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LITISPENDÊNCIA
REQUISITOS
ACÇÃO PREJUDICIAL
AQUISIÇÃO DERIVADA
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
Sumário
1 – Para que se verifique a repetição da causa impõe-se que, cumulativamente, se verifique a identidade das partes, do pedido e da causa de pedir. 2 – Inexiste identidade de causas de pedir se numa acção se pede o reconhecimento do direito de propriedade com base na presunção resultante do registo e na aquisição derivada e na outra se peticiona esse reconhecimento com base na aquisição originária – usucapião. 3 – Não se verifica também qualquer situação de prejudicialidade entre as acções referidas no número anterior. 4 – O reconhecimento do direito de propriedade com base na usucapião, porque de aquisição originária se trata, extingue o direito reconhecido com base na aquisição derivada e na presunção registral.
Sumário do relator
Texto Integral
A [1]ASSOCIAÇÃO…, com sede na Rua…, o CENTRO…, com sede na Rua Dâmaso da Encarnação, nº 4, em Olhão, o GRUPO DE BEM-FAZER CELEIRO DO AMOR, com sede na Rua… e a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA, com sede na Rua… instauraram contra V… e mulher M…, a presente acção declarativa sob a forma ordinária, pedindo a condenação destes a restituírem-lhes os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob os números 00812/911206 e 198, ambos da freguesia do Pechão, concelho de Olhão, já registados em nome das Autoras, bem como a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça a utilização por parte delas dos referidos prédios.
Como fundamento alegaram que são donas e legítimas proprietárias daqueles prédios, um composto de cultura arvense e regadio agrícola, com área de 146.800 m2, sito em Joinal ou Bela Mandil e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 198/260886, freguesia de Pechão, e o outro, um prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o número 00812/911206, freguesia de Pechão, os quais advieram ao seu domínio por testamento outorgado por E…, que instituiu única e universal herdeira de todos os seus bens, direitos e acções, M…, dispondo, no entanto, que se falecesse sem deixar descendentes legítimos, instituía por únicos e universais herdeiros de todos os seus bens, direitos e acções, em partes iguais, as casas de caridade da Vila de Olhão, que se achassem legalmente constituídas.
A M… faleceu a 17 de Janeiro de 1946, sem deixar descendentes, nem ascendentes vivos, tendo vendido a J… e mulher C… os prédios objecto da presente acção, apesar de todos terem conhecimento do teor do testamento acima mencionado. Por escritura pública datada de 12 de Agosto de 1992, o J… e mulher, venderam aos Réus os prédios em causa.
As vendas referidas foram declaradas nulas e os registos de aquisição efectuados cancelados, na sequência de acções intentadas pela 1ª A.. Em 3 de Setembro de 2007, as Autoras escreveram aos Réus exigindo a entrega dos prédios, o que não fizeram.
Regularmente citados os Réus contestaram, requerendo a suspensão desta acção por pendência de causa prejudicial, o processo n° 257/04.8TBOLH - onde peticionam o reconhecimento do seu direito de propriedade, adquirido por usucapião, relativamente aos mesmos imóveis. Excepcionaram também a litispendência entre as duas acções. Alegaram ainda que adquiriram por usucapião o direito de propriedade que incide sobre os prédios aqui reivindicados pelas Autoras.
As Autoras replicaram, pugnando pela improcedência da invocada litispendência, porquanto entre as duas acções inexiste identidade de sujeitos e de objecto.
No saneador, foi julgada improcedente a excepção da litispendência e indeferida a requerida suspensão pelo facto de se ter entendido inexistir a invocada prejudicialidade.
Entendendo-se que os autos forneciam todos os elementos necessários à decisão, foi proferida sentença julgando a acção procedente e a AA declaradas donas e legítimas proprietárias dos prédios em causa e os RR condenados a reconhecerem “tais direitos de propriedade sobre os ditos imóveis, abstendo-se de praticar qualquer acto que impeça a utilização dos mesmos por parte das Autoras” e “a restituírem os imóveis às Autoras”.
