ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELA RELAÇÃO
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
PERDA DE CONFIANÇA
Sumário


I- Perante o princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 655.º do Código de Processo Civil, a alteração da matéria de facto pela Relação só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
II- O despedimento não pode basear-se apenas na perda da confiança, devendo verificar-se uma conduta do trabalhador que, constituindo infracção, seja grave e ilícita; mas, atendendo ao carácter duradouro e continuado que caracteriza a relação laboral, é essencial a confiança para aferir da justa causa, sendo a mesma afectada quando ocorre a violação relevante de deveres funcionais por parte do trabalhador.

Sumário do relator

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I)
Relatório
1. M…, apresentou em 6 de Junho de 2011, no Tribunal do Trabalho de Portimão, o requerimento em formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho vigente (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro), acompanhado da comunicação de despedimento que faz fls. 2 a 12 dos autos, declarando em tal requerimento opor-se ao despedimento promovido por M…, S.A., com sede… em Lisboa, e requerendo que se declare a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
1.1 Realizada a audiência de partes, nos termos que estão documentados a fls. 15, não foi possível obter o acordo, pelo que o processo prosseguiu.
1.2 A ré, notificada nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 98.º-I, n.º 4, alínea a) e 98.º-J do mesmo diploma legal, veio apresentar articulado para motivar o despedimento da autora, nos termos de fls. 23 e seguintes.
Aí afirma que a autora, sendo sua trabalhadora desde 15 de Agosto de 1992, exercia as funções de empregada de limpeza, tendo como local de trabalho o Parque…
Tendo-lhe sido ordenado em 24 de Fevereiro de 2011 que fizesse uma limpeza mais a fundo nos balneários públicos, antes da reabertura ao público do aludido parque, veio a constatar-se que a autora não realizou a limpeza como lhe foi pedida e, mesmo o que fez, não estava em condições.
A autora manteve entretanto diversas falhas nos trabalhos de limpeza e, mesmo após várias chamadas de atenção, continuava a apresentar-se mal fardada e suja.
Os seus comportamentos configuraram violação dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho e de promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria de produtividade da empresa, os quais, pela sua gravidade e consequências, integram a justa causa de despedimento.
Conclui requerendo que se declare lícito o despedimento com justa causa, com as legais consequências, declarando-se resolvido o contrato de trabalho entre a autora e a ré, com efeitos ao dia 31 de Maio de 2010.
1.3 A autora contestou nos termos documentados a fls. 84 e seguintes (artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho).
Impugna parte dos factos invocados pela entidade patronal, afirmando inexistir qualquer fundamento para o despedimento com justa causa, sendo por isso ilícito. Deduz reconvenção.
Conclui afirmando que a presente acção deve ser julgada procedente, considerando-se ilícito o despedimento, nos termos do disposto no artigo 381.º, alínea b), do Código do Trabalho, por improcedentes os motivos justificativos invocados para o efeito, condenando-se a ré a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir desde 1 de Junho de 2011 até ao trânsito em julgado da decisão judicial, uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial, nos termos do disposto no artigo 389.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho, caso a autora não opte pela reintegração na empresa nos termos do disposto no artigo 391.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, com todos os direitos que já detinha, nomeadamente a antiguidade, bem como a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
1.4 A ré não veio responder.
2. No decurso da audiência de julgamento, a autora afirmou optar pela indemnização, caso seja deferida a sua pretensão; concluída a mesma e proferido despacho de fixação da matéria de facto e respectiva fundamentação (fls. 135 a 141), foi elaborada sentença (fls. 143 a 164) onde, julgando-se a acção totalmente improcedente, se concluiu decidindo absolver a ré de todos os pedidos.
3. A autora, não se conformando com a decisão, veio interpor recurso, concluindo a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:
1) A decisão da matéria de facto, bem como a exposição de motivos da douta Sentença, ignorou por completo tudo o que foi dito pela testemunha I… e pela testemunha A...
2) A prova produzida de acordo com os depoimentos das testemunhas indicadas resulta a saciedade que o parque…, à data dos factos imputados à trabalhadora e relacionados com a lixívia, encontrava-se encerrado ao público.
3) Tinha que ter sido dado como assente e ficado consignado que “o parque… esteve encerrado ao público entre 1 de Novembro de 2010 e o início de Março de 2011”.
4) É que do depoimento das testemunhas, e em especial da superior hierárquica, a Sra. A… apenas referiu que a Autora/Recorrente usava lixívia num balde e com o parque encerrado ao público.
5) Essa lixívia encontrada no balde, encontrada tout court, também podia ser para colocar nos tubos dos urinóis, como aliás afinal sempre era permitida, daquela forma, a utilização de lixívia.
6) O encontrar lixívia num balde não significa que a utilização da mesma não se destinasse aos tais urinóis.
