a descrição do facto imputados, com indicação das provas obtidas e a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.
Especificamente em relação às contra-ordenações laborais e de segurança social, releva neste ponto (decisão condenatória) o artigo 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, que antes se deixou mencionado.
A infracção praticada pela arguida/recorrente é sancionada com coima entre 45 UC a 190 UC, o que, considerando o valor da UC com referência à data da prática dos factos, corresponde a um mínimo de € 4.590,00 e um máximo de € 19.380,00.
Confrontando o quadro legal que se deixa sumariamente enunciado com a decisão condenatória proferida nos autos pela autoridade administrativa, apesar dos termos concisos desta, não se vê que esteja afectada por vício que ponha em causa a sua legalidade.
A decisão em causa satisfaz genericamente as exigências dos artigos 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro
Não resulta dos autos – nem é suscitado por qualquer forma – que haja razões que fundamentem a agravação ou a atenuação especial da coima a aplicar à arguida, ou que justifiquem a especial consideração de uso de meios fraudulentos por parte da mesma e, nessa medida, devessem ser considerados na decisão condenatória.
Ao fixar a coima a pagar pela arguida no mínimo legalmente estipulado, a decisão da autoridade administrativa dá satisfação a pedido nesse sentido formulado pela arguida, acolhendo implicitamente as razões que lhe estão subjacentes e o entendimento de que, quanto à gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica da arguida e do benefício económico que retirou da prática da infracção, não há motivos que aconselhem um agravamento da coima, a sua fixação em montante superior ao mínimo legalmente fixado.
Em tais circunstâncias, não resulta para a arguida/recorrente qualquer prejuízo, qualquer razão que justifique a revisão da coima aplicada.
Não há motivo válido para afirmar a nulidade da decisão administrativa e para ordenar, por isso, o reenvio dos autos à autoridade administrativa para prolação de nova decisão.
Conclui-se por isso no sentido da total improcedência do recurso interposto pela arguida, cujo decaimento determina a sua responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, face ao disposto nos artigos 92.º e seguintes do Regime Geral das Contra-Ordenações e 513.º do Código de Processo Penal. III) Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.
Évora, 20 de Março de 2012. (Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto) (João Luís Nunes)