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ESCOLAS PRIMÁRIAS
PLANO DOS CENTENÁRIOS
Sumário
1 - Os edifícios escolares construídos no âmbito do designado “Plano dos Centenários” são propriedade dos respectivos municípios. 2 - O abandono da posse é ineficaz relativamente ao direito de propriedade. 3 - A posse só é passível de alterar a titularidade do direito de propriedade se reunidos os requisitos da usucapião.
Sumário do relator
Texto Integral
[1] A CAMARA MUNICIPAL DE SERPA, Pessoa Colectiva de Utilidade Administrativa, com sede em Serpa, na Praça da República, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra L… e mulher, B…, residentes em…, pedindo, que se reconheça e declare o seu direito de propriedade pleno e exclusivo sobre o prédio urbano, com a área de 1.240 m2, com a superfície coberta de 168,72 m2 e descoberta de 1.071,28 m2, denominado Escola Primária da Mina da Orada, composto por 2 salas e 4 casas de banho, situado na Herdade do Carvalhal, descrito sob o n° 02299/021121 e inscrito na matriz sob o artigo 2271 da Freguesia de Pias, Concelho de Serpa, por ter sido adquirido por usucapião, e cuja posse remonta ao ano de 1957; que se declare que a detenção dos R.R. é abusiva, insubsistente, ilegal e de má-fé, condenando-se os mesmos a reconhecerem à A. aquele direito de propriedade e a restituírem-no livre de quaisquer pessoas e bens, com exclusão dos que pertencem à Associação; que sejam os R.R. condenados a pagar-lhe a quantia pecuniária de € 5,00 (cinco euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, nos termos do art. 829º-A do CC; que se proceda ao cancelamento dos registos que incidam ou venham a incidir sobre o prédio identificado, com custas, selo e procuradoria a seu cargo.
Como fundamento alegou que em 1957 foi a escola em causa construída numa parcela de terreno cedida pela Companhia de Ferro Nacional, que explorava a Mina da Orada, e situada na Herdade de sua propriedade. Em 1958 o Presidente da Câmara de Serpa recebeu o edifício escolar, tendo nele funcionado a escola da Mina da Orada até ao ano de 1989/90 altura em que foi determinada por despacho governamental a suspensão do funcionamento. Foi a A. quem sempre conservou e introduziu melhoramentos no edifício, suportando os respectivos custos e, recentemente, cedeu-o ao Centro Cultural e Recreativo da Mina da Orada. Os RR., porém, em 8 de Março de 2006 destruíram parte do muro que delimita a escola, lavraram o terreno da parte da frente e aí colocaram ovelhas, mudaram as fechaduras das portas e colocaram correntes de ferro e cadeado numa delas, tendo ainda registado o prédio em seu nome. Invoca ter adquirido a propriedade do prédio por usucapião.
Citados, os réus contestaram alegando que adquiriram o referido prédio por compra ao primitivo proprietário, que a A. nunca teve a posse do prédio e, por isso, não a desapossaram uma vez que estava abandonado. De qualquer forma sempre o direito de superfície seria de sua propriedade.
Deduziram pedido reconvencional pedindo que se lhes reconheça o direito de propriedade do edifício da escola primária da Mina da Orada, objecto da presente acção e caso o direito não lhes seja reconhecido por via daquela compra, que se declare terem-no adquirido por acessão.
A A. replicou pugnando pela improcedência da reconvenção e pela procedência dos pedidos que formulou
Saneado o processo, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e a A. declarada “proprietária do prédio denominado Escola Primária da Mina da Orada com 177,84m2 de área coberta e 1049,96 de área descoberta, sito na Mina da Orada, freguesia de Pias, Concelho de Serpa por o ter adquirido, em 1-4-1958, por usucapião”, e absolvidos os RR. dos restantes pedidos, julgando-se também improcedente a reconvenção e a A. absolvida dos respectivos pedidos.
Inconformados com esta decisão, interpuseram os RR. o presente recurso de apelação.
A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Formularam os apelantes, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [2] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
1) ” O prédio urbano denominado Escola Primária da Mina da Orada está integrado no prédio misto sito na Herdade do Carvalhal e dele faz parte integrante;
2) Este prédio foi adquirido pelos Recorrentes através de escritura pública do ano de 1972;
3) Não consta na referida escritura que sobre os urbanos que integram a descrição predial exista algum encargo ou oneração;
4) O urbano em questão tem sensivelmente a mesma área coberta que o identificado em 11. da escritura pública e tem alpendre;
5) A diferença de áreas é de apenas 2,78m2;
6) A inexistência na descrição de área descoberta é comum a todos os urbanos elencados naquela escritura;
7) Na verdade, o prédio urbano sito em terreno rústico não tem, por norma, área descoberta, já que toda a área (rústica e urbana) pertence ao mesmo proprietário;
8) Só a terá, se eventualmente for destacado daquele em que está implantado;
9) A cedência/disponibilização do terreno feito ao Município de Serpa destinou-se a um fim específico – o de construir uma escola para aí ser ministrado o ensino primário;
10) E foi na sequência dessa liberalidade que aí foi construída a escola e aí foram ministradas aulas;
11) O prédio dos autos não foi vendido ou doado ao Município de Serpa.
12) Sendo que essa cedência foi, segundo o entendimento dos aqui Recorrentes, feita a título de disponibilização da detenção da área de 2000m2.
13) Pelo que, a configuração jurídica da posição da aqui Recorrida perfilhada pelo Mt.º Juiz a quo, como posse e não como detenção, salvo o devido respeito e melhor opinião, padece de erro na determinação da norma aplicável.
14) Com efeito, nos termos do disposto na al. b) do art. 1253.º do C.C. «os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito actuam como detentores»;
15) “Os actos praticados por um indivíduo que não é o titular da coisa ou do direito, sobre que incidem, e que, em virtude de motivos de amizade, parentesco, vizinhança pratica esses actos, supõe a lei como sendo praticados com o consentimento expresso ou tácito do titular do direito e não significam, portanto, a afirmação de um direito próprio.” (Cfr. Código Civil Anotado – Vol. III – pág. 10, Pires de Lima e Antunes Varela);
16) Também Menezes Cordeiro, adopta a mesma posição: “Os tribunais superiores têm tido em vista como sendo de detenção situações de intenso controlo: assim o viver numa casa, o ocupar um terreno durante doze anos nele construindo uma casa com anexos ou o construir uma casa com autorização do dono do terreno: nenhum destes casos daria lugar a posse, por haver simples tolerância” (Cfr. A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais – 3.ª Ed. - pág. 60, Almedina);
17) Por outro lado, e caso se não venha a entender que o Município de Serpa actuou como mero detentor desde que lhe foi cedido o terreno, sempre ao abrigo do disposto na parte final da al. c) do citado art. 1253.º: «… e de um modo geral todos os que possuem em nome de outrem», configuraria uma situação de precariedade na medida em que o exercício de poderes inerentes a certo direito que preenchem o requisito do «corpus» é descaracterizado como posse com base no seu próprio título jurídico.