7) No facto provado em 20 da matéria deverá ser eliminada a expressão “(…) estava a usar lixívia para lavar o chão dos WC”.
8) Devendo ficar a constar, 20. A…, em data não concretamente apurada, mas situada em Fevereiro ou Março de 2011, verificou que a Autora estava a usar lixívia num balde com água”.
9) Outro erro que se aponta, com o devido respeito, à douta sentença proferida:
No ponto 13, dos factos provados está consignado que foram aplicadas à Autora as seguintes sanções:
«13. No período de tempo em que esteve ao serviço da Ré foram aplicadas à Autora as seguintes sanções:
a) Repreensão registada em 10/11/2006 por violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligencia;
b) Sanção de repreensão verbal não registada em diversas ocasiões pelas chefias directas e pela direcção operacional, sempre por violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligencia e por não cumprir as ordens e indicações do empregador.»
10) O Mmo. Juiz a quo só aceitou a comprovação deste facto pelo que resulta do processo disciplinar e que foi indicação aposta pela Ré, sem junção de qualquer prova documental quer em sede procedimental disciplinar quer na decorrência do processo judicial
11) A repreensão constitui uma advertência formal ao trabalhador, tendo por conteúdo a transmissão de um juízo de desvalor dirigida à conduta do trabalhador, no sentido de que o comportamento sancionado constitui infracção disciplinar e de que o trabalhador não o deverá adoptar em circunstâncias futuras.
12) A repreensão em qualquer das respectivas modalidades deve ser sempre aplicada por escrito.
13) Não se concebe que se cumpra um direito de audição do trabalhador sem observância de forma escrita (ou pelo menos sem o registo desse procedimento por qualquer outro meio) ou que se salvaguarde a possibilidade de impugnação por parte do trabalhador, quando o objecto da impugnação é efémero.
14) Não sendo exigida a forma escrita não se podem tomar como sanções disciplinares todas e quaisquer formas de interacção quotidiana, pelas quais o empregador reprima a conduta dos trabalhadores, mesmo tendo-o feito na forma indicada.
15) Não tendo sido carreado para os autos quaisquer outros elementos, que só podiam ser escritos, vide prova documental, demonstrativos de que ocorreu a tal transmissão à Autora/Recorrente do tal juízo de desvalor, que exerceu de uma forma escrita e que ficou salvaguardada a possibilidade por parte do trabalhador de exercer o contraditório e mais concretamente o direito de impugnação, permitindo-nos referir que dos próprios factos provados limitou-se a ficar consignado “em diversas ocasiões pelas chefias directas e pela direcção operacional …”, foi a Autora aplicada a sanção de repreensão verbal registada.
16) Não existem nos autos elementos que permitissem consignar a al. b) do facto 13 dos factos provados.
17) Constitui aqui claramente um erro de julgamento pelo que não é de molde a consignar a alínea b) do ponto 20 dos factos provados, a qual deverá ser sempre suprimida.
18) Assim o ponto 13 dos factos provados deverá ficar com a seguinte redacção:
13. No período de tempo em que esteve ao serviço da Ré foram aplicadas à Autora as seguintes sanções:
a) Repreensão registada em 10/11/2006 por violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência;
19) Chama-se a especial atenção desse Venerando Tribunal, e com o devido respeito se nos é permitido, para os condicionalismos que se consideram determinar a impossibilidade pratica da subsistência da relação de trabalho atenta a questionável perda de confiança.
20) É obviamente excessiva a aplicação ao caso “subjudice” da pena capital de despedimento com justa causa.
21) A actuação da A. não eliminou a confiança que a Ré nela depositava, a confiança que deve existir entre os dois elementos da relação jurídica de trabalho.
22) Os Tribunais têm considerado que a relação de trabalho só é impossível quando nenhuma outra sanção disciplinar for capaz de resolver a crise laboral aberta com a conduta do trabalhador.
23) A Confiança é o princípio que a jurisprudência tem insistentemente reiterado merecendo-nos fortes objecções porque para nós os comportamentos do trabalhador que afectam a confiança da entidade patronal comportam graduações.
24) A cessação do contrato de trabalho imputada à falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória. Na sua essência a justa causa consiste exactamente nessa situação de inviabilidade do vínculo a determinar em concreto através do balanço de interesses.
25) Existe outra saída para a crise contratual entre as partes e que se pugna como a mais adequada.
26) O princípio da proporcionalidade implica uma dupla apreciação: a determinação da gravidade da falta e a graduação das sanções.
27) A gravidade da falta resulta do facto delituoso em si, das suas consequências, das circunstâncias em que ocorreu a sua prática, da culpabilidade e dos antecedentes disciplinares da Arguida.
