GARANTIAS RELATIVAS À VENDA DE BENS DE CONSUMO
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
EFEITOS
Sumário

I - As Directivas Comunitárias têm aplicação directa no ordem jurídica interna – mesmo entre particulares, ou seja, têm efeito horizontal -, mesmo que não transpostas ou transpostas em termos que as violem, desde que haja decorrido o prazo para a sua transposição e sejam suficientemente claras e precisas, se mostrem incondicionais e não estejam dependentes da adopção de ulteriores medidas complementares por parte dos Estados Membros.
II – A directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, foi transposta para o direito interno pelo DL nº 67/03 e embora este estenda a sua disciplina à venda de bens imóveis, aquela não pode ser invocada pelos particulares quer no «efeito directo vertical, quer no horizontal» quando estejam em causa bens imóveis, porquanto ela apenas regula certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, sendo que os bens de consumo abrangidos na definição da própria directiva, são apenas certos bens móveis corpóreos.

Texto Integral








Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Proc.º N.º 3114/09.8TBSTB.E1
Apelação
1ª Secção
Recorrente:
J....................... e A........................
Recorrido:
P...................... – Investimentos Imobiliários, SA.



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Relatório[1]

J....................... e A………………, na qualidade de Administradores do Condomínio do Prédio sito na Rua …………… em Quinta do Anjo – Palmela vieram intentar a presente acção declarativa condenatória sob a forma sumária contra P......................, Inv. Imobiliário S.A., todos com os demais sinais identificadores nos presentes autos, pedindo a condenação da ré no pagamento de € 7.398,00 a titulo de indemnização, ou, em alternativa, a reparação das anomalias que o imóvel padece com vista a eliminação dos defeitos existentes nas partes comuns. Requer, igualmente, a condenação da ré no pagamento de custas e demais encargos processuais.
Alegam, em síntese, que a Ré, no âmbito da sua actividade profissional, procedeu à construção do prédio urbano sito na Rua António Gedião nº 30 em Quinta do Anjo – Palmela e, posteriormente, à venda das suas fracções autónomas.
Todavia, após a ocupação das referidas fracções, constataram os respectivos compradores a existência de diversos defeitos de construção nas partes comuns do prédio urbano, tendo para o efeito da sua reparação, denunciado esses defeitos à sociedade ré, sendo que esta, apesar de se ter comprometido à sua reparação, nada efectuou até ao momento.
Requerem, por isso, os autores a condenação da ré no ressarcimento do montante orçamento para a eliminação dos referidos defeitos, ou em alternativa, a sua condenação na sua reparação.
Contesta a Ré, excepcionando a legitimidade activa dos administradores do condomínio intentarem a presente acção e invocando a inadmissibilidade legal de dedução de pedidos alternativos na presente acção face ao objecto da lide em causa.
Impugna, ademais, a qualidade de construtor que lhe foi imputado pelos autores, alegando ter adjudicado a sua construção a terceiros, tendo para o efeito celebrado um contrato de empreitada com a sociedade Abreu & Filhos – Construção de Obras Publicas, Lda.. Na linha desse entendimento, invoca a caducidade do direito de interposição da presente acção.
Impugna, ainda, a existência de defeitos na obra, alegando a eventualidade destes terem resultado do natural desgaste decorrente do uso dos mesmos.
Em resposta, desistiram os autores do pedido alternativo da condenação da Ré no pagamento do valor correspondente a um orçamento relativo à reparação dos defeitos alegados e pugnaram pela aplicação da Directiva Comunitária 1999/44/CE cuja aplicação determina a não verificação da caducidade por suspensão do prazo.
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Convidados os autores a juntar aos autos, acta de assembleia de condóminos idónea a atestar a sua eleição enquanto órgão executivo do condomínio em referência, foi considerada estabilizada a instancia quanto à legitimidade activa das partes, após a junção do documento solicitado».
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Instruída a causa foi realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a questão de facto, foi proferida sentença que absolveu a R. do pedido por caducidade do direito de acção dos AA.
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Inconformados vieram os AA. interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes

CONCLUSÕES:

a) - Deduziram os R.R., nos autos a excepção peremptória da caducidade com vista a obterem a sua absolvição dos pedidos feitos pelas A.A.;
b) – Pedidos esses, que os A.A., após compra das suas fracções autónomas desde logo fizeram sentir à Sociedade Ré, a existência de defeitos nas partes comuns do prédio que precisavam de rápida reparação;
c) – A Sociedade Ré face a esses pedidos feitos pelos A.A., fez deslocar ao prédio Técnicos de Engenharia que verificaram a existência notória desses defeitos, do que a Sociedade Ré admitiu vir a fazer a respectiva reparação;
d) – A Sociedade Ré porém com elementos concretos da necessidade das reparações a fazer no prédio, nas suas partes comuns, nunca veio a fazê-lo, criando sérios incómodos aos Condóminos;
e) – Os Condóminos logo em 21 de Julho de 2005 deram conhecimento escrito desses defeitos de construção à Administração da Sociedade Ré tendo de imediato reunido com a mesma para apreciação dessa matéria;
f) – Foram várias as reuniões havidas entre os A.A., e a Sociedade Ré sempre no pressuposto querido por ambas as partes em obterem uma solução positiva e amigável.
g) – A tramitação do processo foi suspensa a pedido das partes com vista a encontrarem uma solução amigável para a questão dos defeitos nas partes comuns do prédio;
h) – Foi longa a temporalidade que A.A., e Ré puseram no encontro de uma solução amigável para a questão dos defeitos nas partes comuns do prédio;
i) – A Ré procurou nessas situações conseguir elidir a presunção de culpa que impunha sobre a mesma quanto à existência desses defeitos de construção nas partes comuns do prédio, o que não conseguiu;
j) – Embora os A.A., tenham denunciado atempadamente os defeitos existentes nas partes comuns do prédio (21-07-2005), só deduziram a acção respectivamente em Juízo em 20-05-2009 para além do prazo legal, porém por culpa da Sociedade Ré que tudo fez no processo por mantê-lo, face ao diálogo criado e existente, paralizado;
L) – Em razão do diálogo criado entre partes e que retardou o andamento da acção, os A.A., com razão soberana e plena justificação invocam nos autos a suspensão do prazo da caducidade para a interposição desta acção;
m) – O que fizeram na invocação da Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho onde é consagrada a suspensão dos prazos de caducidade durante o tempo em que as partes mantiverem negociações tendentes à solução amigável, o que ocorreu de forma clara nos autos;
n) – Fez mal a Srª Juíza “a quo” em relegar para final do processo a Decisão da questão da caducidade na propositura da acção pois não deu entretanto o devido valor ao interesse que as partes tiveram em resolver amigavelmente o diferendo em questão, nomeadamente a Ré que sempre tudo fez para retardar a resolução deste processo criando culposamente a questão da caducidade da propositura da acção em prejuízo dos A.A.;
o) – Não podia pois a Senhora Juíza “a quo” ter julgado procedente a alegada excepção peremptória deduzida pela Ré, pois deveria ter escutado a argumentação dos A.A., no sentido de que o atraso da propositura da acção se deveu ao interesse tido pelas partes na resolução amigável desta questão e nomeadamente da Ré que embora sempre numa perspectiva amigável procurou retardar o desenvolvimento da presente acção para levar à invocada caducidade;
– Deve pois ser revogada a decisão proferida pela Srª Juíza “a quo” que deferiu a invocada excepção peremptória da caducidade na propositura da presente acção, sendo admitida a deduzida acção e ser decidido conforme a prova feita nos autos onde se mostra indiscutível a existência de defeitos de construção por parte da Sociedade Ré nas partes comuns do prédio».

