DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
NE BIS IN IDEM
RECOLHA DE AMOSTRA BIOLÓGICA
BASE DE DADOS DE PERFIS DE ADN
ADN NÃO CODIFICANTE
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I. O n.º2 do art. 8.º da Lei 5/2008, de 12 de fevereiro, na interpretação refletida na decisão recorrida, ou seja, no sentido que a recolha de amostra biológica ali prevista, para inserção na base de dados de perfis de ADN, depende apenas dos requisitos de natureza formal mencionados naquele n.º 2, não é materialmente inconstitucional

II. Assim, o tribunal recorrido não tinha que fundamentar materialmente a sua decisão na parte em que ordenou a recolha de amostra biológica e subsequente inserção na base de dados de perfis de ADN, após trânsito em julgado do acórdão condenatório, pelo que não se verifica a invocada nulidade de sentença por falta de fundamentação - art. 379º nº1 a) e 374º nº2, do CPP.

Texto Integral


Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal coletivo que correm termos no 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, foi julgada A., nascida a 29 de Dezembro de 1988, natural de Albufeira, casada, desempregada, com residência em Tunes, a quem o MP imputara a prática, em coautoria, e em concurso efetivo, dos seguintes crimes:

- Um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, nº 2, al. b), com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), do Código Penal;

- Um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do Código Penal;

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 1, al. ar), 86º, nº 1, al. c), e nº 4, todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redação introduzida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio.

Em audiência de julgamento foi comunicada à arguida uma alteração substancial de factos, em conformidade com o disposto no art. 359º, nº 1, do Código Processo Penal, na sequência da qual foi a mesma indiciada por um novo crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 22º, 23º, e 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal.

A arguida aceitou a continuação do julgamento pelos novos factos.

2. – Foi acusado como coautor B., que veio a ser julgado em separado pelos mesmos crimes no âmbito do Processo Comum Coletivo nº ---/09.3JDLSB, que corre termos neste mesmo Tribunal de Portalegre, tendo sido interposto recurso da decisão para este TRE, já julgado e remetido à 1ª instância.

3. -Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal a quo decidiu:

«A) Absolver a arguida A. como coautora material dum crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do Código Penal;

B) Julgar verificada a excepção de caso julgado e absolver a mesma arguida da prática, em coautoria, dum crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 1, al. ar) 86º, nº 1, al. c), e art. 86º, nº 4, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação introduzida pela lei nº 17/2009 de 6 de Maio;

C) Condenar a arguida A. como coautora material dum crime de roubo qualificado, p. e p. pelos arts. 26º, 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, e como coautora material dum crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 26º, 73º, nº 1, als. a) e b), 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência ao art. 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

D) Unificar a pena, nos termos previstos no art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal, e condenar a arguida na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

E) Suspender a execução da pena única a que a arguida foi condenada, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 50º, nº 1, nº 5, 53º e 54º do Código Penal, por igual período de tempo (três anos e seis meses), subordinada a regime de prova fundado em plano de readaptação social a elaborar e a acompanhar pelos serviços de reinserção competentes e que deverá promover a aquisição de competências pessoais e profissionais da arguida, de molde a ser concretizado de forma eficaz o seu processo de reintegração social;

F) (…)

G) Determinar que após trânsito em julgado da presente decisão e nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 8º, nºs 1 e 2, e 18º, nº 3, da Lei nº 5/2008 de 12 de Fevereiro, se proceda à recolha de amostras tendo em vista a obtenção de perfil de ADN da arguida e a sua introdução na base de dados de perfis de ADN, conjuntamente com os seus dados pessoais.»

4. – É daquele acórdão que o MP vem interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

«DAS CONCLUSÕES.

1.º
Vem o recurso interposto do acórdão absolutório proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre no âmbito do Proc.º N.º 6/11.4TAPTG, que absolveu a arguida A. da prática do tipo objectivo de ilícito de detenção de arma pelo art.º 2º, nº 1, alínea ar), art.º 86º, nº 1, alínea c) e nº 2, todos da Lei nº 5/2006 de 23/02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 17/2009 de 6 de Maio.
Decisão absolutória com a qual não se concorda.

2.º
Consabidamente, o princípio fundamental em matéria de aplicação da lei penal no espaço é o princípio da territorialidade (neste sentido, Prof. Albin Eser, For Universal Jurisdiction: Against Fletcher´s Antagonism, Tulsa Law Review, n. 39, 2003-2004, pp. 954; Prof. D. Ohler, Internationales Straftrecht, 2, Aufl., Koln/Berlin, 1983 && 3-7; Prof. D. Flore, Reconnaissance mutuelle, double incrimination et territorialité, La Reconnaissance mutuelle, 2002, pp. 74; Prof. C. Amaltifano, Confliti di giurisdizione e riconoscimento delle decisioni penali nella Unione europea, Milano, Giufré, 2006, pp. 32, nota 51).

3.º
O Estado aplica o seu direito penal a todos os factos penalmente relevantes que tenham ocorrido no seu território, com indiferença por quem ou contra quem foram tais factos cometidos” (neste preciso sentido, Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Volume I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 230).

4.º
Pelo que o princípio da territorialidade, na sua dimensão positiva, estipula que qualquer infracção penal praticada dentro de um Estado, dá a esse Estado o poder de julgar e punir (neste sentido, Prof. José de Faria Costa, O princípio da territorialidade: entre Portugal e o Brasil, Revista de legislação e de jurisprudência, Coimbra, Coimbra Editora, Ano 137, nº3950, Maio – Junho de 2008, pp. 285-293; no mesmo sentido, Prof. Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais de Direito Penal, Teoria Geral do Crime, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 208- 237; neste sentido, na vertente da globalização e dos problemas do direito penal transnacional, Prof. Augusto Silva Dias, “Delicta in se” e “Delicta mere prohibita”: uma análise das descontinuidades do ilícito penal moderno à luz da reconstrução de uma distinção clássica, Tese de Doutoramento, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 223 e ss).

5.º
Com efeito, porque a regra da ubiquidade, adoptada por um número assinalável de Estados Membros da União Europeia e emergente da dimensão positiva do princípio da territorialidade, potencia a concorrência de jurisdições internacionais sobre os mesmos factos (e consequentes hipóteses de cumulação de processos e punições), verifica-se a ausência, no plano internacional, de um efectivo sistema de regras de conflitos que permita a devolução dos crimes plurilocalizados à competência de uma única jurisdição nacional (neste preciso sentido, Prof. Alberto Medina de Seiça, A aplicação do princípio ne bis in idem na União Europeia, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, STVDIA IVRIDICA, BOLETIM DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 945).

6.º
Pelo contrário, a forma como os direitos nacionais regulam o âmbito de validade espacial do respectivo direito penal e, em consequência, delimitam a esfera jurisdicional própria, contribui em medida assinalável para aumentar os referidos conflitos (Neste sentido, Prof. Vânia Costa Ramos, Ne bis in idem e União Europeia, Tese de Mestrado, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 113 e ss), isto porque, como acima se deixou antecipado, uma justiça penal europeia comum, que determine directamente as condutas puníveis e aplique essa lei comum, ainda não foi instaurada (Neste sentido, Prof. André Klip, Repensando o Direito Penal Europeu, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, STVDIA IVRIDICA, BOLETIM DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 719).

7.º
Todavia, para obviar às assimetrias emergentes da delimitação da jurisdição punitiva de cada Estado Membro da União Europeia, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem-se debruçado, em sede de reenvio prejudicial de interpretação, sobre o sentido hermenêutico a conferir ao art. 54.º da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen (neste sentido, Prof. Anabela Miranda Rodrigues, Direito Penal Europeu, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 123 e ss; sobre o papel do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de terceiro pilar, Prof. Nuno Piçarra, Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e o novo espaço de liberdade, de segurança e de justiça, Revista Themis, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 81 e ss; no mesmo sentido, mais recentemente, Agostinho Soares Torres, O princípio Ne Bis in Idem, Revista Julgar n.º 14, Maio – Agosto de 2011, Coimbra, Coimbra Editora/ Wolters Kluwer, 2011, pp. 78).

8.º
A norma fundamental que consagra a proibição do ne bis in idem é o art.º 54.º, da CAAS que, na formulação oficial de língua portuguesa, dispõe: Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma acção judicial intentada por um outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja actualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão foi proferida”.

9.º
A partir daqui avulta muito mais a nebulosidade, do que a meridiana clareza, em torno da definição dos conceitos normativos densificados no art.º 54.º, do CAAS (Neste sentido, quanto à referida nebulosidade do art.º 54.º, do CAAS, Prof. Vânia Costa Ramos, Ne bis in idem e União Europeia, Tese de Mestrado, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 65 – 184).

10.º
Com efeito, o sentido e alcance que se devem atribuir em termos normativos aos conceitos “definitivamente julgado” (o problema do “bis”) e de “mesmos factos” (o problema do “idem”) constantes do art.º 54.º, da CAAS têm constituído acesa fonte de dúvidas e divergências no já perluxo e abundante panorama doutrinal (neste sentido, Prof. H. Schemers, Non Bis in Idem, Du Droit international au droit de l´integration, Liber Amicorum Pierre Pescatore, Baden – Baden, Nomos, 1987, pp. 611;) e jurisprudencial (Acórdão do Tribunal de Justiça Gozutok/Brugge, processos C – 187/01 (caso Gozutok), e C – 385/01 (caso Brugge); Acórdão do Tribunal de Justiça Miraglia, Processo C – 469/03, decidido em 10 de Março de 2005; Acórdão do Tribunal de Justiça Van Esbroeck, processo C – 436/04, decidido em 09 de Março de 2006; Acórdão do Tribunal de Justiça Van Straaten, processo C – 150/05, decidido em 28 de Setembro de 2006; Acórdão do Tribunal de Justiça Gasparini, processo C – 467/04, decidido em 28 de Setembro de 2006; Acórdão do Tribunal de Justiça Kraaijenbrink, processo C – 367/05, decidido em 18 de Julho de 2007; Acórdão do Tribunal de Justiça Kretzinger, processo C – 288/05, decidido em 18 de Julho de 2007; Acórdão do Tribunal de Justiça Bourquain, processo C – 297/07, decidido em 12 de Dezembro de 2008; Acórdão do Tribunal de Justiça Turansky, processo C – 288/05, decidido em 22 de Dezembro de 2008).

11.º
O denominador comum de todos os arestos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias acima citados, é o traço absolutamente difuso e impreciso do recorte típico de “definitivamente julgado”, e, primacialmente, a noção taxionómica de “mesmos factos” (neste sentido, na doutrina alemã, Prof. C. Markees, Mehrfache territoriale Gerichtsbarkeit, ne bis in idem und Auslieferung, Schweizerisches Jahrbuch fur internationales Recht, 1985, Baden – Baden, pp. 123).

12.º
Donde a (imperiosa e inderrogável) necessidade de o Tribunal Recorrido, tendo como horizonte teleológico o apuramento do que são “os mesmos factos”, suscitar a questão do reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em vista esclarecer se a circunstância de a arguida cometer em Portugal um crime de roubo qualificado e um crime de sequestro, com recurso a detenção de arma proibida, e de, posteriormente, colocar-se em fuga para Espanha, com a referida arma proibida, onde é mais tarde detida, julgada e condenada pelo crime de detenção de arma proibida, arma proibida, essa, que foi a mesma que a arguida utilizou para realizar o roubo qualificado e o crime de sequestro em Portugal, preclude a possibilidade de, em Portugal, a mesma arguida ser julgada e punida pela prática de um crime de detenção de arma proibida (Sobre a importância do mecanismo de reenvio prejudicial, do ponto de vista do princípio da segurança jurídica, nos quadros do Direito da União Europeia, o Acórdão do Tribunal Constitucional Federal Alemão (BVerfGE), de 26/09/2011, disponível em http://www.bundesverfassungsgericht.de/entscheidungen/rk20110926_2bvr221606.html).

13.º
E se, decorrentemente, o acervo fáctico acima referido engloba-se na noção de “os mesmos factos”, nos termos e para os efeitos da noção terminológica de ne bis idem contida no art.º 54.º, da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen (CAAS), precludindo, assim, a possibilidade de o Estado Português perseguir criminalmente a arguida A. pela prática do referido tipo legal de crime de detenção de arma proibida (art.º 2.º, ar), art.º 86.º, alínea c), todos da Lei nº 5/2006 de 23/02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 17/2009 de 6 de Maio).

14.º
Assim, o Tribunal recorrido, por não estar perante um acto claro (Acórdão do Tribunal de Justiça CILFIT, Recueil, 1982, pp. 3430, n.º 17), no que tange à determinação do sentido, alcance e limites do conceito terminológico de “os mesmos factos” (art.º 54.º, da CAAS), tinha sobre si o inafastável dever funcional de suscitar a questão do reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em vista esclarecer a questão da (eventual) violação do princípio do ne bis idem (art.º 54.º, do CAAS) (Neste sentido, Prof. Manuel Nogueira Serens, A obrigação de Reenvio Prejudicial decorrente do art.º 234.º & 3.º, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos de Ferreira de Almeida, Volume IV, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 639; no mesmo sentido, Prof. Alessandra Silveira, Da (ir) responsabilidade do Estado - juiz por violação do Direito da União Europeia – Anotação ao Acórdão do STJ de 3 de Dezembro de 2009, Scientia Ivridica N.º 320 – Outubro/Dezembro de 2009, CEJUR, Braga, Coimbra Editora, 2010, pp. 343 e ss; no mesmo sentido, Rosa Tching, Juiz Nacional – um juiz cada vez mais europeu, Revista Julgar n.º 14, Revista Julgar n.º 14, Maio – Agosto de 2011, Coimbra, Coimbra Editora/ Wolters Kluwer, 2011, pp. 148- 149), e do efeito preclusivo do caso julgado (eventualmente) emergente da decisão condenatória emitida pelo Estado Espanhol (Neste sentido, sobre o sentido teleológico do caso julgado, João Conde Correia, O Mito do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova, Tese de Doutoramento, Coimbra, Coimbra Editora/Wolters kluwer, 2011, pp. 121 – 157).

15.º
Deste modo, o Tribunal recorrido ao furtar-se à pronúncia expressa da necessidade (ou desnecessidade) de suscitar o reenvio prejudicial de interpretação do art.º 54.º, do CAAS para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, incorreu na nulidade por omissão de pronúncia (art.º 379.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP).

16.º
A determinado passo do dispositivo da decisão recorrida lê-se, relativamente à extracção e recolha de ADN da arguida, o seguinte “Determinar que após trânsito em julgado da presente decisão e nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 8°, n 1 e 2 e 18°, n.º 3 da Lei n° 5/2008, de 12-2, se proceda à recolha de amostras tendo em vista a obtenção de perfil de ADN da arguida e a sua introdução na base de dados de perfis de ADN, conjuntamente com os dados pessoais”.

17.º
Decorre deste resumido apontamento que a decisão de extracção e recolha de amostra de ADN da arguida apenas se apoia nas citadas disposições da Lei 5/2008 mas não refere circunstâncias factuais concretas e específicas do caso como, por exemplo, o receio de continuação criminosa.

18.º
Face à actual Lei n.º 5/2008, relativa à criação de bases de dados de perfis de ADN, e tomando em linha de conta o recente desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso "S. e MICHAEL MARPER versus REINO UNIDO"[1], tem-se defendido que o artigo 8.º, nºs 1, 2 e 6, conjugado com os artigos 15.º, n.º 1, alínea e), 26.º, n.º 1, alíneas e) e f), e n.º 2, da Lei n.º 5/2008, ao permitirem a conservação de perfis de ADN, quer quando não houve condenação (automaticamente com a constituição de arguido), quer quando a mesma já ocorreu (automaticamente por condenação por crime punido com pena de prisão igual ou superior a 3 anos) e está ou já foi cumprida, por longos períodos de tempo, se afigura desproporcionada e, por isso, materialmente inconstitucional (artigo 8.º, n.ºs 2 e 3, 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, 35.º, da CRP, e artigo 8.º, da CEDH), por contender com o direito à reserva da intimidade (genética) da vida privada, ao livre desenvolvimento pessoal e à autodeterminação informacional[2]/[3].

