Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INCIDENTE DE FALSIDADE
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
NULIDADE DO CONTRATO
VENDA DE COISA ALHEIA
Sumário
1 - O incidente de falsidade, quer seja processado e julgado em conjunto com a acção (art. 544º a 549º) quer autonomamente como incidente de instância (art. 550º), visa directamente o documento enquanto meio de prova e a sua força probatória [impugnação da genuinidade do documento - letra ou assinatura do documento particular, a exactidão da reprodução mecânica ou negação das instruções a que se refere o art. 381º/1 do CC – art. 544º; ilisão da autenticidade ou da força probatória do documento presumido por lei como autêntico (art. 370º do CC), a sua falsidade (art. 372º do CC), a assinatura de documento particular por pessoa que não podia ou não sabia ler sem a intervenção notarial (art. 373º/3), a subtracção de documento particular assinado em branco ou a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário (art. 378º do CC) – art. 546º do C. P. C.] e apenas reflexamente o seu conteúdo. 2 - Os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. 3 - A falta de correspondência das declarações neles constantes com a realidade pode ser demonstrada por qualquer meio de prova admitido em direito. 4 – Tendo sido declarado nulo o contrato de compra e venda de um prédio, a venda efectuada a terceiro pela compradora já após o trânsito em julgado daquela sentença, é nula por se tratar de venda de coisa alheia, mesmo que o prédio ainda constasse do registo como sendo propriedade daquela.
Sumário do relator
Texto Integral
[1]A Associação…, o Centro…, o Grupo… e a Santa… intentaram a presente acção declarativa sob a forma ordinária, contra T…, pedindo que seja declarada nula a escritura pública de compra e venda de 18 de Setembro de 2007, celebrada no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, em que V…, Lda., declara vender a T…, pelo preço de € 150.000,00, o prédio rústico denominado, “Cercado”, sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, inscrito na matriz rústica sob o artigo 96º da Secção O e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o número 021985/940823 da referida freguesia, bem como que seja cancelado o registo na Conservatória do Registo Predial de Olhão, nomeadamente a inscrição registada no prédio descrito na ficha 02985/940823 (cota G - 5) e que seja condenada a Ré T… a entregar às Autoras o referido prédio.
Como fundamento alegaram serem donas e legitimas proprietárias do referido prédio rústico, que lhes adveio por sucessão testamentária por óbito de E… que, no dia 13 de Abril de 1945, outorgou um testamento com o seguinte conteúdo: “Que nomeia sua testamenteira a senhora dona M… (…); Que institui por única e universal herdeira de todos os seus bens, direitos e acções a sua referida testamenteira mas, se ela falecer sem descendentes legítimos, então institui por únicas e universais herdeiras de todos os seus bens, direitos e acções, em partes iguais, as casas de caridade desta vila, que se acharem legalmente constituídas”. Porém, a M…, falecida no dia 6 de Dezembro de 2005, no estado de solteira, sem descendentes, após desanexações e alteração das descrições prediais, vendeu o referido prédio, em 28 de Julho de 1994, à Ré V…, Lda que, por sua vez, em 18 de Setembro de 2007, o vendeu, pelo preço de € 150.000,00, à Ré T...
A 1ª Autora, ao tomar conhecimento da escritura de compra e venda de 28 de Julho de 1994, intentou, no dia 10 de Fevereiro de 1995, no Tribunal Judicial de Olhão, acção com vista a que fosse declarada nula a referida escritura de compra e venda, o que ocorreu por decisão transitada em julgado, tendo a Ré V…, Lda sido notificada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por notificação de 7 de Fevereiro de 2005.
Contudo, como não foi determinado o cancelamento no registo da compra feita pela 1ª Ré no âmbito da acção n.º 26/1995, foi intentada pela 1ª Autora uma nova acção que corre termos sob o n.º 859/07.0 TBOLH, a qual foi inscrita no registo em 17 de Agosto de 2007, pedindo o omitido cancelamento.
Por outro lado, em 15 de Janeiro de 2008 foi registada uma aquisição provisória por natureza em comum e sem determinação de parte ou de direito a favor das Autoras a qual abrange 7 prédios e entre eles o prédio em causa, por sucessão testamentária por óbito de E…, na sequência das Autoras, em 19 de Abril de 2007, terem celebrado uma escritura pública de habilitação de herdeiros onde declararam que eram as únicas e universais herdeiras do falecido E...
Assim sendo, uma vez que a Ré V…, Lda., procedeu à venda de bem alheio, deve ser declarada nula a compra e venda celebrada entre as Rés.
A Ré V…, Lda., regularmente citada, não contestou.
A Ré T… contestou invocando a falsidade da escritura pública de habilitação de herdeiros no âmbito da qual as Autoras declararam serem herdeiras de E…, na medida em que não são, e bem o sabiam, herdeiras do de cujus, porquanto nenhuma delas existia à data da morte do testador, só podendo ser herdeiras as casas de caridades existentes na data do óbito do testador, sendo certo que nem todas se integram no conceito de “Casas de Caridade de Olhão” a quem aquele deixou os seus bens no caso de M… falecer sem descendentes, não podendo considerar-se as casas de caridade existentes na data do óbito da referida M….
Para além disso, a Santa… e o Centro… têm sede na freguesia de Quelfes.
Invocou a ilegitimidade activa na presente acção, porquanto, não sendo as Autoras herdeiras do testador, não têm interesse em demandar, na medida em que não são proprietárias do prédio em causa nos autos, devendo a Ré ser absolvida da instância.