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Contra-alegou a R. pedindo a improcedência da apelação.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 685-A e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Das conclusões resulta que a questão a decidir, consiste em saber se ocorre ou não caducidade do direito dos AA. e designadamente se deve ou não considerar-se suspenso o prazo de caducidade, enquanto decorreram negociações entre as partes com vista à para a solução amigável do diferendo, por aplicação da Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho onde, no entender dos apelantes «é consagrada a suspensão dos prazos de caducidade durante o tempo em que as partes mantiverem negociações tendentes à solução amigável».
Cumpre apreciar e decidir.
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Dos factos

Na Primeira Instância, foram fixados os seguintes factos:
« A)
A ré dedica-se à actividade de promoção imobiliária consistente em:
a) Compra de terrenos aptos para construção;
b) Elaboração de projectos de empreendimentos imobiliários;
c) Comercialização dos empreendimentos (captação de clientes e celebração de contratos-promessa de compra e venda);
d) Adjudicação de empreitadas de construção;
e) Celebração das escrituras de compra e venda dos imóveis construídos.
B)
A mediação imobiliária é, assim, uma das actividades a que a P...................... – Investimento Imobiliário, S.A. se dedica.
C)
No caso dos presentes autos a Ré adjudicou a construção do prédio sito na Rua António Gedião, n.º 30, em Quinta do Anjo - Palmela a terceiros do empreendimento.
D)
Para o empreendimento onde se insere o imóvel referido em C), a ré celebrou o contrato denominado “CONTRATO GERAL DE EMPREITADA DE 74 (SETENTA E QUATRO) EDIFÍCIOS E DE GESTÃO E FISCALIZAÇÃO IMOBILIÁRIA” com a empresa Abreu & Filhos – Construção de Obras Público, Lda., conforme cópia junta a fls. 65 a 74 p. p. (processo em papel) e “DECLARAÇÃO DE EXECUÇÃO DE OBRA PARTICULAR” constante de fls. 75 a 77 p. p. (processo em papel).
E)
Após a construção do prédio sito na Rua António Gedião, n.º 30, em Quinta do Anjo - Palmela e conferida licença de habitação, foi publicitada a boa qualidade das fracções autónomas que constituíam o prédio
F)
A ré procedeu à venda das fracções autónomas do prédio referido em C), a partir de finais de 2004 princípios de 2005.
G)
Após a respectiva compra e ocupação, os seus proprietários designaram logo uma Administração para o Condomínio.
H)
O prédio começou a apresentar nas partes comuns do mesmo as seguintes “situações a corrigir”:
- Grelhas da entrada da garagem partidas
- Chão da garagem com fissuras de dimensão considerável
- Nivelamento das tampas das condutas de água no chão da garagem
- Desentupir os ralos da garagem e substituir a tampa partida
- Substituir tomada de corrente junto ao parqueamento n.º 3
- Fuga, na garagem, nas duas entradas das condutas de águas pluviais
- Caixa dos comandos do elevador com fechadura ineficiente
- Porta do elevador apresenta defeitos
- Afinação do temporizador de abertura/fecho da porta do elevador (proporciona pouco tempo)
- Porta de acesso ao telhado deixa passar água quando chove
- Tapar as fissuras da caixa de electricidade sita no exterior entre o lote 86 e 87.
- Substituir os mosaicos, da escada e entrada do prédio, com fissuras ou ofendidos
- Limpeza dos azulejos das paredes exteriores do prédio
- Limpeza das paredes mosaicos e rodapés interiores
- Entrega da chave de abertura manual das portas do elevador
- Extintores (2) fora da validade, tendo 1 sido levado pelas pessoas que tratam da manutenção do prédio
I)
Após compra, as situações referidas em C) foram denunciadas verbalmente à ré pelos Condóminos do prédio.
J)
As situações referidas em H) tornaram-se incomodativas para os vários proprietários das fracções autónomas, criando uma grande decepção quanto às aquisições feitas pelos mesmos.
K)