19.º
Sendo certo que aquela jurisprudência do TEDH se apoiou essencialmente num caso em que não tinha havido condenação, ao contrário do que sucede nos autos de que este recurso provém, a questão da fundamentação mínima discutida pelo Prof. Paulo Pinto de Albuquerque merece-nos toda a atenção e respeito na perspectiva da consideração da não automaticidade legal da recolha por via de uma mera condenação transitada em julgado mas apenas quando o grave perigo de continuação criminosa ou outros receios relevantes possam ou permitam inferir a necessidade daquela recolha[4] e subsequente conservação e estabelecer uma adequada ponderação séria acerca da proporcionalidade da mesma[5].

20.º
No caso concreto, não foi fundamentada[6] na sentença recorrida a recolha de ADN senão na determinação legal, a qual apenas fixa como critério a condenação transitada em julgado. Os crimes foram graves e atingiram na ilicitude e dolo, em certos casos, um patamar que ainda chegou a um nível médio. Porém, a decisão limitou-se a determinar a recolha sem ir para além disso (Sobre a exigência de fundamentação expressa, do ponto de vista da restrição de direitos fundamentais, ainda que enquadrada do ponto de vista da misure cautelare, o Acórdão do Tribunal Constitucional Italiano, de 05/10/2011, disponível em http://www.cortecostituzionale.it/actionIndiciAnnuali.do).

21.º
Não cremos nem vislumbramos aqui em concreto um perigo assim tão grave de continuação criminosa que justifique proporcionalidade[7] à decisão de recolha. Não sendo esta recolha, em si mesma, o problema, sobretudo quando efectuada por métodos não invasivos do corpo da arguida, já o será a sua conservação para futura utilização consoante os fins que visem e os limites daqueles direitos de reserva íntima e de privacidade (Sobre o direito à autodeterminação informacional, do ponto da intervenção corporal, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/2007, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Gil Galvão, disponível em www.dgsi.pt).

22.º
Se essa preservação seria discutível apenas em momento ulterior em função do perigo futuro de eventual violação de direitos fundamentais, o certo é que a fundamentação da sua recolha, do ponto de vista do juízo de proporcionalidade[8], necessidade e adequação da restrição do direito fundamental[9]/[10] à identidade pessoal[11], é requisito prévio que deve ser indispensável[12]. (Sobre o conteúdo do direito à integridade pessoal, ainda que noutro ângulo interpretativo do art.º 8.º, da CEDH, o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem KUŞÇUOĞLU vs. TURQUIA, de 03/11/11; Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Neulinger et Shuruk c. Suisse [GC], no 41615/07, § 140, CEDH 2010, ambos disponíveis em http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/viewhbkm.asp?sessionId=82418077&skin=hudoc).

23.º
Na verdade, e como muito sagazmente acentua a Prof. Helena Moniz, de acordo com a lei (art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 5/008, de 12 de Fevereiro, que remete para o art.º 172.º do CPP que, por sua vez, remete para os artigos 154.º e 156.º, do CPP), apenas é pedida a recolha a arguido se o juiz entender que há necessidade da sua realização, tendo em vista o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado (art.º154.º, n.º 2, do CPP, ex vi do art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2008, de 12/02 e art.º172.º, n.º 2 do CPP), assim se cumprindo os requisitos de proporcionalidade, necessidade e adequação necessários à restrição de direitos fundamentais[13] (Sobre o conteúdo do princípio da proibição do excesso, do ponto da violação dos direitos fundamentais dos arguidos, em sede de uma reclamação constitucional (Verfassungsbeschwerde) o Acórdão do Tribunal Constitucional Federal Alemão (BVerfGE), de 12 de Outubro de 2011, disponível em http://www.bundesverfassungsgericht.de/entscheidungen/rs20111012_2bvr063311.html).

24.º
O que significa que a decisão de extracção e recolha de ADN deveria, no caso concreto, ter sido precedida de uma fundamentação acrescida[14] na forma como a Constituição (art.º 205.º, n.º 1 da CRP) e a lei (art.º 97.º, n.º 2 e 5, do CPP, art.º 374.º, n.º 2, da CRP) o exigem (Aludindo, neste âmbito, a um princípio de fundamentação diferenciada consoante o grau de afectação dos direitos fundamentais dos cidadãos, o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Taxquet Vs Bélgica, de 13 de Janeiro de 2009, disponível em http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/; Acórdão do Tribunal Constitucional N.º 27/2007, disponível em www.dgsi.pt; na doutrina, citando em texto este mesmo aresto do TEDH, José António Mouraz Lopes, A fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português, Legitimar, Diferenciar, Simplificar, Tese de Doutoramento, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 417), atento o facto de estar em causa a restrição de direitos fundamentais da arguida.

25.º
Assim, a dimensão normativa do art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2008, de 12/02 contida na decisão recorrida é materialmente inconstitucional, quando interpretada no sentido de que a decisão de recolha e extracção de ADN de um arguido condenado não necessita de um concreto e circunstanciado juízo de ponderação do ponto de vista da proporcionalidade, necessidade e adequação da referida decisão de extracção de amostra de ADN para posterior inserção do perfil na base de dados genéticos, por violação do direito à reserva da intimidade (genética) da vida privada, do livre desenvolvimento pessoal, da autodeterminação informacional e do princípio da proporcionalidade em sentido estrito (artigo 8.º, n.ºs 2 e 3, 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, 35.º, todos da CRP, e artigo 8.º, da CEDH).

26.º
Noutra banda argumentativa, o tribunal recorrido estava legal (art.º 1.º, n.º 1, do CP) e constitucionalmente (art.º 29.º, n.º 1, da CRP) obrigado a conhecer (exaustivamente) toda a matéria ilícita – típica submetida à sua cognição (princípio da unidade ou da indivisibilidade do objecto do processo penal), na medida em que uma tal cognição corre no mesmo sentido do princípio da celeridade processual, e, reflexamente, das próprias garantias processuais de defesa do arguido (Neste sentido, Prof. João da Costa Andrade, Da Unidade e Pluralidade dos Crimes, Doutrina Geral e Crimes Tributários, Tese de Mestrado, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 206 e ss).

27.º
Porquanto, impendia sobre a douta decisão recorrida um mandado de esgotante apreciação daquele “pedaço de vida”, daquele “facto histórico unitário”, é dizer, daquele concreto e específico facto ilícito - típico sujeito à cognição do tribunal naquele processo penal (Referindo-se à valoração de todo o ilícito, como exigência da legalidade penal, Prof. José Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, Tese de Doutoramento, Porto, Universidade Católica Editora, 2005, pp. 958).

28.º
Eis que chegamos ao nódulo problemático da questão de (in) constitucionalidade material de que está enformada a dimensão normativa contida na douta decisão recorrida.

29.º
Conforme acima se deixou antecipado, impendia sobre o tribunal recorrido um mandado de esgotante apreciação do ilícito[15] submetido à sua cognição no presente processo penal, injunção, essa, que se projecta, como se acenou, na asserção de que o facto histórico unitário que se apresenta à cognição do tribunal é insusceptível de, em si mesmo tomado, ser truncado, redesenhado, e, por fim, extirpado das suas mais relevantes conexões de sentido jurídico - factuais (Sobre o mandado de esgotante apreciação do ilícito, Neste sentido, Prof. Faria Costa, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, Março – Abril 2002, pp. 366, Construção e Interpretação do Tipo Legal de Crime à luz do princípio da Legalidade: duas questões ou um só problema?).

30.º
O que significa, pois, que, o presente “pedaço de vida”, onde se inclui o segmento dos factos referente à detenção de arma proibida, enquanto acontecimento naturalístico, está enformado de uma “unidade de sentido social do acontecimento global(neste preciso sentido, na doutrina, Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Doutrina Geral do Crime, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, págs. 989, 1015 e 1017; na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/03/2011, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Manuel Braz, disponível em www.dgsi.pt), conjuntamente com os factos subjacentes aos tipos objectivos de ilícitos de roubo qualificado e de sequestro, sendo, pois, jurídico – penalmente contra – indicado a cisão teorética operada pelo tribunal recorrido, relativamente aos factos naturalísticos referentes ao tipo legal de crime de detenção de arma proibida.

31.º
Assim, a douta decisão recorrida ao eximir-se à cognição da matéria ilícita – típica relativa ao crime de detenção de arma proibida minimizou (para não dizer suprimiu) as razões imperativas de interesse geral para exigir a punição da arguida, relativamente a esse segmento dos factos (Neste sentido, Prof. Pedro Caeiro, Fundamento, Conteúdo e Limites da Jurisdição Penal do Estado, O caso português, Tese de Doutoramento, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 491).

32.º
O que significa que o tribunal recorrido ao furtar-se à obediência ao mandado de esgotante apreciação do ilícito que emerge do princípio da legalidade penal e que lhe era constitucionalmente imposto (art.º 29.º, n.º 1, do CP), derrogou a apreciação de factos naturalísticos que constituem uma unidade de sentido social com os restantes factos naturalísticos que compõem, outrossim, o mesmo facto histórico unitário a que se reportam os presentes autos, e, por aí, infringiu os cânones constitucionais que arrimam toda a actividade jurisdicional do tribunal recorrido (art.º 2.º, da CRP, art.º 111.º, n.º 1, da CRP, art.º 202.º, n.º 1, e 2, da CRP, art.º 203.º, da CRP).

33.º
Estando vedado, pois, ao tribunal recorrido alcançar um resultado interpretativo completamente ao arrepio do que legal e constitucionalmente lhe estava cometido: o conhecimento de toda a matéria ilícita típica submetida à sua cognição, no presente processo penal.

34.º
Assim, a dimensão normativa contida na douta decisão recorrida é materialmente inconstitucional, quando interpretada no sentido de que à luz do art.º 4.º, alínea a), do CP, os tribunais portugueses não são competentes em razão da nacionalidade para conhecer de todos os factos praticados em território português, por violação do princípio da legalidade (art.º 29.º, n.º 1, da CRP), e do princípio da protecção da confiança (art.º 2.º da CRP), que se desdobra do princípio do Estado de Direito Democrático (art.º 9.º, alínea b), da CRP).

35.º
A dimensão normativa contida na douta sentença recorrida padece dessoutro vício: o da violação do princípio do juiz natural (art.º 32.º, n.º 9, da CRP), e, decorrentemente, por um lado, da vulneração do princípio da legalidade (art.º 29.º, n.º 1, da CRP, art.º 1.º, n.º 1, do CP), na sua vertente de determinabilidade prévia, certa, estrita, da lei concretamente aplicável a cada caso concreto, e, por outro lado, da profanação do princípio da protecção da confiança (art.º 2.º, da CRP), que se desprende e autonomiza do princípio do Estado de Direito Democrático (art.º 9.º, alínea b), da CRP) - Neste sentido, sublinhando a importância vital do princípio da protecção da confiança nos quadros de um Estado de Direito Democrático, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 65/2010, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15/03/2010, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Pinto Ferreira, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/06/2009, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Teles Pereira, Acórdão do STJ, de 25/03/2010, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Hélder Roque, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/03/2010, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Gregório Jesus, disponíveis em www.dgsi.pt.

36.º
Associam-se, à vulneração do princípio do juiz natural[16], intervenções a posteriori sobre as regras de competência e divisão funcional que, de alguma forma, ponham em causa os critérios pré-fixados na lei, ou seja, a prévia fixação por lei de critérios objectivos gerais de repartição da competência (cf. sobre esta matéria, Prof. Figueiredo Dias ‘Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do ‘juiz natural’’, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111º, pp. 83 e segs.).

37.º
Com efeito, ao adoptar-se, em detrimento de outra, a visão interpretativa vertida na douta recorrida, no sentido de que os tribunais portugueses não são competentes, em razão da nacionalidade, para conhecer de todos os factos praticados no seu território, redesenhou a decisão recorrida as conexões jurídico – factuais tidas em vista pelo legislador ao erigir a previsão normativa e a estatuição condensada no art.º 4.º, alínea a), do Código Penal, e furtou-se à cognição conjunta do tipo legal de crime de roubo qualificado, do tipo legal de crime de sequestro, e do tipo legal de crime de detenção de arma proibida remetendo para a jurisdição estadual espanhola uma matéria que ab initio, e ab origine, lhe estava prévia, legal e naturalmente reservada (art.º 32.º, n.º 9, da CRP, art.º 29.º, n.º 1, da CRP, art.º 2.º, da CRP).

38.º
Assim, o critério normativo contido na douta decisão recorrida, é materialmente inconstitucional quando interpretado no sentido de que, no que respeita ao art.º 4.º, alínea a), do Código Penal, os tribunais portugueses não são competentes, em razão da nacionalidade, para conhecer de todos os factos praticados no seu território, por violação do princípio da protecção da confiança (art.º 2.º, da CRP), que se desprende e autonomiza do princípio do Estado de Direito Democrático (art.º 9.º, alínea b), da CRP), e por violação do princípio do princípio do juiz natural (art.º 32.º, n.º 9, da CRP).

39.º
Da Jurisprudência do Tribunal Constitucional resulta um efeito aditivo[17], quer em relação às decisões negativas (de constitucionalidade), quer em relação às decisões positivas (de inconstitucionalidade), o que significa que, conforme se deixou antecipado, resulta da análise dos referidos arestos jurisprudenciais do Tribunal Constitucional que existe um direito do arguido ao juiz pré-determinado, direito, esse, que fica prejudicado se um processo for subtraído indevida e injustificadamente àquele ao qual a lei o atribui para seu conhecimento, através da manipulação do texto das regras de distribuição de competências com manifesta arbitrariedade.

40.º
Assim, à prolação dos arestos do Tribunal Constitucional, seja no que se refere às decisões positivas (de constitucionalidade), seja no respeitante às decisões negativas (de inconstitucionalidade), vai sempre implicada uma reformulação ou releitura quer da previsão normativa, quer da estatuição da norma jurídica[18] (art.º 32.º, n.º 9, da CRP) submetida à cognição do Tribunal Constitucional (Neste sentido, Prof. Blanco de Morais, As sentenças com efeitos aditivos, As sentenças Intermédias da Justiça Constitucional, Estudos Luso-Brasileiros de Direito Público, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2009, pp. 34- 120).

41.º
O mesmo é dizer que, se o Tribunal Constitucional afirma – nos arestos mencionados – que existe um direito do arguido a um juiz pré - determinado, há como que uma incumbência do julgador dos tribunais comuns interpretar a norma jurídica analisada com um tal sentido hermenêutico, conferindo, como é mister, uma verdadeira eficácia normativa à constituição (Neste sentido, Prof. Lívia Maria Santana Vaz, (Des/Re) construindo a essência da Constituição através da força normativa, Revista “O Direito”, Ano 141, 2009, III, pp. 632).

42.º
Em rectas contas, é a consagração da figura doutrinal anglo-saxónica do distinguishing (Neste sentido, sobre a relevância do distinguishing, Prof. Pedro Moniz Lopes, O Valor Jurídico de decisões jurisprudenciais, Revista “O Direito”, Ano 140.º, 2008, III, pp. 695).

43.º
Assim, o tribunal recorrido violou o art.º 1.º, n.º 1, do CP, o art.º 4.º, alínea a), do CP, o art.º 7.º, n.º 1, do CP, o art.º 2º, nº 1, alínea ar), art.º 86º, nº 1, alínea c) e nº 2, todos da Lei nº 5/2006 de 23/02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 17/2009 de 6 de Maio, o art.º 2.º, da CRP, o art.º 9.º, alínea b), da CRP, o art.º 32.º, 1, da CRP, o art.º 32.º, n.º 2, da CRP, o art.º 32.º, n.º 9, da CRP, o art.º 29.º, n.º 1, da CRP, art.º 111.º, n.º 1, da CRP, art.º 202.º, n.º 1, e 2, da CRP, art.º 203.º, da CRP), art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, art.º 379.º, n.º 2, da CRP, art.º 54.º, da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen, o art.º 154.º, n.º 2 do CPP, o art.º 156.º, do CPP, o art.º 172.º, n.º 2 do CPP, o art.º 8.º, n.º 1, da Lei N.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, o art.º 205.º, n.º 1 da CRP, art.º 374.º, n.º 2, do CPP, art.º 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

44.º
Termos em que deve o recurso interposto ser julgado totalmente procedente, com a consequente revogação da douta decisão absolutória recorrida, substituindo-a por outra que ordene a remessa dos presentes autos à 1ª instância para a cognição conjunta de todos os crimes respeitantes aos mesmos e para a fundamentação expressa de decisão de recolha e extracção de ADN da arguida.»

