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CONTRADITA
ACAREAÇÃO
Sumário
1. A alegação de matéria destinada a abalar a credibilidade de um depoimento deve ser feita em contradita e não por meio de acareação. 2. Se o requerente não especifica o concreto aspecto da matéria de facto probanda em que se terá verificado contradição, o seu requerimento para realização de acareação de depoimentos não pode ser deferido.
Texto Integral
Processo n.º 26/11.9GAMCQ.E1 Reg. 877
Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos autos em referência, o arguido, A (melhor identificado a fls. 128), foi acusado, pelo Ministério Público, designadamente por, no dia 25 de Março de 2011, pelas 2 horas e 45 minutos, conduzir o veículo ligeiro de matrícula 42-55-JQ, circulando pela Rua Serpa Pinto, em Monchique, com uma taxa de álcool no sangue de 1,63 gramas/litro, assim incorrendo na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível nos termos do disposto nos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal.
O arguido foi submetido a julgamento, em processo comum.
No decurso da audiência de julgamento (sessão de 26 de Janeiro de 2012, cf. fls. 124-127), o Ex.mo Defensor do arguido requereu a acareação entre as testemunhas B e C.
Nos seguintes termos:
«Encontram-se reunidos os pressupostos legais da acareação.
Existe discrepância relevante, porque, susceptível de descridibilizar o depoimento da testemunha B relativamente à concreta questão de qual o exacto local onde ocorreu a abordagem da patrulha da GNR ao arguido e as circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação.
Requer que, relativamente a este supra mencionado ponto sejam acareadas as testemunhas B e C».
A tanto se opôs o Dg.mo Magistrado do Ministério Público.
Nos seguintes termos:
«O requerimento de acareação ora apresentado pela defesa não se nos afigura útil à descoberta da verdade, pois o objecto do processo prende-se com a prática de um crime de condução em estado de embriaguez, não sendo, para o efeito relevante, no presente caso, o local exacto onde foi feita a abordagem pela GNR. Assim pelo exposto não se encontram reunidos os pressupostos para a acareação e promovo se indefira».
Em sequência, a Mm.ª Juiz decidiu indeferir a acareação.
Nos seguintes termos:
«Atento o objecto dos presentes autos e a questão que a defesa pretende dirimir com a requerida acareação, tal diligência afigura-se absolutamente inútil e irrelevante, em nada adiantando quanto à decisão a proferir nos autos, encontrando-se o Tribunal totalmente esclarecido face aos elementos probatórios já produzidos.
Nesta conformidade não se afigurando útil à descoberta da verdade a requerida acareação, indefiro a mesma».
1.2 – Sentença
A final da audiência de julgamento, por sentença de 2 de Fevereiro de 2012, a Mm.ª Juiz decidiu nos seguintes termos:
«1 – Condenar o arguido A, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6 (seis euros), perfazendo a quantia de € 480 (quatrocentos e oitenta euros).
2 – Condenar o arguido A na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de quatro meses e quinze dias, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.»
2 – Recursos
O arguido interpôs recurso daquele despacho e desta sentença.
2.1 – Recurso interlocutório
2.1.1 – Recurso interposto pelo arguido – Pedido – Conclusões da motivação
O arguido pretende a revogação do despacho recorrido.
Extrai da motivação recursória as seguintes conclusões:
«1.ª Da leitura do auto de notícia, confrontada com o facto (de público conhecimento) de que entre o local do “cruzamento” e o da “intercepção” medeiam cerca de 12 km, com dezenas de curvas e dezenas de desvios, para a esquerda e para a direita, cerca das 02:45 da madrugada, e bem assim com as tão invocadas “regras da experiência”, resulta ser no mínimo questionável a propriedade das conclusões do OPC, de que “… o veículo de matrícula 42-95-JQ era conduzido por A…”
2.ª Daí que, no contexto, a requerida acareação devesse ter sido deferida, uma vez que se encontravam reunidos os respectivos pressupostos legais, que havia discrepância relevante nos depoimentos das testemunhas B e C, que a concreta questão acerca da qual se verificava essa discrepância, de saber do “… exacto local onde ocorreu a abordagem da patrulha da GNR ao arguido e as circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação…” era útil (à descoberta da verdade material) e era relevante (para a boa decisão da causa)
3.ª Disposições legais que não terão sido curialmente observadas: arts. 340.º, n.º 1, CPP (matricial princípio processual penal da obrigatória busca da verdade material) e 32.º, n.º 1 CRP (matricial princípio processual penal da obrigatória garantia de defesa)
4.ª Disposições legais que deveriam ter sido melhor observadas: as acima mencionadas, com o entendimento de que se justificaria/imporia o deferimento da requerida acareação
5.ª O despacho recorrido deveria ser assim nesses termos adequadamente revogado – com as consequências de lei».