18) Não sabemos a que título foi feita a cedência pela COFENA, mas sabemos que cedeu, disponibilizou, não vendeu nem doou.
19) E cedeu facultando a detenção apenas, pois a não ser assim, não teria electrificado por sua conta, não teria vendido, não teria mencionado a que título e para que fim foi feita a cedência (o de ministrar aulas).
20) Quem é detentor não pode adquirir por usucapião (C.C. – art. 1290.º).
21) Mas ainda, e caso se entendesse, que de posse se tratava sempre teríamos de ter em conta que o Município de Serpa teria perdido essa posse pelo abandono (art. 1267.º/1 al. a) do Código Civil)
22) A escola deixou de ter o fim para que foi construído logo que aí foi extinto o ensino primário na escola da Mina da Orada, o que aconteceu no ano de 1990;
23) Na sequência do Despacho 49-A/SEAM/SERE/89, publicado em 24-01-1990 no Diário da República, n.º 20, II Série, foi extinto, ou melhor foi determinada a suspensão do funcionamento da Escola da Mina da Orada. E, desde a data da publicação deste Despacho até 4-11-1997, data do auto de devolução à Recorrida daquela Escola, há um lapso de tempo bastante longo, cerca de 7 anos em que não há a prática de quaisquer actos materiais que consubstanciem o exercício efectivo da «posse» por parte da entidade que o transmitiu à aqui A./Apelada.
24) O prédio esteve abandonado de 1990 a 1997, altura em que foi devolvido pela DREA ao Município de Serpa;
25) Por outro lado, como se reconhece no douto acórdão, a posse do autor durou de 4-11-1997 até 4-12-1998;
26) E esta entidade cedeu-o, por sua vez, à Associação Recreativa e Cultural da Mina da Orada em 1998;
27) Quando já não tinha sequer a «posse» do mesmo;
28) Pois mesmo considerando que o Município tinha posse, perdeu-a pela inactividade, pela ausência da prática de actos materiais durante um lapso de tempo de cerca de 7 anos;
29) A perda da posse, caso se entendesse existir a favor do Município, também se daria nos termos da alínea c) do art. 1267.º do Código Civil, na medida em que: “em data não apurada mas próxima a 8 de Março de 2006, a porta de acesso ao edifício foi arrombada e as fechaduras de entrada substituídas, pelos Réus” (cfr. ponto 48 dos factos provados);
30) O que no entender dos aqui Recorrentes, consubstancia uma situação de perda de posse pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, por a nova posse ter durado por mais de um ano;
31) Ainda no que concerne à posse, há a dizer que o possuidor (Recorrentes) gozam da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse (C.C. art. 1268.º e 7.º do Cód. Registo Predial) e não existe registo da posse a favor do Município;
32) Com efeito, o edifício que constitui a Escola Primária da Mina da Orada não foi desanexado da Herdade do Carvalhal e sobre ele nunca qualquer das duas entidades (DREA ou CMS) efectuou qualquer registo;
33) Por último, considera o douto acórdão ora recorrido que a usucapião se deu em 1-10-1980, por terem decorrido 15 anos mais metade deste período de tempo (7 anos e 6 meses), e assim fixa-se a aquisição por usucapião em 1-10-1980. Contudo, e ainda antes de decorrer este lapso de tempo, os recorrentes adquiriram a propriedade do prédio misto aonde pertence, aonde está integrado o prédio dos autos, e essa aquisição deu-se com a escritura de compra e venda de 31-07-1972;
34) Escritura essa que não contempla qualquer exclusão ou menção de qualquer restrição ou oneração relativa a qualquer um dos componentes que dele fazem parte integrante;
35) Pelo que, se deve concluir que os Apelantes são os legítimos donos e possuidores, do prédio objecto da acção, a denominada Escola Primária da Mina da Orada;
36) No douto Acórdão recorrido, fundamentou o Mt.º Juiz a quo a sua decisão com a aplicação das normas jurídicas elencadas nos artigos 1304.º, 1256.º, 1259.º, 1260.º/2, e 1317.º/1 al. c) todos do Código Civil, bem como pela Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913, quando no nosso entender deveria ter aplicado ao caso sub judice o vertido nos artigos 1253.º al. b) ou c), art. 1267.º /1 al. a) e d), art. 1268.º /1 e art. 1290.º, todos do Código Civil, bem como art.º 7.º do Código de Registo Predial.”
ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas (desnecessariamente prolixas, diga-se), as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber: 1 - Se a recorrida tem a posse ou a detenção do prédio objecto desta acção; 2 - Se, tendo a posse, a perdeu; 3 - Se os apelantes são os donos e possuidores do prédio em causa.
MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Estão, por conseguinte, provados os seguintes factos: “1. - A Companhia de Ferro Nacional explorou a Mina da Orada (1 da Base Instrutória). 2. - A mina integrava a Herdade do Carvalhal, com a área de 79,100 hectares, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo 3.º da secção F, da freguesia de Pias, do concelho e comarca de Serpa (2 da Base Instrutória). 3. - Em 1957, a companhia de Ferro Nacional, por intermédio dos seus legais representantes, cedeu uma área de 2.000m2 que ficou na disponibilidade do Município de Serpa, ora autor (3 da Base Instrutória). 4. - E após proposta efectuada pelo autor, junto do Ministério da Educação, em 14.08.1957, recebeu a informação de que foi autorizada a construção da escola primária no local indicado no terreno cedido ao Município (4 da Base Instrutória). 5. - Em 15 e 18 de Julho de 1957, o Município de Serpa, ora autor, anunciou aos departamentos do Estado competentes, a disponibilidade do terreno que reunia todas as condições para a implantação e edificação da Escola Primária da Mina da Orada, cf. ofícios juntos como Doc. 1 (fls.14) e 2 (fls.15) que aqui se dão por reproduzidos (A dos factos assentes). 6. - A transmissão ao então representante do Município foi efectuada de harmonia com a Portaria de 31/03/1958, publicada no Diário do Governo, n.º 84, na Série, de 09/04/1958, cf. auto de entrega junto como Doc.3 (fls.16) e que aqui se dá por reproduzido (E dos factos assentes). 7. - Em 1 de Abril de 1958, o então Presidente da edilidade, ora autor, recebeu a posse do edifício escolar de duas salas, para os dois sexos, na Mina da Orada, cf. auto de entrega junto como Doc.3 (fls.16) e que aqui se dá por reproduzido (B dos factos assentes). 8. - O edifício foi implantado na área de 1.200 m2, à escala de 1/1000,cf. planta topográfica que se junta como Doc. 4 (fls.17) e aqui se dá por reproduzida (C dos factos assentes). 9. - O edifício foi implantado e orientado a nascente (D dos factos assentes). 10. - O terreno cedido ao autor era plano e regular para fundações (6 da Base Instrutória). 11. - Foi edificada uma abertura de um poço, de pouca profundidade, sendo a água elevada por bombagem para depósitos colocados nos sanitários (7 da Base Instrutória). 12. - O edifício foi vedado com um muro em alvenaria em parte de tijolo e outra de pedra, rebocado e caiado (8 da Base Instrutória). 13. - E tem duas cancelas de ferro, colocadas no muro de vedação de pedra (9 da Base Instrutória). 14. - E uma cisterna, na área descoberta (10 da Base Instrutória). 15. - E tem nesta área, destinada ao recreio, 3 azinheiras (11 da Base Instrutória). 16. - A área coberta do edifício, denominado Escola Primária da Mina da Orada é de 177,84 m2 (12 da Base Instrutória). 17. - A área envolvente é de 1049,96 m2 (13 da Base Instrutória). 18. - Desde a sua edificação a Escola Primária funcionou ao longo dos anos, de forma ininterrupta até à data constante da alínea F dos factos assentes (15 da Base Instrutória). 19. - E à vista de toda a gente (16 da Base Instrutória). 20. - E foi frequentada de forma regular e contínua por alunos, professores, pais e encarregados de educação (17 da Base Instrutória). 21. - E ali se ministraram aulas, sessões de estudo e aprendizagem e convívio (18 da Base Instrutória). 22. - O edifício tem terrenos que lhe servem de logradouro com as áreas aludidas em 13) e 14) (25 da Base Instrutória). 23. - O prédio não foi inscrito na matriz respectiva (26 da Base Instrutória). 24. - E tão pouco levado ao registo predial (27 da Base Instrutória). 25. - Em 02.11.1960, é elaborada, pela Aliança Eléctrica do Sul, proposta para electrificar toda a Mina da Orada, sendo depois feita uma alteração à mesma, sendo que na última folha desta alteração, é feita a seguinte referência "Em 2 instalações de Escola menos 1 lâmpada por instalação" cf. proposta de electrificação geral da Mina da Orada junta como Doc.12 (fls.75) que aqui se dá por reproduzida e alterações à proposta de 02.11.1960 junta como Doc.13 (fls.83) e que aqui se dá por reproduzida (R dos factos assentes). 26. - O autor desde sempre, conservou o edifício (G dos factos assentes). 27. - E colocou grades de ferro nas janelas e antenas (H dos factos assentes). 28. - O Despacho 49-A/SEAM/SERE/89, publicado em 24/01/90, no DR, n.º 20, II Série, determinou a suspensão do funcionamento da Escola da Mina da Orada (F dos factos assentes). 29. - Por documento particular, datado de 15.10.1997, e assinado por António Alves na qualidade de Director de Serviços de Recursos Materiais da Direcção Regional de Educação do Alentejo, junto como Doc. 4 (fls.66) da contestação e que aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais: "O Decreto-Lei n.º 77/84, determina que a propriedade de todos os edifícios escolares do ensino primário construídos pelo Governo passe a ser das Câmaras Municipais. Dado que muitas dessas escolas foram suspensas, considerou a DREA que era necessário proceder à devolução dos edifícios onde funcionaram os seus proprietários, nomeadamente às Câmaras Municipais, de forma a evitar a sua delapidação, quer por força do natural desgaste por força do seu abandono, quer pela intervenção de terceiros. Tal intenção da Direcção Regional mereceu despacho de concordância de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Executiva. Assim, é intenção da Direcção Regional de Educação do Alentejo celebrar com essa Câmara Municipal o Auto de devolução que se anexa, referente às Escolas constantes de lista, que também, é enviada em anexo. Solicito, pois, a V.Exa a indicação do representante da Câmara Municipal para a celebração do Auto." (Q dos factos assentes). 30. - Por documento particular denominado de "Comunicação Interna" da Câmara Municipal de Serpa, datado de 04/11/97 sob o n.º 1396 e com o assunto, Direcção Regional de Educação do Alentejo - Auto de Devolução de Edifícios Escolares, junto como Doc.3 (115.65) da contestação e que aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais: "A Câmara Municipal tomou conhecimento do ofício n.º 14264 datado de 15 de Outubro do ano em curso, remetido pela Direcção Regional de Educação do Alentejo, relativo ao Auto de Devolução de edifícios escolares. O Decreto-Lei n.º 77 /84, determina que a propriedade de todos os edifícios escolares do ensino primários construídos pelo Governo passe a ser das Câmaras Municipais. Neste sentido, passam a ser propriedade desta Autarquia, as seguintes escolas do 1° ciclo que se encontram suspensas: (...) - Mina da Orada - Pias; (...)". 31. - Por documento denominado de “Auto de devolução" junto como Doc.2 (115.61) da contestação que aqui se dá por reproduzido, consta para além do mais, que: "Aos 19 dias do mês de Novembro de 1997 compareceram perante mim, (...) José Jacinto Sargento Valente, Vereador da Câmara Municipal de Serpa, em representação desta Câmara Municipal, (…) como 1° Outorgante e António Maria Louro Alves, Director de Serviços de Recursos Materiais da Direcção Regional de Educação do Alentejo, nomeado representante do Ministério da Educação por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Educativa, de 97.10.07, como 2° Outorgante, para proceder à devolução da posse dos edifícios onde funcionaram as escolas primárias constantes da lista anexa, as quais deixaram de funcionar por inexistência de alunos, tendo as suspensões sido publicadas nos Diários da República constantes da já referida lista anexa. Pelo 1° Outorgante foi dito que aceita a devolução do bem atrás descrito, o que é propriedade da sua representada, conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 77/84, renunciando a qualquer exigência quanto ao mesmo, nomeadamente à reclamação de pagamento de indemnização. Nestes termos o 2° outorgante deu a devolução por efectuada, sem mais formalidades, e por se encontrar verificado o requisito legal. (...)" (O dos factos assentes). 32. - O autor, mais recentemente, cedeu o edifício ao Centro Cultural e Recreativo da Mina da Orada (I dos factos assentes). 