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OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário
1. Só tem de ser objecto do procedimento previsto no art. 358.º, n.º 1, do CPP, a alteração dos factos da acusação ou da pronúncia que seja susceptível, em concreto, de condicionar o desenvolvimento da defesa. 2. A declaração da nulidade da sentença não acarreta necessariamente a invalidação da audiência de julgamento, pese embora a respectiva íntima conexão.
Texto Integral
Processo nº 156/09.7T3STC.E1
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I . Relatório
No Processo Comum nº 156/09.7T3STC, que correu termos no Juízo de Instância da Comarca do Alentejo Litoral, Santiago do Cacém, por sentença proferida em 5/5/11, foi decidido:
- Condenar o arguido A pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento p. e P. pelo art.o 256.° n.o 1 aI. d) do Código Penal ex vi do disposto no art. 100.° n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 177/01, de 4 de Junho, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. O arguido é arquitecto, há cerca de 15 anos, inscrito na Ordem dos arquitectos com o n.º 9539 e, simultaneamente, engenheiro, há cerca de 37 anos, inscrito na Ordem dos Engenheiros com o n.º 13973.
2. No exercício da sua profissão, assumiu a responsabilidade pela direcção técnica da obra, efectuou o projecto de arquitectura, e foi o autor dos projectos de especialidades de obra, relativamente a um edifício de habitação unifamiliar, sito no Loteamento Municipal de S. Domingos, lote 11, freguesia de S. Domingos, concelho de Santiago do Cacém, pertencente a B.
4. Concluída a construção, e no exercício dessas suas funções, o arguido, em 23
de Janeiro de 2009, exarou no livro de obra a seguinte declaração: "Considera-se que a obra está concluída e em condições de ser requeridas pelo Dono da Obra a licença de habitação e de preferência com vistoria camarária atestando-se que a mesma cumpre o previsto no projecto aprovado e nas telas finais que se anexam onde as pequenas alterações ali existentes foram ordenadas pelo dono da obra, Mantém-se o uso de habitação com garagem."
4. Na mesma data, o arguido elaborou Termo de Responsabilidade de Director Técnico relativo à conformidade da obra com o projecto aprovado e com as telas finais apresentadas, declarando o seguinte: "A, contribuinte fiscal n.º 103 575 391, membro efectivo da Ordem dos Engenheiros, inscrito sob o n.º 13973, residente em Praça do Município, 41-A, 7050-136 Santiago do Cacém, declara, na qualidade de Director de Obra, que a obra localizada no Loteamento Municipal de S Domingos, Lote 11, em S Domingos, Freguesia de igual nome, do concelho de Santiago do Cacém, à qual foi atribuído o alvará de autorização de construção n.º 227/2007 em 28/11/2007, cujo titular é B residente na Rua Nova da Glória, lote 11, S Domingos, se encontra concluída em conformidade com o projecto aprovado e demais alterações ordenadas pelo Dono da Obra e representadas nas Telas Finais, com as condicionantes da autorização de construção e que as alterações efectuadas ao projecto por ordem do Dono da Obra, foram expressas nas Telas Finais, estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis,"
5. Elaborou ainda, e na mesma data, termo de responsabilidade na qualidade de autor das telas finais, na qual exarou a seguinte declaração: "A, contribuinte fiscal n. o 103 575 391, membro efectivo da Ordem dos Engenheiros, inscrito sob o n. o 13973, residente em Praça do Município, 41-A, 7050-136 Santiago do Cacém declara para os devidos efeitos do disposto no n. o 1 do artigo 100 do Decreto-Lei n. o 555/99 de 16/12 na redacção que lhe foi conferida pela Lei n. o 60/2007 de 04/09, que as Telas Finais da Construção de Moradia, de que é autor relativas à obra localizada em Loteamento Municipal de são Domingos, lote 11, em São Domingos, em freguesia de igual nome, do concelho de Santiago do Cacém, à qual foi atribuído o alvará de autorização de construção n. o 227/2007 em 28/11/2007, cujo titular é B residente em Rua Nova da Glória, lote 11, São Domingos, observa as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente do RGEU e do Regulamento do loteamento."
6. Os documentos supra referidos instruíram o pedido de emissão do alvará de licença de utilização, subscrito pelo Dono da Obra B, entregue nos serviços da Câmara Municipal de Santiago do Cacém em 23 de Janeiro de 2009.
7. Sucede que tais declarações não correspondem à verdade porquanto a cércea do corpo referente ao torreão mede 7,55m, e não 6,50m conforme constava do projecto de arquitectura aprovado.
8. Também as chaminés das lareiras de fumos não se encontram conformes ao projecto de arquitectura aprovado, porquanto possuem à sua superfície superior a cota de 59,48m, sendo a cota do ponto de intercepção dos rincões da cobertura do torreão de 59,87m, donde, as bocas das chaminés não se encontram elevadas 0,5m acima da parte mais elevada da cobertura da edificação, conforme era devido.
9. No momento em que emitiu as supra referidas declarações, o arguido, na sua qualidade de arquitecto e engenheiro, bem sabia que existia desconformidade entre a obra efectuada e o projecto aprovado e telas finais, mas decidiu declarar a conformidade da mesma.
10. Mais sabia o arguido que tais declarações eram idóneas a enganar a Câmara Municipal de Santiago do Cacém, e a obter, a favor de B, o alvará de licença de utilização do edifício em questão, o qual não era devido, atentas as desconformidades detectadas na cércea do torreão e nas chaminés, conforme supra descrito.
11. Objectivo que só não se logrou alcançar porque, antes da emissão do alvará, foi efectuada uma vistoria camarária que detectou as supra referidas desconformidades.
12. O arguido sabia que punha em causa a segurança e credibilidade de que tais documentos gozam depois de emitidos e subscritos pelo técnico responsável, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou Que:
13. O empreiteiro C executou a obra em conformidade com a colecção de desenhos que lhe foi entregue e com a alteração à velux entretanto solicitada pelo dono da obra e ordenada pelo arguido, bem como com as alterações que B solicitou que fossem efectuadas no interior da casa, desenhos esses que sempre pensou serem os correspondentes ao projecto aprovado, embora não estivessem carimbados.
14. A execução da obra foi acompanhada pelo arguido.
15. Quando se deslocou à moradia em apreço para elaborar as telas finais, o arguido efectuou as medições que entendeu pertinentes com uma fita métrica normal e uma fita a laser.
16. Nessa ocasião, apercebeu-se que o torreão estaria mais alto do que o previsto no projecto aprovado.
17. Elaborou as telas finais de acordo com o projecto aprovado, nelas apondo alterações.
18. Porém, em relação ao torreão, decidiu não fazer constar nas telas finais a diferença encontrada relativamente ao projecto aprovado, apenas tendo feito constar nas telas finais uma cota interior que marca a distância desde o pavimento ao vértice interior do torreão.
19. Atestou que a obra estava concluída de acordo com o projecto aprovado e as telas finais.
20. A Câmara Municipal de Santiago do Cacém só tem por hábito efectuar vistorias no final das obras se desconfiar que existem anomalias.
21. Do projecto inicialmente elaborado pelo arguido relativo à construção da moradia em crise nos autos e apresentado junto da Câmara Municipal de Santiago do Cacém para licenciamento da obra em apreço constava que a cércea do torreão media cerca de 7,50m.
22. Tal projecto inicial não foi aprovado, tendo o arguido sido devidamente informado pela Câmara Municipal de Santiago do Cacém que para o projecto ser aprovado a cércea do torreão teria que medir até 6,50m.
23. Por essa razão, o arguido alterou o projecto inicial, tendo submetido à apreciação da aludida edilidade o projecto que a final veio a ser aprovado e no qual a cércea do torreão media 6,50m.
24. No livro de obra não existe registo da presença do serviço de fiscalização da câmara no local durante a execução da obra.
Quadro económico-social e condições de vida do arguido A:
25. É engenheiro e arquitecto, actividade profissional que lhe permite arrecadar cerca de € 2.000,00 por mês.
26. Vive com uma companheira, que trabalha consigo, em casa própria.
27. Contribui para o sustento de um seu filho com cerca de € 400,00 por mês.
28. É tido por aqueles que com ele privam como pessoa de bem, séria e honesta, competente, cidadão interessado e participativo, reconhecido e apreciado quer pessoal quer profissionalmente.
29. Não tem antecedentes criminais registados.
Com interesse para a decisão da causa, a mesma sentença julgou não provados os seguintes factos:
1. O arguido não tivesse meios que lhe permitissem medir as cotas verticais exteriores.
2. O arguido não tenha indicado, nas telas finais, as cotas exteriores verticais da obra executada por ter tido dúvidas acerca das mesmas.
3. Apenas por lapso não tenha apagado a cota vertical exterior que fez constar no desenho n.º 7.
4. O arguido soubesse que a Câmara Municipal de Santiago do Cacém raramente dispensa a vistoria de construções antes de emitir a respectiva licença de utilização.
5. O torreão em causa de trate de um elemento decorativo que não deva ser atendido para efeitos de medição da cércea.
Quanto ao mais constante da contestação, não descrito nos factos provados e não provados, tratam-se de expressões jurídico conclusivas e factos irrelevantes para a decisão da causa.
Da sentença proferida o arguido A veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
1.- A referência constante do nº 2 do art 374º CPP a uma "enumeração dos factos provados e não provados" implica a necessidade da descrição especificada, facto por facto, dos alegados pela acusação e pela defesa, dos resultantes da discussão da causa e dos conexionados com elementos probat6rios relevantes trazidos aos autos antes ou depois do julgamento, desde que os referidos factos sejam relevantes para a qualificação jurídico-criminal da conduta e suas circunstâncias juridicamente relevantes.
