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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA RELATIVA
Sumário
1 - Estando em discussão a competência relativa, a questão fica definitivamente resolvida com o trânsito em julgado da primeira decisão que dela conhecer, dado o disposto no art. 111º n.º 2 do CPC. 2 – O nosso sistema jurídico não prevê a existência de conflitos de competência relativa, porquanto, nos termos do art. 115º, n.º 3, do CPC, não há conflito enquanto as decisões sobre a competência (relativa) forem susceptíveis de recurso, e logo que transite uma delas o conflito também deixa de existir, porquanto, nos termos do referido art. 111º, n.º 2, essa decisão resolve definitivamente a questão. 3 – Consequentemente, caso existam duas decisões opostas em matéria de competência relativa, há que observar o estabelecido no art. 675º, n.º 1, ou seja, cumprir-se-á a que transitou em julgado em primeiro lugar, pois que, e independentemente da sua correcção ou conformidade com a lei, a mesma resolveu definitivamente a questão (art. 111º, n.º 2, citado).
Texto Integral
Na Comarca do Alentejo Litoral, o Excelentíssimo Juiz do Juízo de Média e Pequena Instância Cível (Alcácer do Sal) e o Excelentíssimo Juiz de Grande Instância Cível (Santiago do Cacém) proferiram decisões em que cada um deles recusa a sua própria competência para a tramitação dos autos de prestação de contas aqui em causa, reciprocamente a atribuindo um ao outro.
Na sequência dos despachos proferidos, o Sr. Juiz de Alcácer do Sal suscitou junto deste Tribunal da Relação a resolução do “conflito negativo de competência”.
O processo foi instruído com certidão daqueles autos e, nomeadamente, dos despachos judiciais em conflito, com nota do respectivo trânsito em julgado.
O presente pedido de resolução do conflito foi deduzido ao abrigo do estabelecido nos arts. 115º e segs. do Código de Processo Civil (diploma a que se reportarão todos os preceitos que doravante forem invocados sem referência a outra fonte, considerando-se para o efeito a redacção aplicável aos autos, entrados em juízo em 2006).
Verifica-se desde logo que, regulando a matéria, começa por estatuir o art. 118º, n.º 1, que a entender-se que inexiste conflito deve indeferir-se imediatamente o pedido.
Ficaram assim previstas pelo legislador situações em que ao primeiro exame dos autos seja constatável que não ocorrem no caso os pressupostos necessários para que se esteja perante um conflito de competência em sentido próprio, situação em que deve o pedido ser liminarmente indeferido.
Cremos que é essa a situação presente, pelas razões que passamos a expor, apreciando e decidindo como se segue.
Vejamos então.
São os seguintes os factos a considerar:
- Corre termos no Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Alcácer do Sal um processo especial de prestação de contas, por apenso a um processo de inventário, nos termos do art. 1019º do CPC.
- Ao referido processo foi fixado valor superior à alçada da Relação, pelo que, nos termos do art. 117º, n.º 1, do CPC, o mesmo seguirá a forma ordinária.
- Com fundamento no disposto no art. 128º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, que dispõe que a preparação das acções declarativas de valor superior à alçada da Relação em que a lei preveja a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo compete aos juízos de grande instância cível, o juiz de Média e Pequena Instância Cível de Alcácer do Sal declarou a sua própria incompetência, atribuindo-a à Grande Instância Cível instalada em Santiago do Cacém.
- Na sequência desse despacho foram os autos desapensados do inventário a que respeitam e remetidos ao Juízo de Grande Instância Cível de Santiago do Cacém.
- Remetido e recebido o processo, o Sr. juiz da Grande Instância Cível de Santiago do Cacém declarou-se igualmente incompetente para a causa, por entender que sendo esta dependência de um processo de inventário e sendo este da competência do Juízo de Média e Pequena Instância Cível também pertence a este último a competência para aquela, considerando essa relação de dependência e o disposto no art. 1019º do CPC.
- Ambos os despachos transitaram já em julgado.