33. - E efectuou, de novo, obras de reparação e melhoramentos, em 1998 (J dos factos assentes). 34. - O autor em 1998 colocou equipamento de diversão, mobiliário e aparelho de televisão, para colaboração com fins lúdicos e de convívio daquela associação (23 da Base Instrutória). 35. - E em que gastou Esc: 24.000$00 (24 da Base Instrutória). 36. - O edifício possui um posto do correio, com caixa postal, com os nºs 1 a 40.°, onde os moradores da Mina da Orada recolhem e enviam a correspondência (K dos factos assentes). 37. - O imóvel é um prédio urbano, constituindo um edifício incorporado no solo (L dos factos assentes). 38. - Por escritura pública de 31/07/1972, lavrada no 2.° Cartório Notarial de Lisboa, junta como Doe. 1 da contestação (fls.49) e que aqui se dá por reproduzida, onde na parte relevante para o caso concreto, os réus declararam comprar e a Cofena - Companhia do Ferro Nacional, SQRL, declarou vender, sob o ponto onze, "por mil e oitocentos escudos, um bloco de rés-do-chão com três divisões e lavabos, com a superfície de 155 m2 e alpendre de 25,60m2, sito na mina da Orada" (...) "todos os prédios nesta escritura mencionados constituem a descrição predial número nove mil quatrocentos e oitenta e quatro, a folhas trinta e um do livro B. vinte e três, da Conservatória do Registo Predial de Serpa, encontrando-se registados em nome da sociedade vendedora pela inscrição de transmissão número cinco mil novecentos e oitenta e dois, a folhas oitenta e uma verso, do livro g-oito (...)"(N dos factos assentes). 39. - Mostra-se inscrito pela ap.03/720918 a aquisição a favor de L…, casado com B…, em comunhão geral, por compra a Cofene - Companhia de Ferro Nacional, SARL, do Prédio Misto, denominado "Herdade do Carvalhal" confrontando a norte e poente com M…; a sul com A…; a nascente com A… e F…; a Parte Rústica: composta por eucaliptal, olival, terra de cultura arvense, sobreiros; área 78,5930 há; com o valor patrimonial de € 2.719,33; Artigo 3.º F (parte); Parte Urbana: compõe-se dos seguintes edifícios, a saber: - (...) r/c com 2 divisões, 4 casas de banho; área coberta - 175 m2; valor patrimonial: € 3.645,00; artigo - 2271; - r/c com 3 casões; área coberta - 423,36 m2; valor patrimonial: € 4.320,00; Artigo 2272, d. certidão da conservatória do registo predial junta como Doc.7 (fls.22) que aqui se dá por reproduzida (M dos factos assentes). 40. - Por documento particular datado de 02.03.1999 e junto como Doc.15 da contestação (fls.91) e que aqui se dá por reproduzido, o réu L…, preencheu um formulário do serviço de atendimento da Câmara Municipal de Serpa, tendo como destinatário o Presidente da Câmara, onde escreveu, na parte relevante para o caso concreto que: "Na qualidade de proprietário do prédio rústico denominado Herdade do Carvalhal, (...) venho por este meio requerer a Vª Exª se digne informar se a escola primária existente dentro da minha propriedade pertenceu ou pertence à Câmara Municipal de Serpa ou a qualquer outro órgão da administração regional ou central, uma vez que desde há vários anos é a Câmara Municipal de Serpa que tem as chaves deste prédio e nele instalando actividades e procedendo a obras de beneficiação e de conservação." (S dos factos assentes). 41. - Por documento particular datado de 12 de Novembro de 2001, subscrito pelo Presidente da Câmara Municipal de Serpa e junto como Doc.16 (fls.92) e que aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais que: "(...) O imóvel em questão não se encontra registado a favor do Município de Serpa, o que aliás acontece com vários edifícios escolares neste concelho e em outros, cujo processo ainda se encontra pendente, apesar de alguns avanços. Pese embora esta situação, existem no processo vários documentos que conferem à Autarquia a legitimidade de exercer a fruição do citado edifício e de o considerar integrado no seu património, entre eles os seguintes: (...). Perante o exposto, é intenção da autarquia manter a fruição do prédio, ainda que afecto a outros fins, devido ao facto do funcionamento da escola primária se encontrar suspensa, por inexistência de alunos. Todavia, não se afasta a possibilidade de negociação, se houver interesse entre ambas as parte que o justifiquem." (T dos factos assentes). 42. - Por documento particular denominado "Inf.040530" junto como Doc.17 (fls.93) e que aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais: "Assunto: Escola Primária da Mina da Orada (...) Considerando que a informação e a deliberação se mantêm actuais, duas são as possibilidades de se resolver o assunto: - Sendo inquestionável a propriedade da Câmara Municipal sobre o edifício; e tendo o dono do solo onde ele está implantado manifestado interesse na sua compra, através da carta enviada pelo seu Ex.mo Advogado em 15 de Maio de 2000; há então que proceder à sua avaliação, apresentar a correspondente proposta de venda ao Sr. L… e, havendo aceitação, ultimar o negócio através da celebração da necessária escritura. - Não aceitando o Sr. L… a proposta que lhe vier a ser feita, deve então a Câmara Municipal recorrer aos tribunais para exercer o seu direito de acessão, em conformidade com o disposto no artigo 1340.° do Código Civil (...):"(U dos factos assentes). 43. - Mostra-se inscrito sob o artigo matricial 1500 o prédio urbano no rés-do-chão composto por três divisões, casa de banho e alpendre, com a afectação de habitação, com 155m2 e figurando como titular do rendimento o réu L…, cf. cópia da caderneta predial urbana junta a fls.97 e que aqui se dá por reproduzida (V dos factos assentes). 44. - Por ofício n.º 001858 da Direcção-Geral dos Impostos de Beja subscrito pelo Chefe de Finanças, junto como Doc.23 (fls.103) e que aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais: "Nos termos do art. 278.º do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, fica V.Exª por este meio notificado(a) de que a Comissão Permanente de Avaliação da Propriedade Urbana, nomeada em conformidade com os artºos 131.º e seguintes do mesmo Código, atribuiu ao prédio sito em Mina da Orada, Freguesia de Pias, inscrito na matriz sob o artigo n.º 2271 os seguintes valores: (...)"(X dos factos assentes). 45. - Por ofício n.º 8719 de 25.07.2002 da Direcção-Geral do Património subscrito pela Directora de Serviços, sob o assunto Herdade do Carvalhal, junto como Doc.25 (fls.105) consta, para além do mais: "Relativamente ao solicitado na sua carta datada de 14 de Março último, informo V.Exª. de que não foi possível concluir pela existência de imóveis do Estado na citada herdade, conforme informação enviada pelo Serviço de Finanças de Serpa, de que se anexa fotocópia." (Y dos factos assentes). 46. - E na informação junta ao ofício aludido em Y) consta, para além do mais: "Consultados os elementos existentes no Serviço de Finanças de Serpa, assim como através da visita "in loco" e consulta ao actual proprietário, não foi possível verificar a existência de quaisquer imóveis pertencentes ao Estado, no já referido artigo 3 da Secção F." (2 dos factos assentes). 47. - Os réus efectuaram e preencheram um documento à Repartição de Finanças de Serpa, indicando que o prédio se destinava a "habitação", tem 2 divisões e 4 casas de banho, com a área coberta de 175 m2, sem indicar qualquer área descoberta (41º da Base Instrutória). 48. - em data não apurada mas próxima a 8 de Março de 2006, a porta de acesso ao edifício foi arrombada e as fechaduras de entrada substituídas, pelos réus (32° e 33° da Base Instrutória e confissão quanto à colocação das fechaduras pelos réus no art. 48° da contestação - art. 659°, n. 3, do CPC). 49. - foram colocadas correntes de ferro e cadeado numa das portas (34° da Base Instrutória). 50. - em virtude dos factos descritos em 32° a 34°, está impedido o acesso do prédio ao autor e à associação ao interior do edifício (35° da Base Instrutória). 51. - Até à data referida em 32° e 33°, o autor desfrutou e utilizou o imóvel sem oposição de ninguém" (46° da Base Instrutória).”
Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [3].
1 - Se a recorrida tem a posse ou a detenção do prédio objecto desta acção.
É patente a confusão de que enfermam as alegações e conclusões dos recorrentes.
Efectivamente confundem a propriedade/posse/detenção do terreno em que foi construída a escola, com a propriedade/posse/detenção da própria escola e respectiva área descoberta.
O que é pedido nesta acção e está em causa no recurso é a propriedade do edifício da escola e respectiva área descoberta (cfr. o pedido: “…deve a presente acção… e, em consequência: a) – Reconhecer-se e declarar-se o direito de propriedade pleno e exclusivo da A., sobre o prédio urbano, com a área de 1.240 m2… composto por 2 salas e 4 casas de banho, situado…”) e não o terreno em si.
E para situarmos de forma correcta e cabal a questão dos autos importa que se proceda a uma breve resenha histórico normativa, até porque, perante ela, muitas das dúvidas colocadas pelos recorrentes ficam sanadas.
Não oferece quaisquer dúvidas de que a escola em causa foi construída no âmbito do “Plano dos Centenários”[4], como claramente resulta dos docs. juntos a fls. 17 e 18 [5].
Como dissemos em nota de rodapé, as bases da reforma do ensino primário foram promulgadas pela Lei n.º 1969, publicada no Diário do Governo n.º 115, Série I, de 30.05.1938.
Em 17.12.1940 é publicada a Lei 1985 (Diário do Governo nº 292, Iª Série), denominando o plano da rede escolar “dos Centenários”, a qual, no seu art. 7º estabelece a forma e repartição do pagamento dos respectivos custos:
Como se vê deste preceito, a construção das escolas seria realizada com a participação do Estado e dos corpos administrativos (autarquias) [6], podendo participar também outras entidades, sendo as verbas necessárias à construção inscritas no orçamento de Estado.
No Diário do Governo nº 174, Série I de 29.07.1941 é publicado o Despacho do Conselho de Ministros“acerca do plano de construção de escolas primárias”.
No seu nº 3 é referido que as despesas têm vindo a ser repartidas entre o Estado e as autarquias:
No nº 6 mantém-se essa repartição e prevê-se a possibilidade de contribuições e dádivas de particulares quer sejam em trabalho, materiais ou donativos.
Em execução deste Despacho, no Decreto-Lei n.º 31468, publicado no Diário do Governo n.º 192, Série I, de 19.08.1941, é regulada a forma de custeamento dos encargos resultantes do funcionamento da comissão encarregada da distribuição dos edifícios e salas de aula, por freguesias e lugares, incluídos no plano de construção de escolas primárias, inserto no Diário do Governo n.º 174, de 29 de Julho.
Em 27.07.1946, o Decreto-Lei n.º 35769, publicado no Diário do Governo n.º 167, Série I, (“insere várias disposições relativas ao plano de construção de escolas primárias denominado Plano dos Centenários”), estabelece, com clareza no seu art. 5º, que os edifícios construídos em execução do Plano dos Centenários são propriedade das autarquias (“corpos administrativos”) competindo-lhes a respectiva conservação:
Para além disso, estabelecia este diploma que competia à Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, promover a construção das escolas primárias, com a comparticipação das autarquias, a cujas comparticipações serão abatidos os donativos privados:
(…)
E se até aqui as construções eram realizadas pelo Estado com a participação das autarquias, a partir de 1954, com o Decreto-Lei n.º 39982 (Diário do Governo n.º 284, Série I de 21.12.1954), permitiu-se que estas, mediante autorização ministerial, construíssem os edifícios “para escolas primárias do Plano dos Centenários”, por administração directa e com financiamento estatal, nos casos em que a construção ainda não tenha sido arrematada:
O Decreto-Lei n.º 40898 (Diário do Governo n.º 269, Série I, de 12.12.1956), “cria no Ministério da Educação Nacional uma comissão para a elaboração de um novo plano de construções escolares - Abre um crédito no Ministério das Finanças, a favor do Ministério da Educação Nacional, destinado a constituir a dotação de uma nova alínea do n.º 2 do artigo 833.º, capítulo 6.º, do orçamento do segundo dos mencionado Ministérios”.
O Decreto-Lei n.º 41037 (Diário do Governo n.º 64, Série I, de 20.03.1957, prorroga até à aprovação do novo plano o prazo de vigência das disposições do Decreto-Lei 35769, atrás referido, fixado até 31 de Dezembro de 1956.
Art. 2º do Decreto-Lei 35769:
A Portaria n.º 15760 (D.R. n.º 50, Série I de 9.03.1956“Aprova as instruções para escolha dos terrenos destinados à edificação de escolas primárias”.