2 - A sentença impugnada não efectua a enumeração dos factos provados e não provados nos termos exigidos pela lei
3.- Assim. e desde logo, foram alegados na contestação sob os artigos 12 a 15,17, 20, 22., 23 (2a parte), 24, 26, 28, 30, 31. 32, 34. 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42,44,45, 50, 52, 53, 54, 55, 56, factos que não mereceram da parte da sentença qualquer referência, mas que são relevantes para uma correcta apreciação da conduta sub judice.
4.- A sentença limitou-se a desprezar tais factos, sob a invocação genérica de que se trata de expressões jurídico conclusivas e factos irrelevantes para a decisão da causa, e não o são
5.- Há insuficiência da matéria de facto provada para a decisão quando o tribunal não se pronunciou sobre a prova ou não prova de factos importantes para a decisão, que tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou que tenham resultado da discussão da causa.
6 - É que assim não é possível ao Tribunal superior saber se o julgador tomou conhecimento de todas as questões em debate, designadamente dos factos da acusação e da defesa, e só a enumeração especificada de todos os factos, provados e não provados, com interesse para a decisão pode dar a certeza de que cada um deles foi objecto da "deliberação" ou ponderação do tribunal.
7.- A não indicação na sentença de que o tribunal considerou provados ou não provados os factos alegados pela defesa na contestação, em contrário do disposto no art. 374°/2 CPP constitui irregularidade que determina a nulidade da sentença nos termos do art. 379°/a) do mesmo diploma.
8.- O facto de a sentença não fazer, facto a facto, a enumeração dos meios de prova que levaram à decisão e a reconstituição do raciocínio que levou à decisão dificulta à defesa e principalmente dificulta ao tribunal superior o controlo da decisão.
9.- A motivação da decisão de facto é feita em conjunto, relativamente a todos os factos provados, acabando por não se saber em relação a cada um dos factos qual foi o concreto meio em que se fundou a decisão.
10.- Também por isso é nula a sentença nos termos do art 379°/a) CPP.
11. - A acusação não continha a descrição dos factos que vieram a ser dados como provados pelos nºs 8 (a partir de "... aprovados") 21, 22, 23, dos factos provados.
12.- Existe alteração de factos quando existe um acréscimo ou substituição de factos aos que constavam da acusação ou da pronúncia.
13 - Na medida em que tal acréscimo de factos sai do âmbito do conteúdo fáctico da acusação e com isso agrava a posição processual do Arguido a referida alteração não substancial é nula (art. 379°/1/b) CPP}, pois que não foi dado cumprimento ao disposto no art 358°/1 CPP, assim se violando o contraditório e as garantias de defesa do Arguido.
14- Na sua contestação alega o Arguido nos artigos 16, 42, e 50 factos que não foram objecto de pronúncia pela sentença, a saber, factos que tangem à invocação pelo Arguido, no livro de obra e nos termos e responsabilidade, de existência de alterações em obra em relação ao projecto, o que tudo conduz à aplicação do regime excepcional relativo a vistorias previsto no art. 64° RJUE.
15.- Ora a sentença não apreciou esta questão, sendo certo que deveria tê-lo feito, pelo que enferma da nulidade prevista no art. 379/1/c) CPP.
16.~ O Recorrente discorda, nalguns aspectos, da forma como a prova produzida no presente processo foi avaliada pelo tribunal "a quo", pelo que impugna a decisão sobre matéria de facto, designadamente a referente aos factos provados nºs 7 a 13. 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, e bem assim a referente aos factos constantes dos nº 1, 2, 3, e 5 da matéria de facto não provada
17- O facto 7 dado como provado deve ser considerado não provado, pois que não existe prova nos autos de que a cércea do torreão meça 7,55 m.
18 - A prova documental relativa a este facto consta de fls 271, mostra que a comissão de vistoria não conseguiu medir a cércea do torreão.
19 - Resulta dos depoimentos das testemunhas D (gravado na sessão da audiência de julgamento realizada em 09/03/2011, entre as 11 :56:25 e as 12.24.30) e E (gravado durante a sessão de audiência de julgamento realizada em 14/03/2011, entre 10:12:50 e 11:11:06, entre o minuto 00:01:50 e 00:01:59) e o relatório junto a fls. 271 do processo administrativo, que os mesmos não integraram a comissão de vistoria realizada antes da emissão de alvará de autorização de utilização.
20.- A testemunha F (depoimento gravado em 14/03/2011, de 11:58:31 a 12:07:09) reconhece, entre 00:03:20 e 00:03:25 e entre 00:08:10 e 00.08:33 que não apuraram a medida exacta, não apuraram resultados.
21- O resultado da requisiçâo de fls. 275 teria sido a verificação das medidas do torreão realizada pela topografia da DOME, mas a verdade é que no processo não se encontra qualquer relatório de levantamento topográfico subscrito pelo seu autor ou autores pelo que se impugna que tenha existido tal relatório.
22.- No seu depoimento D não faz qualquer referência à medida do torreão ser de 7,55m (gravação total, e entre 0:09:12 e 0:09:34 - 09/03/2011), e embora o depoimento de E (gravação, entre 00:03:57 e 00:04:15), o tenha feito a verdade é que nos termos do disposto no art. 1290/1 CPP o seu depoimento nessa parte não pode servir como meio de prova.
23.- Na ausência de relatório do levantamento topográfico subscrito pelo técnico ou técnicos da DOME que o realizaram, depoimentos acerca deste facto resultam do que terá sido ouvido a esses técnicos e constitui pois depoimento indirecto, que não é admissível por tais técnicos não terem sido chamados a depor.
24.- A testemunha E disse que não interveio na vistoria (00:01 :56), e as observações desta testemunha acerca do resultado da vistoria (entre 00:03:23 e 00:04:15) são depoimento indirecto, reconhecendo entre 00:04:36 e 00:04:43 que não foi ao local e só teve conhecimento através do processo e de fotografias.
25. - Apesar deste reconhecimento, a acusação pergunta se se "recorda" de mais alguma desconformidade e a testemunha até se recorda das chaminés não estarem "em conformidade" (00:04:43 - 00:04:54), o que constitui obviamente uma impossibilidade.
26.- A testemunha C afirma (depoimento prestado no dia 18103/2011, entre as 16:31 :47 e 16:48:27) afirma que acha que o torreão tem 70 cm (entre 00:04: 11 e 00:04:20).
27.- A credibilidade do depoimento desta testemunha é nula
28 .. Impugna-se a veracidade e a aptidão probatória dos documentos a tls 83 e 84 do processo camarário, aos quais foram apostos a azul e vermelho medidas relativas ao torreão, desconhecendo-se por quem, com que fundamentos e em que condições.
29.- Em sede de julgamento, não há elementos suficientes para dar como provado que a cércea do torreão, no projecto aprovado, era de 6,50m.
30.- Não constam dos autos provas testemunhais, documentais ou outras que permitam considerar provado o facto enunciado sob o nº 7 de factos provados, pelo que se verificou erro notório de julgamento.
31.- Em relação ao facto identificado sob o nº 8 na lista de factos provados verificam-se em relação à sua prova as mesmas objecções apontadas à prova do facto n° 7.
32.- A testemunha E não foi ao local, e apenas tem conhecimento dos factos pela leitura do processo camarário e por fotografias (00:04:36 e 00:04:43).
33- A testemunha G reconhece que desconhece como foi feita a medição das chaminés (00:09:09-00:09:22).
34.- O relatório da vistoria, subscrito petas testemunhas G, F e H, afirma "as chaminés relativas às lareira (fumos) aparentam não se encontrar elevadas 0,50m acima da parte mais elevada da cobertura da edificação. Remete-se também esta confirmação à equipa técnica especializada, supra referida na alínea a)."
35.- A comissão de vistoria não apurou a medida da elevação das chaminés de fumos, em obra.
36.- A directora do direcção de urbanismo propôs que fosse solicitado à topografia a verificação das medidas, e tal proposta teve despacho favorável, o que tudo consta a fls 268 do processo administrativo.
37.- Nos autos não se encontra qualquer relatório de levantamento topográfico subscrito pelo seu autor ou autores.
38.- Consequentemente tudo o que as testemunhas de acusação disseram a este propósito será testemunho indirecto, pois só poderia resultar de conversas com os técnicos que efectuaram o levantamento topográfico .
39.- Esse tipo de depoimento só excepcionalmente é admitido como resulta do disposto no art. 129°/1 CPP, e no caso não é admissível por tais técnicos não terem sido chamados a depor.
40.- Impugna-se a veracidade e a aptidão probatória dos documentos a fls 83 e 84 do processo camarário, aos quais foram apostos a azul e vermelho medidas relativas às chaminés, desconhecendo-se por quem, com que fundamentos e em que condições,
41_- Não há sequer evidência que a realidade da obra construtoa corresponda às medidas acrescentadas por mão desconhecida àquelas duas peças desenhadas.
42.- Sem prejuízo de se impugnar a aptidão probatória destes dois documentos para os fins apontados na sentença o que decorreria da análise de ambos seria que as bocas de duas chaminés teriam sido desenhadas de forma que ficaram 0,39m acima da cumeeira do torreão, o que é claramente diferente do que foi dado como provado.
43-- Não está provado através de nenhum meio que as chaminés foram executadas de forma a que a sua elevação seja inferior a 0,50 m em relação à parte mais elevada da cobertura, pelo que o facto nº 8 deve ser julgado não provado
44.- Não existem nos autos meios de prova que sustentem a inclusão do facto nº 9 nos factos provados
45. - Consta dos autos que a Câmara Municipal de Santiago do Cacém já tinha denunciado o arguido, anteriormente, pela prática do crime de falsificação de documento, estando também em causa os termos de responsabilidade como director de obra.