Em 21 de Julho de 2005, a Administração do Condomínio ora representada pelos autores comunicou à ré o escrito e respectivo anexo identificado como “RELAÇÃO DE SITUAÇÕES A CORRIGIR / PRÉDIO SITO NA RUA ANTÓNIO GEDEÃO, N.º 30 (LOTE 86) / ZONAS COMUNS”, cuja cópia está junta a fls. 13 e 14 p. p. (processo em papel) e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
L)
A partir da carta referida em K), houve a tentativa de diálogo entre o condomínio representado pelos autores e a ré com vista a obtenção de um acordo quanto às situações referidas em H), tendo ambas as partes demonstrando interesse na respectiva resolução por acordo fora dos Tribunais.
M)
Em 16 de Abril de 2008, a Administração do Condomínio representada pelos autores comunicou à ré o escrito e respectivo anexo identificado como “Relação de Situações a Corrigir Lote 86 – Zonas Comuns”, cuja cópia está junta a fls. 15 a 17 p. p. (processo em papel) e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
N)
Em 21 de Abril de 2008, a ré deu resposta à comunicação referida em M), através do escrito cuja cópia está junta a fls. 18 p. p. (processo em papel) e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
O)
Em 28 de Abril de 2008, a Administração do Condomínio representada pelos autores, como resposta à comunicação referida em N), comunicou à ré o escrito cuja cópia está junta a fls. 19 e 20 p. p. (processo em papel) e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
P)
Em 10 de Julho de 2008, o Condomínio representado pelos autores realizou uma Assembleia Geral onde se consignou “Da análise ao nº 1. da ordem de trabalhos, tendo em consideração que a P...................... não desenvolve actuação para realização das reparações a efectuar no prédio, de cuja responsabilidade legal é de sua pertença, (...), ficou, a Administração, autorizada aos necessários procedimentos para desenvolvimento do exercício do direito que ao Condomínio assista.” – tudo conforme cópia do escrito designado “ACTA NÚMERO OITO” cuja cópia está junta a fls. 24 a 26 p. p. (processo em papel) e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
Q)
A Administração do Condomínio representada pelos autores contactou uma Empresa de construção a quem solicitou um orçamento para a realização de obras nas partes comuns do Lote 86, hoje n.º 30 da Rua António Gedião.
R)
A empresa supra referida apresentou um orçamento no valor total de € 7.398,00 incluindo IVA, conforme cópia junta a fls. 21 a 23 p. p. (processo em papel), para as seguintes obras:
- Reparar todas as fissuras e reboco no exterior para de seguida se proceder à lavagem de todo o prédio com alta pressão e consequente pintura do mesmo onde será dado um isolante, uma de mão de tinta de areia e duas de mão de tinta membrana;
- Colocação de uma porta corta-fogo na passagem do elevador para as garagens;
- Reparar e pintar as paredes interiores do acesso aos pisos pela escada;
- Reparação e pintura de todo o interior da garagem;
- Reparação das fissuras de todo o interior da garagem;
- Reparação das condutas das águas pluviais na zona da garagem, uma vez que apresentam fuga;
- Reparar e aplicar um isolante nos mosaicos do hall de entrada do prédio, uma vez que se encontram em mau estado;
- Substituição de sete telhas partidas no telhado, bem como a colagem do tampo da chaminé que está solta e reparação da clarabóia que deixa passar água
S)
Em 29 de Setembro de 2004, foi realizada escritura pública de “FUSÃO” entre a ré e MECMINOP – Sociedade Técnica de Máquinas e Equipamentos Industriais, S.A.”, a qual se encontra registada a fls. 65 a 77 do Livro de notas para escrituras diversas número 309-M, do 5.º Cartório Notarial de Lisboa, conforme cópia junta a fls. 52 a 57 p. p. (processo em papel) e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
T)
Da “Certidão Permanente” com o “Código de acesso: 1485-2038- 685”, referente à ré, consta da “Insc. 1 AP.03/19920629 – CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS)” como “OBJECTO: Investimento e comércio imobiliário; gestão imobiliária; construção civil” – tudo conforme cópia junta a fls. 58 a 64 p. p. (processo em papel) e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido».
Do direito