Mais alegou que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que anulou a venda feita entre M… e a Ré V…, Lda., do prédio em causa, não produz efeitos relativamente a si, devendo as AA, caso a acção seja julgada procedente, depositar à ordem da Ré o preço que pagou nos termos dos artigos 289º e 290º do Código Civil.
As AA. replicaram pugnando pela improcedência da excepção da ilegitimidade, bem como da alegada falsidade da escritura de habilitação de herdeiros, entendendo que devem ser consideradas herdeiras quaisquer casas de caridade existentes à data do óbito de M… e não à data do óbito do testador, por tal resultar da interpretação do testamento.
Para além disso, a Associação… e o Centro… já estavam criados em data anterior ao óbito do testador, sendo certo que todas as Autoras têm a sua sede no perímetro de Olhão, e quando a Ré V…, Lda fez a venda à Ré contestante já aquela havia sido notificada do Acórdão do STJ que declarava nula a escritura de compra e venda que tinha outorgado com M...
No saneador foram as excepções julgadas improcedentes e, conhecendo do mérito da causa, foi proferida sentença na qual se decidiu: “a) Declarar ineficaz, em relação às Autoras Associação…, Centro…, Grupo… e Santa…, o contrato de compra evenda efectuado por escritura pública de compra e venda de 18 de Setembro de 2007,celebrada no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, em que V…, Lda declara vender a T…, pelo preço de € 150.000,00, o prédio rústico denominado, “Cercado”, sito emMarim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, inscrito na matriz rústica sob oartigo 96º da Secção O e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob onúmero 021985/940823 da referida freguesia e declará-las proprietárias do referidoprédio; b) Determinar o cancelamento da inscrição da aquisição a favor da Ré T… constante do prédio referido em a) descrito na Conservatóriado Registo Predial de Olhão, sob o número 021985/940823 (cota G - 5); c) Determinar a entrega às Autoras Associação…,Centro…, Grupo… e Santa… do prédio rústicodenominado, “Cercado”, sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão,inscrito na matriz rústica sob o artigo 96º da Secção O e descrito na Conservatória doRegisto Predial de Olhão, sob o número 021985/940823 da referida freguesia referidoem a).”
Inconformada com esta decisão, interpôs a R. T… o presente recurso, impetrando a revogação da sentença e a sua substituição por outra julgando a acção improcedente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Formulou a apelante, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [2] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: “1. Na contestação a R., ora recorrente, levantou o incidente de falsidade, sob a forma de falsidade intelectual, da escritura de habilitação de herdeiros celebrada em 19/04/2007, com o fundamento que as Autoras não são herdeiras de E... 2. A questão a apreciar e decidir no incidente de falsidade, é a de saber se efectivamente as Autoras são herdeiras do testador E…, como declararam na Escritura de Habilitação de Herdeiros celebrada em 19 de Abril de 2007, no Cartório Notário P… em Lisboa e como se arrogam na presente acção. 3. Como se lê a fls. 5 da douta sentença, sob a epígrafe"O Incidente de falsidade da escritura pública de habilitação de herdeiros"o Tribunal a quo refere:
"Nestes termos, a falsidade do documento autêntico só pode ser arguida através do incidente previsto nos artigos 546º a 550º do Código de Processo Civil, enquanto o conteúdo das declarações pode ser impugnado, v. g., através de prova testemunhal, alegando-se erro, dolo, coacção.
In casu, os fundamentos que são invocados pela 2ª Ré prendem-se com a decisão de mérito da causa, com o conteúdo do que consta naquela escritura de habilitação de herdeiros, sendo que tal documento será apreciado de acordo com as regras da valoração da prova em sede de decisão de mérito, pelo que se remete para esse momento a sua apreciação(negrito e sublinhado nosso) não sendo necessário lançar mão de quaisquer diligências de prova, na medida em que a 2ª Ré não impugna apresentando prova em contrário nos termos do artigo 370º do Código Civil, sendo certo que apenas revelam nos autos os factos que foram percepcionados pelo Sr. Notário e que o mesmo fez constar da escritura de habilitação de herdeiros em causa nos autos". 4. O Tribunal relegou para sede de decisão de mérito o conhecimento do incidente de falsidade da escritura de Habilitação de Herdeiros celebrada em 19 de Abril de 2007, no Cartório Notário P… em Lisboa. 5. A fls. 47 sobre a epigrafe "Motivação da matéria de facto"o Tribunal a quo refere: "a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica e ponderada à luz dos princípios que regem a matéria, dos seguintes meios de prova:
c) No acordo das partes, nos termos do disposto no artigo 490º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o qual consta dos articulados quer da acta de 21 de Setembro de 2010, no que concerne a parte do facto P);
d) Nos seguintes documentos, os quais não foram impugnados pelas partes no que concerne à sua veracidade, apenas tendo sido impugnado o teor de documentos autênticos mas não os factos percepcionados por Notário:
- Escritura pública de habilitação de herdeiros em que as Autoras se declaram únicas herdeiras de E… falecido em 17-01-1946, tendo o Notário arquivado certidão de óbito do mesmo, de fls. 25 a 27". 6. O Tribunal a quo formou a sua convicção para decidir como decidiu, levando em consideração escritura de Habilitação de Herdeiros celebrada em 19 de Abril de 2007, no Cartório Notário P… em Lisboa. 7. Percorre-se toda sentença, e não se encontra qualquer referência sobre a tomada de posição do incidente de falsificação da escritura de Habilitação de Herdeiros celebrada em 19 de Abril de 2007, arguida pela R. na sua contestação. 8. Saber se as Autores são ou não herdeiras do testador E…, falecido em 17 de Janeiro de 1946 é questão fundamental para a boa decisão da causa. 9. Porque se provar que as Autores não têm direito à sucessão do testador E…, cai por terra o direito que as Autoras se arrogam na presente acção, ou seja, que são proprietárias do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o número 021985/940823 da freguesia de Quelfes. 10. Nos termos do artigo 668.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar. 11. O Tribunal a quo tinha a obrigação de conhecer do incidente de falsidade suscitado pela recorrente na contestação e não se vislumbra na sentença recorrida qualquer referência directa ou implícita a tal questão, razão pela qual, padece a mesma de omissão de pronúncia, encontrando-se ferida da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC. 12. A R., ora recorrente, na contestação, levantou a questão da ilegitimidade das Autores, alegando em síntese o seguinte:
• Na presente acção o que está em causa é saber se determinado prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número 02985/940823, é (ou não) propriedade das Autoras.