46.- Nesse processo foi o arguido absolvido, por sentença de 26/06/2009, e segundo as regras da experiência não é credível que uma pessoa que é descrito pelas testemunhas no termos elogiosos que foram, e que não tem antecedentes criminais vá (e ainda antes de saber qual a decisão de um processo em que é arguido - recorde-se que os termos de responsabilidade são datados de 29 de Janeiro de 2009), praticar conscientemente um acto que lhe pode custar um novo processo crime.
47. - Este facto deve pois ser considerado não provado, desde logo porque não estão provados os factos de que alegadamente o Recorrente teria conhecimento
48.- Quanto aos factos nºs 10, 11, 12, devem ser considerados não provados,
49 - É um facto que os documentos em causa são, em regra, suficientes para que a Câmara emita o alvará de autorização de utilização
50 - Mas a vistoria não é dispensada no caso de existirem indícios sérios, nomeadamente com base nos elementos constantes do processo ou do livro de obra a concretizar no despacho que determina a vistoria, de que a obra se encontra em desconformidade com o respectivo projecto ou condições estabelecidas.
51.- O arguido objectivamente deu indicies sérios de que havia desconformidade com o respectivo projecto.
52.-A menção feita pelo arguido no livro de obra e que corresponde a uma sugestão de ser efectuada a vistoria camarária foi determinante para o vereador do pelouro ordenar tal vistoria.
53.- Do depoimento gravado do vereador - D - aos minutos 18:45 a 20:49 - da sessão de julgamento de 09/03/2001 consta: " esta situação foi única; não me recordo de nenhum técnico ter solicitado ele próprio a realização de vistoria final antes da emissão da licença de utilização" e mais adiante, ainda no mesmo troço de gravação, reconhece que a vistoria foí feita porque o técnico camarário sugeriu mas também porque o técnico arguido o sugeriu,
55.- Segundo as regras da experiência sugerir a realização de vistoria não é um comportamento de alguém que tem intenção de enganar a câmara, nem é o comportamento de alguém que, com esse engano pretende obter a favor de um terceiro um alvará que não fosse devido.
56.- Com a sua actuação o arguido criou, pelo contrário, as condições para a realização da vistoria camarária.
57.- Consequentemente não deveriam os factos identificados sob os nºs 10, 11 e 12 terem sido considerados provados.
58- A "prova" em relação a estes factos apenas existe na convicção da Juíza recorrida de que as coisas se passaram assim, mas essa convicção não pode ser arbitrária, desapoiada de indícios, e formada contra factos.
59.- Entende-se que em última análise deveria aqui funcionar (caso obviamente se mantivessem como provados os factos nº 7 a 9, o que não deve acontecer), o princípio in dubio pro reo.
60. - Relativamente ao facto nº 13, considerá-lo provado representa um erro de julgamento.
61. - Da comparação entre documentos juntos pela testemunha C aos autos designadamente fls. 504. 510, e 512 e documentos juntos ao processo camarário (fls. 43, 44, 45), constata-se que a testemunha tinha em seu poder as peças desenhadas que constam a fls. 504 e 512, com equivalente naquele que será o projecto aprovado (fls. 43 e 45), pelo que é óbvio que não corresponde à verdade a sua afirmação de que executou a obra em conformidade com a colecção de desenhos que lhe foi entregue (00:07:15·00:07:21), porque se o tivesse feito a cércea do torreão seria de 6.50m.
62. - Consequentemente este facto deve ser considerado não provado.
63.- Para prova destes factos 15, 16, 17, 18, 19 entendeu a juíza recorrida indicar o depoimento do arguido, afirmando que ele tinha admitido os mesmos, mas analisando o depoimento a partir do minuto 00:08:50 até ao fim, vê-se que o Arguido afirmou não permite afirmar que ele admitiu os factos em causa tal como foram dados como provados, pelo que estes devem ser considerados não provados ou alterada a sua redacção de acordo com o depoimento do arguido.
64.- O facto 19 é conclusivo, visto que o que o arguido atestou é o que consta dos documentos juntos ao processo e que são dados como reproduzidos nos factos provados 3, 4, e 5, e deve ser por isso eliminado.
65.- Sem prejuízo de se entender, como já supra se defendeu, que a sentença é nula por não ter cumprido o disposto no art. 3580 CPP em relação a estes factos, que não constavam da acusação e em relação ao quais a defesa do arguido ficou prejudicada assim se impedindo o contraditório, sempre se dirá que, se assim V. Exas. o não entenderem, estes factos não devem ser considerados provados nos termos em que os estão.
66- Em relação ao facto 21, consta do processo administrativo, a fls. 27, uma peça desenhada em relação à qual, medindo com uma régua o alçado do torreão e aplicando a escala indicada (1/100) se obtém a medida de 7,30m para a cércea, e se obtém a medida de 5,40m de cércea ao medir o alçado do corpo mais baixo do edifício.
67.- O que deve ser considerado provado (no caso de se entender que a sentença não é nula) é que no projecto iniciai o torreão tinha uma cércea de l.30m
68.- O ofício nº 6781, de 23/05/2007 constante a fls. 156 do processo administrativo, dirigido pela Câmara Municipal ao Arguido, e o ofício n° 6782, de 23/05/2007 a fls. 158 a 160, dirigido pela Câmara Municipal a B, prova que o pedido inicial foi indeferido "pela razão supra invocada no nº 8 (o projecto apresentado ultrapassa os 134.33m2 de Abc definidos para o lote 11)."
69.- O motivo de indeferimento veio a ser reconhecido como incorrecto (a fls. 301 do processo camarário o alvará de autorização de construção indica como área bruta de construção 142,20rn2, precisamente a constante do projecto elaborado pelo arguido como se vê a fls 159).
70.- Não foi indeferido o projecto inicial devido à altura do torreão
71_- Nunca constou do indeferimento a referência a uma cércea de 6,50m, e tratou-se de uma sugestão e não de uma imposição a situação de baixar a cércea do corpo da caixa de escadas, que corresponde ao torreão.
72. - A referência aos dois pisos decorre do facto de o lote 11 onde foi edificada a construção dos autos se inserir num loteamento cuja memória descritiva constante a fls. 243 do processo administrativo prevê "edifícios (de) 1 (eventualmente 2) pisos."
73.- Dois edifícios com o mesmo número de pisos podem ter alturas diferentes, dependendo do respectivo pé direito de acordo com as margens de tolerância (o RGEU apenas impõe pés direito mínimos - art. 65°).
74.~ Consequentemente "dois pisos" podem ter diferentes alturas, pelo que a sugestão da câmara não obrigava o arguido a apresentar um projecto com 6,50m
75.- Caso a sentença não venha a ser declarada nula como se entende, a verdade é que os factos 22 e 23 não devem ser considerados provados.
75.- A este propósito o depoimento das testemunhas D, E, G, todos eles ligados funcionalmente à câmara de Santiago do Cacém (que pretendeu constituir-se assistente no processo, sem êxito), revelam-se contrários aos factos documentalmente provados, pelo que não merecem credibilidade
76.- Quanto a B, o mesmo embora dissesse não estar zangado com o recorrente, a verdade é que propôs contra este um pedido de indemnização, e pretendeu constitui-se assistente no processo, e mentiu ( insistindo na mentira mesmo confrontado com documento (fls. 305 do processo administrativo) quando disse que não tinha sido ele a levantar o projecto aprovado na câmara ( 00:14:00 a 00:18:40 ), pelo que o seu depoimento não merece credibilidade,
77. - O facto nº 1 não provado deve ser julgado provado com fundamento no depoimento da testemunha I (00:00:25 - 00:00:35, 00:02: 11 -00'02: 15 e 00:05:0000:05:35),
78.- O facto não provado nº 2 tem de ser apreciado através da sua ligação ao facto anterior e ao facto provado 15 e por via disso ser considerado provado,
79.- Em última análise e em vez de liminarmente considerar não provado o facto, parece que deveria aqui operar o princípio in dubio pro reo, e porque se trata de facto favorável deve ser considerado provado.
80.- O facto nº 3, favorável ao Arguido deve ser provado por funcionamento do princípio in dubio pro reo.
81.- Quanto ao facto nº 5 não provado deve ser considerado provado.
82.- A fls. 301 do processo camarário, composta por três cópias do alvará de construção n° 227/2007 emitido em nome de B e relativo à obra aqui em causa, a cércea indicada é de 5,35m, ou seja, corresponde à cércea da parte mais baixa do edifício, aquela que o arguido, no desenho n° 9 a fls. 46 assinalou, e que tornou a assinalar nas telas finais - desenho 9 a fls. 318 processo camarário.
83.- Isto significa que a Câmara municipal considerou que era de 5,35m a altura da fachada do edifício.
84.- E não atendeu à Cércea do torreão para a indicar no alvará precisamente porque tal cércea não conta para medição da cércea do edifício, uma vez que o torreão é um elemento acessório no sentido que o RGEU os considera.
85.- A sentença recorrida ignora a possibilidade legal de, em obra, serem introduzidas alterações ao projecto aprovado, e ignora qual é a função das telas principais.
86. - Existem no ordenamento jurídico diverso diplomas onde a possibilidade de alterações ao projecto aprovado é aflorada, a saber Anexo II da Portaria 1110/01, de 19 de Setembro), art. 97°/2 RJUE.
87.- A sentença enferma assim e desde logo de nulidade nos termos do disposto no art. 379/1/c) CPP, pois que o arguido suscitou esta questão na sua.
88 - O arguido não preencheu com a sua conduta os elementos objectivos do crime de falsificação de documento
89.- Devendo a decisão sobre a matéria de facto ser alterada nos termos acima expostos, torna-se desde logo meridianamente claro que a conduta do arguido não preencheu o tipo objectivo do crime de falsificação de documento que lhe é imputado.
90.- Mas admitindo por mera necessidade de raciocínio que o tivesse feito, tratar-se-ia claramente de um falso grosseiro, ou seja, uma falsificação que não tem qualquer vírtualidade para encontrar crédito junto daqueles a que é destinada, e portanto não é susceptível de causar prejuízo.