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Como se constata, a discussão tem por objecto a competência resultante do valor da causa – pelo que a incompetência resultante da infracção das regras respectivas constitui incontroversamente um caso de incompetência relativa, prevista no art. 108º do CPC.
A incompetência em causa pode ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente pelo tribunal, nos termos do art. 110º, mas uma vez decidida por despacho com trânsito em julgado fica definitivamente resolvida, por força do disposto no art. 111º, n.º 2, ainda do CPC.
Com efeito, na sistemática do Código de Processo Civil, a competência do tribunal singular ou colectivo em função do valor da causa está integrada na competência relativa (secção II do Capítulo V do Livro II, sob a epígrafe "incompetência relativa"), como expressa resulta do art. 108º (“a infracção das regras de competência fundadas no valorda causa (…) determina o incompetência relativa do tribunal”).
É, assim, perfeitamente claro que a questão da competência definida apenas em função do valor da causa, ou em função da estrutura singular ou colectiva do tribunal de julgamento, ou do juiz a quem compete proferir a sentença, não integra uma questão de competência material (absoluta), mas relativa.
Consequentemente, também no caso em apreço saber se a competência para tramitar os autos de prestação de contas aqui em causa pertence ao juiz de Média e Pequena Instância Cível ou ao Juiz de Grande Instância Cível constitui uma questão de competência relativa e não absoluta (como, aliás, sublinhou a propósito o Juiz da Grande Instância Cível).
No caso, ambos os juízes se declararam incompetentes.
Mas a solução de tal questão tem que ser encontrada de acordo com as regras do incidente de incompetência relativa, regulado na secção II do Capítulo V do Livro II do Código de Processo Civil, concretamente nos arts. 108° a 114°.
E nesta matéria prevalece a disposição já citada do art. 111º, n.º 2, que implica que tal solução seja encontrada no despacho transitado em julgado que decidiu o incidente em causa.
O disposto na secção III, constituída pelos arts. 115° a 212°, apenas regula a tramitação dos conflitos de jurisdição e competência em sentido próprio (relativos a situações de incompetência absoluta), não sendo, por conseguinte, aplicáveis às questões de incompetência relativa, como é o caso.
Para o caso presente rege o disposto no art. 111° n.º 2, segundo o qual "a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada".
Ora, tratando-se de um caso de competência relativa que fica definitivamente resolvida com o trânsito em julgado da decisão que dela conheceu, a conclusão que se impõe é que, efectivamente, não estamos perante qualquer conflito de competência, sendo ainda certo que, face ao estabelecido no citado art. 111º, n.º 2, o nosso sistema jurídico não comporta nem prevê a existência de conflitos de competência relativa (em razão do valor da causa, da forma de processo, do território ou das convenções (pactos privativo e atributivo de jurisdição ou competência convencional - arts 99° e 100°), mas, tão só, conflitos de jurisdição, v. g. de competência material) porquanto, nos termos do art. 115°, n.º 3, não há conflito enquanto as decisões sobre a competência (relativa) forem susceptíveis de recurso e logo que transite uma delas o conflito também deixa de existir, porquanto, nos termos do referido art. 111°, n.º 2, a mesma resolve definitivamente a questão.
Por isso, caso existam duas decisões sobre a competência em razão do valor da causa, transitadas em julgado, como é o caso, há que observar o estabelecido no art. 675°, n.º 1, ou seja, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar, pois que, e independentemente da sua correcção ou conformidade com a lei, a mesma resolveu definitivamente a questão (art. 111º, n.º 2, citado).
Perante uma primeira decisão, se, eventualmente, em desconformidade com o legalmente estabelecido, impunha-se o recurso da mesma, nos termos estabelecidos nos arts. 111º, n.ºs 4 e 5.
Não tendo sido interposto recurso e, assim, tendo transitando em julgado, fixa-se a competência no juiz considerado competente naquela decisão, a quem resta aceitá-lo, sem mais,ou seja, sem que legalmente possa proferir nova decisão sobre a questão da competência relativa, pois que a mesma ficou fixada definitivamente com aqueloutra decisão transitada.