28) Em relação ao facto, não há uma escala ou medida determinante da sua gravidade, apenas se encontrando na lei pontos referenciais: o valor reconhecido pela ordem jurídica ao bem jurídico em causa e o grau de lesão dos interesses da economia nacional, da empresa ou dos particulares. Estes devem graduar-se ponderando as consequências sobre a relação laboral, pois a empresa não é um serviço público nem uma instituição cívica, onde as finalidades predominantes obrigam a considerar quase exclusivamente o interesse público e as relações com os cidadãos.
29) Os antecedentes da Recorrente a considerar são particularmente aqueles ocorridos no âmbito da empresa que no caso da A. é apenas uma repreensão registada ocorrida em Novembro de 2006.
30) A qualificação dum determinado comportamento do trabalhador arguido como infracção disciplinar implica uma actividade valorativa, de interpretação e aplicação da lei enquanto verifica a legalidade dessa qualificação e a sua desconformidade com os deveres ou com as proibições que recaem sobre o trabalhador. Quando se trate de infracção disciplinar atípica, sempre há esta actividade axiológica que importa um conhecimento de matéria de direito.
31) O princípio da proporcionalidade implica uma dupla apreciação: a determinação da gravidade da falta e a graduação das sanções.
32) Do poder disciplinar pela entidade patronal, o que implica não poder fazer um controle da sanção por modo a proceder-se à correcção, nomeadamente substituindo-a, o Juiz só pode anular a pena disciplinar caso venha a concluir que esta deva ser censurada.
33) E é exactamente por concluirmos que a sanção aplicada à ora Apelante deve ser censurada, que interpusemos o presente Recurso.
34) A. A./Recorrente teve apenas, caso concedamos na existência de lixívia no balde e na farda algumas vezes suja, pequenos erros, decorrentes também da comprovada situação pessoal com netos dois menores de idade e uma neta menor de idade a cargo.
Termina afirmando que “deve conceder-se provimento ao recurso, procedendo as alterações da decisão da matéria de facto nos termos requeridos e revogando-se in totum, a douta Sentença recorrida; caso assim se não entenda, que haja lugar à alteração da matéria de facto nos termos supra invocados e requeridos, o que se refere sem conceder sempre se deverá dar provimento ao presente Recurso e julgar-se a acção totalmente provada por procedente”.
4. A ré apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
A. O novo facto que a ora recorrente pretende consignar “O parque… esteve encerrado ao público entre 1 de Novembro de 2010 e o início de Março de 2011” é irrelevante para a decisão da causa e nada acrescenta aos presentes autos;
B. Uma vez que já consta do relatório da douta sentença proferida que o Parque…, local de trabalho da ora recorrente, “esteve encerrado ao público durante 4 meses, reabrindo o mesmo no dia 1 de Março de 2011”.
C. A factualidade provada incide sobre um período de tempo claramente definido, que se situa entre o dia 24 de Fevereiro de 2011 e 31 de Março de 2011.
D. Para a apreciação da causa, isto é, da necessária subsunção da matéria dada como provada nos autos ao direito, é irrelevante que a ora recorrente tenha praticado alguns dos factos de que vinha acusada e que levaram à correcta decisão de despedimento com justa causa, no período de abertura ao público, ou fora dele.
E. Em sede de recurso deverá apenas ser apreciada a questão fundamental subjacente à decisão ora recorrida: a de saber se os comportamentos provados nos autos da ora recorrente – e que a ora recorrente reconhece, ao não impugnar a restante matéria dada como provada – são de tal forma graves que tornam impossível de forma prática e imediata a subsistência do vínculo laboral.
F. O Tribunal A Quo andou bem ao responder afirmativamente a esta questão.
G. Pretende a ora recorrente eliminar a expressão “(…) estava a usar lixívia para lavar o chão do WC” no ponto 20 dos factos provados.
H. Repescando o referido extracto do depoimento da testemunha – único alegado pela ora recorrente – verifica-se à saciedade que existiu claramente a violação do dever de obediência a ordem legítima emanada do superior hierárquico da ora recorrente: “(…) Já tinha dito que não queria que fosse utilizado lixívia naquele espaço”, seja em urinóis, ou no chão, acrescentamos nós.
I. Dando o venerando Tribunal ad quem, provimento à alteração ao ponto 20 da matéria provada, deverá o mesmo ter então a seguinte redacção:
20. A…, em data não concretamente apurada, mas situada entre 24 de Fevereiro e 1 de Março, verificou que a Autora, ciente das instruções referidas em 4, estava a usar lixívia num balde com água, quando expressamente lhe tinha dito que não queria que fosse utilizada lixívia naquele espaço.
J. A ora recorrente, igualmente em sede de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, vem apontar um “erro” à douta sentença proferida.