Inconformados com estas decisões, interpuseram os RR. o presente recurso de apelação, impetrando a anulação da “decisão agora recorrida, devendo essa decisão ser substituída por outra que: 10 - absolva os ora Recorrentes por motivo de existência de uma excepção dilatória de litispendência, nos termos e para os efeitos dos artigo do 493.º n.º 2, 494.º alínea i), 497.º e 498.º do C.P.C. 20 - se anule a sentença que determinou a propriedade e posse das Recorridas sobre os referidos imóveis Em consequência extinga a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 288 n.º 1 alínea e) do C.P.C. Ou, por mero patrocínio se suspenda a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º n.º 1 alínea c) do C.P.C., até decisão no Processo n.º 257/04.8TBOLH do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão e que após sentença naquele se marque o respectivo julgamento nos presentes autos”.
As AA. contra-alegaram pugnando pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Formularam os apelantes, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [2] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: “1ª - Os Recorrentes, e como resulta demonstrado nos presentes autos, intentaram uma acção em 2004, onde reivindicam a propriedade, por usucapião, do prédio descrito sob o número 812/19911206 da Conservatória do Registo Predial de Olhão da freguesia de Pechão e inscrito na matriz sob o n.º 30 e do prédio descrito sob o artigo 198/19860826 da Conservatória do Registo Predial de Olhão, da freguesia de Pechão e inscrito na matriz sob o n.º 31 - Processo n.º 257/04.8TBOLH do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão. 2a - Aquela mencionada acção ainda corre os seus trâmites, não existindo ainda sentença na mesma. 3a - Naquela acção os ora Recorrentes são Autores, sendo que foi pedida a habilitação das ora Recorridas no aludido processo intentado em 2004. 4a - Em 2008, as ora Recorridas intentaram a presente acção reivindicando a restituição da posse sobre os prédios descritos na 1ª, e necessariamente reivindicando o reconhecimento da propriedade sobre aqueles imóveis, conforme posição da Jurisprudência que tem entendido que quando falte o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, pode e deve entender-se como abrangido implicitamente no pedido de restituição da coisa. Ora a presente acção intentada pelas AA., apesar de não conter expressamente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre os imóveis, como já foi supra referido, face ao pedido de restituição dos mesmos, configura-se como acção de reivindicação. 5ª - No Processo nº 257/04.8TBOLH do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão e nos presentes autos há uma identidade de sujeitos (quanto à qualidade invocada), pedido e causa de pedir, conforme alegado e demonstrado no nosso ponto A). 6ª - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica. Assim, o facto de numa das acções figurar como autor quem na outra acção figura como réu não compromete nem destrói a identidade dos litigantes, as partes são as mesmas embora ocupem posições opostas em cada um dos processos. Ou seja, as Recorridas nos presentes autos são Autoras e na outra acção são habilitadas ou seja, impugnam o direito reivindicado pelos ora Recorrentes e Réus, tendo posição oposta destes; e os ora Recorrentes na outra acção são Autores e nesta acção são Réus, ou seja, têm posições opostas. 7ª - Há identidade de pedido porque numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Para haver identidade de pedidos, o direito subjectivo, cujo reconhecimento ou protecção se pede, tem que ser o mesmo, independentemente da sua expressão quantitativa. O que é necessário é que, em cada uma das acções, se peça a mesma coisa em substância, não prejudicando a identidade do pedido o facto de na primeira se pedir o todo e na segunda apenas parte. Ora no caso concreto ambas as partes pretendem que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre os referidos imóveis, ou seja, o reconhecimento de um direito real. 8ª - Há identidade de causa de pedir porque a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, ou seja, do reconhecimento da