A questão suscitada perante este Tribunal da Relação pelo Sr. Juiz de Média e Pequena Instância Cível não traduz, portanto, um conflito negativo de competência em sentido verdadeiro e próprio, a decidir pelo tribunal superior, mas simplesmente uma discussão sobre competência relativa, já decidida pelo tribunal de primeira instância nos termos legais relativos ao respectivo incidente.
Não é caso, portanto, de dirimir aqui a questão substancial, ou seja a de saber qual o juiz efectivamente competente, já que esta é questão que, bem ou mal, está definitivamente decidida.
Neste sentido, vejam-se os Acs. desta Relação de 7.04.2005 no proc. n.º 2955/04-2, de 27.01.2005, no proc. 2472/04-3, ambos relatados pelo Dês. Bernardo Domingos, de 29.01.2009, no proc. 2291/08-2 e de 31.03.2009, no proc. 26/09.9YREVR, ambos relatados pelo Des. Almeida Simões (os três últimos in www.dgsi.pt ) e ainda de 14-04-2011, no proc. 2077/05-3, relatado pelo Dês. Ribeiro Cardoso.
Dir-se-á ainda que na situação presente a aplicação das regras legais pertinentes, e supra referidas, nem sequer se apresenta particularmente difícil.
Na realidade, o Sr. Juiz de Média e Pequena Instância Cível proferiu despacho a declarar a sua própria incompetência e atribuindo-a ao Juiz de Grande Instância Cível, remetendo logo os autos ao segundo; este, recebidos os autos, tomou a posição contrária, declarando-se incompetente e atribuindo a competência ao Juízo de Média e Pequena Instância Cível; logo então, o Juiz da Grande Instância Cível fez notar que “a decisão proferida pelo Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Alcácer do Sal não está a coberto da força do caso julgado formal porquanto não foi a mesma notificada ao MP” (depreendendo-se que caso isso acontecesse a acataria, até porque expressamente qualifica o caso como de incompetência relativa); e logo de seguida, regressando os autos a Alcácer do Sal, o Sr. Juiz daquele Juízo de Média e Pequena Instância Cível começa por determinar que se “notifique ao Ministério Público a decisão de fls. 420 a 421” e acrescenta que “não recorrendo o Ministério Público daquela decisão, verifica-se que este Tribunal já se declarou incompetente para tramitar a presente acção/incidente, considerando que era o Tribunal da Grande Instância Cível de Santiago do Cacém o competente (fls. 420 a 421), por despacho que transitou em julgado”, “entendimento diverso teve aquele Grande Tribunal””, “assim, estamos perante conflito negativo de competências que urge resolver” (…)
Ora neste ponto é inevitável recordar o que consta do art. 677º do CPC: “a decisão considera-se passada ou transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668º e 669º”.
E bem assim o disposto no art. 675º, n.º 1, segundo o qual “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”.
O Sr. Juiz ao mandar notificar ao MP um determinado despacho e aguardar depois que este recorra ou não recorra não pode simultaneamente dizer que esse despacho já transitou em julgado. Como é evidente, só transitou depois, precisamente porque o MP não recorreu nem reclamou.
Ao reconhecer implicitamente que o seu despacho ali referido não havia transitado, pois que o manda notificar precisamente para esse fim, já não fazia sentido que o Sr. Juiz suscitasse o conflito negativo de competência – na realidade a divergência encontrava-se solucionada pelo trânsito em julgado do despacho proferido pelo Juiz de Grande Instância Cível, e dado o disposto nos arts. 111º, n.º 2, e 675º, n.º 1, essa decisão vincula todos os intervenientes processuais.
É esta a situação que se observa nos autos.
Pelo exposto e sem mais considerandos por desnecessários, declara-se a inexistência de conflito negativo de competência, pelo que fica indeferido liminarmente o pedido, ao abrigo do art. 118º, n.º 1, do CPC, e determina-se a remessa dos autos ao processo a que respeitam, o qual deverá prosseguir tendo em conta o disposto nos arts. 111º, n.º 2, e 675º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 2012-03-26
José Lúcio