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IRREGULARIDADE
Sumário
O não cumprimento da realização da notificação por escrito, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 153.º, n.º 2, do Código da Estrada, constitui mera irregularidade.
Texto Integral
NUIPC 59/10.2GACVD.E1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. No processo abreviado n.º 59/10.2GACVD do Tribunal Judicial de Castelo de Vide, por sentença proferida em 31 de Maio de 2012, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 do CP, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 12 €, perfazendo a quantia de 720 €, bem como na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 3 meses e 15 dias.
Inconformado com aquela sentença, o arguido interpôs recurso da mesma, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que absolva o recorrente do crime pelo qual foi condenado, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: Relativamente à matéria de facto: A) Pontos de facto que considera incorrectamente julgados:
1. No dia 18 de Novembro de 2010, pelas 04h00, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 68-40-PH, pela Estrada Nacional 246-1, em Fronteira Galegos, área desta Comarca, com uma TAS de 1,44 g/l;
2. O arguido havia ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução daquele veículo em quantidade suficiente para lhe provocar uma taxa de alcoolemia superior a 1,2 g/l, o que previu e, não obstante, quis e conduziu o mencionado veículo na via pública e sob aquelas condições.
3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido conduzir veículos a motor em via pública com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, como fez. B) Pontos de facto que considera que deveriam ter sido dados como provados:
1. O arguido não foi notificado, por escrito, após a realização do primeiro teste quantitativo, de que poderia requerer, de imediato, a realização de contraprova, podendo fazê-la recorrendo a novo teste por ar expirado ou através de análise ao sangue;
2. Não houve impedimento para que tal notificação fosse feita por escrito;
3. Apenas foi notificado por escrito após o exame efectuado no Posto da GNR de Castelo de Vide;
4. Essa notificação por escrito não se reportou ao primeiro exame quantitativo efectuado pelo arguido;
5. A notificação não registou que o arguido declarou, após o primeiro teste quantitativo, que pretendia efectuar contraprova através de análise ao sangue ou, caso assim não se entenda,
6. tal notificação não regista a declaração do arguido quanto ao tipo de contraprova pretendido pelo arguido. C) Provas que impõem decisão diversa da recorrida:
1. 1ªs Declarações do agente autuante, A, que têm início às 12:08, nos minutos 1’55’’; 2’41’’; 3’45’’; 8’50’’; 9’10’’; 14’34’’; 15’32’’; 20’20’’; 21’30’’ e 22’22’’;
2. A totalidade das 2ªs Declarações do agente autuante, A, que têm inicio às 13:00h e a duração de 4’38’’;
3. Declarações do agente B, que têm início às 12:30h, nos minutos 5’00’’; 15’30’’; 17’06’’ e 17’25’’. Relativamente à matéria de direito:
1. O douto tribunal recorrido violou o disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
2. O douto tribunal recorrido interpretou erradamente o disposto no artigo 153º do Código da Estrada ao entender que a lei claramente legitima que tal notificação se faça verbalmente;
3. O nº2 de tal dispositivo legal deve ser interpretado no sentido de que a notificação é, em regra, efectuada por escrito;
4. que deve ser efectuada logo após a realização do teste previsto no nº1 da mesma disposição sempre que o resultado do mesmo seja positivo.
5. e que só excepcionalmente, e se não for possível efectuar a notificação por escrito, poderá a mesma ser efectuada verbalmente.
6. Assim, deve ter-se por não efectuada a notificação prevista no nº2 do artigo 153º do CE;
7. Em consequência do exposto não pode ser admitida a prova resultante dos exames constantes dos autos;
8. Nos termos do disposto no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 485/2011 de 29/11, a norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez eseja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, é inconstitucional.
9. Ora, assim sendo, por força do estatuído em tal acórdão, mesmo que se entenda de forma diferente do que acima se deixa exposto, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, à alegada contraprova consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado não pode ser reconhecida relevância legal.
10. Assim, não se podendo dar como efectuada qualquer contraprova, não havendo dúvidas de que a mesma foi requerida, não pode o arguido deixar de ser, também por esta razão, absolvido do crime pelo qual vem acusado.