propriedade sobre aqueles imóveis. Assim, em ambas as acções reivindica-se a propriedade de um imóvel, onde a causa de pedir é o direito de propriedade quer "este direito proceda duma determinada compra e venda, ou duma doação, ou dum testamento, é indiferente: a causa de pedir não muda. 9ª - A figura da litispendência visa obstar a que a mesma questão jurídica, materializada na formulação da mesma pretensão, com base na mesma factualidade, seja objecto de duas ou mais acções que tenham as mesmas partes, evitando a duplicação de custos e recurso de meios e que existe a final um conflito de decisões entre os Tribunais de cada processo. 10ª - A litispendência é uma excepção dilatória, nos termos e para os efeitos do artigo 494.º alínea i) do C.P.C., e nesse sentido deveria o Tribunal a quo determinar a absolvição da instância dos Recorrentes, e nos termos dos artigos 493.º n.º 2 e 288.º n.º 1 e) do C.P.C. determinar a extinção da instância. 11ª - Ou, em última análise deveria ter sido determinado pelo Tribunal a quo a suspensão da instância, nos termos e para os efeitos dói artigo 276.º n.º aliena c) do C.P.C. 12ª - Por todo o exposto nos nossos pontos A) a C) a sentença ora recorrida deverá ser anulada, por manifesta violação dos artigos 497.º, 498.º e 493.º n.º 2 do C.P.C, anulando por isso o reconhecimento da propriedade dos imóveis em análise por parte das Recorridas, bem como a anulação da posse às Recorridas sobre os imóveis.” ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber: 1 - Se se verifica a excepção da litispendência entre a presente acção e a 257/04.8TBOLH também pendente no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão; 2 – Se, em caso negativo, se verifica a prejudicialidade entre as duas causas devendo a presente ser suspensa até decisão daquela.
FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS
Foram considerados assentes os seguintes factos, sendo certo que não vem questionada esta factualidade (pese embora a referência feita pelos recorrentes nas alegações quanto à inexistência de registo definitivo a favor das AA, mas que não foi levada às conclusões) [3]: “1) Encontra-se registada a favor das Autoras a aquisição por sucessão testamentária do prédio composto por cultura arvense e regadio agrícola, com área de 113.200 m2, sito em Bela Mandil ou Joinal, freguesia de Pechão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 812/19911206 e inscrito na matriz sob o nº 30: 2) Encontra-se registada a favor das Autoras a aquisição por sucessão testamentária do prédio composto por cultura arvense e regadio hortícola, com área de 146.800 m2, sito em Bela Mandil ou Joinal, freguesia de Pechão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 198/19860826 e inscrito na matriz sob o nº 31; 3) Por escritura pública datada de 13 de Abril de 1945, exarada na Secretaria Notarial da Comarca de Olhão, folhas 10 e verso do livro nº 16, incorporado no Arquivo Distrital de Faro, E… outorgou um testamento em que nomeou sua testamenteira M…, instituindo-a por única e universal herdeira de todos os seus bens, direitos e acções, dispondo no entanto que, se falecesse sem descendentes legítimos, então instituía por únicos e universais herdeiros de todos os seus bens, direitos e acções, em partes iguais, as casas de caridade desta vila, que se achem legalmente constituídas; 4) Por escritura pública datada de 19 de Abril de 2007, exarada no Cartório Notarial de Lisboa, sito na Rua Mouzinho da Silveira, nº 32. 1º e 2º andares, folhas 34 a 35 do livro na 132 de escrituras diversas, J…, M… e V… declararam (na parte que ora interessa) que "M… faleceu no estado de solteira, no dia 6 de Dezembro de 2005, na freguesia de Faro (Sé), concelho de Faro, sem descendentes legítimos"; 5) Declararam, ainda, que "são únicas e universais herdeiras do falecido E… as seguintes instituições: a) Associação…, com sede na Rua…; b) Centro…, com sede em …; c) Grupo…, com sede na Rua…; d) Santa Casa da Misericórdia, com sede na Rua…”; 6) Em 10 de Abril de 1946 foi apresentada relação de bens do falecido E…, por M…, constituída por 18 bens móveis e 23 imóveis, na Secção de Finanças do Concelho de Olhão, a fim