5. – Notificada, a arguida não apresentou resposta ao recurso.

6.- Nesta Relação, o senhor magistrado do MP apresentou o seu parecer concluindo pela improcedência do recurso quanto à questão do reenvio prejudicial e pela sua procedência no tocante à falta de fundamentação da decisão que determinou a recolha de amostras de ADN da arguida.

7. – Notificado da junção daquele parecer, a arguida nada disse.

8. – A decisão recorrida (transcrição parcial)
«(…) Fundamentação de Facto

Realizado o julgamento, provaram-se os seguintes factos:

1- No dia 24 de Setembro de 2009, pelas 16 horas, B e A, dirigiram-se, mediante acordo, à “Farmácia xxx”, situada em Arronches, área desta comarca, munidos de uma arma de fogo caçadeira de canos cerrados, de marca Benelli, com o nº de série F064406, calibre 12, com o intuito de, mediante o uso de ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física de terceiros, e com ilegítima intenção de apropriação, subtraírem bens ou valores que não lhes pertenciam.

2- Para concretizar o propósito a que ambos se propuseram, o B entrou no estabelecimento comercial acima referido, ao passo que a arguida A. permaneceu dentro do veículo automóvel da marca Mercedes, de cor cinza escuro, com a matrícula -----ZO, esperando que aquele saísse do dito estabelecimento comercial, munido do produto da subtracção.

3- No interior do dito estabelecimento comercial, B encontrou C, empregada da farmácia, e apontando-lhe a arma, exigiu-lhe que lhe entregasse todos os valores existentes na caixa registadora da farmácia, e na sua mala pessoal.

4- Por temer pela sua vida e integridade física e sob a ameaça da referida arma de fogo, C entregou a sua mala a B, a qual continha objectos e valores monetários, tudo em valor não concretamente determinado.

5- Ainda com a arma apontada na direcção do seu corpo, e na sequência da sobredita exigência de B, C entregou-lhe uma caixa da farmácia, contendo dinheiro, e bem assim um cheque, titulando valor que não se logrou determinar, tudo de valor em concreto não determinado, mas nunca inferior a € 300,00 (trezentos euros), que não foi recuperado.

6- Naquelas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, B, empunhando a arma na direcção de D, dirigiu-se-lhe dizendo para que lhe entregasse todo o dinheiro que tinha na sua posse, tendo-lhe esta respondido que não tinha em seu poder qualquer quantia monetária.

7- No descrito arco temporal, alarmada com os gritos que provinham do interior da farmácia “xxx”, E, dirigiu-se à entrada do dito estabelecimento comercial, momento em que foi forçada por B, mediante a exibição da já referenciada arma de fogo, que foi apontada na direcção do seu corpo, a entrar e permanecer no interior do estabelecimento contra a sua vontade, ficando assim privada da sua liberdade de locomoção.

8- Depois de ter na sua posse os referidos objectos e valores, B saiu da Farmácia e entrando na viatura atrás identificada, onde se encontrava a ora arguida A., encetaram fuga em direcção a Espanha.

9- O B e a A. actuaram de forma livre e voluntária, mediante um plano por ambos traçado e em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de, com ilegítima intenção de apropriação para si, constrangerem as pessoas que se encontravam no interior da farmácia a entregarem-lhes os bens e valores que tivessem na sua posse, contra as respectivas vontades, recorrendo para tanto ao uso de uma caçadeira de canos cerrados, bem sabendo que ao empunharem a dita arma, apontando-a nas direcções dos respectivos corpos lhes incutiam medo, designadamente pelas suas vidas e integridades físicas, logrando deste modo apoderar-se dos descritos bens, contra a vontade dos legítimos proprietários, sendo que no que diz respeito a D, só não lograram satisfazer os seus propósitos em virtude desta, na altura, não ter consigo dinheiro, o que desconheciam.

10- A. sabia que o facto de deter, com B., uma caçadeira de canos cerrados, insusceptível de legalização, manifestação e registo em seus nomes, os impedia de licitamente a deter, o que representou mentalmente e quis realizar.

11- Os arguidos agiram consciente e livremente, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

12- Na sequência da fuga empreendida para Espanha, a arguida e B vieram a ser interceptados e detidos na localidade de Badajoz.

13- No Processo Abreviado que correu termos sob o nº 0000446/2009, no Tribunal Criminal Nº 002, de Badajoz, foi proferida a Sentença Número 405/09, na qual, e com relevância para os presentes autos, foram dados como provados os seguintes factos:

“(…) os arguidos A., maior de idade, de nacionalidade portuguesa, com o Bilhete de Identidade nº ---- e sem antecedentes criminais e B., de nacionalidade portuguesa, maior de idade, com o Bilhete de Identidade nº ---- e sem antecedentes criminais, pelas 17:30 hora do dia 24 de Setembro de 2009 circulavam pela estrada de Cáceres, na localidade de Badajoz, com o veículo Mercedes, matrícula portuguesa ----ZO, que tinha sido subtraído em Portugal ao seu legítimo proprietário António N. Os agentes policiais foram informados da presença dos arguidos já que os mesmos assaltaram uma farmácia na localidade de Esperança (Portugal), pelo que montaram um dispositivo para proceder a detenção dos mesmos. Ao aperceberem-se estes da presença policial, a arguida A. tentou, a grande velocidade, esquivar os mesmos e desta forma escapulir-se a sua intervenção desatendendo o sinal de alto dos agentes (…).

Ao proceder à sua detenção, entre outros objectos que se encontravam no veículo, foi apreendida uma espingarda de caça com os canos recortados, a qual tinha na recâmara um cartucho de bala de cor branco, assim como carregada com mais três cartuchos de cor vermelha. (…).

Devidamente analisada, trata-se de uma espingarda de caça semi automática de um cano, de marca Benelli, modelo Raffaello 121, calibre 12/70, de fabricação italiana e com o número de série F-064406, apresentando o cano serrado. Trata-se de uma arma proibida e capacitada para o disparo de cartuchos 12/70, armados quer com munição de perdigões quer com balas, dos quais foram apreendidos dezassete cartuchos semimetálicos. A mencionada arma foi subtraída em Portugal ao seu legítimo dono.

(…).
14- Com base nos descritos factos, proferiu aquele tribunal a seguinte decisão, já transitada em julgado:

Tendo em conta a moldura penal constante da acusação do Ministério Público, única parte acusadora e dada a conformidade dos arguidos e dos seus defensores, torna-se procedente ditar sentença segundo a acusação, já que os factos são constitutivos de um crime de posse ilícita de armas p e p no art. 563º do Código Penal (…).

(…)
Que por conformidade das partes, devo condenar e condeno a B e a A. como autores penalmente responsáveis de um crime de posse ilícita de armas p e p no art. 563º do Código Penal na pena de um ano de prisão assim como a uma inabilitação especial para o exercício do direito de sufrágio passivo durante o tempo de condenação: A. como autora penalmente responsável de um crime de resistência e coacção sobre funcionário (Agente da Autoridade) previsto e punido no art. 556º do Código Penal, na pena de seis meses de prisão assim como na inabilitação para o exercício do direito de sufrágio passivo durante o tempo de condenação”.

15- A arguida cumpriu a pena a que foi condenada no sobredito processo do Tribunal Criminal de Badajoz (um ano e seis meses de prisão).

16- A arguida A. nasceu em Faro, no seio de um agregado familiar de média condição social, e dinâmica familiar equilibrada nos relacionamentos entre os seus membros, o que proporcionou à arguida um desenvolvimento pessoal adequado.

17- A arguida iniciou o ensino na idade adequada, tendo concluído o 9º ano de escolaridade. Abandonou a escola, sem concluir o 10º ano, por desmotivação pelos estudos e desejo de iniciar o desempenho de actividade laboral. Aos dezasseis anos trabalhou durante um período de tempo num Parque Aquático e posteriormente, desenvolveu actividades de carácter indiferenciado e irregular, na área da restauração e comércio. Mais tarde decidiu efectuar inscrição no Centro de Novas Oportunidades, a fim de retomar a escolaridade e concluir o 12º ano, ensejo que não chegou a concretizar.

18- Aos vinte anos, a arguida A. conheceu B, quando este cumpria pena de prisão e beneficiava de uma licença jurisdicional. Contraiu matrimónio com o mesmo em 2009, contra a vontade dos progenitores, baseada, em grande parte na problemática aditiva daquele e nos seus antecedentes criminais. Aquando do casamento, B. encontrava-se em liberdade condicional, tendo recaído no hábito de consumo de estupefacientes e nas práticas delituosas.

19- À data dos factos em discussão, A. mantinha relacionamento marital com B., com quem vivia. Durante um período de tempo o casal coabitou junto do agregado familiar da progenitora de A., situação que se manteve até cerca de um mês antes da detenção desta (em Espanha), altura em que aquela mandou sair o genro de casa, devido aos problemas que ele causava. Nessas circunstâncias, A. decidiu acompanhar o marido, vindo a habitar em casa arrendada, cujos compromissos de arrendamento não conseguiu satisfazer.

20- A arguida continua a dispor, no exterior, do apoio dos seus pais, separados há oito anos e ambos com novos relacionamentos maritais, sendo que quando restituída à liberdade, a arguida integrará o agregado da progenitora, residente em Tunes. Este agregado, actualmente constituído pela progenitora, seu actual companheiro e pelo irmão da arguida, de vinte e sete anos, mostra-se inserido socialmente, apresentando uma dinâmica relacional adequada, revelando todos os seus elementos sentimentos de afecto para com A. e disponibilidade para a enquadrarem a nível afectivo e material. O progenitor mostra-se também disponível a apoia-la, havendo perspectivas de poder vir a desenvolver actividade laboral no restaurante de que é proprietário na localidade de Silves.

21- Aquando da sua prisão em Espanha – inicialmente em Badajoz e posteriormente em Salamanca – manteve uma conduta ajustada à situação e frequentou um curso de espanhol, uma formação de cuidados geriátricos e de prestação de cuidados básicos de saúde. Já no Estabelecimento Prisional de Odemira e no decurso da prisão preventiva, a arguida tem mantido um comportamento ajustado às normas da instituição, tendo estabelecido um relacionamento interpessoal adequado com companheiras e funcionários. Após ter desenvolvido actividade laboral inserida no grupo de etiquetagem do Estabelecimento Prisional, frequenta presentemente acção de formação na área de “Cidadania, Relacionamento Interpessoal e Parentalidade”.

22- Para além da condenação sofrida no âmbito do processo supra identificado, a arguida A. não tem inscrito no seu certificado de registo criminal qualquer outra condenação por prática de ilícito criminal.

**
Não se lograram provar quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:

A) Que o valor dos objectos e valores monetários que se encontravam na mala de C. tivessem o valor global de € 76,00 (setenta e seis euros).

B) Que na caixa pertencente à Farmácia xxxx se encontrasse o valor exacto de € 368,85 (trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos) e que o cheque de que acima se fala tivesse o valor inscrito de € 196,45.

C) Que B e A. tenham actuado mediante um plano previamente traçado, e em conjugação de esforços e intentos, com o propósito concretizado de, contra a vontade de E., forçar a mesma, mediante o uso de uma caçadeira de canos cerrados, a entrar e a permanecer no interior da Farmácia xxx, privando-a, assim, da sua liberdade de locomoção, o que representaram mentalmente e quiseram realizar.

**
Motivação da decisão de facto
(…)
Fundamentação de Direito

I. Do crime de roubo qualificado
(…)
III. Do crime de detenção de arma proibida

À arguida foi imputada, ainda, também em co-autoria, a prática dum crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos arts. 2º, nº 1, al. ar), 86º, nº 1 e nº 4, todos da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 17/2009 de 6 de Maio.

A punição destas condutas visa prevenir, essencialmente, a violação de bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida e/ou integridade física de qualquer pessoa.

Tal ilícito criminal integra a classe dos crimes de perigo abstracto, em que o tipo legal de crime já contém a definição da acção considerada pela lei potencialmente perigosa.

Neste tipo de crimes, a lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores, considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possam determinar ou que efectivamente determinem, o mesmo é dizer, que a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, mais concretamente, para o momento em que o perigo se manifesta.

Ou seja, nos crimes de perigo abstracto é a própria acção que é em si mesma considerada perigosa, segundo a experiência comum aceite pelo legislador. Assim, e no plano processual, nos crimes de perigo abstracto não é de exigir a prova da criação de uma concreta situação de perigo para determinados bens jurídicos, bastando fazer prova da acção típica.

Provou-se nos autos que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos na acusação, a arguida A e B. estavam munidos da arma de fogo caçadeira de canos cerrados, a qual foi usada para o cometimento dos factos supra descritos, nomeadamente, dos crimes de roubo.

Trata-se de arma transformada, que como tal, integra a classe A das armas (cfr. art. 3º, nº 2, al. l, da mencionada Lei 5/2006).

A arguida A. sabia que se tratava de arma insusceptível de ser legalizada, e por isso proibida, tendo agido de forma livre voluntária e consciente, sendo a sua conduta subsumível à previsão do art. 86º, nº 1, c), da Lei nº 5/2006, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, nos termos do qual, “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, (…), usar ou trouxer consigo:

(…)
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.

Provou-se igualmente nos autos, que imediatamente após a prática dos sobreditos crimes de roubo a arguida A. e B. encetaram fuga no veículo automóvel de marca Mercedes, de cor cinza escuro, com a matrícula ----ZO, em direcção a Espanha, onde vieram a ser interceptados, e detidos, como se alcança, alias, da decisão nº 405/09 proferida no âmbito do Processo Abreviado que correu termos sob o nº 0000446/2009, no Tribunal Criminal Nº 002, de Badajoz, na qual, e com relevância para os presentes autos, foram dados como provados os seguintes factos:

“(…) os arguidos A., maior de idade, de nacionalidade portuguesa, com o Bilhete de Identidade nº ------ e sem antecedentes criminais e B, de nacionalidade portuguesa, maior de idade, com o Bilhete de Identidade nº ---- e sem antecedentes criminais, pelas 17:30 hora do dia 24 de Setembro de 2009 circulavam pela estrada de Cáceres, na localidade de Badajoz, com o veículo Mercedes, matrícula portuguesa ----ZO, que tinha sido subtraído em Portugal ao seu legítimo proprietário António N. Os agentes policiais foram informados da presença dos arguidos já que os mesmos assaltaram uma farmácia na localidade de Esperança (Portugal), pelo que montaram um dispositivo para proceder a detenção dos mesmos. Ao aperceberem-se estes da presença policial, a arguida A. tentou, a grande velocidade, esquivar os mesmos e desta forma escapulir-se a sua intervenção desatendendo o sinal de alto dos agentes (…).

Ao proceder à sua detenção, entre outros objectos que se encontravam no veículo, foi apreendida uma espingarda de caça com os canos recortados, a qual tinha na recâmara um cartucho de bala de cor branco, assim como carregada com mais três cartuchos de cor vermelha. (…).

Devidamente analisada, trata-se de uma espingarda de caça semi automática de um cano, de marca Benelli, modelo Raffaello 121, calibre 12/70, de fabricação italiana e com o número de série F-064406, apresentando o cano serrado. Trata-se de uma arma proibida e capacitada para o disparo de cartuchos 12/70, armados quer com munição de perdigões quer com balas, dos quais foram apreendidos dezassete cartuchos semimetálicos. A mencionada arma foi subtraída em Portugal ao seu legítimo dono”.