• Provado que está que as Autores não têm direito à sucessão do testador E…, consequentemente, provado fica, que as Autores não são proprietárias do prédio objecto da presente acção, logo, nenhum prejuízo lhes advêm da improcedência da mesma.
• As Autoras são assim, parte ilegítima na presente acção.
• Pelo que, deve a Ré ser absolvida da instância de acordo com o inserto nos artigos 288.º, n.º 1, alínea d) e 493.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil. 13. A legitimidade de que aqui se trata e que confere à Ré, ora recorrente a possibilidade de discutir a existência, ou não, do direito que as Autoras se arrogam na presente acção, é a legitimidade substantiva e não a legitimidade enquanto pressuposto processual. 14. A questão da legitimidade substantiva tem que ver, obviamente, com o mérito da causa. 15. Constata-se que na sentença agora posta em crise, o Tribunal à quo não se pronunciou sobre a legitimidade substancia levantada pela ora recorrente na contestação. 16. Nos termos do artigo 668.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando o juiz deixa de pronunciar -se sobre questão que devesse apreciar. 17. Tribunal a quo tinha a obrigação de conhecer da questão da legitimidade substantiva suscitada pela recorrente na contestação e não se vislumbra na sentença recorrida qualquer referência directa ou implícita a tal questão, razão pela qual, padece a mesma de omissão de pronúncia, encontrando-se ferida da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC. 18. O Tribunal a quo decidiu que a sentença proferida no processo 26/1995 que a 1.ª Autora Associação…, intentou, no dia 10 de Fevereiro de 1995, no Tribunal Judicial de Olhão, contra M… e contra a V…, Lda., na qual foi decidido, por decisão transitada em julgado em 12 de Julho de 2005, declarar nula a venda efectuada em 28 de Julho de 1994 aqui em causa, faz caso julgado na presente acção. 19. A fls. 50 da sentença, o Tribunal a quo refere: "na situação dos autos não se verifica nem uma situação de excepção dilatória de caso julgado nem uma situação de autoridade do caso julgado, mas sim que este Tribunal está vinculado à própria força material da decisão definitiva que declarou nula a escritura de compra e venda entre M… e a 1ª Ré V…, Lda., a qual produz efeitos dentro e fora do processo nos termos do disposto no artigo 671 º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Efectivamente, "Os terceiros têm de acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, quando a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa íntegra a consistência jurídica do seu direito, embora lhe cause um prejuízo de facto ou económico"
Assim sendo, sob pena de violação da decisão transitada em julgado, a decisão que declarou nula a escritura de compra e venda entre M… e a 1ª Ré V…, Lda., é oponível à 2ª Ré T…, sob pena dessa decisão não produzir qualquer efeito. 20. Por exclusão de partes, estamos, pois, em presença de "eficácia reflexa de caso julgado". 21. O Tribunal alicerça a sua decisão, com a fundamentação seguinte:
"Todavia, não tem a Ré T… qualquer interesse em impugnar a qualidade de herdeiras das Autoras Associação…, Centro…, Grupo… e Santa…, na medida em que, quanto à primeira, já foi decidido por decisão transitada em julgada e que a vincula na qualidade de "adquirente" na sequência de um negócio anulado (eficácia reflexa) que a mesma é herdeira de E… e, quanto às demais, a discussão de tal qualidade seria meramente académica e sem qualquer interesse para si ou para o desfecho desta acção. De facto, é irrelevante para a Ré T… entregar o prédio em causa a uma ou a 4 herdeiras do testamenteiro, sendo certo que a mesma está vinculada à decisão que declara a qualidade de herdeira da Autora Associação…; tal questão só teria interesse em ser discutida se a Ré T… pudesse excluir todas as Autoras, o que não se verifica na situação dos autos" (vide fls. 53 da sentença). 22. E a fls. 60 acrescenta o Tribunal recorrido:
"Por outro lado, estando as várias Autoras todas de acordo que são co-herdeiras de E…, irá o Tribunal aceitar essa qualidade sem discutir a mesma, na medida em que não tem qualquer efeito útil nos autos discutir tal qualidade atento o direito de petição de herança que pode ser exercido apenas por um herdeiro como já se referiu e porque é irrelevante para as Rés se apenas uma ou todas as Autoras são herdeiras do testamenteiro, atendendo a que sempre teriam que restituir o imóvel à 1ª Autora, acerca da qual é indiscutível que é herdeira atendendo a que como tal foi reconhecida na acção 26/1995 na sequência do fideicomisso residual em causa nos autos, tendo em tal acção sido decidido que a Casa de Caridade em causa seriam herdeiras caso a M… falecesse sem descendentes e que essa expectativa teria que ser respeitada, razão pela qual anulou o contrato de compra e venda entre a referida M… e a Ré V…, Lda." 23. O Tribunal entende que há caso julgado reflexo, porque na acção n.º 26/95, que a 1.ª Autora Associação…, instaurou contra M… e a V…, Lda., ficou reconhecido que a Autora Associação…, é (indiscutível) herdeira do testador E... 24. Na acção n.º 26/95 não ficou decidido nem reconhecido que 1.ª Autora Associação… é herdeira de E... 25. Aliás, nem tal questão foi discutida na referida acção como se pode verificar através da leitura da Sentença de 1.ª Instância, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, juntos ao processo. 26. O que se discutiu e decidiu na acção n.