3. Respondeu o MP, sustentando a procedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões: I_ O arguido, após a realização do primeiro teste quantitativo para determinação
do estado de influenciado pelo álcool, através do ar expirado, foi notificado verbalmente do resultado e da possibilidade de requerer a contraprova; II_ O arguido entendeu perfeitamente o teor e o conteúdo da referida notificação; III_ Motivo pelo qual, requereu a realização dessa mesma contraprova; IV_ A contraprova foi inicialmente realizada noutro aparelho, cujo resultado, devido a problemas técnicos, foi considerado inválido; V_ Como tal, o arguido foi conduzido pelos militares da GNR ao Posto Territorial, onde realizou novo exame de contraprova, num terceiro aparelho, que apresentou o resultado de TAS de 1,44 g/l; VI_ O artº 153º, nº 2, do Código da Estrada, pese recomende a notificação escrita, confere igual validade à notificação verbal; VII_ Com a notificação verbal da possibilidade de requerer a contraprova, não foram coarctados seus direitos, liberdades e garantias do arguido; VIII_ Há que concluir que o arguido foi notificado da possibilidade de requerer a contraprova e que entendeu clara e precisamente o conteúdo da mesma, uma vez que o próprio requereu a realização da mesma; IX_ O arguido praticou o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo que deve ser condenado como efectivamente o foi e não absolvido; X_ Pese embora o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 485/2011, publicado no Diário da República, I Série, nº 229, de 29 de Novembro, deve atender-se ao resultado da contraprova, desde logo em homenagem ao princípio da presunção de inocência, consagrado no artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, o qual abarca o princípio in dubio pro reo. XI_ Não se pode olvidar que o resultado obtido pela contraprova é substancialmente mais baixo que o resultado obtido pelo primeiro exame. XII_ Bem andou a douta sentença ao decidir como decidiu, não se vislumbrando assim a violação de qualquer normativo legal e, consequentemente, não merecendo a mesma qualquer reparo. XIII_ Pelo que, negando-se provimento ao recurso, deve a mesma ser mantida.
4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação pronunciou-se no mesmo sentido da resposta apresentada em 1ª instância ao recurso.
5. Cumprido o disposto no art. 417.º/2 do CPP, viria o recorrente reiterar os fundamentos invocados no recurso.
6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas ao recurso consistem na impugnação da matéria de facto, omissão da notificação prevista no art. 156.º/2 do Código da Estrada e inconstitucionalidade do art. 156.º/3 do mesmo diploma legal
2. Vejamos, então, cumprindo, antes do mais, recordar aqui a sentença recorrida, na parte referente à matéria de facto provada. 2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
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Amatéria de facto provadaem audiência de julgamento, com interesse para a decisão da causa,é a seguinte: 1. No dia 18 de Novembro de 2010, pelas 04h00, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 68-40-PH, pela Estrada Nacional 246-1, em Fronteira Galegos, área desta Comarca, com uma TAS de 1,44 g/l. 2. O arguido havia ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução daquele veículo em quantidade suficiente para lhe provocar uma taxa de alcoolemia superior a 1,2 g/l, o que previu e, não obstante, quis e conduziu o mencionado veículo na via pública e sob aquelas condições. 3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido conduzir veículos a motor em via pública com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, como fez. 4. Sabia que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
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5. No dia 18/11/2010, o arguido foi sujeito ao teste quantitativo realizado pelo alcoolímetro Drager, Modelo Alcotest 7110 MKIIIP, com o n.º ARNA-0056, o qual deu como resultado: 1,81 g/l TAS, registado às 04h08. 6. O arguido foi sujeito a outro teste quantitativo realizado pelo alcoolímetro Drager, Modelo Alcotest 7110 MKIIIP, com o n.º ARRA-0015, o qual deu como resultado: Amostra Contaminada, registado às 04h09. 7. Os agentes da GNR transportaram o arguido para o posto de Castelo de Vide onde o submeteram a novo teste, agora com o alcoolímetro Drager, Modelo Alcotest 7110 MKIIIP, com o n.º ARAC-0092; qual deu como resultado: 1,44 g/l TAS, registado às 05h01.
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Mais se provou com relevo para a determinação da sanção, que: 8. O arguido não tem antecedentes criminais. 9. O arguido tem a profissão de agricultor, é sócio-gerente de uma sociedade agrícola há 19 anos, declara fiscalmente auferir o vencimento mensal de 1.000,00 €, e recebe a título de lucros um montante não concretamente apurado, a sociedade emprega 7 trabalhadores e não tem salários em atraso. 10. O arguido é casado, vive com a sua mulher – que trabalha na Fundação Robinson e aufere um vencimento mensal superior a 2.000,00 € –, e 3 filhos com 17, 12 e 5 anos de idade, estudantes; vive em casa própria (moradia) suportando a prestação mensal de 800,00 € pelo empréstimo bancário contraído para a sua aquisição; tem ainda uma segunda casa de morada de família, herdada, suportando a prestação mensal de 350 € pelo empréstimo bancário contraído para pagamento de tornas. 11. O arguido tem como habilitações escolares o grau de licenciatura em Engenharia Agrícola.