2.1.2 – Resposta ao recurso – Conclusões da minuta
O Dg.mo Magistrado do Ministério Público no Tribunal a quo respondeu, defendendo que o recurso não merece provimento.
Extrai da minuta as seguintes conclusões:
«1. O arguido pretendia com a requerida acareação descredibilizar o depoimento da testemunha B, ora esta não é, certamente, a finalidade da prova por acareação, nem tão pouco pressuposto para a realização da mesma;
2. Para o preenchimento do tipo legal de crime pelo qual o arguido estava acusado é indiferente que o mesmo tenha conduzido 12 km, numa estrada com dezenas de curvas e desvios ou que, apenas, tenha conduzido 1 metro;
3. É também, indiferente o local em que a abordagem ao arguido é efectuada pela GNR, que, como é o caso dos autos, persegue o veículo conduzido pelo arguido e faz a abordagem após este ter estacionado.
4. A testemunha C apenas presenciou os factos posteriores à abordagem da GNR ao arguido;
5. Não havia contradição entre os depoimentos que fosse relevante e útil à descoberta da verdade, para que a prova por acareação fosse admitida, sendo a mesma manifestamente inútil».
2.2 – Recurso da decisão final
2.2.1 –Recurso interposto pelo arguido – Pedido – Conclusões da motivação
O arguido pretende ver-se absolvido.
Extrai da motivação recursória as seguintes conclusões:
«1.ª O Tribunal recorrido não deu o relevo que devia ter dado ao teor do auto de notícia
2.ª O Tribunal não deu o relevo que devia ter dado ao facto, objectivo, de conhecimento público e notório, de que esses 10 km são um percurso sinuoso
3.ª O Tribunal não deu o relevo que devia ter dado ao facto, objectivos, de conhecimento público e notório de que entre Casais e a Rua Serpa Pinto dista cerca de 10 km
4.ª O Tribunal não deu o relevo que devia ter dado ao facto, objectivo, de que tudo se passou de madrugada
5.ª O Tribunal não deu o relevo que devia ter dado ao facto, objectivo, de conhecimento público e notório, de que tudo se passou em troços de estrada que no seu conjunto incluem pelo menos 30 entroncamentos, uns para esquerda outros para a direita
6.ª O Tribunal não permitiu a pergunta de saber se o capot estava quente ao tempo da abordagem, cuja (não autorizada) resposta permitiria objectiva confrontação com a versão do próprio arguido – assim coarctando os direitos de defesa
7.ª O recorrente tem assim por incorrectamente julgado o ponto I, de II.2.1 da sentença (Fundamentação de facto – Matéria de facto provada)
8.ª Os supra mencionados factos, de conhecimento público e notórios, cuja referenciação (B.II.2-5), por razões de economia processual, se dá aqui por reproduzida, imporiam decisão diversa da apontada, mais exactamente a de a matéria de II.2.1 não ser dado como provada
9.ª Disposições legais que não terão sido curialmente observadas: arts. 340.º n.º 1, CPP (matricial princípio processual penal de vinculação à decoberta da verdade e à boa decisão da causa), 32.º n.º 1 CRP (matricial princípio processual penal da obrigatória garantia de defesa) e 32.º n.º 2 CRP (presunção de inocência)
10.ª Disposições legais que deviam ter sido melhor observadas: as acima mencionadas, com o entendimento de que se imporia o entendimento de que não é inexorável, não está para além da dúvida razoável, que, num percurso, sinuoso, de cerca de 10 km, de madrugada, em troços de estrada que no seu conjunto incluem pelo menos 30 entroncamentos – se possa afigurar como líquido que (a) o veículo detectado em Casais era o mesmo que o que foi abordado na Rua Serpa Pinto, e que não é inexorável, não está para além da dúvida razoável, que, num percurso sinuoso, de cerca de 10 km, de madrugada, em troços de estrada que no seu conjunto incluem pelo menos 30 entroncamentos, uns para a esquerda outros para a direita – se possa afigurar como líquido que o veículo abordado na Rua Serpa Pinto era (ou tinha sido) conduzido pelo arguido
11.ª Configura-se assim erro notório na apreciação da prova
12.ª E aquela (sim) legítima dúvida razoável deveria impor a absolvição – que pede».