L. Não se vislumbra o que a ora recorrente pretende: quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
M. Nesta questão, deverá o recurso ser liminarmente rejeitado, por violação do disposto no artigo 685º-B do CPC.
N. A recorrente, ao que parece, não se conforma é com o facto de o Tribunal A Quo ter valorizado os referidos antecedentes disciplinares da ora recorrente e que “(…) a repreensão em qualquer das respectivas modalidades dever ser sempre aplicada por escrito”.
O. Com esta alegação a recorrente não está a impugnar qualquer matéria de facto, uma vez que não cumpre o preceituado em qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 685º-B do CPC.
P. Mas apenas a discordar da interpretação jurídica que o Tribunal A Quo fez sobre que forma (escrita ou verbal) deverá revestir a sanção disciplinar de “repreensão” prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 328º do Código do Trabalho.
Q. O Tribunal A Quo fez uma apreciação correcta da matéria dada como provada, nomeadamente na prova documental junta ao autos – procedimento disciplinar – onde consta a aplicação das sanções nela mencionadas e dados como factos provados sobre o número 13 da douta sentença.
R. Nunca em sede de procedimento disciplinar para despedimento a ora recorrente alguma vez questionou o facto constante do mesmo e dado, e bem, como provado pelo Tribunal A Quo no número 13 dos factos provados.
S. O que a ora recorrente pretende é eliminar os antecedentes disciplinares da ora recorrente e, como isso, afastar a reiteração do comportamento ilícito e culposo da mesma.
T. Andou bem o Tribunal A Quo ao considerar que não se poderia censurar “a ré relativamente a facto de, em face dessa reiteração, ter deixado de formular novo juízo prognose favorável, perdendo, de vez, o nível mínimo de confiança que ainda mantinha na autora”.
U. O Tribunal A Quo andou bem ao considerar que no caso sub judice os referidos elementos foram preenchidos.
V. A ora recorrente reiterou os seus comportamentos graves de violação dos deveres de que vinha acusada em sede de procedimento disciplinar.
X. Comportamentos esses que foram dados como provados em sede de audiência de julgamento.
Z. Andou bem o Tribunal A Quo ao considerar que se mostraram verificados comportamentos previstos na lei susceptíveis de preencher o conceito de justa causa, nomeadamente os previstos nas alíneas a) e d) do n.º 2 do art 351º do Código do Trabalho.
AA. Deve a decisão de absolvição da ora recorrida de todos os pedidos ser confirmada, negando-se assim provimento ao recurso ora interposto.
Termina afirmando que deve negar-se provimento ao recurso e, caso assim o entenda, proceder-se à alteração do ponto 13 da matéria de facto dada como provada, mantendo-se em tudo o resto a douta sentença ora recorrida.
5. Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, no que respeita à inexistência de justa causa de despedimento.
Notificadas as partes, não houve resposta.
6. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, nas redacções actualmente vigentes – sem prejuízo da apreciação por iniciativa própria de questões que sejam de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, analisadas as conclusões formuladas pela recorrente, extrai-se que o objecto do presente recurso se consubstancia, essencialmente, na apreciação das seguintes questões:
§ Determinar se há fundamento para proceder à alteração da matéria de facto.
§ A existência de justa causa para o despedimento, com as consequências daí decorrentes.
II)
Fundamentação
1. Com interesse, importa começar por considerar os factos que foram julgados provados na sentença recorrida, aí consignados nos seguintes termos (fls. 149 a 151):
“III. A) - Factos provados:
1. A autora foi contratada pela ré em 15.8.1992 para exercer a funções de empregada limpeza; alínea A) da especificação.
2. A autora tinha como local de trabalho habitual as instalações da Ré, sitas em Albufeira, Parque…; alínea B) da especificação.
3. No dia 24 de Fevereiro de 2011, A…, superior hierárquica da autora, ordenou à mesma que fizesse uma limpeza nos balneários públicos, nomeadamente lavagem das paredes, das sanitas e respectivas tampas, dos baldes do lixo e do chão; alínea C) da especificação.
4. A ré deu instruções à autora de que só deve utilizar lixívia nos urinóis para eliminar o cheiro a urina que vem dos tubos dos mesmos e que, sempre que o faz, tem que realizar várias descargas de água de forma a eliminar outro tipo de produtos que são utilizados na limpeza de urinóis; alínea D) da especificação.
5. No dia 31 de Março de 2011 por volta das 10 horas da manhã o supervisor, P…, foi chamado pela responsável das limpezas A… aos balneários públicos; alínea F) da especificação.
6. Quando lá chegou deparou-se com uma quantidade de material espalhado no chão, nomeadamente restos de rolos de papel higiénico, várias embalagens de sacos a meio, caixas de luvas vazias; alínea G) da especificação.
7. E deparou-se com as portas dos armários, onde se guardam os produtos de limpeza, destrancados; alínea H) da especificação.