º 26/95, foi a de saber se a clausula testamenteira constante no Testamento feito pelo E… se tratava de um fideicomisso ou não. 27. Isto é, se a M… poderia vender o prédio objecto da escritura de compra e venda de 28 de Julho de 1994. 28. Não se discutiu essa questão, nem se poderia discutir, pois, a sentença de 1.ª Instância transitou em 12 de Julho de 2005 e a M… faleceu em 6 de Dezembro de 2005. 29. Isto é, só após o óbito da M… seria legítimo discutir quem eram as herdeiras E…. 30. Dado que na acção n.º 26/95, não foi discutido nem decidido que a 1.ª Autora Associação… é herdeira E…, consequentemente, não existe decisão a reconhecer a 1.ª Autora Associação… como herdeira do testador E... 31. O Tribunal a quo ao julgar a acção procedente com o fundamento que estamos em presença de caso julgado reflexo, em virtude de na acção n.º 26/95 se ter reconhecido a 1.ª Autora A…, herdeira E…, fez uma vez mais, uma errónea interpretação dos factos perfeitamente contrária à prova produzida e aplicação do direito.”
ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas são as seguintes as questão a decidir: 1 – Nulidades da sentença; 2 – Qualidade da 1.ª Autora Associação… como herdeira do testador E...
FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS
O tribunal “a quo” julgou provados os seguintes factos e neles apoiou a sua decisão sindicanda:
“A) No dia 13 de Abril de 1945, E…, identificado como Conservador do Registo Civil aposentado, outorgou um testamento a folhas 10-verso do Livro 17 do Cartório Notarial de Olhão, incorporado no Arquivo Distrital de Faro, o qual se encontra devidamente selado, no qual consta, em síntese, que: “Que nomeia sua testamenteira a senhora dona M…, solteira, maior, domestica, filha de J… e de M…, que reside na companhia dele testador, à vontade da qual serão feitos o seu funeral e sufrágios por sua alma, devendo ser tudo o mais modesto possível; Que institui por única e universal herdeira de todos os seus bens, direitos e acções a sua referida testamenteira mas, se ela falecer sem descendentes legítimos, então institui por únicas e universais herdeiras de todos os seus bens, direitos e acções, em partes iguais, as casas de caridade desta vila, que se acharem legalmente constituídas”, tal como resulta de fls. 562 a 565, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
B) Por morte de E…, cujo óbito ocorreu em 17 de Janeiro de 1946, tiveram início, em 15 de Fevereiro de 1946, os “Autos de liquidação do imposto sobre sucessão e doações” na Secção de Finanças do Concelho de Olhão, com o processo n.º 5849, do ano de 1946 tendo a M… aí apresentado uma descrição dos bens deixados pelo falecido, tal como resulta de fls. 278 a 290, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
C) Dos bens referidos em B) consta o prédio misto sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, composto por terras de semear, cultura arvense, vinha e morada de casas com dependência agrícola, com a área total de 88.840 m2, descrito em 28 de Julho de 1994 na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob os números 14384 e 14385 e inscrito a favor de M… pela inscrição na respectiva matriz rústica sob o artigo 68º da Secção “O” (antigos artigos 2.896º e 2.918º) e na área urbana sob os artigos 76º e 77º;
D) O prédio misto sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, composto por terras de semear, cultura arvense, vinha e morada de casas com dependência agrícola, com a área total de 88.840 m2, descrito em 28 de Julho de 1994 sob o n.º 14.384, na Conservatória do Registo Predial de Olhão, passou a estar descrito sob o n.º 02 984/940823, da freguesia de Quelfes referido em C), tal como resulta das certidões da Conservatória do Registo Predial de Olhão de fls. 21 a 24 e 45 a 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
E) Por escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 28 de Julho de 1994, no Cartório Notarial de Silves constante de fls. 58 e 59 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 121- D, M… vendeu à Ré V…, Lda, pelo preço de PTE. 6.000.000$00, o prédio misto referido em C), tal como resulta de fls. 323 a 326, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
F) Em 2 de Outubro de 1998, a Ré V…, Lda registou a rectificação da parte rústica do prédio de Quelfes, descrito sob o número 2984/940823, freguesia de Quelfes, passando este a ter uma área de 56.383 m2, conforme certidão da Conservatória do Registo Predial de Olhão de fls. 46, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
G) Em 25 de Novembro de 1998, a Ré V…, Lda desanexou do prédio descrito sob o n.º 02984/940823, da freguesia de Quelfes, um prédio misto, composto de cultura arvense, amendoeiras, oliveiras e alfarrobeiras, com a área de 26.351 m2 e casas térreas com três compartimentos de 19 m2; dependência agrícola de 30 m2, que ficou descrito sob o n.º 04423/981125, da freguesia de Quelfes conforme certidão da Conservatória do Registo Predial de Olhão de fls. 46 a 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
H) Nessa sequência, em 28 de Julho de 1998, o prédio misto sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, composto por terras de semear, cultura arvense, vinha e morada de casas com dependência agrícola, com a área total de 88.840 m2 referido em C) foi dividido em 3 prédios:
- O descrito sob o n.º 02984/940823, freguesia de Quelfes, “composto de cultura arvense, alfarrobeiras, oliveiras e amendoeiras – 30.032 m2 e casas térreas com um compartimento – 48 m2”, confrontando a Norte com J… e M…; Sul com Estrada Nacional 125, a Nascente com Ribeiro de Quarteira e a Poente com Estrada Municipal, inscrito na matriz da freguesia de Quelfes sob parte do artigo 68º da Secção O na parte rústica e sob o artigo 76º a parte urbana, tal como resulta da certidão do registo predial da Conservatória do Registo Predial de Olhão de fls. 45 a 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- O descrito sob o n.º 02985/940823, freguesia de Quelfes, com a área de 33 160 m2, composto de cultura arvense, alfarrobeiras, oliveiras e amendoeiras, confrontando a Norte com M…, J…, J… e A…, a Sul com L… e A…, a Nascente com F… e a Poente com M… e Ribeiro de Quatrim – inscrito na matriz da freguesia de Quelfes sob parte do artigo 96 (antigo 68º) da Secção O, tal como resulta da certidão da Conservatória do Registo Predial de Olhão de fls. 20 a 24, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- O descrito sob o n.º 04423/981125, freguesia de Quelfes, composto de cultura arvense, amendoeiras, oliveiras e alfarrobeiras, com a área de 26.351 m2 e casas térreas com três compartimentos – 19 m2, dependência agrícola – 30 m2, confrontando a Norte com M… e E…, a Sul com Estrada Nacional 125, a Nascente com Estrada Municipal e a Poente com o Ribeiro de Quatrim, inscrito na matriz da freguesia de Quelfes sob parte do artigo 68º Secção O na parte rústica e sob o artigo 77º a parte urbana, tal como resulta da certidão da Conservatória do Registo Predial de Olhão, de fls. 49 a 52, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
I) O prédio descrito sob o n.º 02985/940823, freguesia de Quelfes, actualmente inscrito na respectiva matriz sob o artigo 96º da Secção O da freguesia de Quelfes, apresenta, tal como resulta de fls. 20 a 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, as seguintes inscrições:
I. G-1 (de 03-11-1951)- aquisição a favor de M…, solteira, maior, por sucessão testamentária de E… com a seguinte cláusula “condição resolutiva de reverterem em partes iguais para as casas de caridade, que legalmente constituídas, nesta vila existirem à data do seu falecimento sem descendentes legítimos”, abrangendo tal sucessão 21 prédios.
II. G-2 (de 23-08-1994)- Aquisição a favor da Ré V…, Lda, por compra a M…, mantendo-se a cláusula constante da inscrição G-1;
III. G-5 (de 09-01-2008)- Aquisição provisória por natureza (al. b) do n.º 2 do artigo 92º) a favor da Ré T…, por compra a V…, Lda, mantendo-se a cláusula constante da inscrição G-1;
IV. G-6 (de 15-11-2008)- Aquisição provisória por natureza (al. b) do n.º 2 do artigo 92º), a favor das Autoras em comum e sem determinação de parte ou de direito, por sucessão testamentária de E..., abrangendo 7 prédios;
J) A 1ª Autora, Associação…, intentou, no dia 10 de Fevereiro de 1995, no Tribunal Judicial de Olhão, acção declarativa constitutiva, com forma de processo ordinário, contra M... e contra a V…, Lda, a qual correu termos sob o n.º 26/1995 do 1º Juízo deste Tribunal, com os seguintes pedidos: “a) “Ser declarada nula a escritura de compra e venda de 28 de Julho de 1994, celebrada no Cartório Notarial de Silves, em que M... vende à V…, Lda., o prédio misto sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, composto por terra de semear, cultura arvense, vinha e morada de casas com dependência agrícola, com a área total de oitenta e oito mil e oitocentos e quarenta metros quadrados, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob os números catorze mil trezentos e oitenta e quatro e catorze mil trezentos e oitenta e cinco e inscrito a favor da vendedora pela inscrição de aquisição número dez mil novecentos e oitenta e cinco, do Livro B – dez e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo número 68 da Secção “O” (antigos artigos 2.896 e 2.918) e na parte urbana sob os artigos 76 e 77” e “b) Que sejam cancelados os respectivos registos na Conservatória do Registo Predial de Olhão, das inscrições de aquisição dos prédios descritos sob os números 02 984/940823 (cota G – 2), todos da freguesia de Quelfes, a favor da V…, Lda”, tendo em articulado superveniente sido alterado o pedido na sequência de alterações na descrição passado o pedido a ser o seguinte: “a) “Ser declarada nula a escritura de compra e venda de 28 de Julho de 1994, celebrada no Cartório Notarial de Silves, em que M... vende pelo preço de seis milhões de escudos (Esc. 6.000.000$00) à V…, Lda. o prédio misto sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, composto por terra de semear, cultura arvense, vinha e morada de casas com dependência agrícola, com a área total de oitenta e oito mil e oitocentos e quarenta metros quadrados, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob os números catorze mil trezentos e oitenta e quatro e catorze mil trezentos e oitenta e cinco e inscrito a favor da vendedora pela inscrição de aquisição número dez mil novecentos e oitenta e cinco, do Livro G– dez e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo número 68 da Secção “O” (antigos artigos 2.896 e 2.918) e na parte urbana sob os artigos 76 e 77” e “b) Que sejam cancelados os respectivos registos na Conservatória do Registo Predial de Olhão, das inscrições de aquisição dos prédios descritos sob os números 02 984/940823 (cota G – 2), 02 985/940823 (cota G-2) e 04 423/981125 (cota G-2), todos da freguesia de Quelfes, a favor da V…, Lda”, na qual foi decidido, por decisão transitada em julgado em 12 de Julho de 2005, declarar nula a venda efectuada em 28 de Julho de 1994 aqui em causa, tal como resulta de fls. 291 a 307 e 511 e 514 a 307, 327 a 334, 511 a 514 e 662 a 753, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