de ser junta aos "Autos de Liquidação do imposto de sucessão e doações", proc. nº 5849 do ano de 1946, que tiveram início em 15 de Fevereiro de 1946; 7) Do livro das descrições prediais consta o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o nº 14.376. sito em Bela Mandil, freguesia de Pechão, denominado de "Joinal", do qual foi desanexado o prédio com o na 198/260886, pela Ap. nº 06/260886; 8) Por escritura pública datada de 16 de Junho de 1986, exarada de folhas 73 a 74 do Livro de notas para escrituras diversas nº 178-B do Cartório Notarial de Lagoa, M… declarou vender a J…, casado com C… no regime de comunhão de adquiridos, pelo preço de vinte milhões de escudos um prédio rústico sito em Bela Mandil, denominado "Joinal", freguesia de Pechão, concelho de Olhão, inscrito na matriz predial sob o artigo 1769, anteriormente inscrito na matriz predial sob o artigo 876, do qual proveio pelo processo de desanexação e verificação de áreas nº 12/84; 9) Do prédio descrito sob o nº 198/260886, freguesia de Pechão, adquirido por J… e mulher, foram desanexados 193.200 m2 que deram origem às descrições nºs 00811 e 812/911206; 10) Por escritura pública datada de 27 de Junho de 1991, exarada de folhas 98 e verso do Livro 91-D do Cartório de A…, J… e mulher, C…, declararam vender a V… casado com M… sob o regime de comunhão de adquiridos, pelo preço de trinta milhões de escudos, um prédio rústico sito em Joinal, freguesia de Pechão, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o nº 198, anteriormente inscrito na matriz sob o nº 1769: 11) Por escritura pública datada de 12 de Agosto de 1992, exarada de folhas 60 e verso do Livro 236-B do Cartório de A…, J… e mulher, C…, declararam vender a V… casado com M… sob o regime de comunhão de adquiridos, pelo preço de trinta milhões de escudos, um prédio rústico sito em Bela Mandil, freguesia de Pechão, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o nº 198, anteriormente inscrito na matriz sob o nº 31, secção N1 a N2; 12) Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora - Proc. nº 1349/02, 2ª Secção - e Acórdão do STJ, de 23 de Outubro de 2003, foram declaradas nulas as seguintes vendas, e ordenado o cancelamento dos respectivos registos de aquisição: a) A efectuada pela M… a J… e mulher, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o número 00198/260886: b) Sendo que deste prédio foram desanexados os descritos sob os números 00811/911206 e o 00812/911206, a venda deste último efectuada por J… e mulher aos RR. V… e mulher em 27 de Junho de 1991; c) A do prédio descrito sob o número 00811/911206, efectuada por J… e mulher à sociedade "A…, Lda.", em 2 de Abril de 1994, no Cartório Notarial de Olhão. 13) Por sentença proferida no dia 12 de Maio de 2006, no processo nº 734/04.0TBOLH que correu no Tribunal Judicial de Olhão, 3º Juízo foi declarada nula a escritura de compra e venda de 12 de Agosto de 1992, celebrada no Cartório Notarial de Olhão, em que J… e mulher C…, declararam vender pelo preço de trinta milhões de escudos, a V…, casado com M…, no regime de comunhão de adquiridos, o prédio rústico sito em Joinal, freguesia de Pechão, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o número 198 (Pechão) e inscrito na matriz predial sob o artigo 31N1 a N2, e ordenado o cancelamento do registo da referida aquisição na Conservatória do Registo Predial de Olhão.”
Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [4].
1 - Se se verifica a excepção da litispendência entre a presente acção e a 257/04.8TBOLH também pendente no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão.
Nos termos dos arts. 497º e 498º do Código de Processo Civil, verifica-se a litispendência quando se repete uma causa, estando a anterior ainda em curso.
E para que uma causa se repita exige-se que se verifique entre elas identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedidos.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Estamos, inquestionavelmente perante requisitos cumulativos e, por isso, a excepção não se verificará se um deles não se preencher ainda que os demais se apurem.
Vejamos então se entre as duas acções existe identidade de sujeitos.