8. No dia 14 de Abril de 2011 a ré elaborou a nota de culpa, junta aos autos a fls. 43 a fls. 46, a qual foi notificada à autora nesse mesmo dia, acompanhada da notificação de instauração de procedimento disciplinar com vista ao despedimento com justa causa; alínea I) da especificação.
9. Nesse mesmo dia foi ainda a autora notificada de que “nos termos da legislação aplicável, se encontra suspensa preventivamente, com efeitos imediatos”; alínea J) da especificação.
10. A autora, no prazo estabelecido, deduziu resposta à nota de culpa, a qual se mostra junta a fls. 52 a fls. 55 dos autos, requerendo a produção de prova testemunhal; alínea K) da especificação.
11. As testemunhas A… e M…, respectivamente, Empregada de parque de 1ª e Empregada de Limpeza, foram ouvidas no dia 6 de Maio de 2011, tendo os respectivos depoimentos sido passados a escrito e assinados, e os quais se mostram juntos a fls. 56 a fls. 58 dos autos; alínea L) da especificação.
12. Em 31 de Maio de 2011, a Ré enviou à Autora o relatório e conclusões do procedimento disciplinar, o qual se encontra junto a fls. 61 a fls. 73 dos autos; alínea M) da especificação.
13. No período de tempo em que esteve ao serviço da ré, foram aplicadas à autora as seguintes sanções:
a) Repreensão registada em 10/11/2006 por violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência;
b) Sanção de repreensão verbal não registada em diversas ocasiões pelas chefias directas e pela direcção operacional, sempre por violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência e por não cumprir as ordens e indicações do empregador. Alínea N) da especificação.
14. No dia 22 de Junho de 2011, a Ré pagou à Autora as seguintes quantias:
14.1. € 55,50, a título de dias de vencimento não processados à data da cessação;
14.2. € 8,00, a título de Subsídio de almoço alterado;
14.3. € 555,00, a título de subsídio de férias;
14.4. € 201,84, a título de proporcionais de férias não gozadas;
14.5. € 231,25, a título de proporcionais de subsídio de férias;
14.6. € 213,62, a título de proporcionais subsídio Natal;
14.7. € 630, 71, a título de férias não gozadas;
14.8. € 51, 20, a título de férias/folgas não gozadas. Alínea O) da especificação.
15. Em execução da ordem referida em 3, a autora efectuou a limpeza dos sanitários sem qualquer ajuda, nomeadamente de equipamentos como máquina de vapor a jacto; alínea P) da especificação.
16. Na execução da ordem referida em 3, a autora utilizou o mesmo pano para limpeza das sanitas e dos lavatórios; resposta ao quesito 1.º.
17. No dia referido em 3 [24 de Fevereiro de 2011] a autora era portadora de uma chave que permite fechar e abrir os armários de arrumação de produtos de limpeza, estando nesse dia o Parque… fechado ao público; resposta ao quesito 2.º.
18. A autora, apesar de várias advertências por parte da ré no sentido de trocar de fardamento, apresentava-se, pelo menos três a quatro vezes por semana, com a farda suja; respostas aos quesitos 3.º e 8.º.
19. A autora, por vezes, foi encontrada por A… a ler livros nas casas de banho, não se apurando se o fez no período de pausas ou fora dele; resposta ao quesito 4.º.
20. A…, em data não concretamente apurada, mas situada em Fevereiro ou Março de 2011, verificou que a autora, ciente das instruções referidas em 4, estava a usar lixívia para lavar o chão dos WC; resposta ao quesito 5.º.
21. A autora tem a seu cargo dois menores de idade e uma neta menor de idade. Resposta ao quesito 9.º.
2. Impugnação da matéria de facto.
Pretende a recorrente que, no elenco dos factos provados, deveria constar que “o Parque… esteve encerrado ao público entre 1 de Novembro de 2010 até ao início de Março de 2011”; ao omitir este facto, a decisão recorrida ignorou os depoimentos das testemunhas I… e A…, de cujos depoimentos transcreve alguns trechos, onde as testemunhas confirmam o encerramento do parque no aludido período.
Pretende ainda que se altere a redacção da alínea N) da especificação dos factos assentes (na sentença, parágrafo 13 dos factos provados) e a resposta dada ao quesito 5.º da base instrutória (na sentença, parágrafo 20 dos factos provados).
2.1 Nos termos do artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida.
Esta norma estabelece que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [n.º 1, alínea a)] e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)]. Neste último caso, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
“A efectivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância – um novo julgamento, no sentido de produzir, ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória –, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objecto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 (disponível em www.dgsi.pt, processo 06S3540).
Assim, as disposições em causa não visam propriamente a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova, tendo antes em vista um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que o recorrente assinala.