91- Para tal o pedido de emissão de alvará de autorização de utilização é instruído com determinados documentos, nos termos do art. 63Q RJUE (na versão decorrente da L 60/2007, em vigor à data dos factos).
92.- As alterações efectuadas ao projecto são evidenciadas nas chamadas telas finais que, de acordo com a definição constante da Portaria 701-H/200a, de 29 de Julho são o conjunto de desenhos finais do projecto, integrando as rectificações alterações introduzidas no decurso da obra e que traduzem o que foi efectivamente construído.
93.- Consequentemente e embora o RJUE o não diga expressamente, as telas finais são obrigat6rias e devem instruir o pedido de alvará de autorização de licença.
94.~ Como é óbvio esta documentação que instrui o pedido deve ser analisada em conjunto por um técnico camarário, normalmente arquitecto
95.- Nas telas finais constantes do processo administrativo constata-se que o arguido inscreveu uma cota de 8,52m a representar a distância do pavimento do rés-do-chão até ao vértice interior do torreão (desenho 9, a fls. 318 do processo camarário) e no processo existem diversas medidas para essa mesma distância.
96 - Resulta dos autos que o técnico camarário viu ou poderia ter visto essas discrepâncias.
97.- O mesmo técnico camarário não pode ter deixado de ver no mesmo desenho 9 a fls. 318 do processo camarário, que as cotas à direita do desenho designado por corte A não são compatíveis com a cota de 8,52m.
98.- E não pode ter deixado de verificar que as cotas de fls. 318 são iguais às do desenho 9 de fls. 29 (projecto inicial), e que este desenho 9 a fls. 29 indicava graficamente que a distância pavimento/vértice interior do torreão era de 7,90m.
99.- Ou seja, a distância pavimento/vértice é de 7,90m no projecto inicial, de 7,40m no projecto aprovado e de 8,52m nas telas finais, correspondendo estas àquilo construído em obra
100.- Assim seria impossível o técnico camarário que analisou o processo e tem (em parte) a mesma formação académica do arguido, a testemunha arquitecto G, não se ter apercebido que não havia correspondência entre o executado e o aprovado, e que ele se apercebeu decorre das anotações a fls. 318.
101. - A consequência disso é que os termos de responsabilidade subscritos pelo arguido são inaptos para obter crédito junto da câmara, porque com eles e a ser com eles obrigatoriamente analisados foram juntos documentos (telas finais) que os tornam não idóneos para enganar a entidade a que foram entregues
102.- Segundo a orientação doutrinária e jurisprudencial dominante, o falso grosseiro não é incriminável.
103.- A verdade é que o arguido não teve qualquer intenção de enganar a câmara, como se vê da declaração que fez constar no livro de obra e reproduzida no facto provado 3, e do depoimento do vereador do pelouro.
104- De facto, do depoimento gravado do vereador - D - aos minutos 18:45 a 20:49 - da sessão de julgamento de 09/03/2001 consta: " esta situação foi única; não me recordo de nenhum técnico ter solicitado ele próprio a realização de vistoria final antes da emissão da licença de utilização" e mais adiante, ainda no mesmo troço de gravação, reconhece que a vistoria foi feita porque o técnico camarário sugeriu mas também porque o técnico arguido o sugeriu.
105_- A sugerida realização de vistoria não é um comportamento de alguém que tem intenção de enganar a câmara
106.- Nem é o comportamento de alguém que, com esse engano pretende obter a favor de um terceiro um alvará que não fosse devido (dolo específico).
107,- Quer no número de dias (cerca de metade do limite máximo) quer no montante diário, a pena é excessivamente gravosa, pois deixaria o Arguido com um montante disponível de pouco mais de 50 € diários para fazer face ás suas necessidades e às da sua companheira.
108.- Deverá pois ser alterada a pena reduzindo-a no prudente critério de V.Exªs.
Nestes termos e nos mais de direito, deve considerar-se procedente o presente recurso, e em consequência devem ser declaradas as nulidades invocadas, e ou caso assim se não entenda, ser dado provimento ao recurso quanto à matéria de facto, com as legais consequências, devendo absolver-se o Arguido da prática do crime pelo qual foi condenado, também com as legais consequências, e caso assim se não entenda, deverá se reduzida a pena aplicada.
O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, mas sem formular conclusões.
O recurso interposto da sentença foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.
Em 7/7/11, foi proferido pela Exmª Juiz titular dos autos um despacho com o seguinte teor (fls. 707 a 709):
«A fls. 635 veio a Ilustre Mandatária do arguido requerer a confiança dos autos para exame no seu escritório, pelo prazo de 8 dias.
Por despacho de fls. 636, foi autorizada, pelo período de 3 dias úteis, a confiança dos autos àquela Ilustre causídica.
Conforme resulta de fls. 637, o processo foi-lhe entregue no dia 27 de Maio de 2011 (sexta-feira).
Assim, deveriam os autos ter sido entregues nas instalações deste tribunal até ao final do dia 1 de Junho de 2011, ou, no limite, e em boa vontade, no dia 2 de Junho de 2011.
Não o foram.
Posteriormente, por requerimento remetido a juízo no dia 2 de Junho de 2011, pelas 18h47, ou seja, já depois de decorrido o prazo de 3 dias úteis concedido para a confiança dos autos fora da secretaria, veio a mandatária do arguido requerer a prorrogação de tal prazo.
Pretensão que lhe foi indeferida por despacho de fls. 642,
Notificada para justificar o seu procedimento, veio a Sr.ª Advogada Dr.ª J, em síntese, informar que entregou o processo no dia 9 de Junho de 2011 (circunstância que resulta de fls. 646-A), uma vez que adoeceu no dia 7 de Junho de 2011, invocando, assim, justo impedimento.
Juntou aos autos atestado de doença, do qual resulta que esteve incapacitada para as suas actividades profissionais no dia 7 de Junho de 2011, à tarde, e no dia 8 de Junho de 2011.
Mais tarde, veio, novamente, justificar o seu procedimento com os fundamentos de facto e de direito de fls. 694 a 698 e que aqui se dão por reproduzidos e juntar documentos.
Prescreve o art.º 170.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do disposto no art.º 89° n.º 5 do Código de Processo Penal) que "O mandatário judicial que não entregue o processo dentro do prazo que lhe tiver sido fixado será notificado para. em dois dias, justificar o seu procedimento. Caso o mandatário judicial não apresente justificação ou esta não constitua facto do conhecimento pessoal do juiz ou justo impedimento nos termos do artigo 146º deste Código, será condenado no máximo de multa ( ... )",
Ora, considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
É para nós evidente que o justo impedimento deverá reportar-se a evento ocorrido no decurso do prazo concedido para a confiança do processo.
No caso vertente, e tal como supra referimos, à Ilustre mandatária do arguido foi concedido o prazo de 3 dias úteis para a confiança dos autos fora da secretaria. Atendendo a que os autos lhe foram confiados no dia 27 de Maio de 2011 (sexta-feira), o aludido prazo de 3 dias úteis iniciou-se no dia 30 de Maio de 2011 e findou no dia 1 de Junho de 2011, data em que a mandatária do arguido deveria ter entregue o processo que lhe foi confiado. Não tendo entregue o processo no último dia do prazo que lhe foi concedido, ou seja, no dia 1 de Junho de 2011, porque as secretarias encerram às 16h00m, deveria tê-lo entregue, no limite máximo, no dia 2 de Junho de 2011, até à hora do encerramento da secretaria. Ao invés, não entregou o processo, e já depois de findo o prazo que lhe havia sido concedido para a confiança dos autos, requereu a prorrogação do aludido prazo de 3 dias úteis que lhe foi concedido. Ora, se a mandatária do arguido pretendia que o prazo de 3 dias úteis que lhe foi concedido fosse prorrogado, deveria ter formulado a sua pretensão dentro desse referido prazo (ou seja, até ao final do dia 1 de Junho de 2011) e não depois do mesmo se encontrar findo. pois não vislumbro como se pode pedir a prorrogação de algo que já terminou. pelo que não colhe o argumento de que ficou a aguardar que sobre o seu requerimento remetido a juízo no dia 2 de Junho de 2011. pelas 18h47. já depois do terminus do prazo que lhe foi concedido para a confiança do processo. recaísse um despacho judicial.
Por fim, e para aquilo que agora nos interessa decidir. a justificação apresentada pela Ilustre Mandatária do arguido para não entregar o processo dentro do prazo que lhe foi fixado não constitui justo impedimento, isto porque os documentos comprovativos de que esteve doente, são datados de 19 de Maio de 20l1, 7 e 8 de Junho de 20ll (sublinha-se que dos mesmos resulta que a Sr.' Dr." J esteve doente no dia 19 de Maio de 2011. no dia 7 de Junho de 2011. à tarde. e no dia 8 de Junho de 2(11). ou seja. reportam-se a eventos ocorridos em datas que extravasam os dias 27 de Maio de 2011 e o dia 1 de Junho de 2011. pelo que é manifesto que a justificação apresentada não constitui justo impedimento.
Além do mais, sempre se dirá que, ainda que entre os dias 27 de Maio de 2011 e o dia 1 de Junho de 2011 a Sr.ª Advogada Dr.ª J se encontrasse incapacitada para as actividades profissionais (sendo de notar que não comprovou que esteve doente neste período), tal não significaria que estivesse, também, incapacitada para entregar os autos no tribunal ou delegar tal tarefa a alguém da sua inteira confiança.
Pelo exposto, não constituindo a justificação apresentada pela Ilustre Mandatária do arguido facto do conhecimento pessoal desta juiz, nem, tão pouco, justo impedimento, condeno-a no máximo de multa, ou seja, na quantia correspondente a 5 UC’s - arts. 170º n.º 2 do CPC, ex vi do disposto no art.º 89.º n.º 5 do CPP e 27.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais».