Tendo por base a descrita factualidade foi proferida sentença naquele processo, já transitada em julgado, onde se decidiu, que:

“Tendo em conta a moldura penal constante da acusação do Ministério Público, única parte acusadora e dada a conformidade dos arguidos e dos seus defensores, torna-se procedente ditar sentença segundo a acusação, já que os factos são constitutivos de um crime de posse ilícita de armas p e p no art. 563º do Código Penal (…).

(…)
Que por conformidade das partes, devo condenar e condeno a B. e a A. como autores penalmente responsáveis de um crime de posse ilícita de armas p e p no art. 563º do Código Penal na pena de um ano de prisão assim como a uma inabilitação especial para o exercício do direito de sufrágio passivo durante o tempo de condenação: A. como autora penalmente responsável de um crime de resistência e coacção sobre funcionário (Agente da Autoridade) previsto e punido no art. 556º do Código Penal, na pena de seis meses de prisão assim como na inabilitação para o exercício do direito de sufrágio passivo durante o tempo de condenação”.

O crime de detenção de arma proibida é um crime de execução continuada, porquanto a detenção ilícita da(s) arma(s) mantém-se enquanto perdurar o acto de detenção. Nestes casos, em que se verifica uma homogeneidade de conduta reprodutível a uma mesma prática prolongada no tempo, a conduta é unificada a um só crime de execução continuada, ou a um crime de trato sucessivo, como também é habitualmente denominado.

No caso dos autos, e tendo em atenção a acusação pública, a imputação do crime de detenção de arma proibida à arguida A., abarca todo o período de tempo em que perdura o acto da detenção, isto é, desde o momento imediatamente anterior à consumação dos crimes de roubo (antes de chegarem à farmácia, a arguida e B. já estavam munidos da arma), até à fuga empreendida para Espanha.

Mas os autos evidenciam mais. Depois de entrar em território espanhol, a arguida manteve a detenção da arma até ao momento em que foi interceptada e detida, o que ocorreu na sequência do alerta das entidades policiais, dado após o roubo, e como consequência de dispositivo policial montado para intercepção da arguida e do seu marido B., co-autor dos crimes de roubo.

É com a intercepção da arguida que cessa o acto de detenção de arma proibida.

Além de ser inequívoca a homogeneidade da conduta da arguida, prolongada no tempo, revelam também os factos emergentes da prova produzida em julgamento uma só resolução criminosa: a arguida A. sabia que detinha e quis deter ao longo de todo aquele período temporal, a dita arma proibida, quer em território Português, quer em Espanha.

Em Espanha, e na consequência da sua detenção, A. foi sujeita a julgamento, tendo sido condenada pelo crime de posse ilícita de armas p e p no art. 563º do Código Penal, a pena de prisão efectiva, que cumpriu.

Analisado o acervo factual que sustentou a dita condenação da arguida, verificamos que a mesma assenta em descrição que remonta a período anterior àquele que antecedeu a sua detenção e a apreensão dos objectos que a arguida e B. tinham na sua posse, nomeadamente, no interior do veículo onde se faziam transportar, sendo referido que a detenção ocorreu na sequência de alerta dado após a prática do roubo e a fuga da arguida na direcção de Espanha, o que levou à montagem de dispositivo policial destinado a capturar a arguida e aquele outro indivíduo.

Por crime deve entender-se certa conduta ou comportamento, o acontecimento histórico que por preencher determinados pressupostos da lei penal constitui um ilícito criminal.

Seguindo os ensinamentos de Germano Marques da Silva[19], “o crime deve considerar-se o mesmo quando exista parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar e que ambos os factos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção em que se integrem na outra, um todo do ponto do vista jurídico”.

No caso vertente, e como já tivemos oportunidade de salientar, é inequívoca a homogeneidade da conduta da arguida desde o momento em que é conhecido o acto da detenção, até ao momento em que ocorre a sua cessação, que coincide com a sua detenção, em Espanha, sendo que o hiato temporal entre um e outro momento é extremamente curto (uma hora e trinta minutos, para sermos precisos). É, também, inequívoco, que caso a arguida tivesse sido detida em território português, só poderia ser responsabilizada criminalmente pela prática dum único crime de detenção de arma proibida. Ora, não é a simples transposição da linha delimitadora de dois territórios, que integram, inclusivamente, a União Europeia, que vai alterar esta situação, porquanto a homogeneidade da conduta da arguida não é minimamente quebrada, truncada, pelo simples facto de a determinado momento passar a estar sob a alçada jurídica dum outro país soberano, que actua, aliás, após o alerta dado na sequência de factos criminosos praticados em Portugal.

Pelo exposto, não temos dúvidas que estamos perante um único facto, um único acontecimento histórico, e que a conduta que aqui fomos chamados a julgar é uma componente daquela que já foi submetida a julgamento no Tribunal Criminal de Badajoz, com ela formando um todo jurídico, subsumível a um só ilícito criminal, ao crime de detenção de arma proibida, pelo qual a arguida foi ali definitivamente condenada.

De acordo com o disposto no art. 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

O princípio ne bis in idem consagrado na sobredita disposição legal, “comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo), (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgados pelo mesmo facto”[20].

O pressuposto processual do caso julgado conforma um efeito negativo que se traduz em impedir um novo julgamento da mesma questão. Verifica-se necessariamente a excepção de caso julgado (material) quando existe identidade de factos ou objecto do processo, identidade do acusado e decisão definitiva, transitada em julgado.

No caso, estão verificados todos estes pressupostos: a) o facto em discussão é parte componente daquele que já foi objecto de apreciação pelo Tribunal de Badajoz, com ele formando o acontecimento global e relevante do ponto de vista jurídico; b) a arguida é a mesma (em Badajoz foi julgada com o arguido B., aqui só não o foi, devido à separação de processos determinada em fase de investigação); c) a sentença condenatória proferida pelo Tribunal Criminal de Badajoz transitou em julgado e a arguida cumpriu a pena a que foi condenada (um ano e seis meses de prisão).

Está deste modo esgotado o direito de perseguir criminalmente a arguida quanto ao crime de detenção de arma proibida, sob pena de violação do sobredito preceito constitucional que consagra um princípio basilar do Estado de Direito e que tem também consagração em textos internacionais, nomeadamente, no Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos (cfr. art. 14º, nº 7), e com especial relevo para o caso sub iudice, no seio da União Europeia, na Convenção de Aplicação do Acordo Schengen, que no seu art. 54º dispõe: “Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma acção judicial intentada por uma outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja actualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão foi proferida”.

Pelo exposto, mostrando-se preenchidos os pressupostos da excepção de caso julgado caso julgado e, bem assim, os pressupostos na norma acabada de citar, impõe-se a absolvição da arguida A. quanto ao crime de detenção de arma proibida.

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. - Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal de recurso.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões da motivação do MP recorrente, vem este arguir a nulidade de sentença com dois fundamentos distintos, respeitantes a questões igualmente diversas.

1.1. - Em primeiro lugar, o MP recorrente vem arguir a nulidade de sentença prevista no art. 379º nº1 al. c) do CPP, na modalidade de omissão de pronúncia. Entende, para tanto, que antes de, eventualmente, absolver a arguida do crime de detenção de arma proibida que lhe vinha imputado, por força do princípio ne bis in idem, em virtude de esta arguida já sido condenado com trânsito em julgado pelos mesmos factos, por um tribunal espanhol, o tribunal a quo devia ter suscitado a questão do reenvio prejudicial para o Tribunal de justiça da UE, o que não fez, nem sequer para afastar tal possibilidade. Entende ainda o recorrente a este propósito que ao absolver o arguido daquele crime com o referido fundamento, o tribunal a quo deixou de apreciar no acórdão todos os factos praticados em território português, violando o mandado de esgotante apreciação do ilícito, com o que também por esta razão incorreu na nulidade de omissão de pronúncia.

1.2. – Em segundo lugar, o MP recorrente argui a nulidade de sentença por falta de fundamentação, nos termos do art. 379º nº1 a) e 374º nº2, do CPP, em virtude de o tribunal a quo ter determinado que se procedesse à recolha de amostras tendo em vista a obtenção de perfil de ADN da arguida e a sua introdução na base de dados de perfis de ADN, conjuntamente com os seus dados pessoais, sem qualquer fundamentação material sobre a proporcionalidade, necessidade e adequação da referida extração e recolha de ADN.

Na medida em que o acórdão recorrido cita, sem mais explicações, os nºs 1 e 2 do art. 8º da Lei 5/2008 de 12 de fevereiro, pode entender-se que o tribunal recorrido considerou ser aplicável ao despacho judicial previsto em ambos os preceitos a remissão expressa do nº1 do art. 8º para o art. 172º do CPP.

A ser assim, seria manifesta a falta de ponderação do tribunal recorrido sobre a necessidade de realização da recolha de amostra – e a consequente nulidade de sentença -, à luz dos pressupostos considerados pelo próprio tribunal recorrido, uma vez que o nº1 do art. 8º remete expressamente para o art. 172º do CPP e este remete ainda para o art. 154º nº2 do CPP, que impõe que o juiz deva ponderar sobre aquela mesma necessidade, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado.

Todavia, independentemente do que o tribunal recorrido tenha tido em mente ao citar os nºs 1 e 2 do art. 8º da Lei 5/2008, o que importa decidir no presente recurso é se - de acordo com os elementos clássicos da interpretação e, em todo o caso, em face do princípio da interpretação conforme à constituição -, o juiz de julgamento tem que fundamentar materialmente a sua decisão nos casos previstos no nº2 do art. 8º, do ponto de vista da respetiva necessidade proporcionalidade, necessidade e adequação. O que, aliás, tem suficiente expressão no modo amplo como o MP recorrente coloca a questão, considerando ser materialmente inconstitucional a interpretação - que o acórdão recorrido terá feito - no sentido de os arts. 8º, nºs 1 e 2, e 18º, nº 3, da Lei nº 5/2008 de 12 de Fevereiro dispensarem a referida ponderação, por violação do direito à reserva da intimidade (genética) da vida privada, do livre desenvolvimento pessoal e da autodeterminação informacional (artigos 8º nº2 e 3, 16º nº1, 18º nº2, 26º e 35º, da CRP e art. 8º da CEDH.

1.3. – São, assim, aquelas as duas questões a decidir, em resultado das quais o MP recorrente entende que deve ser revogado o acórdão recorrido na parte em que absolveu a arguida do crime de detenção de arma proibida, ordenando-se a remessa dos autos à 1ª instância para que se determine o reenvio prejudicial da questão referida ao Tribunal de Justiça da UE, nos termos e para efeitos do disposto no art. 54º do CAAS, procedendo, subsequentemente, à condenação a arguida pelo referido crime, devendo os autos ser remetidos à 1ª instância igualmente para que seja expressa e materialmente fundamentada a decisão de recolha e extração de ADN da arguida, suprindo-se assim a dita nulidade de sentença por falta de fundamentação.

2. Decidindo
2.1 – Do reenvio prejudicial – omissão de pronúncia.

Conforme aludido no relatório do presente acórdão e se refere no parecer do senhor magistrado do MP nesta Relação, no recurso interposto da decisão de 1ª instância que conheceu da responsabilidade penal de B. pela prática em co-autoria dos mesmos factos pelos quais a ora arguida e recorrida vem condenada, foi já suscitada e decidida a questão do reenvio prejudicial, por acórdão de 6.12.2011, transitado em julgado, no processo com o NUIPC 1536/09.3GDLSB.E1, acessível em www.dgsi.pt/jtre, que tem como relatora a senhora desembargadora Ana Maria Brito e como adjunto o ora relator.

No tratamento e decisão da presente questão seguiremos, pois, de muito perto aquele mesmo acórdão, de que reproduziremos – com a devida vénia – o essencial da respetiva fundamentação, uma vez que a questão é precisamente a mesma, encontrando-se ali decidida de forma particularmente bem fundamentada, sendo igualmente os mesmos os sujeitos processuais que nele intervêm, pois ocorreu separação dos processos para julgamento em separado.

2.1.1. – Nesta parte, o recurso circunscreve-se à absolvição da arguida pelo crime de detenção de arma proibida (art. 2° n° 1 alínea a), art. 86° n° 1 alínea c) e n° 2 da Lei nº 5/2006 de 23/02), com fundamento em que estamos perante os mesmos factos ou o mesmo crime pelo qual aquela havia sido condenada em Espanha.

O MP recorrente não põe em causa o critério jurídico com base no qual o tribunal a quo decidiu, no estrito plano do direito interno, verificar-se identidade de facto e de crime, considerando antes que o tribunal recorrido olvidou o essencial: a aplicação, no caso vertente, do princípio ne bis in idem na união europeia e, consequentemente, a imperiosa necessidade de suscitar o reenvio prejudicial no que tange a esse segmento dos factos.

Relativamente aos factos, ficou provado que “No dia 24 de Setembro de 2009, pelas 16 horas, B. e A., dirigiram-se, mediante acordo, à “Farmácia xxx”, situada em Arronches, área desta comarca, munidos de uma arma de fogo caçadeira de canos cerrados, de marca Benelli, com o nº de série F064406, calibre 12, com o intuito de, mediante o uso de ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física de terceiros, e com ilegítima intenção de apropriação, subtraírem bens ou valores que não lhes pertenciam.
(…)

10- A. sabia que o facto de deter, com B., uma caçadeira de canos cerrados, insusceptível de legalização, manifestação e registo em seus nomes, os impedia de licitamente a deter, o que representou mentalmente e quis realizar.
(…)
12- Na sequência da fuga empreendida para Espanha, a arguida e B. vieram a ser interceptados e detidos na localidade de Badajoz.

13- No Processo Abreviado que correu termos sob o nº 0000446/2009, no Tribunal Criminal Nº 002, de Badajoz, foi proferida a Sentença Número 405/09, na qual, e com relevância para os presentes autos, foram dados como provados os seguintes factos:

“(…) os arguidos A., maior de idade, de nacionalidade portuguesa, com o Bilhete de Identidade nº ---- e sem antecedentes criminais e B., de nacionalidade portuguesa, maior de idade, com o Bilhete de Identidade nº ---- e sem antecedentes criminais, pelas 17:30 hora do dia 24 de Setembro de 2009 circulavam pela estrada de Cáceres, na localidade de Badajoz, com o veículo Mercedes, matrícula portuguesa ---ZO, que tinha sido subtraído em Portugal ao seu legítimo proprietário António N. Os agentes policiais foram informados da presença dos arguidos já que os mesmos assaltaram uma farmácia na localidade de Esperança (Portugal), pelo que montaram um dispositivo para proceder a detenção dos mesmos. Ao aperceberem-se estes da presença policial, a arguida A. tentou, a grande velocidade, esquivar os mesmos e desta forma escapulir-se a sua intervenção desatendendo o sinal de alto dos agentes (…).

Ao proceder à sua detenção, entre outros objectos que se encontravam no veículo, foi apreendida uma espingarda de caça com os canos recortados, a qual tinha na recâmara um cartucho de bala de cor branco, assim como carregada com mais três cartuchos de cor vermelha. (…).

Devidamente analisada, trata-se de uma espingarda de caça semi automática de um cano, de marca Benelli, modelo Raffaello 121, calibre 12/70, de fabricação italiana e com o número de série F-064406, apresentando o cano serrado. Trata-se de uma arma proibida e capacitada para o disparo de cartuchos 12/70, armados quer com munição de perdigões quer com balas, dos quais foram apreendidos dezassete cartuchos semimetálicos. A mencionada arma foi subtraída em Portugal ao seu legítimo dono.

(…).
14- Com base nos descritos factos, proferiu aquele tribunal a seguinte decisão, já transitada em julgado:

“(…) , devo condenar e condeno a B e a A. como autores penalmente responsáveis de um crime de posse ilícita de armas p e p no art. 563º do Código Penal na pena de um ano de prisão assim como a uma inabilitação especial para o exercício do direito de sufrágio passivo durante o tempo de condenação: (…) ”.