Importa ter presente a prevalência do princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 655.º do Código de Processo Civil e que tem inteira aplicação no âmbito do processo de trabalho, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto controvertido; não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Por isso, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais; só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
A recorrente assinala os factos que questiona e os elementos de prova em que sustenta a sua pretensão, ainda que, neste ponto, omita a indicação precisa das passagens da gravação a que se reporta e que transcreve.
A sua pretensão será então apreciada no enquadramento que se deixou enunciado.
2.2 O encerramento do parque.
Nesta parte, a recorrente pretende que, no elenco dos factos provados, deveria constar que “o Parque… esteve encerrado ao público entre 1 de Novembro de 2010 até ao início de Março de 2011”.
A este propósito, regista-se que a autora, no seu articulado de resposta (a que se refere o artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho) não alega o aludido facto. No entanto, é a própria ré que, no articulado de motivação do despedimento, afirma que “o parque… esteve encerrado ao público durante 4 meses”, ocorrendo a reabertura “a 01 de Março de 2011” (artigos 5.º e 7.º do articulado); o teor dos artigos em questão não foi transposto, quer para os factos assentes, quer para a base instrutória.
Este facto, face aos comportamentos imputados à autora no processo disciplinar e que justificaram o despedimento, não sendo determinante em relação a todos eles, também não é inócuo, na medida em que alguns desses comportamentos podem contender com terceiros. Reconhecendo-lhe alguma relevância, justifica-se que, caso haja elementos que comprovem a sua veracidade, integre a matéria de facto, sem que tal se satisfaça com o facto de constar essa afirmação no relatório da sentença sob recurso. O relatório, sendo uma súmula da pretensão deduzida, da contestação e dos respectivos fundamentos, não congrega os factos relevantes para a apreciação da causa.
No caso específico da matéria levada ao quesito 2.º, o reconhecimento de não ser aí inócuo estar ou não o parque aberto ao público justificou a resposta explicativa dada ao quesito (cf. teor de fls. 135 e 139 dos autos).
Os trechos dos depoimentos das testemunhas I… e A…, referidas pela recorrente na motivação do recurso e aí transcritos, confirmam o encerramento do parque no aludido período de quatro meses, a partir do início de Novembro de 2010, o que, na ausência de outros elementos que o contrariem, permitiria ter-se por comprovado esse facto.
Afigura-se no entanto que não é necessário o recurso à prova testemunhal, na medida em que, do simples confronto dos articulados, resulta a aceitação do facto. Este, sendo afirmado pela ré/entidade patronal, nos artigos 5.º e 7.º do respectivo articulado, é aceite pela autora/trabalhadora, na medida em que não é explícita ou implicitamente impugnado pela mesma no articulado de resposta.
Justifica-se por isso que se adite ao elenco dos factos provados, intercalando sob o número 2-A, o seguinte:
“O Parque… esteve encerrado ao público durante quatro meses, a partir de 1 de Novembro de 2010, reabrindo a 1 de Março de 2011”.
2.3 A pretendida alteração do quesito 5.º da base instrutória.
Neste quesito indagava-se se, no dia 28 de Março, durante a formação da Ecolab, empresa fornecedora de material de higiene e responsável pela formação de utilização dos produtos comercializados, o formador e A… verificaram que a autora, ciente das instruções referidas em D), isto é, de que só devia utilizar lixívia nos urinóis para eliminar o cheiro a urina que vinha dos tubos dos mesmos e que, sempre que o fizesse, tinha que realizar várias descargas de água de forma a eliminar outro tipo de produtos que eram utilizados na limpeza de urinóis, estava a usar lixívia para lavar o chão dos WC.
O quesito mereceu resposta restritiva, quanto à data em que se verificou o facto em causa, salientando-se na fundamentação que a testemunha que presenciou esse facto não soube precisar a data em que ocorreu (cf. teor de fls. 138, segundo parágrafo); assim, o tribunal recorrido julgou provado que: “A…, em data não concretamente apurada, mas situada em Fevereiro ou Março de 2011, verificou que a autora, ciente das instruções referidas em 4, estava a usar lixívia para lavar o chão dos WC”.
A autora pretende que se julgue provado apenas que: “A…, em data não concretamente apurada, mas situada em Fevereiro ou Março de 2011, verificou que a Autora estava a usar lixívia num balde com água”.
Afirma para o efeito que a testemunha A…, sua superior hierárquica, apenas referiu que a autora/recorrente usava lixívia num balde e com o parque encerrado ao público. “Essa lixívia encontrada no balde, encontrada tout court, também podia ser para colocar nos tubos dos urinóis, como aliás afinal sempre era permitida, daquela forma, a utilização de lixívia. O encontrar lixívia num balde não significa que a utilização da mesma não se destinasse aos tais urinóis”.