Do despacho transcrito a ilustre advogada mandatária do arguido, Dra. Silva Jorge e o respectivo mandante vieram conjuntamente interpor recurso, devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.- Com fundamento no art. 4ü1°/1/d) CPP, ambos os recorrentes têm legitimidade para recorrer, a mandatária porque foi directamente visada pela condenação, o Arguido porque terá de reembolsar a mandatária de despesas em que ela incorra em virtude do mandato.
2 - A questão fundamental é a de saber qual o regime jurídico aplicável à confiança dos autos em processo penal, entendendo-se que o facto de o art 89°/4 CPP conter um regime regra para a confiança dos autos em processo penal afasta o regime regra previsto no art. 169° CPC.
3.- O art. 89°/4 CPP é o equivalente em termos de processo penal ao regime previsto no art. 169° CPC, sendo ambos previstos para os casos em que, sem estar em curso prazo para a prática de acto que o sujeito processual deva praticar, o mesmo, por algum motivo, entenda ser conveniente examinar o processo fora da secretaria.
4- Enquanto no processo civil, para além do regime regra, existe um outro aplicável quando se encontra em curso um prazo, legalmente fixado ou determinado por despacho, para a prática de um acto que só à parte caiba praticar, caso em que a confiança dos autos se prolonga por todo o prazo em causa (art. 171º CPC), no código de processo penal há uma omissão da regulação deste caso.
5- O art. 89°/4 CPP não pode ser aplicado, nem por analogia, quando existe uma sentença da qual se pretende recorrer e em relação à qual está a correr prazo para apresentação de recurso, antes se devendo recorrer ao art. 171°/1 e 2 CPC, aplicável ao processo penal ex vi art. 4º CPP para integrar a lacuna.
6.- A mandatária do Arguido devia pois poder examinar os autos no seu escritório até ao dia 06/06/2011, fim do prazo de interposição do recurso da sentença (e em última análise até ao dia 09 de Junho p.f., se praticasse o acto fora de prazo).
7- Caso se entenda que o regime aplicável é o do art 89°/4 CPP, ainda assim a condenação da qual se recorre é contrária a lei.
8.- O fundamento para a condenação da Recorrente mandatária em multa reside no facto de a Sra. Juíza recorrida entender que a justificação apresentada pela mandatária para não entregar o processo dentro do prazo concedido não constitui justo impedimento, "isto porque os documentos comprovativos de que esteve doente, são datados de 19 de Maio de 2011, 7 e 8 de Junho de 2011( .. .), ou seja, reportam-se a eventos ocorridos em datas que extravasam os dias 27 de Maio de 2011 e o dia 1 de Junho de 2011, pelo que é manifesto que a justificação apresentada não constitui justo impedimento."
9- Sempre por referência a este entendimento de que a justificação apresentada radica no facto de a mandatária ter estado doente, afirma mais a frente o despacho que esse facto não é do "conhecimento pessoal desta juiz".
10.- A informação prestada pela mandatária acerca das razões da entrega do processo no dia 09 de Junho de 2011 não pretende ser a justificação para a não entrega do processo em 02 de Junho de 2011 - o que a mandatária fez, no dia 09 de Junho, foi entregar o processo na sequência da sua notificação para o entregar "de imediato" e, para prevenir um entendimento que entendesse o "imediato" como sendo o próprio dia 08 de Junho p.p., alegar e provar logo o justo impedimento - doença - para não o entregar nesse dia.
11_ - Só em 13 de Junho de 2011 a mandatária justificou o seu procedimento, e nunca pretendeu justificar nem justificou a não entrega do processo no dia 02 de Junho com o facto de estar doente e se verificar assim justo impedimento
12_- A justificação dada pela mandatária assenta no facto de, tendo pedido, no próprio dia em que o prazo terminou, a prorrogação do prazo de 3 dias concedido, ficou a aguardar que recaísse despacho judicial sobre tal requerimento.
13.- Não é imputável à Recorrente que, tendo esta pedido a prorrogação do prazo de consulta a secretaria não tenha feito o processo imediatamente (no dia 03/06/2011) concluso ao juiz.
14- O pedido de prorrogação do prazo de exame é do conhecimento pessoal da juíza recorrida (art. 170°/2 CPC), pois esta sabe que foi apresentado pedido de prorrogação do prazo de exame e que sobre tal pedido não recaiu nenhum despacho antes de proferido o despacho notificado via fax de 08/06/2011
15- Não podia consequentemente ter sido aplicada a multa prevista no art. 170°/2 CPC.
16 - O prazo de três dias úteis concedido para exame do processo é contado de acordo com as regras do art. 279º CCiv, o que significa que, para além de não se contar o dia a partir do qual o prazo começa a correr (ou seja, não se conta o dia 27 de Maio p.p. em que o processo foi confiado), também tem de se considerar que o prazo termina às 24 horas do último dia de prazo.
17- Estando inviabilizada a entrega do processo por outro modo que não a sua entrega na secretaria às 24 horas, entende-se que a interpretação correcta é que o prazo se transferiu para o dia 02 de Junho de 2011 .
18.- Entender-se, como o faz o despacho. Que o processo teria de ser entregue no dia 01 de Junho (até às 16:00 horas, hora de fecho da secretaria) significaria não estar, de facto, a conceder o prazo de três dias úteis,
19. - A interpretação que se entende a correcta corresponde a aplicar por analogia o disposto no art. 244°/2 CPC - o prazo termina a uma hora em que a secretaria está encerrada, pelo que se transfere o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, ou seja 02/06/2011
20 - E terminando o prazo no dia 02 de Junho de 20011, foi no mesmo dia pedida a prorrogação do prazo em causa e portanto a Recorrente ficou a aguardar a decisão acerca do requerido.
21- Decisão que apenas lhe foi notificada em 08 de Junho de 2011 e de que a Recorrente só tomou conhecimento a 09/06/2011 devido ao facto de nesse dia 8 não se ter deslocado ao escritório.
22.- O despacho recorrido erra quando entende que o pedido de prorrogação foi efectuado fora de prazo por ter sido apresentado no dia 02 de Junho, quando em seu entender o deveria ter sido até 01 de Junho de 2011.
23 .- O despacho recorrido violou os arts. 171º CPC, e 170°/2 CPC, aplicáveis ex vi art. 4º CPP, e bem assim o art. 279º CCiv.
24.- O presente recurso está em tempo, pois que o art. 27°/5 RCP fixa o prazo de cinco dias para a apresentação de recurso apenas para o caso de dedução do mesmo, de forma autónoma, caso o recurso seja apresentado de despacho que tenha condenado a parte em multa ou penalidade; sendo certo que a mandatária não é parte na causa, o prazo de recurso é o prazo geral previsto no art. 411/1º CPP, por referência ao art. 407º/1/d CPP.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, designadamente revogando-se a decisão recorrida.
O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo formulado, desta vez, as seguintes conclusões:
1º - O regime do artigo 169.º do Código de Processo Civil não é aplicável em sede de confiança dos autos em processo penal;
2º - A fixação do prazo para a consulta de autos penais é da exclusiva competência da autoridade judiciária competente e é estabelecido face às necessidades do caso concreto;
3º - Não há lugar à aplicação do artigo 171.º do Código de Processo Civil, uma vez que não existe lacuna. O legislador quis distinguir e distinguiu de forma clara as situações de confiança do processo da consulta de autos, pela própria natureza do processo penal, cujas exigências se apresentam mais apertadas;
4º - O legislador ao fixar prazos atende a dias e não a horas, por isso nunca se poderia entender que um prazo se transfere para o dia seguinte ao seu términos em virtude da secretaria já se encontrar encerrada. O prazo termina no dia anterior. Só a entrega é permitida por razões logísticas;
5º - O pedido de prorrogação deve ser feito até ao último dia do prazo e não depois, porque não se pode prorrogar algo que já terminou;
6º - O não cumprimento destas regras só se desculpa se o mandatário justificar o seu atraso;
7º - O justo impedimento só é justificação se consubstanciar uma total impossibilidade para a prática do acto pelo mandatário ou por terceiro.
Consequentemente,
8º - O despacho judicial recorrido não nos merece qualquer reparo, pelo que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão aí proferida no que respeita à condenação em multa da Ilustre Mandatária Recorrente.
O recurso interposto do despacho interlocutório de 7/7/11 foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo.
A Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o arguido ser convidado a aperfeiçoar as conclusões da motivação do recurso interposto da sentença, pois aquelas que formulou, por serem demasiado extensas, equivalem à falta de conclusões, posição que não foi acolhida pelo Juiz relator.
Uma vez notificado nos termos do nº 2 do art. 417º do CPP, o recorrente requereu a alteração do efeito atribuído ao recurso interposto do despacho interlocutório, que, no entender dele, deve ser suspensivo.
O Juiz relator proferiu despacho sobre a questão suscitada pelo recorrente a respeito do efeito atribuído ao recurso da decisão interlocutória, que lhe manteve o efeito fixado pela Exmª Juiz «a quo», não tendo havido reclamação para a conferência.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II . Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes, as quais deixámos enunciadas supra.
Encontramo-nos perante dois recursos, um interposto da sentença e o outro de um despacho interlocutório posterior a esta, ambos da iniciativa do arguido, acompanhado, no segundo caso, da ilustre advogada sua mandatária, em nome próprio.
Atento o objecto da decisão interlocutória impugnada e o momento processual em que foi proferida, o conhecimento do recurso desta interposto é de todo independente do daquele que recaiu sobre a decisão que conheceu do mérito da acção penal, sem prejuízo de serem extraídas todas as consequências que se imponham de uma eventual declaração de nulidade desta última.
Como tal, passaremos a conhecer, em primeiro lugar, do recurso interposto da sentença.