2.2.2 –Resposta ao recurso – Conclusões da minuta
O Dg.mo Magistrado do Ministério Público no Tribunal a quo respondeu, defendendo que o recurso não merece provimento.
Extrai da minuta as seguintes conclusões:
«1. Não tendo o arguido indicado as concretas passagens em que fundamenta a impugnação da matéria de facto, como era seu dever, não podemos contra-alegar com a devida precisão;
2. O tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto dada como provada no depoimento da testemunha B, que, de uma forma espontânea, escorreita e coerente, depôs sobre os factos de que teve conhecimento directo;
3. A acusação contém, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3, nomeadamente, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena (…), ora foram esses factos que foram levados à acusação e que foram analisados e julgados em audiência de julgamento;
4. Toda a argumentação do recorrente não é mais do que dilatória, pois tenta trazer à discussão matéria fora do objecto do processo;
5. Na verdade, o recorrente põe em crise, no fundo e essencialmente, a forma como o tribunal apreciou a prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova inserta no artigo 127.º, do Código de Processo Penal;
6. Da sentença recorrida consta claramente os meios de prova tidos em consideração, encontrando-se devidamente fundamentado o processo lógico-dedutivo percorrido pelo Tribunal para chegar àquela decisão;
7. Inexiste qualquer violação das regras invocadas, encontrando-se a sentença recorrida nos limites do princípio da apreciação da prova, ou seja, o da livre apreciação da prova.»
3 – Admissão dos recursos
Os recursos foram recebidos, por despacho de 19 de Abril de 2012.
4 – Objecto dos recursos – Questões a examinar
Sabido que, afora as questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é demarcado pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação (artigo 412.º, do Código de Processo Penal), impõe-se, no caso, fazer exame das seguintes questões:
4.1 – Quanto ao recurso interlocutório
De saber se o despacho recorrido deve ser revogado, por inobservância do disposto nos artigos 340.º n.º 1, do Código de Processo Penal, e 32.º n.º 1, da Constituição.
4.2 – Quanto ao recurso da sentença
Agora alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas, importa examinar as questões: (a) de saber se a decisão recorrida padece de qualquer dos vícios prevenidos no artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal, designadamente se padece do vício que lhe vem apontado, de erro notório na apreciação da prova; e (b) de saber se a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5 – Do julgamento sobre a matéria de facto
Em 1.ª instância, sedimentou-se o julgamento sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
5.1 – Factos julgados provados
A Mm.ª Juiz estabeleceu a seguinte materialidade:
«1 – No dia 25/03/2011, pelas 2h45, o arguido conduzia o veículo ligeiro de matrícula 42-55-JQ, circulando pela Rua Serpa Pinto, em Monchique, com uma taxa de álcool no sangue de 1,63g/l.
2 – O arguido, ciente de que havia ingerido bebidas alcóolicas, sabia que não podia conduzir o veículo em tais condições.
3 – Previu a possibilidade de apresentar um teor de álcool no sangue dentro dos valores proibidos por lei e, aceitando essa possibilidade, assumiu a direcção do veículo.
4 – Actuou de forma livre e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5 – O arguido não regista antecedentes criminais.
6 – O arguido é operador de supermercado, auferindo mensalmente uma remuneração no montante de € 563 (quinhentos e sessenta e três euros).
7 – Vive sozinho, em casa pertencente à sua família.»
5.2 – Factos julgados não provados
Neste particular, a Mm.ª Juiz exarou o seguinte:
«Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.»