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2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
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Com interesse para a decisão sobre o mérito da acção penal, não resultou provado mais nenhum facto e nomeadamente não se provou que: - Da contestação: A. O arguido requereu a contraprova através de análise de sangue. B. Os agentes da GNR identificados nos autos não facultaram ao arguido a realização de tal contraprova. C. Cerca de 90 minutos depois o arguido foi submetido a novo exame, tendo acusado 0,40 g/l TAS, o que lhe permitiu deixar o local já conduzindo o seu veículo. D. Foi pela recusa em facultarem ao arguido a contraprova através de análise do sangue, que este se recusou a assinar as notificações que os agentes lhe pretenderam efectuar.
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2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO O tribunal formou a sua convicção relativamente à matéria de facto, com base na apreciação crítica da prova produzida em sede de julgamento e, em resultado de uma avaliação englobante do contexto probatório. Em particular, a convicção do tribunal baseou-se, quanto aos factos considerados como provados na apreciação conjugada e de acordo com as regras de experiência comum, nos seguintes elementos de prova: - nas declarações do arguido que confessou parcialmente a prática dos factos de que vinha acusado, designadamente quanto ao facto de conduzir o identificado veículo nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na acusação, e ter ingerido bebidas alcoólicas anteriormente ao início da condução, no que se revelou nessa parte compatível com o teor da prova documental, testemunhal e pericial produzida nos autos; - no depoimento das testemunhas A e B, ambos militares da GNR respectivamente há 5 e 19 anos, o primeiro a prestar serviço no Posto da GNR de Nisa desde há um ano e meio e o segundo no Posto da GNR de Castelo de Vide desde há um ano, os quais com conhecimento de causa dos factos acusatórios pois que intervieram na operação de fiscalização rodoviária levada a cabo ao arguido, a sua condução ao Posto e a realização dos exames de alcoolemia registados, depuseram de modo claro e sereno, espontâneo e isento, confirmando o teor do auto de notícia de fls. 3/4 e a notificação de fls. 8, merecendo assim inteira credibilidade. Quanto à TAS registada, o tribunal baseou-se no teor dos talões dos exames de pesquisa de álcool no ar expirado realizados ao arguido constantes de fls. 9 e 10, emitidos pelos aparelhos Drager Alcotest 7110MKIII P, respectivamente Séries ARAC-0092, n.º 81, ARNA-0056, n.º 2727, e ARRA-0015, n.º 2177. Foram ainda considerados os documentos juntos aos autos, designadamente o teor do auto de notícia de fls. 3/4, e a notificação de fls. 8, Quanto aos antecedentes criminais do arguido foi tida em consideração a informação do registo criminal junta aos autos a fls. 72. No que respeita às condições sócio-económicas e profissionais do arguido, o tribunal fez fé nas declarações prestadas pelo mesmo por se revelarem plausíveis com excepção de apenas auferir o vencimento de 1.000,00 € e nada lucrar com a actividade comercial que desenvolve há 19 anos, sendo que emprega 7 trabalhadores que não têm salários em atraso, preferindo sistematicamente incorporar os lucros em reservas, não sendo tal compatível nem com as regras de experiência comum – que ditam que ninguém desenvolve continuamente uma actividade lucrativa preferindo nada lucrar com a mesma – nem com a condição económica que apresenta, de que se ressalta o elevado valor dos empréstimos bancários que suporta e que totalizam 1.050,00 €, a circunstância de ser dono de duas casas de morada de família, sendo a principal uma moradia com o custo mensal de 800,00 €, valor elevado para os padrões do Norte Alentejano e a cidade de Portalegre, sede de círculo desta comarca, o que é bem revelador da sua elevada capacidade económica.