Refira-se que os sujeitos, para efeitos de litispendência ou de caso julgado, não são as concretas pessoas demandadas, mas os titulares (únicos) da relação jurídica cuja tutela jurisdicional se pretende, independentemente da sua identidade [5] e da sua posição processual, ou seja, mesmo que numa uma das partes figure como autor e na outra como Réu.
Na presente acção são AA. a Associação…, o Centro…, o Grupo… e a Santa Casa da Misericórdia e RR. V… e mulher M...
No processo 257/04.8TBOLH, como se vê da certidão de fls. 359, figuram como AA. V… e mulher M… e Ré M...
É assim patente que não existe identidade de sujeitos já que as partes não são as mesmas em ambas as acções, pese embora esteja em causa a titularidade da propriedade dos mesmos prédios.
Invocam os recorrentes e resulta da certidão de fls. 319 que, tendo falecido a ali Ré M… requereram a habilitação das aqui AA. para com elas prosseguir a lide.
É certo que, como referimos, sendo os sujeitos, para efeitos de litispendência ou de caso julgado, não as concretas pessoas demandadas, mas os titulares (únicos) da relação jurídica cuja tutela jurisdicional se pretende, independentemente da sua identidade e porque nas duas acções está em causa a titularidade da propriedade dos mesmos prédios, impor-se-ia a conclusão de que, mercê daquela habilitação, se procedente, passaria a haver identidade de sujeitos.
Porém, como também está certificado a fls. 319 e segs., a habilitação em causa foi indeferida e, por este motivo, as aqui AA. não são parte naquela acção e daí a conclusão de que não se verifica a identidade de sujeitos em ambas as acções.
Porque, como dissemos, se trata de requisitos cumulativos, o facto das partes não serem as mesmas nas duas acções é quanto basta para conduzir a improcedência da invocada excepção da litispendência, como correctamente se decidiu na douta decisão recorrida.
Mas também a causa de pedir não é a mesma nos dois feitos.
Estabelece o art. 498º, nº 4 que nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real.
É, assim, óbvia a confusão dos recorrentes nas suas alegações a propósito da identificação da causa de pedir já que entendem que é o direito de propriedade. Mas, com todo o respeito, não têm razão.
Sendo a causa de pedir, como definido no preceito parcialmente transcrito, o facto jurídico de que deriva o direito real, ela será o facto donde deriva o invocado direito de propriedade cujo reconhecimento se pede, “o facto produtor dos efeitos jurídicos apontados pelo A.”[6] e não o direito em si mesmo.
Ora, as AA. pedem nesta acção, ainda que implicitamente, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os imóveis e a sua restituição, pelo facto de estarem registados a seu favor, sendo que tal registo ocorreu por força da aquisição derivada – sucessão testamentária.
A causa de pedir é pois, no caso, a presunção resultante do registo e a aquisição derivada, como acertadamente se concluiu na douta decisão recorrida.
Já naqueloutra acção os ali AA. e aqui RR. pedem o reconhecimento do direito de propriedade a seu favor, com base na aquisição originária por usucapião. E sendo, como é, a aquisição originária por usucapião a causa de pedir do reconhecimento do direito de propriedade, é óbvio que não existe identidade de causas de pedir nas duas acções.
Assim, também por aqui, não se verifica a litispendência.
Já, porém, concordamos com os recorrentes e como, aliás, se concluiu na decisão recorrida, que existe identidade de pedidos em ambas as acções apenas derivando no que tange ao respectivo titular.
Mas sendo, e repetimos, cumulativos os elencados requisitos, porque não existe identidade de sujeitos nem de causas de pedir, conclui-se que não se verifica a excepção da litispendência.
2 – Se, em caso negativo, se verifica a prejudicialidade entre as duas causas devendo a presente ser suspensa até decisão daquela.
A resposta a esta questão terá, igualmente, que ser negativa.