5.3 – Fundamentação
A Mm.ª Juiz fundamentou a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
«Nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração de prova, dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal.
A convicção do Tribunal sobre a factualidade considerada provada e não provada baseou-se na análise crítica e ponderada dos seguintes elementos de prova:
Para dar como provados os factos constantes da acusação, o Tribunal fundou a sua convicção no depoimento da testemunha B, militar da GNR que procedeu à fiscalização do arguido e que, por essa via, teve conhecimento directo dos factos, tendo deposto de forma absolutamente coerente, escorreita e espontânea. Com efeito, tal testemunha foi peremptória em afirmar que, em conjunto com outro militar da GNR, já falecido, seguiu no encalce de uma viatura que efectuou uma manobra brusca e não desligou os máximos, tendo verificado que a mesma era conduzida pelo arguido, pessoa que a testemunha conhece perfeitamente, em virtude de trabalhar num supermercado perto do posto da GNR de Monchique, sendo que a testemunha foi também inequívoca ao afirmar que desde que avistaram a viatura até ao momento em que interpelaram o arguido nunca o perderam de vista, pelo que pôde confirmar ao Tribunal, com absoluta certeza, que era o arguido que vinha a conduzir a viatura e que, submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, acusou a taxa constante do talão de fls. 17, o qual o Tribunal igualmente considerou.
Nesta conformidade, face ao modo totalmente transparente, esclarecedor e desinteressado como a testemunha B prestou o seu depoimento, o Tribunal formou a sua firme convicção no sentido de que os factos se passaram tal como pela mesma relatados.
Quanto à demais prova produzida, consigna-se que a mesma não se afigurou credível ao Tribunal, em virtude de se ter revelado incoerente, contraditória, vaga ou por não se alicerçar em conhecimento directo dos depoentes.
Assim, a testemunha C nenhum conhecimento directo tinha dos factos, uma vez que apenas viu o carro do arguido estacionado à porta deste e o mesmo a ser fiscalizado pelos militares da GNR.
As declarações do arguido e o depoimento da testemunha D, companheira deste, revelaram-se contraditórias entre si, para além de incoerentes, inverosímeis e contrárias às regras da experiência. Com efeito, a testemunha Ilda Santos referiu que tinha ido a um bar com o arguido (onde este ingeriu bebidas alcóolicas) e que, após, este conduziu a viatura até à porta de casa, onde ficaram dentro do carro a ouvir música durante mais de uma hora, pelo que o arguido não se encontrava a conduzir quando foi abordado pelos militares da GNR. Já o arguido referiu ter ido com a companheira ao bar e voltado a pé, sendo que quando chegaram à porta de casa decidiram ir ouvir música para o carro. Cremos que tais declarações e depoimento falam por si, pois, para além de contraditórios entre si e de terem sido infirmadas pelo depoimento da testemunha B, que se afigurou totalmente isento e credível, nos termos supra expostos, é completamente inverosímil e contrário às regras da experiência que uma pessoa regresse a pé de um bar de madrugada e que, ao chegar à porta de casa, decida ir ouvir música para o carro durante mais de uma hora.
Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se no Certificado do Registo Criminal do arguido e relativamente à sua situação pessoal, familiar e económica, mereceram crédito as suas declarações.»
6 – Apreciação
Como acima se deixou editado, importa fazer exame das seguintes questões: (a) quanto ao recurso interlocutório, de saber se o despacho recorrido deve ser revogado, por inobservância do disposto nos artigos 340.º n.º 1, do Código de Processo Penal, e 32.º n.º 1, da Constituição; adiante, (b) quanto ao recurso da sentença, importa (b1) saber se a decisão recorrida padece de qualquer dos vícios prevenidos no artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal, designadamente se padece do vício que lhe vem apontado, de erro notório na apreciação da prova; e (b2) saber se a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
6.1 – Quanto ao recurso interlocutório
O recorrente defende que deve ser revogado, por inobservância do disposto nos artigos 340.º n.º 1, do Código de Processo Penal, e 32.º n.º 1, da Constituição, o despacho que, no decurso da audiência de julgamento, indeferiu a acareação que requerera, entre duas das testemunhas inquiridas.
Vejamos.