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Perante este conjunto de elementos de prova não se provou a versão dos factos apresentada pelo arguido na sua contestação e reiterada nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento –, as quais não foram corroboradas por qualquer outro elemento de prova mas pelo contrário desmentidas –, de que requereu a contraprova através de análise de sangue a qual não lhe foi facultada e por esse motivo se recusou a assinar as notificações que os agentes lhe pretenderam efectuar. Efectivamente, do confronto entre a prova documental, testemunhal e pericial produzida nos autos e ante descrita, resultou claro que o arguido após ter efectuado a contraprova em novo aparelho Drager Alcotest conforme foi da sua vontade pretendeu posteriormente, ao não se conformar com o resultado da contraprova, efectuar uma segunda contraprova, desta feita através de análise de sangue, e foi nessas circunstâncias que os militares da GNR lho não facultaram porquanto o arguido apenas pode requerer uma única contraprova. A propósito veja-se o artigo 153.º do Código da Estrada que estatui o seguinte: «1. O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. 2. Se O resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo. 3. A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado; b) Análise de sangue. 4. No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado. 5. Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito. 6. O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.» (sublinhado e negrito nossos) Do teor do supra explanado preceito legal extrai-se claramente que o examinando apenas pode requerer, por uma única vez, a contraprova, devendo escolher um dos dois meios, não lhe sendo legítimo efectuar os dois sucessivamente. E nem poderia ser de outra forma, na medida em que a elaboração de duas contraprovas atrasaria exponencialmente a aferição da taxa de álcool no sangue, permitindo que o arguido, sendo caso disso, percorresse a maior parte da curvatura descendente que o efeito da ingestão do álcool produz no organismo já amplamente estudado em testes médicos e científicos, de modo à verificação de uma taxa progressivamente mais baixa, como aliás tudo parece indicar in casu, uma vez que o arguido passou de uma taxa de 1,81 g/l para 1,44 g/l no intervalo de uma hora o que é perfeitamente condicente com tal curvatura. Efectivamente, caso tivesse podido ser submetido a segunda contraprova, desta feita através da análise de sangue, muito provavelmente teria decorrido outra hora e já não teria sequer acusado taxa crime, sendo esse seguramente o intuito do arguido. E nem se argumente que pelo facto de não ter sido respeitado o intervalo de 30 minutos previsto no artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio (que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias), que tal circunstância influenciou negativamente o resultado do teste quantitativo, pois que, para além desse intervalo ser uma mera recomendação, note-se na expressão “sempre que possível” utilizada pelo legislador nesse normativo legal, o período de tempo que mediou entre os dois testes para além dos 30 minutos não foi significativo, afigurando-se antes inteiramente razoável atenta a distância que medeia entre o posto fronteiriço de Galegos (local da intercepção) e Castelo de Vide (local onde se situa o Posto Territorial), e a tentativa infrutífera realizada anteriormente no segundo aparelho. E ao invés do arguido que ao longo das suas declarações incorreu em diversas contradições e auto-desmentidos, com o claro propósito de deturpar conscientemente a verdade dos factos, as testemunhas inquiridas revelaram-se antes francamente sinceras, corroborantes entre si, e inteiramente credíveis, reiterando que o arguido declarou pretender a contraprova noutro aparelho Drager Alcotest que, por sinal se encontrava no local, no posto fronteiriço, só tendo sido conduzido ao Posto da GNR de Castelo de Vide para realizar a contraprova num terceiro aparelho semelhante face ao resultado de amostra contaminada dada pelo segundo aparelho. Sendo que ao contrário do que o arguido declarou, declarações essas que foram plenamente contrariadas pelas testemunhas inquiridas, nunca o arguido manifestou interesse na realização de uma contraprova através da análise de sangue, só o fazendo após ser confrontado com o resultado do segundo teste válido no terceiro aparelho Drager Alcotest. Ora, como ditam as regras de experiência comum, não se afigura plausível que uma pessoa que pretende fazer a contraprova através de análise de sangue aceite fazer não um mas dois testes adicionais em aparelhos aprovados, o último dos quais, noutra localidade. Insistiu muito a defesa em sede de audiência de julgamento nos termos da notificação efectuada ao arguido no que respeita à contraprova, mas sem razão, porquanto a lei claramente legitima que tal notificação se faça verbalmente (cfr. artigo 153.º, n.