K) Por despacho-saneador que conheceu do mérito da acção n.º 26/1995 referida em J), foi a mesma julgada improcedente por não provada e as Rés foram absolvidas do pedido, tendo a Autora Associação… recorrido da decisão para o Tribunal da Relação de Évora que, por Acórdão de 15 de Janeiro de 2004, decidiu “julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida”, declarando nulo o contrato de compra e venda, não tendo havido pronúncia acerca do pedido de cancelamento do registo, constando deste aresto que “No caso em apreço, o teor do testamento é tão claro e explícito que dele, inequivocamente resulta que o testador não só não impôs à testamenteira o encargo de conservar a herança, como expressou a sua vontade no sentido de lhe deixar todos os seus bens e se, a morte dela, alguns restarem passarem eles para as casas de caridade de Olhão, legalmente constituídas e existentes à data do óbito da mencionada testamenteira. A aludida disposição testamentária enquadra-se, adequadamente, no quadro normativo estabelecido no art. 1871° n.º 2 do Código Civil de 1867, segundo o qual "são havidas como fideicomissárias e, como tais válidas (...) as disposições que chamarem um terceiro ao que restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou legatário. (…) Constituem estas disposições os chamados fideicomissos de “resíduo”. (…) Nestas situações, o herdeiro tem a faculdade de alienar por actos “inter vivos” os bens da herança. Radica nesta faculdade, a de alienar, o traço de distinção entre o fideicomisso de resíduo e a substituição fideicomissária definida no art. 1886º, porque naquele não existe o encargo que nesta existe de conservação e transmissão a terceiro da herança ou legado. Contudo, aquela faculdade de alienar não é irrestrita. Na verdade vem estatuído no parágrafo único do citado art. 1871º que “A faculdade de alienar atribuída ao fiduciário, por força do n.º 2, só lhe é permitida depois do fiduciário não ter bens alguns próprios, com exclusão do prédio da sua residência habitual, e depois de obtido para isso autorização do fideicomissário, ou o seu suprimento judicial”. Consequentemente, a inexistência de bens próprios, com exclusão do prédio da residência habitual, e a autorização do fideicomissário, ou o seu suprimento judicial, são requisitos da faculdade de alienação pelo fiduciário. Resulta, pois, claramente do texto legal que é necessária a verificação cumulativa desses dois requisitos para que o fiduciário possa alienar “inter vivos” os bens da herança.", tal como resulta de fls. 291 a 299, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
L) A Ré V…, Lda recorreu do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Janeiro de 2004 referido em K) para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão de 1 de Fevereiro de 2005, confirmou o Acórdão recorrido, constando do referido aresto do STJ que “Segundo o art.º 62° do CC a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste. Tendo o autor da sucessão falecido em 17 de Janeiro de 1946, a lei aplicável é o Código Civil de 1867, com a redacção dada pelo Dec. N° 19126, de 16.12.1930. O art°. 1866° do referido código dispõe: “A disposição testamentaria, pela qual algum herdeiro ou legatário e encarregado de conservar e transmitir por sua morte a um terceiro a herança ou o legado, diz-se substituição fideicomissária ou fideicomisso”. No caso em análise, a R. C… não foi encarregada de conservar e transmitir a herança às Casas de Caridade de Olhão, pelo que não estamos perante um fideicomisso regular. No entanto, o art°. 1871° n° 2 do citado código estabelece que "São havidas como fideicomissárias e, como tais, válidas num grau as disposições que chamarem um terceiro ao que restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário”. E justamente o que acontece no caso dos autos, em que as Casas de Caridade de Olhão são chamadas ao que restar da herança do E… por morte da herdeira C... Só que, neste caso, a chamada das Casas de Caridade foi sujeita a condição suspensiva de a herdeira C… falecer sem deixar descendentes legítimos. O estabelecimento desta condição é valido e não retira à disposição testamentaria a natureza de fideicomissária, como bem se justifica no acórdão recorrido (há dupla liberalidade e ordem sucessiva). Trata-se de um fideicomisso residual, distinto do regular pelo facto de o herdeiro instituído não ficar encarregado de conservar e transmitir a herança a terceiro nomeado, podendo alienar os respectivos bens em determinadas circunstâncias. As características deste fideicomisso residual correspondem à vontade do testador, tal qual transparece do próprio texto do documento (…). A herdeira C… só podia alienar bens da herança nas circunstâncias especificadas no § único do já citado artº. 1871º. (…)”, tal como resulta de fls. 300 a 307, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
M) A Ré V…, Lda pediu a reforma do Acórdão do STJ de 1 de Fevereiro de 2005 referido em L) por alegada violação do Assento de 14 de Fevereiro de 1937 e em, conferência, foi confirmada a decisão anteriormente proferida com o seguinte fundamento: “Deixando de ser proibidos os fideicomissos condicionais, perdeu actualidade e interesse a doutrina do Assento, nada impedindo que se trate a disposição testamentaria feita por E… como fideicomisso irregular, como se fez no acórdão reclamado, coma o regime jurídico aí definido”, tal como resulta de fls. 511 a 513, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
N) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu definitivamente a acção n.º 26/1995 do 1º Juízo deste Tribunal foi notificado à Ré V…, Lda por notificação remetida por carta registada em 24 de Junho de 2005, como resulta de fls. 300 a 307 e 511 e 514, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
O) A acção n.º 26/1995 referida em J) foi inscrita no registo predial em 21 de Fevereiro de 1995 como provisória por natureza (al. a) do n.º 1 do artigo 92º do Código do Registo Predial), tendo tal inscrição caducado em 2 de Outubro de 1998, tendo sido inscrita novamente no registo em 7 de Abril de 1999 de igual modo provisória por natureza pelo mesmo fundamento, a qual caducou em 26 de Março de 2004, tal como resulta de fls. 20 a 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
P) M... faleceu no dia 6 de Dezembro de 2005, no estado de solteira, sem descendentes e com 90 anos de idade, tendo tal facto sido objecto de registo sob o assento de óbito n.º 1589 da Conservatória do Registo Civil de Faro, tal como resulta de fls. 383, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido;
Q) A 1ª Autora, Associação…, intentou, em 16 de Agosto de 2007, a acção n.º 859/07.0 TBOLH deste Juízo na qual peticionou que “sejam cancelados os registos na Conservatória do Registo Predial de Olhão, das inscrições de aquisição dos prédios descritos sob os números 02 984/940823 (cota G-2), 02 985/940823 (cota G-2) e 04 423/981125 (cota G-2), todos da freguesia de Quelfes, a favor da “V…, Lda”, tendo tal acção sido inscrita no registo por apresentação de 17 de Agosto de 2007 (provisória por natureza- alínea a) do n.º 1 do artigo 92º), a qual foi decidida por sentença de 12 de Julho de 2009, transitada em julgado em 10 de Setembro de 2009, tendo tal acção sido julgada totalmente procedente e, “(…) em consequência, determina-se o cancelamento das inscrições a favor da Ré V…, Lda na Conservatória do Registo Predial de Olhão da aquisição dos prédios descritos sob os números 02984/940823 (cota G - 2), 02985/940823 (cota G-2) e 04423/981125 (cota G¬2), todos da freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, na sequência da anulação da compra e venda efectuada por escritura pública de 28 de Julho de 1994, celebrada no Cartório Notarial de Silves efectuada no âmbito do processo n.º 26/1995 do 1º Juízo deste Tribunal Judicial de Olhão da Restauração”, tal como resulta de fls. 20 a 24, 476 a 483 e 586 a 661, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
R) Por escritura pública celebrada em 18 de Setembro de 2007, constante de a fls. 138 a 139-vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 267-A do Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, a Ré V…, Lda declarou vender à Ré T… o prédio rústico, denominado “Cercado”, sito em Marim, freguesia de Quelfes, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 02 985/940823, inscrito na matriz rústica sob o artigo 96º, Secção “O”, pelo valor de € 150.000,00 entregue pela Ré T… à 1ª Ré, “mantendo-se a cláusula resolutiva da inscrição G-1”, tal como resulta da certidão de fls. 84 a 88, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
S) Por escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada em 19 de Abril de 2007, no Cartório Notário P… e constante de fls. 34 e 35 do Livro de Escrituras Diversas n.º 35, J…, M… e V… declararam que eram: “(..) únicas e universais herdeiras do falecido E...Leonardo Mendonça as seguintes instituições: a) "Associação…", com sede na Rua…, em Olhão; b) Centro…, com sede em Quelfes, Olhão. c) Grupo…, com sede na Rua…, número treze e quinze, em Olhão. d) Santa…, com sede na Rua…, em Olhão”, tal como resulta de fls. 25 a 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
T) A Autora Associação…, com sede na Rua…, da freguesia e concelho de Olhão, foi constituída por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Olhão em 20 de Julho de 1982, a qual tem por objectivo manter as seguintes actividades: centro infantil, centro de actividades de tempos livres, centro de dia para idosos, centro de cultura e outras actividades de apoio às populações e encontra-se reconhecida pelo Governo Civil do Distrito de Faro como sendo uma Instituição Particular de Solidariedade Social e os seus Estatutos encontram-se ali registados e arquivados no Governo Civil do Distrito de Faro, tal como resulta de fls. 89, 155 a 160 e 389 a 426, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
U) Dos Estatutos juntos à escritura pública de 20 de Julho de 1982 de constituição da Autora Associação… consta que a “Associação… foi criada por alvará do Governo Civil de Faro (…) e adopta a denominação de “Associação…”, tendo o mesmo número de identificação de pessoa colectiva, tal como resulta de fls. 155 a 160, 389 a 426 e 475, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
V) A Autora Grupo…, com sede inicialmente no…, na freguesia e concelho de Olhão e, desde 3 de Março de 2003, com sede na Rua…, em Olhão, tem por finalidade e divulgação do espiritismo, nos seus aspectos científico, filosófico, moral e social seguindo a máxima “Fora da caridade não há salvação” e foi constituído por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Olhão em 5 de Fevereiro de 1982, tal como resulta da certidão extraída do Cartório Notarial de Olhão de fls. 161 a 166 e 456 a 459, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