Importa dar nota preliminar de que, em vista do disposto no artigo 400.º n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, se afigura discutível a recorribilidade da decisão, como a levada nos autos, que, no decurso da audiência de julgamento, indefere, fundamentadamente, requerimento do arguido no sentido de se proceder a uma acareação entre duas das testemunhas inquiridas.
Vejam-se (por mais recentes e significativos), (i) no sentido de que tal despacho não é recorrível, o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 2007 (Proc. 07P023), e, (ii) no sentido da recorribilidade de tal decisão, o acórdão, da Relação do Porto, de 1 de Abril de 2009 (Proc. 606/08, como os demais, citados e a citar sem menção de origem, disponíveis em www.dgsi.pt), e o acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 171/2005 (Diário da República, 2.ª série, de 26 de Setembro de 2002).
Sem embargo, afigurando-se que, no processo penal, a admissão da prova constitui o poder mais vinculado do juiz, não havendo «Estado de Direito onde o juiz tiver um poder discricionário de deferir ou indeferir a prova em processo penal», entende-se, de igual modo, que «o exercício deste poder é vinculado e sindicável» (Paulo Pinto de Albuquerque, «Comentário do Código de Processo Penal», Universidade Católica Editora – 2007, página 838, nota 10 ao artigo 340.º, do Código de Processo Penal).
Termos em que se afigura que é recorrível, nos termos prevenidos no artigo 399.º, do Código de Processo Penal, a decisão que, no decurso da audiência de julgamento, indefere, fundamentadamente, requerimento do arguido no sentido de se proceder a uma acareação entre duas das testemunhas inquiridas.
Adiante.
Como se vê da transcrição supra, o arguido recorrente requereu a acareação das testemunhas B e C «por existir discrepância susceptível de descredibilizar o depoimento do primeiro».
Ora, como é sabido, pois que resulta claro do texto e do cotejo entre o disposto nos artigos 640.º e 642.º, do Código de Processo Civil – aplicáveis ao processo penal por via do disposto no artigo 4.º, do Código de Processo Penal –, a alegação de matéria destinada a abalar a credibilidade de um depoimento deve ser feito em contradita, que não por meio de acareação.
Por outro lado, entende-se que quando – como é o caso – com o pedido de acareação, o requerente não especifica o aspecto concreto da matéria de facto probanda em que se terá verificado contradição, o correspondente requerimento não pode ser deferido.
Neste sentido, por mais recente e significativo, o acórdão, da Relação de Lisboa, de 15 de Janeiro de 2004 (Colectânea de Jurisprudência, 2004 – 1 – 65).
Assim, o requerimento em reporte não podia deixar de ser indeferido, como foi.
Sem embargo, vejamos ainda.
O preceituado no artigo 340.º, do Código de Processo Penal – que o recorrente afirma «não curialmente observado – na medida em que estabelece os princípios gerais da produção da prova, em forma de direito constitucional concretizado (cfr. artigos 20.º n.º 1, 32.º n.º 7 e 32.º n.º 1, da Lei Fundamental), alcança não apenas a admissão da prova relativa ao objecto do processo («para a descoberta da verdade»), como ainda a admissão da prova relativa às questões ou aos incidentes que se suscitam no decurso do processo (para a «boa decisão da causa»).
No caso, tanto quanto se pode entrever do doutamente alegado, a questão estaria mesmo situada no ponto respeitante à boa decisão da causa.
Só que o arguido não cuidou de traduzir, no requerimento formulado, a necessidade nem a utilidade da pretendida acareação para a boa decisão da causa.
E o Tribunal, de par com o dever oficioso de esclarecer a verdade, não pode deixar de fazer ponderação dos princípios constitucionais do julgamento no mais curto prazo e da continuidade da audiência (artigo 32.º n.º 2, da Lei Fundamental).
Por isso também que o requerimento não poderia lograr procedência.
Acresce que, mesmo no recurso, o recorrente não tira consequências do alegado, limitando-se a pretextar a revogação do despacho revidendo.
Em suprimento, dando por conhecida a distinção entre prova essencial, prova necessária e prova conveniente, e dando por sabido que a respectiva omissão traduz uma nulidade sanável [artigo 120.º n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal], uma irregularidade (artigo 123.º, do mesmo Código), ou vício processual nenhum, deve também adiantar-se que, mesmo admitindo estar em presença de prova essencial, à míngua de atempada arguição, a nulidade daí decorrente – que não se concebe – sempre estaria sanada.