º 2 do Código da Estrada). In casu, e como expressamente esclareceram as testemunhas inquiridas, a notificação ao arguido para requerer a contraprova foi efectuada verbalmente, uma vez que se encontravam fora do Posto da GNR e não dispunham de notificações escritas, tendo o arguido sido informado de quais as opções que tinha ao seu dispor. Mais tarde e já após a realização de todos os testes, aquando da elaboração do expediente no Posto quanto à constituição de arguido foi então elaborada a notificação escrita, como é aliás prática comum, e que o arguido então se recusou a assinar. Sendo que os lapsos constantes dessa notificação escrita quanto ao valor da taxa de alcoolemia (e não da hora como a defesa alegou) e falta de preenchimento da quadrícula referente à primeira opção da contraprova (cfr. fls. 8) de nada relevam, porquanto não foi essa a notificação realmente efectuada ao arguido que, como se viu, já tinha sido efectuada, de modo verbal. Tal decorre do expressamente declarado pelo militar autuante que explicou tais lapsos pela hora muito tardia e o cansaço, dado que estava já na recta final do seu turno inserido na Operação Nato de fiscalização às fronteiras do País (aquando da cimeira realizada em Lisboa), e pelo facto de obviamente não ser coincidência que o engano na taxa de alcoolemia se refira precisamente ao resultado do terceiro teste efectuado, pois que foi efectuada já depois da contraprova ser realizada e naturalmente a notificação não se referia a uma segunda contraprova legalmente inadmissível. O que é certo é que o arguido antes de iniciar a condução ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade superior a 1,2 g/, sendo que o próprio admitiu aliás em audiência de julgamento ter bebido pelo menos 5 cervejas num estabelecimento de restauração e bebidas em Valência de Alcântara, Espanha, chegando inadvertidamente a confessar que teve necessidade de estar um bocado sentado no carro, cerca de 10/15 minutos, porque não se achava em condições de conduzir. Ora, sendo a curva descendente do álcool no organismo humano entre duas a três horas depois ingestão, claro está que 10/15 minutos são manifestamente insuficientes para dissipar os efeitos do álcool do seu organismo e torná-lo apto para o exercício da condução. Por outro lado, e no que concerne aos factos constantes da alínea C), os mesmos foram directamente desmentidos pelo militar autuante que declarou que saiu do serviço às 8h00 e nessa altura o arguido ainda se encontrava no local, impedido de conduzir. Conclui-se, assim, que o arguido conduzia efectivamente influenciado por uma taxa de álcool superior a 1,2 g/l, não colhendo o seu intento de desacreditar a prova pericial constante dos autos consubstanciada não num mas em dois testes efectuados em dois diferentes aparelhos, ambos aprovados, e em dois momentos temporais distintos, sendo inteiramente explicável a diferença dos resultados obtidos como já se teve oportunidade de referir. De notar que nos encontramos, ademais, quanto ao quantitativo da taxa de álcool no sangue registada, no domínio da prova vinculada não podendo o resultado ser livremente apreciado pelo juiz, pois que atento o detalhe e preocupação da lei relativamente a todo o processo de homologação de instrumentos, na realização dos exames e na obtenção de um resultado fidedigno, uma vez determinada uma taxa de álcool no sangue não está nas mãos do aplicador, mesmo que fundamentadamente, pô-la em causa – cfr. Francisco Marques Vieira, in Direito Penal Rodoviário – Os Crimes dos Condutores, Publicações Universidade Católica, 2007, pg. 154.
3. Perante os elementos elencados, vejamos se assiste razão ao recorrente.
Importa começar pela impugnação da matéria de facto apresentada ao recurso.
No caso sob apreciação este Tribunal pode conhecer de facto, em conformidade com o preceituado no art. 428°, do CPP, uma vez que houve documentação da prova produzida, oralmente, na audiência em 1a Instância.
Como tem sido entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais «o recurso de matéria de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» (cfr. Ac. STJ de 9/3/2006 in www. dgsi.pt).
Assim se compreende que a lei imponha no art. 412.º/3 do CPP, alguns ónus ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto apurada em 1ª instância:
- especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- indicação das concretas provas que impõem decisão diversa;
- indicação das provas que devem ser renovadas.
No recurso em apreciação o recorrente indica os concretos factos que considera incorrectamente julgados (e que são, afinal, todos os factos integradores da conduta típica integradora do ilícito que lhe é imputado) bem como um conjunto de outros factos que, em seu entender, deveriam ter sido dados como apurados (factos estes que se reportam à não notificação por escrito da possibilidade de requerer contraprova).
Como provas que imponham decisão diversa indica as declarações do agente autuante A e do agente B.