Caso a testemunha tivesse apenas referido o que a recorrente alega, seria relevante a sua pretensão. No entanto, a testemunha A... afirmou mais do que isso: menciona-se na fundamentação da resposta à matéria de facto (fls. 138 dos autos) que a testemunha, cujo depoimento não é posto em causa pela recorrente, referiu ter visto a autora a usar lixívia no chão das casas de banho, sem que lhe tivesse sido dada ordem nesse sentido; a audição do seu depoimento confirma a fundamentação expressa no despacho do tribunal recorrido e revela que a testemunha é peremptória na afirmação de que a autora estava a usar a lixívia para lavar o chão (cf. sensivelmente, 22m:21s da respectiva gravação). Daqui resulta que não estamos perante a mera observação de um balde com água e lixívia, nada havendo a alterar à resposta dada ao quesito.
2.4 A pretendida alteração da alínea N) dos factos assentes.
Proferido despacho saneador, consignaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, sem que tenha sido formulada reclamação por qualquer das partes.
Na alínea N) dos factos assentes consta a matéria alegada pela ré no artigo 43.º do articulado de motivação do despedimento:
“No período de tempo em que esteve ao serviço da ré, foram aplicadas à autora as seguintes sanções:
a) Repreensão registada em 10/11/2006 por violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência;
b) Sanção de repreensão verbal não registada em diversas ocasiões pelas chefias directas e pela direcção operacional, sempre por violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência e por não cumprir as ordens e indicações do empregador”.
A recorrente pretende a eliminação da alínea b); para o efeito, discute a relevância da sanção em causa: constitui uma advertência formal ao trabalhador, tendo por conteúdo a transmissão de um juízo de desvalor dirigida à conduta do trabalhador, no sentido de que o comportamento sancionado constitui infracção disciplinar e de que o trabalhador não o deverá adoptar em circunstâncias futuras, devendo ser sempre aplicada por escrito; não sendo exigida a forma escrita não se podem tomar como sanções disciplinares todas e quaisquer formas de interacção quotidiana, pelas quais o empregador reprima a conduta dos trabalhadores, mesmo tendo-o feito na forma indicada.
Importa assinalar que a matéria em causa, não integrando os três artigos que a autora aceita explicitamente como verdadeiros no seu articulado (artigo 1.º) de resposta/contestação à motivação do despedimento, também não foi aí objecto de impugnação explícita ou implícita; por isso, enquanto matéria que não foi objecto de impugnação, foi integrada nos factos assentes.
Nas circunstâncias descritas, não se vê também aqui fundamento para alterar a matéria de facto.
E, em bom rigor e se bem se interpreta a alegação da recorrente, esta não discute a veracidade do que aí consta, mas antes a sua relevância jurídica em relação aos antecedentes disciplinares. Os termos da aludida alínea N) não impedem que se pondere essa relevância, perante a concreta sanção que lhe foi aplicada e que se discute nestes autos.
3. A alegada inexistência de justa causa para o despedimento.
Relevam na apreciação da matéria em discussão nos autos e atentas as datas em que ocorreram os factos que aqui se discutem, relativamente ao Código do Trabalho, a versão aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (cf. artigo 7.º desta Lei) e, quanto ao Código de Processo do Trabalho, a redacção que resulta do Decreto-lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, diplomas a que se reportarão ulteriores referências sem outra menção.
É pacífico que a autora e a ré estavam vinculadas por contrato de trabalho, desde Agosto de 1992, daí resultando direitos e deveres recíprocos, enunciados nos artigos 126.º e seguintes do Código do Trabalho, nomeadamente, na parte que aqui interessa e em relação à autora/trabalhadora, os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência [artigo 128.º, n.º 1, alínea c)], de cumprir as ordens e instruções do empregador, respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias [idem, alínea e)] e de promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa [idem, alínea h)].
Estes deveres dos trabalhadores constavam já na legislação anterior, especificamente, no artigo 20.º, n.º 1, alíneas b), c) e f), da Lei do Contrato de Trabalho (LCT) aprovada pelo Decreto-lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e no artigo 121.º, n.º 1, alíneas c), d) e g) do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
Nos termos do artigo 340.º, alínea c), do Código do Trabalho, para além de outras modalidades legalmente previstas e na parte que aqui interessa, o contrato de trabalho pode cessar por despedimento por iniciativa do empregador, no exercício do poder disciplinar que a lei lhe confere (cf. artigo 328.º do mesmo diploma), por facto imputável ao trabalhador.
O despedimento por facto imputável ao trabalhador pressupõe a existência de justa causa, constituindo-se como tal o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que se pode concretizar com comportamentos do trabalhador que traduzam, nomeadamente, desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto – artigo 351.º do Código do Trabalho.
Tanto a gravidade como a culpa hão-de ser apreciadas em termos objectivos, de acordo com o entendimento de um empregador normal e segundo critérios de objectividade e razoabilidade – artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil.