15- A arguida cumpriu a pena a que foi condenada no sobredito processo do Tribunal Criminal de Badajoz (um ano e seis meses de prisão).

Em síntese e remetendo para o citado acórdão do TRE de 6.12.2011 para mais cabal fundamentação, (Início de transcrição) “…os factos que o próprio M.P. logo autonomizou na acusação, no momento em que por sua iniciativa e responsabilidade construiu o objecto do processo, e tratou como autonomamente subsumíveis a um tipo de crime – de detenção de arma proibida – são exactamente os mesmos factos apreciados em Espanha – factos-com-conteúdo-normativo e não exclusivamente naturalísticos.
(…)

Os factos da condenação recorrida e os factos julgados em Espanha preenchem por uma vez o mesmo tipo de crime (art. 30º, nº1 do CP) pelo que estamos aqui em presença de um só crime – e do mesmo crime - de detenção de arma proibida.

Devidamente individualizado o crime da absolvição – ele concorre efetivamente com os crimes da condenação, deles se autonomizando, e é o mesmo crime apreciado em Espanha – estamos em condições de afirmar que o nosso processo trata dos mesmos factos pelos quais a arguida já foi condenada por um Tribunal espanhol e já cumpriu pena”.

2.1.2. - .Assim, como continua a ler-se no acórdão do TRE de 6.12.2011 supracitado:

- «Dispõe o art. 54º da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen que “Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma ação judicial intentada por uma outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja atualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão foi proferida”.

Ora a situação de facto demonstra inequivocamente que a arguida foi definitivamente julgada e que a sanção respetiva se encontra cumprida. Assim o reconhece e declara o Estado Espanhol e como tal consta dos factos provados.

(…)
No entanto, o reenvio prejudicial nunca seria obrigatório para o tribunal subalterno, e sim meramente facultativo, como decorre do art. 234º do Tratado CE.

Na disciplina desta norma, sempre que uma questão sobre a interpretação do Tratado seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional dos Estados-Membros, “esse órgão pode, se considerar que essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.”

No entanto, “Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça”.

Não há uniformidade na interpretação a dar à expressão “órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso”, e na consequente determinação de quem sejam os destinatários desta obrigação de reenvio. Convivem essencialmente duas posições: uma, no sentido de só abranger os Supremos Tribunais e a outra, no sentido de abranger também todo o tribunal que julgue em última instância - as Relações e/ou mesmo os tribunais de 1ª instância quando conheçam de matéria insusceptível de recurso (v. Nogueira Serens, A Obrigação de Reenvio Prejudicial decorrente do art. 234º, §3º do Tratado CE, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. C. Ferreira de Almeida, IV, 629-635).

António Henriques Gaspar defende que “a nível interno, e dependendo só de regras de processo nacionais, poder-se-á pensar em alguma intervenção de filtragem pelos supremos tribunais, nos casos em que, segundo as regras dos recursos, a questão possa ser levada ao conhecimento das jurisdições superiores” (António Henriques Gaspar, “O Direito Europeu em Acção – A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, in Justiça Nacional Justiça Europeia, 2010.47)

Formalmente identificada uma situação de reenvio prejudicial, e aceitando-nos, no caso, como destinatários da obrigação imposta pelo art. 234º, importa decidir se também materialmente – e não apenas formalmente – se verifica uma situação de reenvio prejudicial obrigatório.

O reenvio prejudicial serve a interpretação e a aplicação uniforme do direito comunitário e garante aos cidadãos comunitários o acesso à justiça comunitária.

E sendo comummente reconhecido aos tribunais portugueses o (bom) cumprimento das suas obrigações europeias, nas quais se incluem a aplicação do direito comunitário material, é-lhes no entanto apontado o pouco uso do reenvio prejudicial, o que os números parecem revelar. Mas se, por um lado, se pode justificar um esforço no sentido de incentivar o cumprimento desta obrigação decorrente dos Tratados, não podemos deixar de acompanhar os sinais dados pelo próprio Tribunal de Justiça – com elevadas pendências processuais, inimigas do cumprimento do prazo razoável - no sentido de uma racional contenção, ou pelo menos de um uso não irrestrito do reenvio prejudicial. O que levou já à observação de Jacobs, de que se impõe que “tanto os órgãos jurisdicionais nacionais como o Tribunal façam, na medida mais ampla possível, um esforço de auto-limitação” (in Nogueira Serens, loc. cit., p. 640). Pois, como observa Narciso da Cunha Rodrigues, também a propósito do Tribunal de justiça, “A realidade ensina-nos que os tribunais funcionam tanto melhor quanto menos forem solicitados” (Cunha Rodrigues, Alguns Temas e Múltiplos Desafios, in Justiça Nacional Justiça Europeia, 2010, org. Eduardo Paz Ferreira, p. 19)

Isto para dizer que o nosso reconhecimento como destinatários obrigatórios do reenvio prejudicial não implicará automaticamente o seu exercício efectivo, antes se exigindo a interpretação das normas e dos princípios no caso concreto e à luz da jurisprudência do Tribunal, da qual resultam claros sinais no sentido da existência de limites à obrigação do reenvio prejudicial. Reconhecendo embora a actualidade da recomendação de Nuno Piçarra: “Da conjugação da jurisprudência Kobler e Cilfit resulta que um tribunal que decida em última instância (…) deve avaliar com muita prudência a desnecessidade de efectuar um reenvio prejudicial, não podendo, salvo quando uma questão materialmente idêntica já tiver sido decidida pelo TJ, resolvê-la ex officio pela simples invocação, sem fundamentação adicional, da clareza da norma comunitária em questão” (A Europeização dos Tribunais Portugueses, I.P.R.I., U.N.L., working paper 18, p. 12).

Só no caso de o reenvio se justificar materialmente o compreendemos como também formalmente obrigatório. A obrigatoriedade decorre, desde logo, da verificação cumulativa de duas circunstâncias: necessidade do recurso ao direito comunitário para a resolução da causa e existência de um problema de interpretação desse direito.

Mas mesmo admitindo que o recurso ao direito comunitário - ao art. 54º da CA.A.S. - é necessário à decisão da causa, consideramos que não se justifica, no caso, essa obrigatoriedade.

Senão, vejamos.

Conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça, “pode acontecer que essa obrigação perca a sua razão de ser e fique destituída de conteúdo. Isto acontece, designadamente, quando a questão suscitada é materialmente idêntica a outra questão suscitada em processo análogo e já decidida a título prejudicial” (Ac. Da Costa en Schaake de 227.05.63, in Nogueira Serens, loc. cit., p. 637).

Tendo mesmo já reconhecido, expressamente, o Tribunal que “a correcta aplicação do direito comunitário pode impor-se com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada”, considerando ser de afastar em tal situação a obrigação do reenvio (Ac. CILFIT, in Nogueira Serens, loc. cit., p. 638).

E é o que consideramos ser o caso.

Com efeito, a respeito na norma comunitária sub judice, no Ac. de 18.07.2007, proc. C-288/05 contra Junger Kretzinger, o Tribunal de Justiça decidiu: “O art. 54º da C.A.A.S. deve ser interpretado no sentido de que: – o critério pertinente para efeitos da aplicação do referido artigo é o da identidade dos factos materiais entendida como a existência de um conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido”. E quanto à interpretação de pena cumprida ou em curso de execução, considerou-se neste mesmo acórdão que nela também se compreende a condenação em pena suspensa.

Também no Ac. de 28.09.2006, proc. C-150/05, Van Straaten, entendera que “O art. 54º da C.A.A.S. deve ser interpretado no sentido de que o critério relevante para efeitos da aplicação deste artigo é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido”. Aí se considerando, ainda, que o ne bis in idem consagrado no art. 54º “que tem por objetivo evitar que uma pessoa, por exercer o seu direito de livre circulação, seja objeto de acção penal pelos mesmos factos no território de vários estados contratantes” se aplica a uma decisão de um estado contratante que absolve um arguido por falta de provas.

E a 09.03.2006, no Proc. C-436/04 contra Van Esbroeck, se decidiu que “o critério relevante para efeitos da aplicação do referido artigo é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido

Neste se acrescentara, também com interesse para a nossa decisão, que “a apreciação definitiva da identidade dos factos materiais cabe às instâncias nacionais competentes, que deverão determinar se os factos materiais em causa constituem um conjunto de factos indissociavelmente ligados no tempo, no espaço e pelo seu objeto”, revelador de que aquilo que se pode pedir ao Tribunal não é que decida o caso concreto.

Por último, o Ac. de 18.07.2007, Proc. C-367/05, contra Norma Kraaijenbrink, que reiterara “O Tribunal de Justiça já declarou que o único critério relevante para efeitos da aplicação art. 54º da C.A.A.S. é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligados entre si. Daqui decorre que o ponto de partida da apreciação do conceito de mesmos factos na aceção do art. 54º consiste na tomada em consideração de forma global, dos comportamentos ilícitos concretos que deram lugar a ações penais nos órgãos jurisdicionais dos dois Estados contratantes. Assim o art. 54º só se pode tornar aplicável quando a instância chamada a conhecer da segunda ação penal declare que os factos materiais estão ligados entre si, no tempo, no espaço e pelo seu objeto, pelo que formam um conjunto indissociável(todos Acs. integram o reportório de jurisprudência, in Mário Ferreira Monte, O Direito Penal Europeu, De “Roma” a “Lisboa”, 2009, p.373 ss).

Foi precisamente essa unidade e indissociabilidade que começámos por reconhecer, na materialidade do nosso caso. E, para além dela, se bem que não indispensável para a interpretação do sentido destes mesmos factos, ainda a identidade de tipo de crime e de bem jurídico protegido.

A identidade é, pois, total. A interpretação do direito comunitário convocável (feita pelo Tribunal) é conhecida e abundante, pelo que, num diagnóstico de deteção do ato claro, se considera dispensável o reenvio prejudicial e, como tal, não obrigatório.

Por último, refira-se que a proibição do ne bis in idem consagrada no art. 54º da C.A.A.S. resultaria também do direito interno. E à mesma solução teríamos chegado por via de estrita aplicação do direito nacional.

O art. 29º, nº5 da CRP impede que uma mesma questão seja de novo apreciada, proibindo que se seja julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. E para concluirmos que se tratava, no caso, do mesmo crime, procedeu-se à concretização casuística da norma do direito interno, que passou, afinal, pelo sentido que o Tribunal de Justiça reconhece à expressão de direito comunitário “mesmos factos”.

Sendo ainda que, no caso, não se trataria verdadeiramente de um efeito do direito comunitário sobre o direito interno – nem positivo, nem negativo ou “de neutralização” da norma jurídica interna, conducente a uma sua eventual inaplicabilidade – pois inexiste, como se viu, qualquer contradição entre a norma interna e o direito comunitário, nem com as suas normas, nem com seus princípios (sobre o tema, Anabela Miranda Rodrigues, O Direito Penal Emergente, 2008, p. 87 a 100).

Cremos dar assim, também, seguimento ao sentido das palavras de António Henriques Gaspar: “A reordenação da Europa das jurisdições tem, por isso, de repousar mais nas jurisdições nacionais – não apenas na proclamação simbólica do juiz nacional como primeiro juiz do Direito Europeu, mas na consideração efectiva das jurisdições nacionais na centralidade real da jurisdição da União e do seu direito. (…) Impõe-se que as jurisdições nacionais usem de um particular rigor na utilização do mecanismo de reenvio prejudicial. (…) Os tribunais nacionais devem fazer tudo o que for necessário para garantir que o reenvio opera do modo mais eficiente e eficaz possível. (…) O problema central relativamente ao uso adequado do reenvio prejudicial está na precisa determinação da pertinência da questão e na necessidade de interpretação. As jurisdições nacionais devem proceder a uma rigorosa avaliação dos pressupostos do reenvio. Mais do que a necessidade, que constitui um critério ou pressuposto situado ainda nos limites interiores da metodologia de interpretação, tributária do case law e da doutrina do “acto claro”, a pertinência ou relevância do direito da União para a decisão do caso constitui a questão central” (António Henriques Gaspar, loc. cit., p. 46-48)

Por tudo, e concluindo, se considera que:

- Não ocorre a pretendida nulidade de sentença por omissão de pronúncia (art. 379º, nº1-c) e 2 do CPP), já que o reenvio prejudicial sempre seria facultativo para o tribunal de 1ª instância e tal questão não lhe fora expressamente apresentada por nenhum dos sujeitos processuais - M.P. ou arguida;

- Não foi violado o princípio da legalidade nem preterido o mandado de esgotante apreciação do ilícito, já que o tribunal conheceu de todos os factos objeto do processo, concluindo que parte deles não poderiam conduzir a condenação e sim a absolvição, sobre todos eles se tendo pronunciado e decidido, portanto;

- Não foi violado, em consequência, qualquer preceito ou princípio constitucional;

- Não se encontra violado, em suma, nenhum dos preceitos legais indicados pelo recorrente (art.º l.º, n.º 1, do CP, o art.º 4.º, alínea a), do CP, art.º 7.º, n.º 1, do CP, o art,º 2º, nº 1, art.º 86º, nº 1, alínea c) e nº 2, todos da Lei nº 5/2006 de 23/02, o art. 2.º, da CRP, o art.º 9.º, alínea b), da CRP, o art.º 32.º 1 da CRP, o art.º 32.º, n.º 2 da CRP, o art.º 32.º, n.º 9 da CRP, o art.º 29.º, n.º 1 da CRP, art.º 111.º, n.º 1 da CRP, art.º 202.º, n.º 1 e 2 da CRP, art.º 203º, da CRP, art. 379.º, n.º 1 alínea c), do CPP art.º 379.º, n.º 2 da CRP, art 54.º, da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen)

Visando o art. 54º do C.A.A.S., na palavra do Tribunal de Justiça, “evitar que uma pessoa, por exercer o seu direito de livre circulação, seja objeto de ação penal pelos mesmos factos no território de vários estados contratantes”, e tendo em conta o conteúdo da decisão (absolutória) a que já chegara o tribunal de julgamento, parece-nos que sempre seria discutível a utilidade do reenvio prejudicial.» - FIM DE TRANSCRIÇÃO.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.

Vejamos agora a segunda questão suscitada.

2.2. – Da invocada nulidade de sentença por falta de fundamentação.

Como referido na delimitação do objeto do recurso, o MP recorrente vem ainda arguir a nulidade de sentença por falta de fundamentação (art. 379º nº1 a) e 374º nº2, CPP), da parte do acórdão recorrido que, no respetivo dispositivo, determinou “…que após trânsito em julgado da presente decisão e nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 8º, nºs 1 e 2, e 18º, nº 3, da Lei nº 5/2008 de 12 de Fevereiro, se proceda à recolha de amostras tendo em vista a obtenção de perfil de ADN da arguida e a sua introdução na base de dados de perfis de ADN, conjuntamente com os seus dados pessoais”.

Tal como se enfatiza na motivação de recurso, o acórdão recorrido nada mais diz sobre a recolha de amostras para além do que consta no trecho transcrito do dispositivo, onde limita a sua fundamentação à citação das normas legais aí citadas, não emitindo qualquer juízo de ponderação sobre a proporcionalidade, necessidade e adequação da referida extração e recolha de ADN.

O MP entende que a interpretação que o acórdão recorrido terá feito dos arts. 8º, nºs 1 e 2, e 18º, nº 3, da Lei nº 5/2008 de 12 de Fevereiro, no sentido da desnecessidade daquela ponderação no caso presente, implica a inconstitucionalidade material dos citados nºs 1 e 2 do art. 8º, por violação do direito à reserva da intimidade (genética) da vida privada, do livre desenvolvimento pessoal e da autodeterminação informacional (artigos 8º nº2 e 3, 16º nº1, 18º nº2, 26º e 35º, da CRP e art. 8º da CEDH).

Conclui que aquela decisão carece de ser materialmente fundamentada na existência de grave perigo de continuação criminosa ou outros perigos relevantes, pedindo que este tribunal de recurso ordene a remessa dos autos à 1ª instância para a fundamentação expressa de decisão de recolha e extração de ADN da arguida.