Do teor dos respectivos depoimentos, tanto nas partes aludidas na motivação do recurso como das respectivas gravações que este tribunal teve ocasião de ouvir, não resulta, porém, nenhum fundamento para alterar os pontos de facto dados como provados na sentença recorrida que o recorrente indica como tendo sido incorrectamente julgados, concretamente os factos vertidos em 1, 2 e 3 da matéria de facto provada. Nos relatos apresentados pelas aludidas testemunhas nada permite, com efeito, infirmar a convicção de que o arguido conduzia o veículo identificado na estrada indicada, acusando uma TAS de 1,44 gl na sequência dos testes de alcoolemia que lhe foram feitos pela autoridade policial (cujos resultados se encontram documentados nos autos), tendo ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução e sabendo que não é permitido conduzir sob a influência do álcool, como o próprio, de resto, admitiu nas declarações prestadas em audiência de julgamento, finda a produção da prova.
Pretende, porém, o recorrente acrescentar ainda alguns factos à matéria apurada, de forma a evidenciar que o arguido não foi notificado por escrito após a realização do primeiro teste quantitativo de que podia requerer a realização de contraprova por teste expirado ou através de análises de sangue, apesar de não ter havido qualquer impedimento para que a referida notificação fosse feito por essa via.
Com efeito, o art. 153.º n.º 2 do Código da Estrada, dispondo sobre a fiscalização da condução sob a influência de álcool, prescreve que se o resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado mediante utilização de aparelho aprovado para o efeito for positivo, «a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinado, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo». Por sua vez, o n.º 3 do mesmo artigo estabelece a possibilidade de a contraprova ser realizada «por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: a) novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado; b) análise de sangue».
De acordo com as declarações dos testemunhos dos dois guardas inquiridos em audiência, resulta inequívoco que, num primeiro momento, i.e., logo após a realização do 1º exame, a referida notificação foi efectuada apenas verbalmente. Só depois da contraprova realizada viria a ser elaborado por escrito todo o expediente, e portanto também a notificação da possibilidade de requerer contraprova, consubstanciada no documento junto a fls. 8 dos autos.
4. Pretende o recorrente que a referida omissão de notificação por escrito, sem razão impeditiva para a sua realização, impõe que se tenha por não efectuada a notificação prevista no art. 153.º/2 do Código da Estrada o que importaria, ainda a consequência, da inadmissibilidade da prova resultante dos exames constantes dos autos.
Não tem, porém, razão.
Na verdade, e tal como se consignou na exposição de motivos da sentença recorrida,no caso em análise,como expressamente esclareceram as testemunhas inquiridas, a notificação ao arguido para requerer a contraprova foi efectuada verbalmente, tendo o arguido sido informado de quais as opções que tinha ao seu dispor.
Se houve, ou não, razões impeditivas para a notificação ser realizada por escrito logo no local, é aspecto de que não cabe aqui conhecer. Entendeu o tribunal, sempre na motivação da convicção afirmada, que a razão terá sido o facto de não se encontrarem no Posto da GNR e, por isso, não disporem de notificações escritas. E, na verdade, trata-se de dedução razoável a fazer da sequência dos factos, bem como da circunstância de a operação policial que levavam a cabo se inserir na fiscalização de uma cimeira a exigir controlo das fronteiras, e não constituir propriamente uma operação vocacionada especialmente para o controlo da condução sob a influência de álcool. Tal como as testemunhas também referiram, o arguido foi mandado parar no âmbito da operação de controlo da fronteira, sendo que apenas depois de perguntarem ao condutor se bebera, e de este ter respondido afirmativamente, o convidaram a testar a sua alcoolemia. Daí que se compreenda a razão pela qual os agentes de autoridade encarregues da operação não estivessem munidos das adequadas notificações a realizar em operações de controlo de alcoolemia no condutor.
Certo é que, justificada, ou não, a omissão de notificação por escrito, nos presentes autos, a mesma não pode ter autos os efeitos pretendidos pelo recorrente. Desde logo por preclusão do prazo para deduzir a irregularidade consubstanciada na eventual falta de justificação para a sua omissão.
Na verdade, o não cumprimento da realização da notificação por escrito nos termos e para os efeitos do disposto no art. 153.º/2 do Código da Estrada, constitui mera irregularidade a ser arguida no prazo de 3 dias a contar da primeira notificação subsequente para os termos do processo, sem o que ficará sanada (art. 123.º do CPP). No caso dos autos, o recorrente não arguiu qualquer irregularidade na sequências das variadas notificações que lhe foram sendo feitas ao longo do decurso dos autos ainda em 1ª instância, pelo que a mesma se sanou muito antes da interposição do recurso agora instaurado e aqui sob apreciação.