A questão colocada pelos apelantes é de fácil resolução. Na verdade são os próprios AA. que admitem que em face do direito positivo vigente o direito de acção está caduco, tal como se decidiu na sentença sob recurso. É isso que resulta claramente da seguinte passagem das alegações de recurso:
«“(…) apesar dos Autores terem denunciado atempadamente os defeitos existentes no prédio urbano, mais concretamente a 21 de Julho de 2005, só contudo a 20 de Maio de 2009 interpuseram a respectiva acção judicial, o que ultrapassa quaisquer dos prazos de caducidade fixados, na Lei”.
No entanto, invocando a aplicação directa da Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e afirmando que nela «é consagrada a suspensão dos prazos de caducidade durante o tempo em que as partes mantiverem negociações tendentes à solução amigável», defendem que devem ser descontado o tempo em que decorreram essas negociações com a R. e consequentemente assim já não ocorrerá a caducidade do direito.
A questão da invocabilidade directa pelos cidadão entre si de normas constantes de directivas comunitárias – efeito directo horizontal - tem sido discutida na doutrina e jurisprudência, quer nacional quer comunitária. E se é verdade que inicialmente se defendeu que as normas constantes de tais diplomas apenas tinham um «efeito directo vertical» , ou seja apenas poderiam ser invocadas directamente pelos cidadão mas contra o estado, designadamente por atraso na transposição para o direito interno, não é menos certo que actualmente, quer a jurisprudência comunitária quer a do nosso Supremo Tribunal de Justiça, aceitam o chamado efeito directo horizontal, verificados que sejam certos pressupostos. Veja-se, a propósito o que o STJ decidiu no ac. de 12/01/2010, proferido no processo nº 2212/06.4TBMAI.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt,. Neste aresto, a propósito da invocabilidade directa da directiva sobre direitos dos consumidores ( directiva a que os AA. fazem apelo nos presentes autos escreveu-se o seguinte: «….no seguimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2007 (…..) entendeu que estas (directivas) contendo normas claras e precisas, incondicionais e não estando dependentes da adopção de ulteriores medidas complementares por parte dos Estados Membros, são directamente aplicáveis mesmo no seu efeito horizontal, ou seja, mesmo entre os particulares. E de novo no acórdão deste Tribunal de 28-10-2008, proferido no recurso 3095/08, foi adoptado igual entendimento.
Desta forma, contendo a referida directiva norma precisa, clara, incondicional e não carecida da adopção de medidas complementares por parte do Estado Português para a sua aplicação, entrou em vigor na ordem portuguesa expirado que foi o prazo para o Estado Português proceder à sua transposição. E é o que resulta do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno, tal como é defendido por Alessandra da Silveira, in “Princípios de Direito da União Europeia”, Quid Iuris, pág. 115 e segs.
Também assim defendem os professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, in “Constituição da República Portuguesa”, anotada, 2007, 1º vol., pág. 263/264: “ trata-se aqui de explicitar uma das consequências jurídicas (porventura a mais importante) da adesão a uma organização dessa natureza, a saber, a submissão directa e imediata às normas dela emanadas (regulamentos, directivas), nos termos dos respectivos tratados constitutivos… A fórmula adoptada pela Constituição – vigoram directamente na ordem interna – não deixa dúvidas que as normas emitidas por organizações internacionais dotadas de poderes “legislativos” – seja qual for a sua natureza jurídica – vigoram na ordem jurídica interna, como normas “legislativas” internacionais, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos, independentemente de qualquer acto de mediação, seja aprovação ou ratificação por qualquer órgão do Estado, seja publicação no jornal oficial…” Tal conclusão decorre do disposto no art. 249º do Tratado da Comunidade e do disposto no nº 3 do art. 8º da Constituição da República Portuguesa, tal como vem sendo afirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, citando como exemplo o acórdão proferido em 10-04-84, no caso Von Colson, no processo nº 14/83.
Por outro lado, tendo a directiva sido objecto de transposição e tendo o diploma de transposição violado aquela, a interpretação deste tem de ser efectuada de forma a harmonizá-lo com a doutrina daquela directiva. Assim, ensina o Prof. Fausto de Quadros, no seu “Direito da União Europeia”, Almedina, págs. 489 a 490, onde refere: a transposição das directivas da União Europeia mesmo que errada ou insuficiente, “tem de ser interpretada pelos órgãos nacionais de interpretação e aplicação do Direito, em sentido conforme com a directiva que se pretende transpor”. E acrescenta a seguir: “Isto significa que o particular tem o direito de exigir, perante os órgãos estaduais competentes, a aplicação da directiva, não no sentido que a esta for dado pelo acto de transposição, mas no sentido que, de facto, resulte da letra e do espírito da directiva”».