Daqui resulta, em síntese, que o MP recorrente não pugna pela desaplicação do nº2 do art. 8º com fundamento na sua inconstitucionalidade material, mas antes pela interpretação daquela norma em conformidade com a Constituição, a qual, no seu entendimento jurídico da questão, impõe que o despacho do juiz de julgamento deve fundamentar materialmente a recolha de amostra nos casos a que se refere aquele mesmo art. 8º nº2. Embora não o afirme expressamente, pressupõe-se, assim, ser seu entendimento que o teor da norma questionada comporta a interpretação perfilhada, para além de considerar que na interpretação refletida na decisão recorrida, o nº2 do art. 8º é materialmente inconstitucional.

Invoca a favor do seu entendimento jurisprudência nacional e do TEDH, bem como doutrina nacional e estrangeira, sendo ainda acompanhando pelo parecer do senhor magistrado do MP nesta Relação.

Vejamos.

Para apreciação da questão nuclear colocada, ou seja, a invocada inconstitucionalidade material do nº2 do art. 8º na interpretação que a decisão recorrida reflete, começaremos pelo enquadramento da disposição normativa em crise e do diploma em que se insere.

2.2.1. - A Lei 5/2008 de 12.02 (diploma a que se referem os artigos citados sem outra indicação) aprovou a criação, para fins de identificação civil e investigação criminal, de uma base de dados de perfis de ADN, definindo regras de inserção e utilização distintas em função de cada uma daquelas finalidades.

A base de perfis de ADN é constituída por ficheiros, todos eles separados entre si (art. 15º/2), e separados da base de dados pessoais correspondentes aos titulares de perfis de ADN (art. 2º g), permitindo assim não só maiores níveis de segurança, como também uma maior eficácia na proteção do direito à reserva da vida privada e do direito à autodeterminação informativa, contrariamente ao que teria sucedido se tivéssemos optado pela base geral de toda a população (conforme se encontrava previsto no programa do XVII governo constitucional), permitindo que a base a instalar para fins de identificação civil, servisse igualmente fins de investigação criminal[21].

Nos termos do art. 4º nº3, «As finalidades de investigação criminal são prosseguidas através da comparação de perfis de ADN, relativos a amostras de material biológico colhidas em locais de crimes com os das pessoas que, direta ou indiretamente, a eles possam estar associados com vista à identificação dos respetivos agentes, e com os perfis existentes na base de dados de perfis de ADN, com as limitações previstas no art. 20.»

À recolha de amostras com finalidades de investigação criminal refere-se o art. 8º, cujos nºs 1 e 2 são do seguinte teor:

«1. A recolha de amostras em processo crime é realizada a pedido do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no art. 172º do Código de Processo penal.

2. Quando não se tenha procedido à recolha da amostra nos termos do número anterior, é ordenada, mediante despacho do juiz de julgamento e, após trânsito em julgado, a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída».

A primeira questão a clarificar é que, de acordo com os elementos clássicos da interpretação, os nºs 1 e 2 têm âmbitos de previsão diversos, correspondendo a duas situações diferenciadas que justificam as diferenças de regime verificadas em mais que um aspeto da regulamentação legal.

Na verdade, embora ambos os preceitos respeitem à recolha de amostra em processo crime, o nº1 reporta-se à recolha de amostras em arguido constituído em processo criminal a decorrer, que só podem ser utilizadas como meio probatório no respetivo processo (art. 34º nº2), tendo em vista a identificação do agente do crime.

As amostras recolhidas não integram um ficheiro próprio, (contrariamente ao que sucede com as amostras a que se refere o nº2 - cfr art. 15º), podendo a informação nelas contida ser comparada com (cfr art. 20º nº1):

- Os perfis resultantes de amostras de material biológico colhidas no local do crime (cfr art. 4º nº3;

- Os perfis contidos nos ficheiros previstos nas alíneas b), d) e f) do nº1 do art. 15, ou seja:

- Obtidos em cadáver, em parte de cadáver, e em coisa ou local onde se proceda a recolhas com finalidades de identificação civil nos termos legais -/art. 7º nº1;

- “amostras problema” recolhidas em local de crime, nos termos do nº 4 do art. 8º;

- amostras dos profissionais que procedem á recolha e análise das amostras.

Nestes casos a que se reporta o art. 8º nº1, a recolha de amostras pode ser realizada a pedido do arguido, paradigmaticamente para procurar demonstrar o caráter infundado dos indícios existentes contra si, e pode ser ordenada por despacho judicial, oficiosamente (nas fases do processo sob a sua titularidade) ou a requerimento, maxime do MP na fase de inquérito.

Ao despacho do juiz aplica-se o disposto no art. 172º do CPP – por remissão expressa e inequívoca do nº1 do art. 8º -, pelo que o arguido pode ser compelido à recolha de amostra, devendo nesse caso o juiz ponderar sobre a sua necessidade, tendo em conta o direito à integridade pessoal e reserva da intimidade do visado (art. 154º nº2 ex vi do art. 172º nº2, ambos do CPP).

Por sua vez, o nº2 do art. 8º, que se refere à recolha de amostra em condenado, pressupõe que não se tenha procedido à recolha de amostra no decurso do processo e que tenha transitado em julgado decisão condenatória em pena de prisão igual ou superior a 3 anos de prisão, ainda que esta tenha sido substituída. Significa isto que a recolha de amostra pode ter lugar desde que o tribunal tenha aplicado pena principal de prisão (e não pena de multa principal, quando prevista em alternativa no tipo legal), ainda que no lugar da pena de prisão tenha optado por qualquer pena de substituição, em sentido amplo ou estrito, desde que a medida da pena de prisão concretamente determinada não seja inferior a 3 anos.

A recolha de amostra tem que ser ordenada por despacho judicial, nada obstando a que, como se verificou no caso sub judice, o tribunal profira o despacho na decisão final condenatória, sujeitando, porém, a sua produção de efeitos ao trânsito em julgado da decisão, o que nos parece mesmo aconselhável em termos de economia e celeridade processuais, para o caso de vir a ser interposto recurso[22], tendo iguais vantagens - sem inconvenientes – que no mesmo momento se determine a inserção dos dados a recolher na base de dados, cumprindo-se o disposto no art. 18º nº 3, tal como fez a decisão recorrida.

A amostra recolhida em condenado integra um ficheiro próprio, nos termos da al. e) do nº1 do art. 15º, que pode ser cruzada com os perfis obtidos em:

- Voluntários;

- Cadáver, parte de cadáver, amostras obtidas em local onde se proceda a buscas com finalidades de identificação;

- “Amostra-problema” (art.2º c)) obtidas em local do crime

- Condenados

“Profissionais” (art. 15 nº 1 f).

O perfil de ADN e respetivos dados pessoais referentes às amostras recolhidas nos termos do nº 2 do art. 8º, bem como as amostras inicialmente recolhidas nos termos do nº1 quando se verificar condenação posterior com os requisitos do nº 2, são inseridos no ficheiro próprio, precedido do respetivo despacho judicial, nos termos do art. 18º nº3.

Não se aplicando o disposto no art. 172º do CPP ao despacho judicial a que se referem os nºs 2 e 3 do art. 8º, a recolha de amostra biológica não poderá ser imposta coativamente, diferentemente do que sucede nas hipóteses a que respeita o seu nº1[23].

2.2.2. – Da comparação entre ambos os preceitos resultam, pois, diferenças consideráveis entre si.

O nº1 prevê e regula a recolha de amostra de ADN com vista à sua utilização como meio probatório no processo criminal em que a recolha tem lugar, para fins de identificação criminal, constituindo “intervenção corporal probatória” sujeita ao regime dos exames e perícias estabelecido nos arts 172º, 154º e 156º, a que foram introduzidas alterações pela Lei 48/2007 de 29.08[24], visando ajustar aqueles preceitos às exigências constitucionais, tal como definidas pelos acórdãos do TC 155/2007 e 228/2007.

Por sua vez, o nº2 do art. 8º, pressupondo decisão condenatória transitada em julgado, reporta-se à recolha de amostras destinadas a integrar a base de dados de perfis de ADN para cruzamento futuro com os perfis obtidos de amostras-problema ou outras das referidas supra (cfr art. 15º), visando, pois, finalidades futuras de investigação criminal a propósito, paradigmaticamente, de outros processos, mas que pode ser usado como meio probatório no processo onde foi ordenada a recolha, na sequência de eventual recurso de revisão.

Do ponto de vista dos princípios e normas constitucionais invocados a este respeito no presente recurso, máxime do princípio da proporcionalidade, o legislador ordinário terá procurado compatibilizar o regime aplicável a ambas as hipóteses de acordo com opções de base diferentes.

Nos casos de recolha de amostra em arguido para utilização no processo criminal onde foi determinada (nº 1), o legislador confiou ao juiz do processo o juízo de ponderação, a realizar em concreto, entre as necessidades da investigação e o direito à integridade corporal e à reserva da intimidade do visado (art. 154º nº2 CPP), particularmente o direito à autodeterminação informacional (art. 26º nº2 da CRP), à luz do princípio da proporcionalidade acolhido no art. 18º da CRP, nos seus corolários ou subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Nas hipóteses a que se reporta o nº2, a interpretação de imediato sugerida pela letra da lei, pelos elementos sistemático e teleológico é o de que o legislador optou por estabelecer, de forma geral e abstrata, os critérios ou parâmetros de que depende a recolha de mostra e a inserção do perfil de ADN obtido em ficheiro próprio da base de dados (art. 15º nº 1 e)), para fins de investigação criminal em momento futuro e de verificação incerta, como vimos.

A questão que se coloca é, pois, a de saber se estes critérios são suficientes, máxime do ponto de vista do princípio da proporcionalidade, para salvaguardar o respeito pelos direitos constitucionais à reserva da intimidade (genética) da vida privada, do livre desenvolvimento pessoal e da autodeterminação informacional (artigos 26º e 35º, da CRP, e art. 8º da CEDH), ou se, interpretado de modo conforme com a constituição, o nº2 do art. 8º da Lei 5/2008 exige ainda que o despacho do juiz de julgamento fundamente materialmente a necessidade de recolha de amostras e subsequente conservação naqueles casos, nomeadamente em função da verificação de grave perigo de continuação da atividade criminosa ou outros receios relevante.

O MP recorrente invoca expressamente na sua motivação o decidido no acórdão do T.R. Lisboa de 11.10.2011 (relator Agostinho Torres), citando ainda o entendimento de Pinto de Albuquerque em sentido idêntico. Este professor, porém, enumera mesmo outros requisitos[25] a verificar no caso concreto, sob pena de inconstitucionalidade material. Entende ele, a propósito do nº2 do art. 8º, que “ A recolha de amostras é, pois, proporcional e necessária se disser respeito a crimes puníveis com pena igual ou superior a cinco anos (e punidos com pena efectiva [portanto, não substituída] superior a três anos de prisão) e se supuser a formulação pelo juiz da sentença de um juízo de “perigo de continuação criminosa” do arguido.

A benefício da clareza da exposição, antecipamos ser nosso entendimento que o nº2 do art. 8º, na interpretação refletida na decisão recorrida, ou seja, que a recolha de amostra ali prevista depende apenas dos requisitos de natureza formal mencionados naquele nº 2, não é materialmente inconstitucional.

2.2.3. - Antes de mais, não nos parece rigorosa a afirmação de que o nº2 do art. 8º prevê uma decisão automática, na medida em que a lei exige despacho judicial que não dispensa fundamentação (em obediência ao disposto no art. 205º da CRP), embora limitada à verificação dos requisitos formais a que se reporta a letra do preceito.

A questão colocada é, antes, como referido, a de saber se a recolha de amostra nos termos do nº2 se basta com a verificação dos pressupostos formais considerados, ou se os preceitos da CRP citados exigem ainda a verificação de um pressuposto material, questão que não se confunde com a desnecessidade de fundamentação da sentença.

A suficiência de requisitos desta natureza e, portanto, a legalidade da decisão judicial que se limite a invocá-los ou a remeter para o nº2 do art. 8º, como se verifica no caso concreto, resulta, em síntese, das seguintes ordens de razões.

Em primeiro lugar, o nº 2 do art. 8º exige a verificação de requisitos orientados para o cumprimento das exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade (art. 18º nº2 CRP).

Em segundo lugar, o perigo que a recolha de mostra de ADN em arguido condenado e a inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados criada pela Lei 5/2008, representa para o direito à intimidade da vida privada (art. 26º nº2 da CRP) e da autodeterminação informacional do cidadão (art. 35º nº2), podem considerar-se mitigados e são suficientemente prevenidos pelo regime legal a que se encontra submetida aquela recolha e inserção, bem como a utilização dos dados obtidos, em função do fim a que se destinam.

Em terceiro lugar, o mesmo se diga em relação ao Direito ao respeito pela vida privada e familiar, acolhido no art. 8º da CEDH, tendo em conta a jurisprudência do TEDH, designadamente no acórdão S. e Mapre versus Reino Unido, igualmente invocado pelo MP recorrente.

É o que procuraremos demonstrar, sem ir além do que nos parece necessário para fundamentar o presente acórdão.

2.2.4. – Caraterização dos requisitos previstos no nº2 do art. 8º.

Como vimos, os requisitos ou pressupostos de ordem formal são os estabelecidos no nº2 do art. 8º, segundo o qual a condenação transitada em julgado que legitima a recolha de amostra de ADN deve respeitar a crime doloso, punido em concreto com pena principal de prisão, de medida não inferior a 3 anos.

Apesar de terem natureza formal, no sentido em que o despacho judicial apenas deve confirmar a sua verificação a partir de dados presentes na decisão condenatória pressuposta no nº2 do art. 8º, sem implicar nova atividade judicatória, a imposição legal destes requisitos reflete preocupações materiais do legislador, nomeadamente em face do princípio da proporcionalidade.

Conforme deixámos dito, o nº2 do art. 8º reservou para o legislador a definição geral dos critérios ou parâmetros que determinam a recolha de amostras de ADN em condenado, contrariamente à opção seguida no nº1 do mesmo art. 8º.

Critérios, que se encontram entre os adotados no universo dos ordenamentos estrangeiros, sem que a nossa Constituição ou a CEDH imponham parâmetros de um tipo determinado. Pelo contrário, trata-se de matéria onde é deixada larga margem de liberdade ao legislador interno e ordinário.

Noutras legislações nacionais a exigência de proporcionalidade é satisfeita com o estabelecimento legal de catálogos de crimes, designadamente crimes sexuais, crimes contra a vida e contra a integridade física como será o caso de França e Alemanha, embora a evolução legislativa nesses ordenamentos revele a tendência para ampliar a tipologia de crimes inicialmente definida, o que na opinião de Helena Moniz poderá ter justificado a opção do legislador português por um critério em função da pena concreta, visando o mínimo concreto de 3 anos abranger alguns crimes sexuais que são puníveis no C.Penal com pena inferior a 5 anos [26].

Outros países optaram antes pela exigência de que ao crime caiba um mínimo de pena abstrata aplicável, como será o caso da Holanda[27] e outros ainda, tal como nós, optaram pelo critério da pena concreta[28]

Daí que, sem prejuízo de outro tipo de considerações[29], a medida da pena principal concretamente aplicada, pressupondo a limitação expressa a crimes de natureza dolosa, constitua parâmetro constitucionalmente adequado em face de outros critérios possíveis, independentemente do tipo de crime objeto da condenação ou da necessidade de o juiz ponderar ainda em concreto entre os direitos e interesses potencialmente conflituantes, tendo em conta o amplo poder de conformação que comummente se reconhece ao legislador ordinário em matéria de princípio da proporcionalidade.

Pode mesmo entender-se que o critério da lei portuguesa é menos estigmatizante para os condenados, quer porque não exige um juízo concreto de perigosidade do arguido, quer porque não limita a obrigatoriedade de recolha de amostra aos autores de certas categorias de crimes, tidas por terem maiores taxas de reincidência. O critério da pena concreta engloba necessariamente estes mesmos crimes, mas também quaisquer outros, desde que atingido o limiar de gravidade objetiva representado, entre nós, pela medida da pena de prisão concretamente determinada.