E sendo assim, resta-nos considerar, como regularmente efectuada, nos termos a lei, a notificação verbal do resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do disposto no art. 153.º/2 do Código da Estrada.
5. Prosseguindo na análise do objecto do recurso verifica-se que, compulsado o elenco dos factos provados e motivação do mesmo constantes da sentença recorrida, na verdade, o arguido efectuou o exame de pesquisa de álcool no ar expirado e posterior exame de contra-prova, também por ar expirado, mas em aparelho diferente daquele que em que foi realizado o primeiro exame. Em ambos os casos os exames foram realizados por aparelhos legalmente aprovados.
O Código da Estrada dispõe, no seu art.º 153.º n.º 3, que a contraprova subsequente a um exame com resultado positivo “... deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinado:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
A contraprova é uma garantia de defesa do arguido, um meio pelo qual o examinando pode impugnar o resultado apresentado pelo aparelho utilizado no primeiro teste quantitativo.
Sendo assim, não se detecta qualquer ilegalidade nos procedimentos adoptados.
Pretende o recorrente ser inconstitucional a norma do art. 153.º/6 do Código da Estrada na redacção dada pelo DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, «na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado» e, em consequência, não pode ser reconhecida relevância à prova consubstanciada nos exames realizados ao arguido.
Como sustentação desta invocação indica o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 485/2011, de 29 de Novembro.
Pelo referido acórdão, o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por violação do disposto na alínea c)do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
Ou seja, a inconstitucionalidade afirmada concerne à valoração vinculada da prova em matéria de fiscalização da condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas, fixada no n.º 6 do art. 153.º do Código da Estrada, na redacção introduzida pelo DL 44/2005, na medida em que estabelece uma prevalência da prova resultante da contra-prova sobre a prova resultante do exame inicialmente efectuado, independentemente da consideração do resultado menos elevado e, com ele, da ponderação do resultado que mais favoreça o arguido [n.º 6 do art. 153.º do CE : «O resultado da contraprova prevalece sempre sobre o resultado do exame inicial»].
Na verdade, a referida vinculação de prova, traduzindo matéria com implicação penal ou processual penal, estava reservada a competência legislativa da Assembleia da República. O que estava em causa na apreciação do referido acórdão era, assim, tão-só a inconstitucionalidade orgânica do n.º 6 do artigo 153.º, na medida em que nele se estabelece uma regra imperativa sobre valoração de prova, que, constando do regime de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, terá não apenas implicações no domínio contra-ordenacional (artigos 145.º e 146.º do Código da Estrada) mas ainda nos domínios penal e processual penal (artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal), domínios estes reservados à competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) da CRP.
Acontece que no caso em apreciação, o resultado da contra-prova revelou o valor menos elevado da taxa de alcoolemia recolhido nos dois exames realizados (tendo o primeiro teste acusado 1,81 g/l). A sua aceitação como correspondendo à taxa de alcoolemia com que o condutor conduzia não pode, assim, significar qualquer agravamento da sua situação, antes revertendo necessariamente em favor da posição do arguido.
Nesta conformidade, observando a contraprova realizada o disposto no art. 153.º, n.ºs 3 al. a) e 4, do CE, nada impede a valoração do seu resultado como prova, ainda que não necessariamente como consistindo no resultado de uma prova vinculada. Certo é que no caso existe meio de prova válido susceptível de sustentar a conclusão do tribunal relativamente à concreta taxa de álcool apresentada pelo arguido no momento em que foi sujeito a controlo, mostrando-se, assim, preenchido o tipo legal de crime imputado ao arguido, pelo que de manter será a sentença recorrida.
Nenhuma censura nos merece também a determinação das medidas das sanções aplicadas, determinadas que foram de acordo com os critérios legais aplicáveis.
Resta decidir em conformidade, nada mais se afigurando dever acrescentar à fundamentação do ali decidido e que sustenta a solução plasmada na lei.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:
Negar provimento ao recurso confirmando-se a sentença recorrida
Fixa-se em 4 UCs a taxa de justiça devida.
Notifique. (Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art. 94º, nº 2 do C.P.Penal) *
Évora, 17 de Abril de 2012 Maria de Fátima Mata-Mouros Maria Filomena de Paula Soares