Como dissemos nesta acção está em causa, para além do mais, o reconhecimento do direito de propriedade com base na aquisição derivada e na presunção resultante do registo, enquanto que naqueloutra o pedido reconhecimento se baseia na aquisição originária.
Na aquisição originária “o direito adquirido não depende da existência ou extensão de um direito anterior, que poderá até não existir; quando o direito anterior exista, o direito não foi adquirido por causa desse direito mas apesar dele. Na aquisição originária a extensão do direito adquirido depende apenas do facto ou título aquisitivo”[7].
Temos assim que a procedência desta acção, já que baseada na aquisição derivada e na presunção resultante do registo, não prejudica nem impede a procedência daqueloutra baseada na aquisição originária. Sendo reconhecida aos aqui RR e acolá AA., a aquisição do direito por usucapião, o direito presumido (decorrente da presunção registral) e o decorrente da aquisição derivada extinguem-se porque incompatíveis com aquele.
Por conseguinte, a pendência da acção 257/04.8TBOLH não prejudica o prosseguimento desta acção, não se impondo a suspensão da instância.
Uma palavra final, aliás atrás prometida, para a referência feita pelos recorrentes nas alegações quanto à inexistência de registo definitivo a favor das AA., mas que não foi levada às conclusões.
Na douta sentença recorrida foi o pedido julgado procedente e reconhecido o direito de propriedade das AA. pelo facto dos prédios estarem registados a seu favor, presumindo-se, por conseguinte, titulares desse direito, uma vez que os RR. não ilidiram, como lhes competia, tal presunção.
Alegam os recorrentes, que o registo em causa é provisório e, por conseguinte, a invocada presunção da propriedade não existe.
Mas não têm razão.
Efectivamente, como consta dos documentos de fls. 17 a 29, o registo era efectivamente provisório aquando da propositura da acção. Porém, como se vê da certidão de fls. 343 e segs., o registo a favor das AA era já definitivo aquando da prolação da sentença, tendo sido convertido oficiosamente em 25.07.2008 (cfr. certidão a fls. 347, 352).
Nos termos do art. 663º do Código de Processo Civil “…deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
A existência do registo definitivo da propriedade a favor das AA, impõe a presunção de que são efectivamente as titulares desse direito inscrito.
Competia aos RR. ilidir tal presunção alegando os factos pertinentes, o que não fizeram, como esclarecidamente se refere na douta sentença recorrida. Como não cumpriram tal ónus, e porque os autos forneciam já todos os elementos de facto para que se pudesse conhecer do pedido, impunha-se o conhecimento do mérito da causa no saneador com a procedência da acção.
Por conseguinte, também aqui falecem as razões dos recorrentes.
Em suma, o recurso não merece provimento. DECISÃO Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em negar provimento ao recurso;
2. Em confirmar as doutas decisões recorridas.
3. Em condenar os recorrentes nas custas.
Évora, 14.06.2012
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos)
________________________________________________
[1] Relatório elaborado a partir do relatório da douta sentença recorrida.
[2] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[3] Não deixaremos de abordar tal questão apesar de, porque não consta das conclusões, a tal não estarmos obrigados.
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[5] Cfr., entre outros os acs. do STJ de 9.10.97, proc. nº 97B378, documento nº SJ199710090003782, de 19.12.06, proc. nº 06B4246, documento nº SJ200612190042462, de 2.11.06, proc. nº 06B3027, documento nº SJ20061102030272 e de 23.11.08, proc. nº 08B2168, documento nº SJ200810230021682, todos in www.dgsi.pt.
[6] Ac. STJ de 27.01.1990, in BMJ 401/579.
A causa de pedir nas acções reais não é o direito que o A. se arroga, mas sim o facto ou factos jurídicos de que ele deriva. Ac. RP de 19.11.71, in BMJ, 211/329.
A causa de pedir, é o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão deduzida em juízo, “donde o Autor pretende ter derivado o direito a tutelar; o acto ou facto jurídico que ele aduz como título aquisitivo desse direito”. M. Andrade, in Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra Editora 1963, Pág. 297.
[7] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. págs. 360-366.