A sindicância da sentença recorrida, expressa pelo recorrente nas suas conclusões, é multiforme e centra-se, em síntese, nas seguintes questões, cada uma delas preenchendo uma função de subsidiariedade em relação à anterior:
a) Arguição da nulidade da sentença;
b) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
c) O objecto material da conduta do arguido apurada em julgamento constitui um «falso grosseiro», logo, não punível criminalmente;
d) Impugnação da medida da pena, no sentido da respectiva redução.
No que se refere à arguição da nulidade da sentença, sustenta o recorrente que a decisão principal impugnada se encontra afectada das anomalias a seguir enumeradas, cada uma delas susceptível de determinar, autonomamente, a sua invalidade:
1) Não foi emitido juízo probatório sobre os factos alegados na contestação, referenciados no ponto 3 das conclusões da motivação do recurso;
2) A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não contém a indicação, relativamente a cada facto provado, do meio de prova que relevou para a formação da convicção do Tribunal;
3) A acusação não continha a alegação dos factos dados como provados e referenciados no ponto 11 das conclusões do recorrente sem que lhe tenha sido comunicada qualquer alteração factual;
4) A sentença não se pronunciou sobre os factos legados na acusação, a que se refere o ponto 14 das mesmas conclusões;
5) A sentença ignorou a possibilidade legal de, em obra, serem introduzidas alterações ao projecto aprovado, questão que tinha sido suscitada pelo arguido.
Em matéria de nulidades da sentença, dispõe o nº 1 do art. 379º do CPP: É nula a sentença: a ) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389º-A e 391º-A ; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronuncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O nº 2 do mesmo artigo estatui: As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artigo 414º.
O art. 374º do CPP dispõe sobre os requisitos da sentença e o seu nº 2 é do seguinte teor: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A al. b) do nº 3 do mesmo artigo reza: A decisão condenatória ou absolutória
Os factos alegados na contestação e referenciados no ponto 3 das conclusões do recurso, sobre os quais, no dizer do recorrente, o Tribunal «a quo» se absteve de emitir juízo probatório, são os que constam dos artigos 12º a 15º, 17º, 20º, 22º, 23º (2a parte), 24º, 26º, 28º, 30º, 31º, 32º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 42º, 44º, 45º, 50º, 52º, 53º, 54º, 55º e 56º do articulado da defesa, cujo teor passamos a reproduzir (com diferente tipo de letra):
12. O termo de responsabilidade pela direcção técnica da obra consta de um modelo que constitui o Anexo II da Portaria 1110/01, de 19 de Setembro.
13. Em tal modelo desde logo se detecta que o legislador previu a hipótese de o "projecto aprovado" ser objecto de alterações, pois que refere como texto da declaração a “… e que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis”.
14. A declaração de responsabilidade subscrita pelo Arguido e transcrita no parágrafo 4 do despacho de acusação não corresponde ipsis verbis ao modelo de declaração que constitui o Anexo I I da Portaria 1110/0 1, de 19 de Setembro.
15. E não corresponde porque o Arguido fez questão de vincar - e vincar bem ~ que houve alterações ao projecto aprovado e que tais alterações foram ordenadas pelo dono da obra.
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17. Tais normas legais e regulamentares aplicáveis são as indicadas na Portaria 1104/01, de 19 de Setembro.
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20. Em suma, uma simples desconformidade da obra executada (e em relação à qual é emitido o termo de responsabilidade) com o projecto aprovado não significa uma falsa declaração ou informação por parte do director de obra.
Acresce que,
21. A obra foi executada em conformidade com a colecção de desenhos em poder do empreiteiro e com as alterações ordenadas pelo dono da obra.
22. Tais desenhos em poder do empreiteiro (e que se apresentavam sujos e pejados de reslduos de obra) eram ou deviam ser os correspondentes ao projecto aprovado.
23. O Arguido não tem meios técnicos que lhe permitam medir as cotas verticais exteriores, nem durante a execução da obra lhe foi possível aferir com rigor as mesmas, pois que o solo não se encontrava nivelado.
24. E existiam andaimes que impediam que o Arguido se apercebesse da altura total do torreão.
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26. O arguido elabora as telas finais – e crê que todos os técnicos o fazem da mesma forma – a partir ou tomando como base a colecção de desenhos do projecto aprovado, adicionando-lhes as alterações.
28. Ao contrário da abundância de detalhes e cotas patentes nas telas finais correspondentes aos desenhos das plantas.
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Na verdade,
30. As telas finais têm como função evidenciar as alterações introduzidas no projecto aprovado aquando da execução da obra.
31. A não ser essa a sua função, as mesmas seriam de todo inúteis pois seriam uma mera repetição do projecto aprovado.
Em suma,
32. Nas telas finais o Arguido não fez constar cotas verticais exteriores porque não dispunha nem dispõe de meios técnicos que lho permitam fazer e tinha dúvidas acerca das mesmas.
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34. Mas o Arguido fez constar a cota de 8,52m no desenho nº 9, cota essa que marca a distância desde o pavimento ao vértice interior do torreão, e que o Arguido marcou porque teve acesso directo para efectuar a medição com fita laser
35. Tal cota de 8,52m é incongruente com a cota de 6,50m, pois que se a altura da cércea do torreão fosse 6,50m seria impossível que o vértice interior do mesmo estivesse a 8,52m do pavimento, atenta a inclinação da cobertura,
36. No termo de responsabilidade subscrito pelo arguido na qualidade de autor das telas a única declaração de ciência que se encontra é que as telas finais observam as normas legais e regulamentares aplicáveis".
37. No livro de obra, por sua vez, o Arguido fez também menciona Que as alterações efectuadas foram ordenadas pelo dono da obra.
38. Que o Arguido não pretendeu induzir em erro a Câmara decorre também desde logo de, no livro de obra referente à construção em causa, ter, como respectivo director técnico, escrito em 23/01/2009 o seguinte: "Considera-se que a obra está concluída e em condições de ser requerida pelo dono da obra a licença de habitação e de preferência com vistoria camarária ...".
39. E antes, em 16/10/2008 também no livro de obra o Arguido escreveu "A obra decorre sem incidentes, apenas se estranhando que estando a mesma implantada num local mesmo numa das vias principais da aldeia e freguesia de S Domingos não tenha havido qualquer visita à obra da Exma. Fiscalização da Câmara. Porque será?,,!”.
40. o Arguido não tinha qualquer receio de uma fiscalização e de uma vistoria a realizar antes da emissão da licença de utilização porque tinha consciência de que nada de errado fizera
Mais!
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42. O art. 64° RJUE, com a redacção dada pela L 60/2007, determina que a autorização de utilização é concedida, no prazo de 10 dias a contar do recebimento do requerimento, com base nos termos de responsabilidade, salvo se se verificar (no que ao caso tange) que a) o pedido de autorização de utilização não está instruído com os termos de responsabilidade. ou b) existem indícios sérios, nomeadamente com base nos elementos constantes do processo ou do livro de obra, a concretizar no despacho que determina a vistoria, de que a obra se encontra em desconformidade com o respectivo projecto ou condições estabelecidas, casos em que o presidente da câmara municipal, oficiosamente ou a requerimento do gestor do procedimento , determina a realização de vistoria
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44. Do que consta do livro de obra e do termo de responsabilidade de director técnico qualquer declaratário normal entende que apesar de se dizer que a obra foi concluída de acordo com o projecto aprovado, não o terá sido na sua totalidade, pois que houve alterações impostas pelo dono da obra
45. Nestas circunstâncias seria ilegal a dispensa da vistoria pois que claramente não se verificam o requisitos legais para tanto, e o Arguido sabia disso.
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50. Foi o próprio Arguido Quem expressamente afirmou ser desejável uma vistoria prévia à emissão de autorização de utilização, e foi ele quem expressamente mencionou a existência de alterações ao projecto.
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52. Acresce que a cércea do edifício respeita o PDM, pois que não é no torreão que é medida.
53. O torreão em causa é totalmente vazado, desde o pavimento do rés-do-chão até ao tecto abaixo da cobertura da edificação, não tem qualquer outro destino a não ser cobrir uma escada de aparato.
54. Trata-se pois de um elemento decorativo que não deve ser atendido para efeitos de medição da cércea.
55. E tem sido esse o entendimento da câmara municipal de Santiago de Cacém noutros casos, de que se destaca um licenciamento em Mandorelha, área rural da freguesia do Cercai do Alentejo, e outro em Ermidas do Sado, Loteamento do Pomarinho, Lote 1.
56. E o facto de o torreão ser um elemento decorativo faz com que também não seja em relação a ele ou à sua cobertura que se mede a altura das chaminés, como é feito pelos técnicos camarários e reproduzido no parágrafo 8 da acusação.
Segundo temos vindo a entender, a abstenção de emissão de juízo probatório sobre factos relevantes para a justa decisão da causa tem consequências jurídicas diferentes, consoante se trate de matéria alegada na acusação, pública ou particular, e na contestação (a bem da simplicidade da exposição, abstrairemos da eventual vertente civil do processo) ou não.
Na hipótese afirmativa, a sentença será nula por omissão de pronúncia, por força da al. c) do nº 1 do art. 379º do CPP, enquanto, no caso negativo, estará afectada por insuficiência da matéria de facto para decisão, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 410º do mesmo Código.
No entanto, o Tribunal não está vinculado a emitir juízo de prova sobre todos os factos alegados na acusação e na contestação, mas apenas sobre aqueles que se mostrem relevantes par decisão da causa, os quais incluem, necessariamente, os factos constitutivos, extintivos, modificativos, agravantes e atenuantes da responsabilidade criminal do arguido, bem como aqueles que interessem à escolha e à determinação da medida da sanção, como sejam os antecedentes criminais e as chamadas «condições pessoais» do arguido.