O documento junto a fls. 18, é a concretização, no caso, de algumas das instruções estabelecidas neste diploma.
A resenha atrás feita e em especial o art. 5º do DL 35769 de 27.07.1946, responde, sem margem para dúvidas, à questão da propriedade da escola, mesmo inexistindo nos autos documentos comprovativos de que tenha sido a autarquia de Serpa a realizar e a custear, parcialmente, a construção.
O documento de fls. 18, no qual é feito o orçamento da obra, destinar-se-á, sem dúvida, a servir de base ao financiamento do Estado e à comparticipação autárquica.
Também o documento de fls. 16 “AUTO DE ENTREGA DE DIFÍCIO ESCOLAR”, consubstancia a entrega do “edifício escolar” à respectiva proprietária, a Câmara Municipal de Serpa, pelo órgão que fiscalizou e superintendeu a execução da obra, a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais [7].
É certo que não existe qualquer documento relativo aos termos em que o terreno é cedido à “Câmara de Serpa… pela Direcção da Mina” (cfr. documento de fls. 14.
É, todavia, de presumir que tal “cedência” tenha consubstanciado um dos “donativos” das “entidades privadas” previstos no § único do art. 3º do Dec.-Lei 35769 de 27.07.1946, atrás reproduzido e no referido nº 6 do Despacho do Conselho de Ministros (Diário do Governo nº 174, Série I de 29.07.1941).
Diz-se na matéria de facto provada e consignada no nº 29: “por documento particular, datado de 15.10.1997, e assinado por António Alves na qualidade de Director de Serviços de Recursos Materiais da Direcção Regional de Educação do Alentejo, junto como Doc. 4 (fls.66) da contestação e que aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais: "O Decreto-Lei n.º 77/84, determina que a propriedade de todos os edifícios escolares do ensino primário construídos pelo Governo passe a ser das Câmaras Municipais….”.
Ora, relativamente ao edifício escolar em causa nestes autos, não foi o DL 77/84 de 8/03 que transferiu para a A. a propriedade da mesma. Como dissemos, o edifício em causa já era propriedade da A., nos termos do art. 5º do DL nº 35769 de 27.07.1946. O art. 13º do DL 77/84 [8], aplica-se, pois, a outros casos que não o dos edifícios escolares construídos em execução do Plano dos Centenário.
Não subsistem, por tudo o referido, a nosso ver, quaisquer dúvidas sobre a titularidade do direito de propriedade do edifício escolar, neste incluído o logradouro e muros de vedação.
Consequentemente, quando a COFENA-Companhia do Ferro Nacional alienou o prédio misto aos recorrentes não vendeu, nem podia vender, o edifício escolar porque não era de sua propriedade [9] e, se o fizesse, a mesma seria nula nos termos do art. 892º do Código Civil.
Acresce que, como se referiu na douta sentença recorrida, ilação que subscrevemos, os factos provados não permitem “concluir que o prédio identificado em 11[10] da escritura de 1972, seja o dos autos” [11].
Importa ainda que se diga uma palavra quanto aos factos provados e consignados sob os nºs 45 e 46 dos quais os recorrentes pretendem extrair a conclusão de que “no prédio misto denominado «Mina da Orada» não existe nem nunca existiu qualquer imóvel do Estado”:
“45. - Por ofício n.º 8719 de 25.07.2002 da Direcção-Geral do Património subscrito pela Directora de Serviços, sob o assunto Herdade do Carvalhal, junto como Doc.25 (fls.105) consta, para além do mais: "Relativamente ao solicitado na sua carta datada de 14 de Março último, informo V.Exª. de que não foi possível concluir pela existência de imóveis do Estado na citada herdade, conforme informação enviada pelo Serviço de Finanças de Serpa, de que se anexa fotocópia." (Y dos factos assentes). 46. - E na informação junta ao ofício aludido em Y) consta, para além do mais: "Consultados os elementos existentes no Serviço de Finanças de Serpa, assim como através da visita "in loco" e consulta ao actual proprietário, não foi possível verificar a existência de quaisquer imóveis pertencentes ao Estado, no já referido artigo 3 da Secção F." (2 dos factos assentes)”.
Com todo o respeito, mesmo que fosse verdade tal conclusão ou que os documentos em que se fundamenta tivessem força probatória plena, e não têm, ainda assim não se poderia concluir que o edifício escolar não é propriedade da recorrida Câmara Municipal de Serpa.
Desde logo, o que se refere nos documentos é a inexistência de prédios propriedade do Estado.
Ora, como cremos ter demonstrado, nos termos da lei, o edifício escolar em causa é, e sempre foi, propriedade da Câmara Municipal de Serpa e não do Estado.
Por outro lado, o que no ofício referido no nº 45 se diz é que não foi possível saber se existiam imóveis do Estado (o que é bem diferente da afirmação de que não existem), para além de que tal comunicação teve por base “informação enviada pelo Serviço de Finanças de Serpa”. E esta informação (nº 46) foi dada com base na consulta dos “elementos existentes no Serviço de Finanças de Serpa, assim como através da visita "in loco" e consulta ao actual proprietário”. Estas fontes, porém, apenas permitiram concluir que “não foi possível verificar a existência de quaisquer imóveis pertencentes ao Estado”, o que não significa que não possam existir.
Vem colocada a questão de saber se a recorrida tem a posse ou a detenção do prédio objecto desta acção.
Entendeu o tribunal “a quo” que a propriedade do prédio adveio à recorrida por usucapião ocorrida em 1.10.1980, pelo facto de se tratar de um bem integrado no domínio privado do Estado.
Discordamos, contudo.
A propriedade não adveio à recorrida por usucapião, mas por determinação legal e desde a sua construção, nunca tendo estado integrada no domínio privado ou público do Estado.
Nos termos do artigo 1251º do Código Civil, posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
É “o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius: do direito real correspondente a esse exercício). Envolve, portanto, um elemento empírico - exercício de poderes de facto - e um elemento psicológico-jurídico - em termos de um direito real. Ao primeiro é que se chama corpus e ao segundo animus”[12]. “...É a retenção ou fruição do direito de propriedade, dos direitos reais que implicam retenção ou fruição e dos direitos pessoais que recaem sobre as coisas e se exercem no interesse do seu titular... sendo constituída por dois elementos: um material (o corpus) – retenção, fruição ou possibilidade de fruição de um daqueles direitos; o outro intencional (o animus sibi habendi), isto é, a intenção de exercer um poder sobre as coisas (o direito de propriedade, de servidão, de arrendamento) no próprio interesse”[13].