A conduta culposa assumirá gravidade justificativa do despedimento quando, ponderadas as circunstâncias relevantes, se concluir que o desvalor dela atinge uma dimensão em face da qual se mostre injustificado impor ao empregador a subsistência da relação laboral.
O despedimento não pode basear-se apenas na perda da confiança, devendo verificar-se uma conduta do trabalhador que, constituindo infracção, seja grave e ilícita; mas, atendendo ao carácter duradouro e continuado que caracteriza a relação laboral, é essencial a confiança para aferir da justa causa, sendo a mesma afectada quando ocorre a violação relevante de deveres funcionais por parte do trabalhador.
Sobressaem entre estes os deveres de obediência e de realização do trabalho com zelo e diligência.
No que concerne ao primeiro, “o trabalhador deve cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias" – artigo 128.º, n.º 1, alíneas e), do Código do Trabalho.
O dever de obediência decorre do poder de direcção do empregador, que se traduz na autoridade que este tem de estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem (artigo 97.º do Código do Trabalho).
Quanto ao dever de zelo e diligência, decorre o mesmo do pressuposto de que o trabalhador realiza o trabalho no interesse do empregador; o comportamento do trabalhador que evidencie desinteresse repetido pelo cumprimento das respectivas funções, sem a diligência devida e possível, consubstancia fundamento de despedimento.
Os factos que em sede própria se deixaram enunciados evidenciam a prática, pela autora, de actos ilícitos e culposos, violadores dos aludidos deveres.
Na sentença recorrida conclui-se que os mesmos configuram justa causa de despedimento:
“(…) Ainda que se possa sustentar que, isoladamente, cada um dos comportamentos que consubstanciam as infracções disciplinares acima descritas não são, em si mesmo, graves, o certo é que, quando analisados no seu conjunto e conjugados com os antecedentes disciplinares da autora, traduzem-se em prejuízo grave para a ré, no que se refere à vertente de perda de confiança na trabalhadora.
(…) No caso dos autos, os comportamentos da autora, acima enunciados, associados ao facto de a autora já haver sido sancionada em anterior processo disciplinar com repreensão escrita, por violação dos deveres de zelo e diligência, é gerador de uma impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral, dado que, em face dos aludidos comportamentos, surgem fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do desempenho das suas funções.
Com efeito, não se pode acusar a ré de ser muito severa, dado que em anterior processo disciplinar, em que a autora também infringiu os deveres de obediência e de zelo e diligência, aplicou-lhe sanções conservadoras, o que significa que formulou um juízo de prognose favorável no que se refere ao comportamento futuro da autora, que permitiu conservar relativamente à mesma um nível mínimo de confiança que garantisse a continuação do contrato de trabalho.
Tendo a autora reiterado o seu comportamento ilícito e culposo, não se pode censurar a ré relativamente a facto de, em face dessa reiteração, ter deixado de formular novo juízo prognose favorável, perdendo, de vez, o nível mínimo de confiança que ainda mantinha na autora.
É certo, como acima ficou dito que a justa cauda não deve ser apreciada à luz da sensibilidade do real empregador.
Porém, dúvidas não se nos suscitam que esta reiteração de comportamento da autora, à luz dos critérios (…) de um empregador normal, consubstancia uma infracção disciplinar de tal forma intensa, que mina, de forma irremediável, a confiança da ré na idoneidade da autora para continuar ao seu serviço”.
Ponderadas as razões que fundamentam a decisão, não se vê motivo relevante para a contrariar.
Importa salientar a maior vulnerabilidade da ré relativamente ao comportamento dos respectivos trabalhadores, perante as características do trabalho desenvolvido, com elevada exposição do mesmo e da sua qualidade perante os utentes do parque oceanográfico, o que tem especial relevância quando se regista trabalho deficientemente executado.
A autora foi insensível às advertências que lhe foram feitas pela respectiva entidade empregadora, particularmente em relação a ordens de procedimento que não acatou, com deficiente execução do respectivo trabalho.
Não se mostra comprovada pela autora qualquer razão que justifique o seu comportamento, a falta de zelo evidenciada no respectivo trabalho, ou que de qualquer modo atenue a relevância de tal comportamento e a sua responsabilidade. Por isso, também aqui improcede o recurso.
4. Vencida no recurso, a recorrente suportará o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.
III)
Decisão
1. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora nos seguintes termos:
a) Aditar aos factos provados a alínea 2-A, com a seguinte redacção: “O Parque… esteve encerrado ao público durante quatro meses, a partir de 1 de Novembro de 2010, reabrindo a 1 de Março de 2011”
b) No remanescente, negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
2. Custas a cargo da autora/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
Évora, 12 de Julho de 2012.
(Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto)
(João Luís Nunes)
(António Manuel Ribeiro Cardoso)