A este respeito, pode ainda refletir-se criticamente sobre a ideia de que a inserção nas bases de dados genéticos do perfil de ADN de condenados assenta no pressuposto, caro ao lombrosianismo, “quem cometeu um crime uma vez irá cometer outros”, usando a formulação de Susana Costa[30], mas a verdade é que o mesmo pode dizer-se do registo criminal e de toda a informação recolhida com base em antecedentes criminais dos cidadãos, sendo certo que nenhum ordenamento jurídico prescinde do registo criminal, das impressões digitais ou de bases de dados de perfis de ADN na descoberta de autores de crimes.

Aliás, pode igualmente afirmar-se que uma base de dados universal utilizável para fins de investigação criminal - à imagem do que sucede atualmente com as impressões digitais -, sempre encontrará fundamento na ideia, certamente mais democrática, de que todos podem cometer um crime, pelo menos uma vez, sem que resida aí qualquer fator de deslegitimação.

Não esquecemos, todavia, que a questão concreta que nos ocupa não é a de saber se a conservação de amostras biológicas ou perfis de ADN, em geral, são compatíveis com a CEDH ou a Constituição portuguesa, mas apenas a de determinar se a recolha e conservação de perfis de ADN obtidos de amostras biológicas, nos termos em que o prevê a Lei 5/2008 é compatível com aquelas.

2.2.5. – A CRP

Como decorre claramente dos termos do recurso e do que até agora deixámos dito, a questão concretamente colocada prende-se com o regime das restrições aos direitos fundamentais consentidas pela própria CRP, máxime no seu art. 18º, e, entre estas, com as chamadas exigências internas ou materiais às restrições daqueles direitos, pois não se discute a existência de expressa autorização da restrição através de Decreto-lei devidamente autorizado pela AR. Discute-se, antes, se ao permitir a recolha de amostras de ADN nos estritos termos do nº2 do seu art. 8º, a Lei 5/2008 restringe de forma desproporcionada, os direitos fundamentais à reserva da intimidade (genética) da vida privada, do livre desenvolvimento pessoal e da autodeterminação informacional, sendo certo que o Direito ao livre desenvolvimento da personalidade introduzido no art. 26º nº1 pela Revisão constitucional de 1997[31], não implica no caso concreto análise de aspetos diferentes dos focados relativamente aos demais, pelo que nos limitaremos a referir estes.

2.2.5.1. – Entre os direitos de personalidade a que se reporta, o art. 26º nº 1, parte final e nº 2, da CRP, acolhe o direito a reserva da vida privada e familiar, garantindo-o expressamente contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias.

Como referem, por todos, G.Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada 4º ed.-2007, vol. I p. 467, este direito «…analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o aceso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (art. 80 C.Civil)»

Por sua vez, o art. 35º da CRP que, consagra a proteção dos cidadãos contra a recolha e tratamento abusivo de dados pessoais informatizados, prevê no seu nº3 o chamado direito à autodeterminação informacional, que, na síntese daqueles autores, engloba o conjunto de direitos reconhecido no art. 35º que visam dar a cada pessoa o direito de controlar a informação disponível a seu respeito, impedindo-se que a pessoa se transforme «em simples objeto de informações» - cfr p. 551.

O direito à autodeterminação informacional pode ainda ser visto como um direito garantia do direito à reserva da vida privada[32], na medida em que o nº3 do art. 35º se refere expressamente ao tratamento de dados referente à vida privada.

No caso presente, sempre estes dois direitos fundamentais (direito à intimidade da vida particular e familiar e o direito à autodeterminação informacional) estão estreitamente interligados, pois as questões relacionadas com a recolha, conservação e acesso ou utilização de dados obtidos de amostras de ADN, são hoje praticamente indissociáveis do tratamento informático desses mesmos dados.

2.2.5.2. - Assume, assim, a maior importância a definição de quais os dados pessoais que, a partir da amostra de ADN recolhida, é possível obter, conservar e utilizar, em face da Lei 5/2008:

Vejamos, a este propósito e por todos o seguinte trecho que transcrevemos de Sónia Fidalgo (RPCC Ano 16 (200) pp117-8. Diz a autora:

- « A molécula de ADN (sigla de ácido desoxirribonucleico) existe em cada uma das nossas células e é formada por um conjunto de substâncias químicas elementares, reunindo toda a informação genética. (…) .Apenas uma pequena percentagem do ADN (10 a 20%)[33] contem genes, e são esses genes que produzem as proteínas que definem as caraterísticas da pessoa (a sua expressão fenotípica): a cor do cabelo, a cor dos olhos, a altura, o aparecimento de um cancro ….Este ADN que contem genes designa-se ADN codificante. (…) O ADN que se analisa para efeitos de investigação é o ADN não codificante (aquele que não tem proteínas) que também é designado de ADN inútil, porque não se lhe reconhece outra função para além de contribuir para regular o funcionamento dos genes.» - Fim de citação.

Segundo, agora, Guilherme de Oliveira: “Estas extensas zonas que se encontram entre os genes e a que se costuma chamar ADN não codificante, mostram certas sequências químicas que são caraterísticas de cada indivíduo: em cada pessoa elas têm uma localização específica, têm uma extensão constante e repetem-se a um certo ritmo.

Para efeitos de exame, os fragmentos do ADN intergénico são cortados e destacados, e aquelas sequências são apresentadas sob o aspeto gráfico dos vulgares códigos de barras.

Cada indivíduo produz, assim, uma «impressão genética»; e a comparação das «impressões» permite afirmar se duas amostras de ADN provieram do mesmo indivíduo ou de dois indivíduos diferentes; ou ainda se há uma relação biológica de descendência entre os fornecedores das duas amostras comparadas.”[34]

A impropriamente chamada «impressão genética», passou a designar-se generalizadamente por perfil de ADN, que se encontra mesmo positivamente definida no art. 2º f), e que, em síntese, corresponde ao resultado obtido de uma análise da amostra de material biológico por meio de ADN (não codificante, na nossa lei e na generalidade das legislações).

Significa isto, desde logo, que das amostras biológicas recolhidas apenas se obtém o perfil de ADN («a impressão genética») que lhe corresponde e não quaisquer outros dados, nomeadamente relativos à saúde ou a caraterísticas fenotípicas relevantes.

Para além disso, apenas os perfis de ADN obtidos vão ser guardados em bases de dados, juntamente com os dados pessoais dos respetivos fornecedores, pelo que a base de dados apenas disponibilizará esses mesmos elementos e não quaisquer outros que pudessem ser obtidos da amostra biológica.

Por último, o art. 34º nº1 determina que as amostras recolhidas em condenados são imediatamente destruídas depois da obtenção do perfil de ADN, não existindo biobancos de amostras de condenados que permitam a extração da informação diferente da informação obtida logo após a recolha da amostra [35]. Informação esta que, como referido, se limita à obtenção do perfil de ADN e dados identificativos da pessoa a que respeita, com vista a permitir identificação futura de agente de crime por cruzamento daquela informação com a que vier a recolher-se de amostra problema, maxime a recolhida no local de um outro crime.

Ao utilizar ADN não codificante e assegurar a destruição imediata da amostra biológica recolhida, a legislação portuguesa previne adequadamente os receios mais significativos geralmente associados à recolha e conservação de perfis de ADN, nomeadamente do ponto de vista do direito à intimidade da vida privada.

2.2.5.2.1. - É o caso dos receios resultantes da associação entre o risco de acesso a outros dados pessoais extraíveis de ADN codificante, como sejam os relativos à saúde e a caraterísticas hereditárias específicas, e perspetivas científicas e criminológicas assentes no determinismo genético. Diz-nos diz Susana Costa[36] que “ Parece existir a convicção, ainda que nem sempre explicitamente formulada, de que as bases de dados genéticos podem ser um instrumento de prevenção do crime, a partir de inferências de predisposição genética ao crime e anomalias cromossómicas que as fundamentam, mas também através da análise de assassinos em série. Dessa forma, a base de dados permitiria não só chegar ao criminoso, como ainda identificar preventivamente potenciais autores de crimes.”

Ora, em legislações como a portuguesa parece-nos ser longínquo o perigo de utilização do ficheiro de condenados da base de dados de perfis de ADN com esse fim, uma vez que se utiliza apenas ADN não codificante e as amostras biológicas são imediatamente destruídas, como referido, sendo certo que «A técnica usada nos exames que se destinam a identificar um indivíduo é diferente daquela que se tem de utilizar quando se investigam genes e as suas expressões fenotípicas» - cfr Guilherme de Oliveira, est. cit. p. 330.

Mesmo no caso de transferência de perfis de ADN entre países da UE, no âmbito de Tratado de Prum de 2005 (a que Portugal ainda não aderiu, embora tenha manifestado formalmente a sua intenção de aderir)[37], que regula o intercâmbio de informações sobre ADN, impressões digitais, registo de veículos e dados pessoais e não pessoais no âmbito da cooperação policial transfronteiriça entre as partes contratantes, o direito à reserva da vida privada encontra-se assegurado. Desde logo, o art. 21º nº2 da Lei 57/2008 proíbe a transferência de material biológico no âmbito da cooperação internacional.

Por outro lado, como refere Helena Moniz “…a proteção da privacidade está assegurada uma vez que de acordo com a Decisão-Quadro 2008/615/JAI, apenas é transferida entre os Estados membros a informação relativa aos perfis de ADN obtido a partir do ADN não codificante, sem possibilidade de transmissão da informação que possa permitir a identificação direta da pessoa a quem pertencem (art. 2º nº2 da Decisão). Além disso, mesmo em relação à transferência de dados pessoais devem ser cumpridas as regras relativas à proteção de dados pessoais e as regras em matéria de auxílio judiciário estabelecidas por cada Estado membro – art. 5º da Decisão” - (RMP nº 120, citado p. 154-5).

Para além disso, embora seja possível, nos termos limitados do art. 23º, a utilização da informação obtida a partir dos perfis de ADN (e nunca de material biológico) para fins de investigação científica ou estatística apenas pode ter lugar após anonimização irreversível, garantindo desse modo a proteção da vida privada dos cidadãos.

2.2.5.2.2. - Por outro lado, teme-se que a evolução técnica e científica possa vir a possibilitar a extração de mais informação de caráter pessoal do que a simples identificação do indivíduo que é hoje possível retirar do ADN não codificante. Como refere também Sónia Fidalgo (por todos), “ …não se pode excluir com toda a certeza que, no futuro, venha a descobrir-se que este ADN [não codificante] afinal não é absolutamente “cego” quanto às caraterísticas fenotípicas do indivíduo. A única segurança que temos é a de que se, no futuro, se descobrir que um marcador genético permite obter informação para além da simples identificação do indivíduo, deixará de ser utilizado.”[38]

Isto mesmo, aliás, encontra-se agora expressamente estabelecido no art 11º nº1 do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN para fins de investigação civil e criminal, aprovado pela deliberação do Conselho Médico-Legal nº 3191/2008, publicado no DR II série, nº 234. De 03.12.2008, que é do seguinte teor: “ No caso de algum dos marcadores de ADN revelar informação relativa à saúde ou a caraterísticas hereditárias específicas, esse marcador é excluído dos perfis de ADN incluídos na Base de Dados e deixa de ser estudado nas amostras a analisar posteriormente. “.

2.2.5.3. - Parece-nos, pois, que em face das apontadas opções e cuidados da lei portuguesa, encontra-se significativamente reduzido o risco de que a partir dos perfis de ADN obtidos de cidadãos condenados, que aqui nos ocupa, venham a ser guardadas nas bases de dados – e posteriormente utilizadas – informações relativas à intimidade da vida privada dos indivíduos e das famílias, nomeadamente referentes à saúde, incluindo a maior ou menor propensão genética para determinadas doenças, como a diabetes, o lúpus, a hemofilia ou o cancro, bem como outras caraterísticas fenotípicas dos indivíduos e quaisquer outras informações que, podendo ser obtidas a partir de amostras biológicas noutro condicionalismo, não o podem ser de acordo com o regime acolhido na Lei 5/2008 de 12 de fevereiro.

Nesta perspetiva, afigura-se-nos que a compressão sofrida pelos direitos fundamentais à privacidade e à autodeterminação informacional, é proporcional, tendo em conta o risco mitigado da sua lesão efetiva, de forma relevante, resultante da recolha de amostra biológica de condenado e da inserção do perfil de ADN obtido, na base de dados para fins de identificação civil e criminal, tal como concretamente regulado na Lei 57/2008 de 12 de fevereiro.

2.2.5.4. - E será tanto mais assim, quanto as vantagens decorrentes da utilização de perfis de ADN na identificação futura do agente de outros crimes, são consideráveis, o que constitui fator da maior importância no juízo a fazer sobre a adequação e proporcionalidade da restrição aos direitos fundamentais em causa, pois tal restrição apenas é admissível na medida do necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - art. 18º nº2 da CRP.

Na verdade, para além de constituírem um meio de prova relativamente célere, estes exames são considerados os mais fidedignos na identificação dos indivíduos e a colheita da amostra biológica pode ser obtida por métodos pouco invasivos, visto dispensarem a recolha de sangue, princípio que é mesmo assegurado pela Lei 5/2008, que no seu art. 10º impõe a utilização de método não invasivo, designadamente a colheita de células da mucosa bucal ou outro equivalente, disposição transposta para o art. 8º do Regulamento da base de dados de perfis de ADN.

O seu papel na investigação criminal, quer na descoberta do agente do crime, quer como elemento decisivo na declaração de inocência de pessoas acusadas e mesmo condenadas, não carece hoje de demonstração, sendo crescentemente considerado pelo Conselho da Europa e a UE, instrumento privilegiado de cooperação judiciária internacional em matéria penal, para o que assume particular relevância a criação, apetrechamento e efetiva utilização de bases de dados nacionais de perfis de ADN, de forma tendencialmente uniforme.

No caso particular dos dados obtidos em condenados, parece inegável que a sua inserção em Base de dados pode satisfazer igualmente necessidades de prevenção do crime, nomeadamente de prevenção especial, desmotivando a reincidência e, nessa medida, constituindo igualmente instrumento de defesa social.

Noutra perspetiva, há muito que é enfatizado o papel da base de dados na demonstração da inocência de condenados e arguidos em processo criminal, encontrando-se mesmo - de forma algo surpreendente – opiniões de reclusos no sentido de o seu perfil ser incluído e não ser sequer removido da base de dados, como forma de poderem demonstrar a sua inocência no caso de serem erradamente incriminados na sequência de condenações anteriores, que os torna, como dizem, os suspeitos do costume[39].

2.2.5.5. – Ainda em sede de confrontação direta com as disposições constitucionais, cabe questionar se ao fazer depender a ordem judicial de recolha de amostra de critérios materiais como os apontados na motivação de recurso e na doutrina e jurisprudência em que se fundamenta (perigo de continuação criminosa ou outros riscos relevantes…), não se criariam mais problemas do que os que se resolveriam.

Como refere Jorge Bravo[40], uma opção deste tipo, que implicasse a apreciação crítica e analógica em cada caso, com vista ao preenchimento de critérios materiais como o alarme ou ressonância social do crime, a reincidência ou tendência do condenado para o crime, poderá mesmo considerar-se inconveniente por poder resultar em graves atentados ao princípio da igualdade e legalidade criminal, o que igualmente aponta para a adequação do critério formal acolhido pelo legislador.

2.2.6. – Jurisprudência do TEDH.

Por último, afigura-se-nos que ao exigir apenas requisitos formais e objetivos para a recolha de amostras em condenados, a lei portuguesa não contraria a jurisprudência do TEDH invocada na motivação de recurso, antes se mostra conforme com ela.