Como dissemos, a recorrida é, desde a sua construção, a titular do direito de propriedade do edifício escolar [14], sendo a posse inerente ao próprio direito de propriedade, embora possa ser exercida por intermédio de outrem (art. 1252º/1 do CC).
Não vem provado qualquer acto de terceiro (até Março de 2006) capaz de inverter o título de posse.
Vem, por outro lado, provado que a autora desde sempre, conservou o edifício e colocou grades de ferro nas janelas e antenas, que efectuou, de novo, obras de reparação e melhoramentos, em 1998 data em que colocou equipamento de diversão, mobiliário e aparelho de televisão, para colaboração com fins lúdicos e de convívio do Centro Cultural e Recreativo da Mina da Orada.
Não há dúvidas de que tratando-se de um edifício escolar, destinava-se a ser usado como escola primária.
E, efectivamente, vem provado que desde a sua edificação a Escola Primária funcionou ao longo dos anos, de forma ininterrupta até ao início do ano lectivo de 1989/1990 [15], data em que o respectivo funcionamento foi suspenso por força do Despacho 49-A/SEAM/SERE/89, publicado em 24/01/90, no DR, n.º 20, II Série.
Não vem alegado nem provado qual era a entidade responsável pelo funcionamento da escola enquanto estabelecimento de ensino, pese embora seja facto notório que tal incumbência cabia ao ministério da educação, qualquer que fosse a sua efectiva denominação, sabido como é ser usual a alteração desta pelos diversos governos.
Não importa para o caso qualificar se a utilização do edifício para o ensino configura posse ou mera detenção, não só porque inexistiu ao longo dos tempos qualquer inversão do título possessório, como o diferendo sobre a propriedade não é entre a recorrida e o Estado, mas entre aquela e os recorrentes.
Mas ainda assim se dirá não haver dúvidas de que, pelo menos com a entrega do edifício ocorrida em 1958, a A. passou a deter a posse. Por outro lado, parece também ser incontestável que, novamente a partir de 19 de Novembro de 1997 a A. regressou à posse [16].
Estabelece o art. 1254º, nº 1 do CC que “se o possuidor actual possuiu em tempo mais remoto, presume-se que possui igualmente no tempo intermédio”.
É certo que vem provado que o autor, mais recentemente, cedeu o edifício ao Centro Cultural e Recreativo da Mina da Orada.
Porém, esta cedência não significa que tenha ficado desapossado, mas tão só que essa posse passou a ser exercida através do referido Centro Cultural, de tal forma que efectuou, de novo, obras de reparação e melhoramentos, em 1998 data em que colocou equipamento de diversão, mobiliário e aparelho de televisão, para colaboração com fins lúdicos e de convívio daquele Centro Cultural.
Cremos, com o referido, estar já em condições de poder responder à questão proposta.
E fazendo-o diremos que a recorrida teve a posse do prédio objecto desta acção, pelo menos, até Março de 2006.
2 - Se, tendo a posse, a perdeu.
Na tese dos recorrentes a recorrida perdeu a posse com o abandono do edifício [17].
Porém, nenhum facto vem provado que demonstre que a recorrente tenha abandonado o prédio.
Acresce que a recorrida é, e sempre foi, a proprietária do imóvel. Por conseguinte, mesmo que se admitisse a possibilidade do abandono da posse (e não do direito de propriedade), o mesmo seria ineficaz relativamente ao direito de propriedade, para além de que, a posse só é passível de alterar a titularidade do direito de propriedade se reunidos os requisitos da usucapião.
Conclui-se do referido que não só não existe abandono como, mesmo que existisse, seria ineficaz relativamente do direito de propriedade cujo reconhecimento vem pedido pela A.
Referem os recorrentes: “A perda da posse, caso se entendesse existir a favor do Município, também se daria nos termos da alínea c) do art. 1267.º do Código Civil, na medida em que: “em data não apurada mas próxima a 8 de Março de 2006, a porta de acesso ao edifício foi arrombada e as fechaduras de entrada substituídas, pelos Réus” (cfr. ponto 48 dos factos provados); O que no entender dos aqui Recorrentes, consubstancia uma situação de perda de posse pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, por a nova posse ter durado por mais de um ano”.
Mas, como dissemos, mesmo aceitando que estes actos configuram um efectivo desapossamento e a entrada dos recorrentes na posse do prédio, tal posse, pela sua duração, não tem qualquer relevância relativamente ao direito de propriedade. Acresce que, aquando da instauração da presente acção, apenas haviam decorrido cerca de nove meses sobre os actos turbadores da posse da A. (arts. 268º e 663º do Código de Processo Civil).
Refira-se, por outro lado, que os factos provados de que em data não apurada mas próxima a 8 de Março de 2006, a porta de acesso ao edifício foi arrombada e as fechaduras de entrada substituídas, pelos réus, que foram colocadas correntes de ferro e cadeado numa das portas e que em virtude d[esses] factos…, está impedido o acesso do prédio à autora e à associação ao interior do edifício, não significam que a A. perdeu a posse, mas apenas que os recorrentes praticaram actos ofensivos dessa posse, sendo que contra eles reagiu intentando a presente acção.
Podemos, assim, concluir que a A. não perdeu a posse para os recorrentes, até porque, para além daqueles, não foram alegados nem provados quaisquer outros factos que demonstrem que aqueles vêm praticando quaisquer outros actos demonstrativos de que estão a possuir o prédio.
Mas mesmo que a tivesse perdido, como alegam os recorrentes, seria absolutamente ineficaz, porque não decorreram quaisquer dos prazos legais para aquisição da propriedade por usucapião.
3 - Se os apelantes são os donos e possuidores do prédio em causa.
Esta pergunta já está respondida no que anteriormente dissemos, tornando-se fastidioso tecer aqui outros considerandos, pelo que nos limitaremos a responder que os apelantes não são os donos nem possuidores do prédio em causa.
E, não o sendo, é óbvio que o pedido reconvencional não poderia proceder, como não procedeu.
Não só não está provado que o prédio aqui em causa seja o que está registado a favor dos apelantes como, mesmo sendo-o, a presunção que dele resulta está manifestamente ilidida, para além de que se trata de mera presunção sem capacidade para tirar ou conferir a titularidade do direito.
Quanto à inscrição na matriz dir-se-á apenas que não constitui qualquer presunção de propriedade, sendo a matriz mero cadastro dos prédios com incidência fiscal [18].
Impõe-se, por conseguinte que se confirme a douta sentença recorrida, embora por fundamentos diversos dos ali exarados.