De fora deverão permanecer, além dos que forem, por natureza, alheios ao objecto do processo, os factos instrumentais da prova de factos relevantes para a decisão, os factos puramente negativos de factos descritos no libelo acusatório e aqueles cuja alegação tenha relevado exclusivamente da chamada «impugnação motivada», isto é quando o arguido não se limita a refutar as imputação que lhe são feitas na acusação, mas também lhes contrapõe a sua própria versão dos acontecimentos.
Por fim, o Tribunal não poderá emitir juízo probatório sobre as alegações feitas nas peças processuais, que sejam desprovidas de substância factual, como formulações conclusivas, juízos de valor ou considerações jurídicas.
Consequentemente, reportando-nos, agora, aos artigos da contestação, que recorrente sustenta conterem a alegação de factos sobre os quais a sentença recorrida deixou de emitir juízo de prova, teremos de verificar que os arts. 12º, 13º, 17º e 42º encerram em si, exclusivamente, considerações sobre matéria de direito, pelo que o Tribunal «a quo» não podia, nem devia ter-se pronunciado sobre os mesmos, em termos probatórios.
Os arts. 14º, 15º, 31º, 35º, 36º, 40º e 44º do articulado da defesa consubstanciam apenas a emissão de juízos conclusivos ou valorativos, não podendo, por isso, constituir objecto de pronúncia probatória.
O conteúdo do art. 37º corresponde a um facto já julgado provado pelo Tribunal «a quo», na sentença recorrida.
Quanto ao art. 38º, a parte inicial do respectivo texto constitui o facto negativo de um facto julgado provado pela sentença, enquanto a parte restante reveste natureza de juízo conclusivo.
Os arts. 22º, 23º (2ª parte), 24º, 26º, 28º, 30º, 32º, 34º, 39º, 45º e 50º do articulado a que nos vimos reportando contêm, pelo menos em parte, a alegação de factos, mas estes preenchem, de um modo geral, um função instrumental de prova negativa dos factos em que se baseou a responsabilidade criminal do arguido, apurada na sentença recorrida, pelo que não justificam, de acordo com o critério que vimos adoptando, a emissão de um juízo probatório autónomo.
No que se refere aos arts. 52º a 56º, os mesmos encerram em si um conjunto de considerações que giram em torno da asserção de que o «torreão», referenciado nos pontos 7 e 8 da matéria de facto assente, constituía um elemento decorativo que não devia ser atendido para efeitos de medição da cércea.
Contudo, a sentença recorrida emitiu juízo probatório negativo acerca da alegação feita pela defesa do arguido sobre a natureza ou função do dito torreão, a qual consubstancia o ponto 5 da factualidade não provada, assim ficando prejudicadas as demais considerações tecidas nos referenciados artigos da contestação.
Desse juízo negativo de prova o recorrente seguramente discordará, mas tal discordância releva da impugnação da decisão sobre matéria de facto, que ele não deixou de deduzir, não se confundindo com a falta de pronúncia probatória sobre os factos em causa.
Consequentemente, importa concluir que, com referência aos artigos da contestação mencionados no ponto 3 das conclusões do recorrente, a sentença sob recurso não deixou de emitir juízo probatório, afirmativo ou negativo, sobre qualquer facto de que o Tribunal «a quo» estivesse vinculado, de acordo com o critério exposto supra, a tomar conhecimento.
Relativamente à causa de nulidade da sentença invocada, que se prende com a eventual deficiência da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, convirá ter presente que o nº 2 do art. 374º do CPP impõe que o Tribunal faça constar da sentença a indicação dos meios de prova que relevaram para a formação da sua convicção e proceda ao respectivo exame crítico, isto é explicite as razões que o levaram a reconhecer poder de convicção a determinado meio probatório e denegá-lo a outro.
A imposição de tal dever de fundamentação visa permitir que se faça a reconstituição do «iter» intelectual que o conduziu a julgar determinado facto provado ou não provado, de forma possibilitar o controle desse juízo por uma instância superior.
Contudo, e ao contrário sucedia no CPP de 1929, pelo menos no chamado processo de querela (equivalente, «grosso modo», ao actual processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo), em que era obrigatória a discriminação dos factos a provar em julgamento sob a forma de quesitos, o que acarretava necessariamente a individualização do meio ou dos meios de prova em que se baseava a resposta a cada um destes, o CPP em vigor não prescreve uma forma determinada para o cumprimento pelo Tribunal do dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Nesse domínio, a lei processual penal vigente deixa ao julgador uma razoável margem de liberdade, configurando o dever de fundamentar mais como uma «obrigação de resultado», ou seja, o quem importa é que o destinatário da decisão ou o Tribunal de recurso, uma vez confrontados com a fundamentação, possam reconstituir o percurso lógico seguido até à emissão de juízo probatório, afirmativo ou negativo, sobre este ou aquele facto, independentemente do modelo expositivo adoptado pelo Tribunal de julgamento no sentido de o tornar transparente.
Para tanto, não é logicamente imprescindível que o Tribunal proceda à indicação individualizada dos meios de prova relevantes para cada facto isolado, ainda uma maior ou menor medida de tal individualização possa revelar-se, na prática, incontornável, em ordem a alcançar as finalidades próprias da fundamentação da decisão sobre a matéria factual.
De todo o modo, o recorrente, na motivação do recurso, não aponta ao referido segmento da fundamentação outra deficiência que não uma genérica falta de indicação individualizada dos meios de prova relevantes para a prova positiva ou negativa de cada facto considerado na sentença.
Tal omissão, a ter efectivamente existido, não implica, necessariamente e por si só, que o destinatário da decisão ou o Tribunal que a tenha de fiscalizar em sede de recurso fiquem impedidos de discernir o «iter» intelectual seguido pelo Tribunal «a quo» com vista julgar provados ou não provados todos e cada um dos factos sujeitos à sua cognição.
De resto, o recorrente não adiantou qualquer razão que fosse susceptível, em concreto, de tornar não transparente aquele «iter».
Por conseguinte, verifica-se que a sentença sob recurso não padece de deficiência, ao nível da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que possa acarretar a respectiva nulidade.
Passemos, então, a apreciar a causa de nulidade da sentença consistente em ter considerado, para condenar o arguido recorrente, factos não alegados na acusação.
Em causa estão os factos vertidos nos pontos 8 (a partir de «… aprovados»), 21, 22 e 23 da matéria assente, cujo teor agora reproduzimos:
8. Também as chaminés das lareiras de fumos não se encontram conformes ao projecto de arquitectura aprovado, porquanto possuem à sua superfície superior a cota de 59,48m, sendo a cota do ponto de intercepção dos rincões da cobertura do torreão de 59,87m, donde, as bocas das chaminés não se encontram elevadas 0,5m acima da parte mais elevada da cobertura da edificação, conforme era devido.
20. A Câmara Municipal de Santiago do Cacém só tem por hábito efectuar vistorias no final das obras se desconfiar que existem anomalias.
21. Do projecto inicialmente elaborado pelo arguido relativo à construção da moradia em crise nos autos e apresentado junto da Câmara Municipal de Santiago do Cacém para licenciamento da obra em apreço constava que a cércea do torreão media cerca de 7,50m.
22. Tal projecto inicial não foi aprovado, tendo o arguido sido devidamente informado pela Câmara Municipal de Santiago do Cacém que para o projecto ser aprovado a cércea do torreão teria que medir até 6,50m.
23. Por essa razão, o arguido alterou o projecto inicial, tendo submetido à apreciação da aludida edilidade o projecto que a final veio a ser aprovado e no qual a cércea do torreão media 6,50m.
Confrontada a acusação pública deduzida a fls. 188 a 193, verifica-se que a matéria dada como provada no ponto 8 da sentença recorrida foi efectivamente objecto de alegação naquela peça processual, concretamente, no primeiro parágrafo de fls. 191.
O mesmo já não sucede, porém, em relação aos factos julgados provados nos pontos 21, 22 e 23 da mesma enumeração.
Idêntico juízo pode ser formulado acerca do conteúdo dos pontos 15 a 18 da factualidade assente, não estando o Tribunal «ad quem», atento o disposto no nº 2 do art. 379º do CPP, vinculado, para conhecer das nulidades da sentença em sede recurso, à respectiva arguição pelos interessados ou aos fundamentos por estes invocados para o efeito.
Reproduzimos, igualmente, o teor daqueles pontos da matéria de facto provada:
15. Quando se deslocou à moradia em apreço para elaborar as telas finais, o arguido efectuou as medições que entendeu pertinentes com uma fita métrica normal e uma fita a laser.
16. Nessa ocasião, apercebeu-se que o torreão estaria mais alto do que o previsto no projecto aprovado.
17. Elaborou as telas finais de acordo com o projecto aprovado, nelas apondo alterações.
18. Porém, em relação ao torreão, decidiu não fazer constar nas telas finais a diferença encontrada relativamente ao projecto aprovado, apenas tendo feito constar nas telas finais uma cota interior que marca a distância desde o pavimento ao vértice interior do torreão.
Nos termos da al. b) do nº 1 do art. 379º do CPP, a sentença incorre em nulidade quando condene o arguido por factos diversos daqueles por que ele tenha sido acusado ou pronunciado, fora das situações previstas nos arts. 358º e 359º do CPP, os quais tratam da alteração não substancial e substancial, respectivamente, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Dado que o arguido foi, no presente processo, acusado pelo MP da prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.° n.º 1 al. d) do CP, «ex vi» do disposto no art. 100.° n.º 2 do DL n.º 555/99, de 16/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 177/01, de 4/6 e veio a ser, pela sentença agora sob recurso, condenado pelo imputado crime, a alteração factual concretizada nos pontos 15 a 18 e 21 a 23 da matéria provada, terá de ser considerada não substancial, em face da definição da al. f) do art. 1º do CPP, que considera substancial a alteração que importa imputação ao arguido de crime diverso ou o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis.