2.2.6.1. O acórdão S. e Marple versus R. Unido invocado na motivação de recurso e no citado Ac R. Lisboa de 11.10.2011, começou por explicitar alguns princípios gerais sobre a garantia à intimidade e à vida privada, fundamentando depois a decisão do caso concreto na apreciação de três aspetos essenciais. Análise da lei de direito interno, considerando que a previsão legal é clara no que respeita à conservação das impressões digitais, das amostras biológicas e dos perfis genéticos, mas não o ser relativamente às condições e modalidades de utilização, pois emprega expressões genéricas, que se prestam a uma interpretação demasiado ampla.

Lembra ainda a importância da imposição de exigências mínimas, nomeadamente no que concerne à duração, armazenamento, utilização, acesso de terceiros, os procedimentos destinados a preservar a integridade e confidencialidade dos dados e os procedimentos de destruição daqueles, de maneira a que os litigantes disponham de garantias suficientes contra os riscos de abuso e arbitrariedade.

De seguida, considerou legítimo o fim da conservação dos dados pessoais recolhidos, na medida em que visa a investigação e prevenção do crime.

Finalmente, cuidou da razoabilidade da medida à luz do princípio de que a atuação do poder público deve ser necessária e proporcional numa sociedade democrática, considerando que a medida restritiva de direitos fundamentais deve ser necessária para atingir fins legítimos, deve guardar proporcionalidade entre os meios empregues e os fins perseguidos e que as razões para adotar as medidas em causa devem ser relevantes e suficientes. Chamou a atenção para a circunstância de A Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte, serem as únicas ordens jurídicas no seio do Conselho da Europa a autorizar a conservação das impressões digitais, amostras genéticas e perfis de ADN, de qualquer pessoa, independentemente da sua idade, suspeito de ter praticado uma infração.

Lembrou também que os dados podem ser conservados qualquer que seja a natureza e gravidade das infrações e que a conservação de amostras biológicas é particularmente intrusiva relativamente ao direito dos requerentes à sua vida privada, em virtude da profusão de informações genéticas e relativas à saúde que elas contêm.

Destacou ainda que no caso era particularmente preocupante o risco de estigmatização, decorrente do facto de os requerentes – apesar de não terem sido considerados culpados de qualquer infração estando, pois, em condições de beneficiar da presunção de inocência -, serem tratados da mesma forma que os condenados e de as análises terem lugar com amostras de ADN codificante.

O TEDH concluiu que, «conservar de forma geral e indiscriminada impressões digitais, amostras biológicas e perfis de ADN de pessoas suspeitas que não tenham sido condenadas, não assegura um equilíbrio justo entre os interesses públicos e privados que concorrem e que o Estado demandado superou qualquer margem de apreciação aceitável na matéria, porque no caso dos autos se verificou uma ingerência desproporcional nos direitos dos demandantes no respeito à sua vida privada, que não se pode considerar necessária numa sociedade democrática, com a consequente violação do art. 8º da Convenção.»

2.2.6.2. - Ora, como se constata da comparação entre a lei portuguesa e os fundamentos e decisão tomada no acórdão do TEDH, o caso ali apreciado corresponde a situação prevista no art. 8º nº1 da Lei 5/2008 e não no seu nº2, que aqui nos ocupa, pois os dados haviam sido obtidos de suspeito ou arguido em processo penal pendente e não de pessoa condenada com trânsito em julgado, relativamente à qual as decorrências do princípio da presunção de inocência se colocam em termos diferentes. Por outro lado, como vimos, entre nós os dados obtidos naquelas condições apenas poderiam valer no próprio processo (em regra), não tendo lugar a sua inserção na base de dados para eventual utilização futura.

Noutra perspetiva, a recolha de amostras em condenado apenas é ordenada entre nós nos casos em que a pena aplicada atinge um certo limiar de gravidade (pena principal de prisão em medida não inferior a 3 anos) e a conservação dos dados não tem lugar por tempo ilimitado. O art. 26º nº 1 f) estabelece que os perfis de ADN e os respetivos dados pessoais são eliminados na data em que se procede ao cancelamento definitivo das respetivas decisões no registo criminal. “Isto é, os perfis de ADN, tal como os registos criminais, serão eliminados decorridos 5 anos sobre a extinção de uma pena (ou medida de segurança) inferior a 5 anos, decorridos 7 anos sobre a extinção de um apena entre 5 e 8 anos de prisão e decorridos 10 anos no caso de condenação numa pena superior a 8 anos (cfr art. 15º da Lei 57/98)” [41].

Por outro lado ainda, não há biobancos de amostras de condenados[42], que permitam a extração de informação diferente da obtida logo após a recolha da amostra e que, como referido, se limita à obtenção do perfil de ADN e dados identificativos da pessoa a que respeita. Na verdade, apesar de o art. 11º (“Princípio do contraditório”) prever que se reserve “…uma parte bastante e suficiente da amostra para a realização de contra-análise”, o art. 34º nº1 determina que as amostras recolhidas em condenados são imediatamente destruídas depois da obtenção do perfil de ADN, pelo que não são sequer guardadas amostras de condenados que permitam posteriormente uma contra análise. No entanto, o art. 10º do Regulamento da base de dados de perfis de ADN assegura que a realização das análises é feita em duplicado, sempre que possível (e sê-lo-á nas mesmas condições em que seria possível guardar amostra biológica para o futuro), por profissionais diferentes e demais termos aí previstos, que asseguram suficientemente os resultados obtidos, tanto mais que o nº2 do art. 10º condiciona a inclusão na Base de dados de amostras referência obtidas em pessoas (como é caso das amostras recolhidas em condenado a que se refere o nº2 do art. 8º que nos ocupa) ao cumprimento das normas de realização das análises estabelecidas no nº1 do citado art. 10º. Em todo o caso, sempre o art. 32º (“Finalidades do biobanco”) instrumentaliza a conservação das amostras - nos casos em que tal tem lugar, ou seja os que resultam da conjugação dos arts 34º, 26º e 15, da Lei 5/2008, onde não se inclui a amostra obtida de condenado, como referido supra -, à realização de análises e contra-análises necessárias às finalidades de identificação civil e de investigação criminal, não admitindo a sua utilização para quaisquer outros fins.

Por fim e contrariamente ao que sucedia relativamente ao Reino Unido, na lei portuguesa os perfis de ADN, para efeitos de identificação civil e criminal, são obtidos de amostras de ADN não codificante, o que faz toda a diferença, como vimos, pois os maiores receios que se associam à recolha e conservação de perfis de ADN, do ponto de vista do direito à intimidade da vida privada, reportam-se precisamente aos perigos decorrentes da possibilidade de ficar acessível informação contida em amostras de ADN codificante.

Aliás, a opção inglesa de analisar e armazenar o ADN com a integralidade das suas informações, sem distinguir o ADN codificante do não codificante, não é seguida pela generalidade dos demais países europeus, que ao limitarem a recolha ao ADN não codificante, procuram que a ingerência no direito à intimidade e à vida privada seja a mínima possível, sem comprometer a sua utilização para a investigação criminal, de forma coerente com as exigências do princípio da proporcionalidade, tal como é orientação da UE.

2.2.7. – Concluímos, pois, a exposição das principais razões que nos levam a considerar que o nº2 do art. 8º, na interpretação refletida na decisão recorrida, ou seja, que a recolha de amostra ali prevista depende apenas dos requisitos de natureza formal mencionados naquele nº 2, não é materialmente inconstitucional, como dito supra, contrariamente ao entendimento do MP recorrente e da doutrina e jurisprudência nacional que expressamente invocam.

Assim sendo, o tribunal recorrido não tinha que fundamentar materialmente a sua decisão na parte em que ordenou a recolha de amostra biológica ao arguido, após trânsito em julgado da condenação, e subsequente inserção na base de dados de perfis de ADN, pelo que não se verifica a invocada nulidade de sentença de falta de fundamentação – art. 379º nº1 a) e 374º nº2, do CPP.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo MP, mantendo integralmente o acórdão recorrido.

Sem custas.

Évora, 15 de maio de 2012

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas (relator)

Carlos Jorge Berguete

__________________________________________________
[1] Neste sentido, Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 4 Dezembro de 2008 pela GRAND CHAMBER; pubº no site http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/dataprotection/Judgments/S.%20AND%20MARPER%20v.%20THE%20UNITED%20KINGDOM%20EN.pdf.

[2] Neste preciso sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Outubro de 2011, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Agostinho Silva Torres, disponível em www.dgsi.pt, que se acompanhará, com a devida vénia, de muito perto.

[3] Neste sentido, Prof. Costa Andrade, “Bruscamente no Verão Passado”, a reforma do Código de Processo Penal – Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137, Julho – Agosto de 2008, 2009, n.º 3951, pp. 332.

[4] Neste sentido, Prof. Sónia Fidalgo, Determinação do Perfil Genético como meio de prova em processo penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, Janeiro – Março de 2006, 2007, pp. 138-139.

[5] Neste sentido, Jorge dos Reis Bravo, Perfis de ADN de arguidos – condenados (O art.º 8, n.º 2 e 3, da Lei N.º 5/2008, de 12 de Fevereiro), Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 20, n.º 1, Janeiro – Março de 2010, 2011, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 114-115.

[6] Sobre a função de legitimação emergente fundamentação da sentença, Rosa Vieira Neves, A livre Apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Convicção (na decisão penal), Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 135.

[7] Neste sentido, aludindo ao princípio da proibição do excesso do ponto de vista da intensidade da afectação da liberdade, Prof. Jorge Reis Novais, As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2ª edição, Tese de Doutoramento, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 771.

[8] Neste sentido, sobre o juízo de proporcionalidade em sentido estrito emergente de uma decisão restritiva de direitos fundamentais, Maria de Fátima Mata – Mouros, Juiz das Liberdades – Desconstrução de um Mito do Processo Penal, Tese de Doutoramento, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 438.

[9] Neste sentido, Prof. Luís Pereira Coutinho, Sobre a justificação da restrição aos direitos fundamentais, Revista do CEJ, 2.º Semestre de 2009, Número 12, 2010, pp. 12-13.

[10] Neste sentido, aludindo a um critério de proporcionalidade (“idoneidade”, “adequação”, “necessidade”, “razão objectiva”), Prof. Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais, Teoria Geral, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 132.

[11] Neste sentido, Prof. Patrícia Alexandra Oliveira, Terapia Genética Somática e Germinal Terapêutica no âmbito da ordem jurídico – penal, Direito Penal Hoje – Novos Desafios e Novas Respostas, Coordenação de Manuel da Costa Andrade e Rita Castanheira Neves, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 273-274.

[12] Neste sentido, Prof. Helena Moniz, A Base de Dados de Perfis de ADN para fins de Identificação Civil e Criminal, Revista do Ministério Público n.º 120, Ano 30, Outubro – Dezembro de 2009, 2010, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 148, nota de rodapé n.º 6.

[13] Neste sentido, Prof. Helena Moniz, A Base de Dados de Perfis de ADN para fins de Identificação Civil e Criminal, Revista do Ministério Público n.º 120, Ano 30, Outubro – Dezembro de 2009, 2010, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 149.

[14] Neste sentido, na doutrina alemã, Prof. Wolfgang Lührs, “Beitrag”, Genomanalyse im Strafverfahren, Monatsschrift für Deutsches Recht, N.º 10, 3. Auflage, Band II, 2007, pp. 929-930.

[15] Sobre o mandado de esgotante apreciação do ilícito enquanto decorrência do princípio da legalidade penal, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 237/2007, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Cura Mariano; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 226/2008, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008, relatado pelo Exmo. Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[16] Sobre o princípio do juiz natural, vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 614/2003, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Paulo Mota Pinto, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 337/2003, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Mário Torres, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2009, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 162/2009, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/2009, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro João Cura Mariano, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[17] Neste sentido, Prof. Alves Correia, A concretização dos Direitos Sociais pelo Tribunal Constitucional, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137, 2008, n.º 3951, pp. 152.

[18] Neste sentido, Prof. Ricardo Branco, Efeito Aditivo da Declaração de Inconstitucionalidade com Força Obrigatória Geral, Tese de Mestrado, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 428-430.

[19] Curso de Processo Penal III, Editorial Verbo, 2009, pág. 46.

[20] Constituição da República Portuguesa Anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira, pag. 497.

[21] Vd Helena Moniz, A Base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal e a cooperação transfronteiras em matéria de transferência de perfis de ADN in RMP nº 120 (out. 2009) pp. 146 e 148.

[22] Vd sobre esta questão, com detalhe, Jorge Reis Bravo, Perfis de ADN de arguidos condenados (O art. 8º nºs 2 e 3 da Lei nº 5/2008 de 12.02) in RPCC A. 20 (2010) p. 120

[23] Assim, Pinto de Albuquerque, Comentário ao CPP, 2ª ed-2008 p. 469.

[24] Vd Jorge Reis Bravo, RPCC nº 120 p. 104.

[25] Pinto de Albuquerque, ob. cit p. 468.

[26] Cfr Helena Moniz, RMP 2009 pp. 153 e 150.

[27] Cfr Sónia Fidalgo, Determinação do perfil genético como meio de prova in RPCC 16 (2006) p. 144.

[28] Pode ver-se a este respeito a recensão de Susana Costa (ob. cit. pp165-168 sobre a situação em vários países da UE em 1997 e 2000, donde se constata que a Dinamarca, Noruega e Suécia, se exigia a condenação em pena superior a 1 ano e meio, 1 ano e dois anos.

[29] No seu parecer 18/2007 - emitido sobre a Proposta de Lei 144/X, que veio a dar origem à Lei 5/2008 -, a CNPD, pronunciou-se a favor da utilização de um catálogo de crimes, citando o exemplo das escutas telefónicas

[30] Cfr ob. cit. p. 162

[31] Vd, a propósito, Jorge Miranda-Rui Medeiros, CRP Anotada-2005 p. 286, onde, depois de se reportar a duas dimensões diferentes e basilares do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, se inclui numa delas, o direito geral de personalidade, o direito à intimidade da esfera pessoal e o direito à autodeterminação informacional.

[32] Assim Helena Moniz, RPCC 12 (2002) pp. 246-7 e Sónia Fidalgo, RPCC 16 (2006) p. 127,

[33] Guilherme de Oliveira refere que os genes ocupam apenas 3% de todo o ADN, pelo que o ADN não codificante corresponderá a 97% do total, mas o seu texto é de 1996, ou seja 10 anos antes do estudo da autora, pelo que é presumível que a diferença verificada se deva à evolução do conhecimento científico sobre a matéria.- Guilherme de Oliveira, Implicações jurídicas do conhecimento do genoma in RLJ Ano 128º nº 3860 de março de 1996, pp 326.

[34] Cfr Guilherme de Oliveira, est. citado pp 325-6

[35] Guilherme de Oliveira reporta (est. e loc. cit., pp 330-refere-se especificamente ao perigo de as amostras de ADN serem usadas abusivamente para investigação de caraterísticas pessoais de expressão genética, como seria o caso da tentação de averiguar caraterísticas com relevo forense (por exemplo, tendências violentas ou criminosas) de todos os cidadãos ou grupos de indivíduos. Receio este que, porém, parece afastado pela legislação atual com a destruição imediata das amostras de condenados, como dizemos no texto, sendo certo que o autor menciona ainda aspetos de ordem técnica e científica que minimizam o risco apontado.

[36] A Justiça em Laboratório. A identificação por perfis genéticos de ADN, Almedina-2003 p. 164.

[37] Vd, para mais informações, Helena Moniz, RMP nº 120 citado, p. 154, e Inês Ferreira Leite, A Nova Base de Perfis de ADN in Boletim Informativo do IDPCC da FDL, ano I nº 5, acedido em www.fdl.ul.pt

[38] Cfr RPCC nº 16, p. 119.

[39] Vd jjcprovas.cienciahoje.pt/193, a propósito de um estudo de Helena Machado, investigadora da Universidade do Minho, com o título “Base de dados de perfis de ADN com propósitos forenses em Portugal – Questões atuais de âmbito ético, prático e político” – 2010.

[40] Cfr est. cit. p. 115

[41] Cfr Helena Moniz (RMP nº 120 (out-dez. 2009) p. 152.

[42] Assim, Helena Moniz, idem p. 152.