Em suma, o recurso não merece provimento. DECISÃO Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em negar provimento ao recurso;
2. Em confirmar, embora por fundamentos diferentes, a douta sentença recorrida;
3. Em condenar os recorrentes nas custas.
Évora, 31.05.2012
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos)
__________________________________________________
[1] Relatório elaborado com base no constante da douta sentença recorrida.
[2] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[4] Plano dos Centenários constituiu um projecto de construção de escolas em larga escala, levado a cabo pelo Estado Novo em Portugal, a partir de 1941, na sequência da promulgação das bases da reforma do ensino primário pela Lei nº 1969, in DR. nº 115, Série I de 20.05.1938. O plano deve o seu nome ao terceiro centenário da Restauração da Independência e ao oitavo centenário da Independência de Portugal, comemorados, respectivamente em 1940 e 1943.
As comemorações dos centenários integraram, para além do programa de construção de escolas, diversos outros eventos como a “Exposição do Mundo Português” que decorreu em 1940 (cfr. sobre o tema, http://www.infopedia.pt/$exposicao-do-mundo-portugues); http://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_dos_Centen%C3%A1rios; “História de Portugal”, Direcção de José Mattoso, 7º vol., pág. 294; Século XX, Homens, mulheres e factos que mudaram a história, edição de “0 Público”, p. 333
[5] Este conjugado com a Portaria nº 15760, in Diário do Governo, nº 50, Série I de 9.03.1956.
[6] Corpo administrativo é todo o órgão colegial executivo encarregado da gestão permanente dos assuntos duma autarquia – Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 1-475
[7] Arts. 1º do DL 35769 de 27.07.1946 e 2º do DL 39982 de 21.12.1954, atrás reproduzidos.
[8] Nos termos do art. 8º, al. e) nº 2 do DL 77/84, passou para a competência dos municípios a realização de investimentos públicos relativos às escolas dos níveis de ensino que constituem o ensino básico.
[9] “Nemo plus juris in alium transferre potest quam ipse habet”.
[10] "Um bloco de rés-do-chão com três divisões e lavabos, com a superfície de 155 m2 e alpendre de 25,60m2, sito na mina da Orada", o que totaliza a área de 180,6 m2. A escritura nada refere quanto a logradouro ou área envolvente, sendo certo que, como se realça na douta sentença recorrida, no caso da escola dos autos, até está murada.
Não pode também deixar de se destacar a falta de coincidência entre o prédio referido no nº 11 da escritura com o constante do registo “(...) r/c com 2 divisões, 4 casas de banho; área coberta - 175 m2; valor patrimonial: € 3.645,00; artigo – 2271”.
[11] «Provou-se que "A área coberta do edifício, denominado Escola Primária da Mina da Orada é de 177,84 m2" (factos descritos em 16). Não se provou, nem sequer se alegou, qual a estrutura interna do referido edifício. Acresce, ainda, a área envolvente de 1049,96 m2, murada (factos descritos em 12 e 17)» - Fls. 346 e 347 da douta sentença recorrida.
[12] Orlando de Carvalho, in INTRODUÇÃO À POSSE, RLJ Ano 122º, nº, 3781, págs. 104 e 105.
[13] MANUEL RODRIGUES, in A POSSE, ESTUDO DE DIREITO CIVIL PORTUGUÊS, Coimbra, 1981, pág. 101.
[14] Consubstanciando a entrega ocorrida 1.04.1958 (documento de fls. 16 - “AUTO DE ENTREGA DE EDIFÍCIO ESCOLAR”) mero acto formal de investimento na posse.
[15] Remissão feita no nº 28 dos factos provados para a al. F) dos factos assentes.
[16] Nº 31 dos factos provados: Por documento denominado de “Auto de devolução" junto como Doc.2 (115.61) da contestação que aqui se dá por reproduzido, consta para além do mais, que: "Aos 19 dias do mês de Novembro de 1997 compareceram perante mim, (...) José Jacinto Sargento Valente, Vereador da Câmara Municipal de Serpa, em representação desta Câmara Municipal, (...) como 1° Outorgante e António Maria Louro Alves, Director de Serviços de Recursos Materiais da Direcção Regional de Educação do Alentejo, nomeado representante do Ministério da Educação por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Educativa, de 97.10.07, como 2° Outorgante, para proceder à devolução da posse dos edifícios onde funcionaram as escolas primárias constantes da lista anexa, as quais deixaram de funcionar por inexistência de alunos, tendo as suspensões sido publicadas nos Diários da República constantes da já referida lista anexa. Pelo 1° Outorgante foi dito que aceita a devolução do bem atrás descrito, o que é propriedade da sua representada, conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 77/84, renunciando a qualquer exigência quanto ao mesmo, nomeadamente à reclamação de pagamento de indemnização. Nestes termos o 2° outorgante deu a devolução por efectuada, sem mais formalidades, e por se encontrar verificado o requisito legal. (...)".
[17] “O abandono importa a existência de um acto material por virtude do qual o corpus deixa de existir, praticado intencionalmente. Há portanto no abandono, tanto a perdado elemento material como do elemento intencional e por isso se distingue da inacção em que há ou pode haver um corpus contrário, mas não praticado com a intenção de perder a posse”. (…) As modalidades que o acto material deve revestir para que haja abandono, variam conforme o objecto é móvel ou imóvel. (…) Em relação aos imóveis há que distinguir-se o abandono do direito de propriedade do abandono dos direitos reais. No primeiro caso…, como o direito não é susceptível de se perder por abandono, parece que, enquanto houver possibilidade de repetir o acto de apreensão, a posse subsiste. Manuel Rodrigues, A POSSE, 1981, pág. 266 e 267.
“Abandono é a forma de extinção de direitos reais pela vontade dos seus titulares quando estejam em causa coisas móveis”. Menezes Cordeiro, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 1980, 2º, pág. 233.
“Nem sempre é legalmente possível o abandono dum direito. Por exemplo, o direito de propriedade sobre imóveis ou o direito de superfície não podem ser abandonados (renunciados)”…”O abandono de coisas imóveis não é admitido, com carácter geral, em nenhuma disposição do novo Código. Excepcionalmente, prevê o artigo 1397º o abandono das águas originariamente públicas, além dos casos de renúncia como processo do renunciante se eximir ao cumprimento de uma obrigação legal…”. Pires de Lima e A. Varela, CÓDIGO CIVIL ANOTADO, III, págs. 33 e 125 (2ª edição).
[18] Cfr. Ac. do STJ de 14.10.2003, documento nº SJ200310140026721, in www.dgsi.pt.