Cfr., a respeito, Paulo Pinto de Albuquerque (obra citada, páginas 841/842, notas 24 a 27), e o acórdão, desta Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 (Proc. 360/08).
Nestes termos, o recurso interlocutório não pode lograr provimento.
6.2 – Quanto ao recurso da sentença
Tendo presente a estrutura da motivação do recurso, o arguido oferece uma divergência sobre a decisão da matéria de facto, figurando, ainda que sem cumprimento dos ónus cominados no artigo 412.º n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal, que, fosse por desconsideração do teor do auto de notícia, fosse por indevida credibilização do depoimento da testemunha B, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo errou ao julgar, sem interposição de razoável dúvida, que era o arguido quem, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, tripulava, alcoolizado, o veículo automóvel.
A final (e afinal), com base no mesmo alegado, invoca um vício da decisão, dito erro notório na apreciação da prova.
Vejamos.
Seguindo uma lógica preclusiva e atento o texto da decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência (artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal), não se vê que se haja decidido contra o que se provou, ou contra o que não se provou, sequer que se tenha dado como provado o que não pode ter acontecido – nem o recorrente demonstra que assim haja acontecido.
Por isso que se não verifica o pretextado erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
De par, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Até por que – deve sublinhar-se – não tendo havido quebras nem hiatos na perseguição automóvel movida pela GNR ao veículo tripulado pelo arguido, apesar dos plúrimos cruzamentos e entroncamentos existentes entre o ponto em que a perseguição foi iniciada e o local da abordagem (materialidade que, diga-se, e ressalvado o muito e devido respeito, nem é geralmente sabida nem é de per si evidente – para lembrar Manuel de Andrade, na Teoria Geral, Vol. 2, página 89, a propósito do que seja um «facto notório»), a irrelevância de tal factualidade, no preenchimento dos elementos objectivos do tipo-de-ilícito em presença, se afigura manifesta.
E assim, decisivamente, em vista da própria fundamentação do deciso sindicado, acima transcrita, que as gravações das declarações e depoimentos colhidos na audiência de julgamento permitem confirmar.
É que, seja em vista do auto de notícia, seja tendo por referência a prova testemunhal produzida em audiência, nada se vê que infirme a conclusão de que os militares da GNR iniciaram a perseguição do veículo tripulado pelo arguido e nunca o perderam de vista (ademais, o facto de existirem cruzamentos e entroncamentos não significa que os veículos perseguido e perseguidor não tenham seguido «a direito» nem confere irrazoabilidade à conclusão de que, alta madrugada, as estradas, no local, fossem pouco frequentadas) até ao ponto em que o mesmo foi interceptado, com o arguido ao volante.
Por isso que, mesmo ex officio, se não verifica, nem uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nem uma contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – artigo 410.º n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal
Como assim, só pode concluir-se que a sentença recorrida não sofre de qualquer deficiência.
De resto, deve também significar-se que se não detecta qualquer erro de julgamento da matéria de facto.
Para além de quanto acima se deixou editado, a prova produzida, a julgar pelas gravações de declarações e depoimentos, não apenas consente como impõe a decisão que foi sedimentada em 1.ª instância.
E assim, para além de qualquer dúvida razoável.
Daí que se entenda que, sem desdouro para a douta motivação, o recurso não merece provimento.
7 – Responsabilidade tributária
Em vista do total decaimento no recurso, cumpre condenar o arguido em custas, com a taxa de justiça estabelecida em montante adequado à complexidade do processo e às condições económicas do recorrente – artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º n.º 5 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais –, que o mesmo arguido deverá suportar, salvo se estiver beneficiado com apoio judiciário e nos termos estritos do benefício.
III – DISPOSITIVO
8 – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, A; (b) condenar o arguido recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 4 (4) unidades de conta, que este suportará salvo cado de beneficiar de apoio judiciário e nos estritos termos do benefício.
Évora, 3 de Julho de 2012 António Manuel Clemente Lima (relator) – Alberto João Borges (adjunto)