O nº 1 do art. 358º do CPP dispõe: Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Compulsados os autos, verifica-se que o Tribunal «a quo» não efectuou qualquer comunicação ao arguido de alguma alteração dos factos alegados na acusação, reportada à matéria a que nos referimos ou a outra.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 358º do CPP não é qualquer alteração dos factos alegados na acusação ou na pronúncia que tem de ser comunicada ao arguido, mas somente aquela que tiver «relevo para a decisão da causa».
A necessidade de comunicar ao arguido a alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sob pena de não poder ser considerada na sentença, obedece ao imperativo de lhe assegurar as mais amplas garantias de defesa, que são objecto de tutela constitucional no nº 1 do art. 32º da CRP e que ficariam irremediavelmente postas em causa, caso fosse admissível o arguido ser surpreendido, em sede de sentença, por uma imputação com a qual não tivesse sido confrontado durante o processo.
Nesta conformidade, entendemos que só tem de ser objecto do procedimento previsto no nº 1 do art. 358º do CPP a alteração dos factos da acusação ou da pronúncia que seja susceptível, em concreto, de condicionar o desenvolvimento da defesa do arguido.
Os factos narrados nos pontos 21, 22 e 23 não fazem parte da conduta típica do crime por cuja prática o ora recorrente foi condenado pela sentença sob impugnação, antes sendo cronologicamente anteriores a esta.
Contudo, a referida factualidade permite situar os factos integradores do criem de falsificação de documento, por que o arguido foi condenado (descritos nos pontos 3 a 12 da matéria provada), num contexto que é susceptível de ser valorado em detrimento dele, enquanto revelador da especial intensidade do dolo com que actuou, pois se torna patente que a conduta ilícita por que responde visou, em concreto, contornar uma decisão camarária pré-existente, que havia recusado a aprovação de um projecto em que a cércea do torreão media cerca de 7,50m.
Ora, de acordo com a al. b) do nº 2 do art. 71º do CP, a intensidade do dolo (ou da negligência, quando seja este o nexo de imputação subjectiva) é um dos parâmetros a ter em conta no doseamento da medida concreta da pena.
Nesta conformidade, deve entender-se que os factos descritos nos pontos 21, 22 e 23 da matéria de facto assente são de molde a relevar para o agravamento da responsabilidade do arguido, dentro de uma moldura punitiva dada.
Nesse sentido, os mesmos factos deveriam ter sido comunicados ao arguido antes do encerramento da discussão da causa, deforma a conferir-lhe o ensejo de se defender da respectiva imputação.
Quanto aos factos constantes dos pontos 15 a 18 da matéria provada, poderá entender-se que constituem uma concretização de factos já imputados em termos mais genéricos ao arguido pela acusação pública, nomeadamente, que ele, ao formular as declarações reproduzidas nos pontos 4 e 5 tinha conhecimento das desconformidades referidas nos pontos 7 e 8.
De todo o modo, afigura-se-nos que não é indiferente do ponto de vista das necessidades da defesa do arguido ser confrontado com a referida imputação de factos genéricos e ter que se debater com a conduta concreta dada como provada na sentença, isto é que o arguido procedeu efectivamente à medição da obra, depois da sua conclusão, apercebeu-se que a altura do torreão era superior à que constava do projecto aprovado e não fez referência a essa diferença nas telas finais, já que esta concretização factual vem estreitar substancialmente a margem argumentativa ao dispor do arguido no sentido de se livrar da responsabilidade criminal na base do desconhecimento, por parte dele, da aludida desconformidade.
Por conseguinte, os factos descritos nos pontos 15º a 18º da factualidade assente também são de molde a afectar o exercício pelo arguido dos seus direitos de defesa, pelo que deveriam também ter sido objecto de comunicação, nos termos do art. 358º do CPP.
Tendo tal comunicação sido omitida, quanto a estes factos e aos dos pontos 21 a 23, a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 379º do CPP.
Antes de tratar das consequências jurídicas da nulidade agora verificada, cumpre averiguar se a sentença sob recurso padecerá de outras nulidades, pelos fundamentos invocados pelo recorrente.
Relativamente à invocada falta de pronúncia probatória sobre a matéria dos artigos da contestação referidos no ponto 14 das conclusões da motivação do recurso, importa dizer que em causa estão os arts. 16º, 42º e 50º dessa peça processual.
Os arts. 42º e 50º do articulado da defesa já haviam sido objecto de idêntica arguição no ponto 3 das conclusões do recorrente, a qual já foi apreciada no sentido da verificação da sua improcedência.
O art. 16º da contestação, por seu turno, é do seguinte teor:
Em tal declaração o Arguido declara que a obra se encontra concluída «em conformidade com o projecto aprovado e demais alteraç6es ordenadas pelo dono da obra e representadas nas telas finais» e bem assim que «as alterações efectuadas ao projecto por ordem do dono da obra foram expressas nas telas finais, estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis».
Como pode verificar-se, o artigo da contestação agora transcrito reporta-se à declaração referida no ponto 4 da matéria de facto provada, pelo que o Tribunal «a quo» não tinha que emitir qualquer juízo probatório sobre o mesmo.
Sustenta ainda o recorrente que a sentença padece de nulidade por não ter considerado a hipótese da admissibilidade legal da introdução de alterações ao projecto inicialmente aprovado, sempre diremos que tal hipótese é manifestamente inócua para o efeito do apuramento da responsabilidade criminal do arguido, tal como configurada na decisão recorrida.
Na verdade, a censurabilidade jurídico-penal da conduta do arguido apurada em julgamento não radica na existência de desconformidades entre o projecto inicial e a obra tal como veio a ser concluída, mas sim na falta de consignação da desconformidade relativa à altura do torreão nas telas finais.
Assim, também quanto a esta matéria, o Tribunal «a quo» não deixou de se pronunciar sobre alguma questão de que estivesse vinculado a conhecer.
Em conclusão, importa verificar que a sentença sob recurso não enferma de outra nulidade que não a que decorre da consideração de factos relevantes para a responsabilização criminal do arguido, não alegados na acusação pública.
Passaremos a ocupar-nos agora das consequências das nulidades detectadas na decisão sob censura.
Sobre os efeitos da declaração de nulidade dispõe o art. 122º do CPP: 1- As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. 2 - A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade. 3- Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.
A nulidade agora detectada afecta necessariamente a validade da sentença em que foi praticada e também de todo processado que se lhe seguiu, o qual se resumiu à tramitação do presente recurso.
Mais complexa será a questão de saber se a nulidade da sentença prejudica apenas a validade do acto decisório isoladamente considerado ou, pelo contrário, inquina a própria audiência de julgamento, no termo da qual aquele foi proferido.
Com efeito, existe uma íntima conexão entre a audiência de julgamento e a sentença, podendo dizer-se, com propriedade, que a segunda é o último acto da primeira
Contudo, somos de entender que as nulidades da sentença tipificadas no art, 379º nº 1 do CPP não acarretam necessariamente a invalidação da audiência de julgamento, tudo dependendo das características concretas do vício que tenha dado origem à nulidade.
No caso presente, a nulidade verificada não radica na produção da prova ou na discussão da causa, antes emergindo de um vício de forma com incidência restrita ao texto da decisão, ainda que o cumprimento integral do disposto no nº 1 do art. 358º do CPP possa implicar a produção de novos meios de prova ou de novas alegações, restritos à matéria da alteração dos factos acusados.
Nesta ordem de ideias, torna-se possível salvaguardar a validade da audiência de julgamento, na medida em que seja possível a prolação pela Exmª Juiz, que subscreveu a sentença agora invalidada, de nova decisão, com a correcção do vício detectado.
Consequentemente, com vista ao suprimento das nulidades verificadas, importa que aquela Exmª Juiz proceda à seguinte actividade judicativa:
a) Dar cumprimento integral ao disposto no nº 1 do art. 358º do CPP, relativamente aos pontos 15, 16, 17, 18, 21, 22 e 23 da matéria de facto provada;
b) Proferir nova sentença, em que retire do cumprimento integral do nº 1 do art. 358º do CPP todas as conclusões que se imponham, quer ao nível da matéria de facto provada e não provada, quer ao nível da decisão de direito.
Por força da declaração de nulidade da sentença recorrida, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pelo recorrente, no recurso interposto da sentença.
Quanto ao recurso do despacho interlocutório proferido em 7/7/11, temos que esta decisão teve na sua origem um pedido de confiança dos autos, para consulta fora da Secretaria, formulado pela ilustre mandatária do arguido, em 26/5/11, tendo em vista a interposição de recurso da sentença (fls. 635).
Neste contexto, pode considerar-se que a ocorrência desencadeada com o pedido de confiança dos autos e que culminou na prolação do despacho de 7/7/11 se integra no processado dependente da sentença, cuja nulidade se verificou, e que é inutilizado por efeito da declaração dessa nulidade, nos termos do nº 1 do art. 122º do CPP.
Assim, tendo a decisão recorrida deixado de subsistir, ocorre a impossibilidade superveniente da lide recursiva, que é causa de extinção da instância de recurso, nos termos do art. 287º al. e) do CPC, aplicável «ex vi» do art. 4º do CPP.
III.Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
a) Declarar nula, nos termos do art. 374º nº 1 al. b) do CPP, a sentença recorrida e todo processado subsequente, incluindo o despacho interlocutório datado de 7/7/11;
b) Determinar, após trânsito em julgado, a baixa dos autos à primeira instância, a fim de ser proferida nova sentença, com suprimento da nulidade detectada, nos termos preconizados supra;
c) Declarar extinto, por impossibilidade superveniente da lide, o recurso interposto do despacho interlocutório de 7/7/11
Sem custas.
Notifique.
Évora 8/5/12 (processado e revisto pelo relator)
Sérgio Bruno Póvoas Corvacho
João Manuel Monteiro Amaro