Não dissentimos deste entendimento. Porém a invocação da directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, pelos AA., para sustentar a suspensão do prazo de caducidade do direito de exigir judicialmente a reparação dos defeitos do imóvel não pode proceder. Desde logo pelas simples razão de que a sua disciplina não é aplicável a bens imóveis. Na verdade ela destina-se como, decorre dos seus considerando e do próprio articulado - art.º 1º - a regular «certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar um nível mínimo uniforme de defesa dos consumidores no contexto do mercado interno.
2. Para efeitos da presente directiva, entende-se por:
a) Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional;
b) Bem de consumo: qualquer bem móvel corpóreo, com excepção:
— dos bens vendidos por via de penhora, ou qualquer outra forma de execução judicial,
— da água e do gás, quando não forem postos à venda em volume delimitado, ou em quantidade determinada…
— ......................»
É certo que no diploma em que o Estado Português afirma transpor a dita directiva - o DL nº 67/03 – não se restringe a aplicação apenas aos bens móveis. Ao invés faz-se referência expressa a sua aplicabilidade a bens imóveis, designadamente em matéria de fixação dos prazos para a denúncia de defeitos e para o exercício do direito de acção – art.º 5º . Mas se o fez foi por sua livre iniciativa e não porque estivesse a isso obrigado pelo direito comunitário. Assim e neste particular o Estado tinha toda a liberdade de legislar, não estando vinculado a observar relativamente aos imóveis os princípios definidos na directiva, para o bens de consumo (móveis) pelo que nesta matéria a directiva não é invocável, nem vertical nem horizontalmente, já que não regula a matéria em causa.
Mas ainda que se defendesse essa possibilidade, nem assim assistiria razão aos recorrentes!
Na verdade a directiva 1999/44/CE, não estabelece ou impõe qualquer obrigação de haver suspensão dos prazos de caducidade quando haja negociações amigáveis ou mesmo privação do uso do bem em virtude «das operações de reparação da coisa». No seu articulado nada é referido a tal respeito. É certo que nos considerandos se alude a essa possibilidade, mas isso não ficou consagrado no articulado e consequentemente ficou no livre alvedrio dos Estados, a sua assumpção e não como uma imposição do direito comunitário. Daquelas duas “sugestões”, o legislador nacional acolheu apenas a que se reporta ao desconto do prazo em que os consumidores estiveram privados da coisa por motivos da sua reparação. É isso que decorre do disposto no art.º 5º nº 5 do D nº 67/03 de 8 de abri de 2003. Mas podia não ter sequer acolhido tal sugestão! Estava no seu direito e este não violava a directiva em causa.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações improcede a apelação quanto à aplicabilidade da directiva 1999/44/CE.
Resta a aplicação do direito nacional. Ora quanto a este a sentença não merece o mínimo reparo e por isso sem necessidade de mais considerações, remetendo para a fundamentação jurídica da sentença, desatende-se a apelação.
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Em síntese:
I - As Directivas Comunitárias têm aplicação directa no ordem jurídica interna – mesmo entre particulares, ou seja, têm efeito horizontal -, mesmo que não transpostas ou transpostas em termos que as violem, desde que haja decorrido o prazo para a sua transposição e sejam suficientemente claras e precisas, se mostrem incondicionais e não estejam dependentes da adopção de ulteriores medidas complementares por parte dos Estados Membros.
II – A directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, foi transposta para o direito interno pelo DL nº 67/03 e embora este estenda a sua disciplina à venda de bens imóveis, aquela não pode ser invocada pelos particulares quer no «efeito directo vertical, quer no horizontal» quando estejam em causa bens imóveis, porquanto ela apenas regula certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, sendo que os bens de consumo abrangidos na definição da própria directiva, são apenas certos bens móveis corpóreos.
Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Évora, em 12 de Julho de 2012.


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(Bernardo Domingos – Relator)

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(Silva Rato – 1º Adjunto)

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(Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto)







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[1] Transcrito da sentença.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.