W) A Autora Grupo… alterou os seus estatutos em 5 de Julho de 1990, sendo uma instituição privada de solidariedade social, sem fins lucrativos, criada por iniciativa particular, passando a ter por fim “contribuir para promoção dos diferentes grupos etários da população, em especial de Olhão, nos aspectos culturais, educativos e de segurança social”, designadamente com a criação do “serviço de refeitório destinado a todos os carentes de qualquer idade, sexo, raça ou nacionalidade” e encontra-se reconhecido pelo Governo Civil de Faro como Instituição Particular de Solidariedade Social e os seus estatutos encontram-se ali registados e arquivados, tal como resulta de fls. 92 e 437 a 455, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
X) A Autora Centro…, anteriormente denominada Instituto Nossa Senhora de Fátima, com sede na…, concelho de Olhão, foi constituída em 1944 pelos estatutos aprovados por alvará do Governo Civil de Faro de 21 de Março de 1944, conforme cópia do Diário da República n.º 203 III-Série, publicado em 03-09-1975 de fls. 215, resultando ainda da fls. 192 a 197 e 209 a 216, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Y) A Autora Centro… destina-se à assistência materno-infantil, assistência na invalidez assistência ao domicílio e o semi-internato e ainda como asilo de velhos e crianças e encontra-se reconhecido pelo Governo Civil de Faro como Instituição Particular de Solidariedade Social e os seus estatutos encontram-se ali registados e arquivados sob o alvará n.º 12-A, Liv. 11, Fls. 8, conforme resulta de fls. 91 e 194 a 197, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Z) A Autora Santa…, com sede na Rua…, concelho de Olhão foi instalada em 2 de Abril de 1952 e destina-se a criar e manter o hospital de Olhão, socorrer as grávidas e os recém-nascidos, promover o enterramento dos pobres e indigentes que não tenham família ou meios para o funeral, prestar socorros domiciliários, e encontra-se reconhecido pelo Governo Civil de Faro como Instituição Particular de Solidariedade Social e os seus estatutos encontram-se ali registados e arquivados, conforme certidão de fls. 90, documento designado por compromisso de honra, de fls. 225 a 245 e certidão do Governo Civil de Faro de fls. 548, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
AA) A presente acção tem como pedido: “a) “Ser declarada nula a escritura de compra e venda de 18 de Setembro de 2007, celebrada no Cartório Notarial de S. Brás de Alportel, em que V…, Lda vende pelo preço de cento e cinquenta mil euros, a T..., solteira, maior, o prédio rústico denominado “Cercado”, sito em Marim, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, inscrito na matriz rústica sob o artigo 96- Secção O e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número zero dois mil novecentos e oitenta e cinco, da referida freguesia; b) Seja cancelado o registo na Conservatória do Registo Predial de Olhão, nomeadamente a inscrição registada no prédio descrito na ficha 02 985/940823 cota (G-5), referente à freguesia de Quelfes, concelho de Olhão (artº 8º do Código de Registo Predial (Doc. 1); c) Seja condenada a R. T... a entregar às AA. o prédio referido nas alíneas anteriores; d) Serem as RR. condenadas em custas, procuradoria e demais despesas legais”, constando do articulado de fls. 1 a 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que tal prédio resulta da divisão do prédio misto descrito sob o n.º 04 423/981125 da freguesia de Quelfes;
BB) A presente acção foi intentada em 3 de Junho de 2008 e foi sujeita a registo no dia 14-05-2010 e tal registo foi qualificado como provisório por natureza nos termos das alíneas a) do n.º 1 e b) do n.º 2 do Código de Registo Predial, tal como resulta de fls. 275 e 276, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [3] bem como, nos termos dos arts. 660º, n.º 2 e 713º n.º 2 do Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
1 – Nulidades da sentença.
Argumenta a recorrente que a sentença é nula porquanto, apesar de ter suscitado na contestação o incidente da falsidade da escritura de habilitação, no âmbito do qual “a questão a apreciar e decidir…, é a de saber se efectivamente as Autoras são herdeiras do testador E..., como declararam na Escritura de Habilitação de Herdeiros celebrada em 19 de Abril de 2007, no Cartório Notário P… em Lisboa e como se arrogam na presente acção”, o tribunal recorrido “relegou para sede de decisão de mérito o conhecimento do mesmo.Porém, “percorre-se toda sentença, e não se encontra qualquer referência sobre a tomada de posição do incidente de falsificação da escritura de Habilitação de Herdeiros” sendo certo que, como se vê da"Motivação da matéria de facto" tal documento serviu para fundamentar a sua convicção e, consequentemente, a decisão.
Ora, “saber se as Autores são ou não herdeiras do testador E..., falecido em 17 de Janeiro de 1946 é questão fundamental para a boa decisão da causa, porque se provar que as Autores não têm direito à sucessão do testador E..., cai por terra o direito que as Autoras se arrogam na presente acção, ou seja, que são proprietárias do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o número 021985/940823 da freguesia de Quelfes”.
Vejamos.
Estabelece o art. 668º nº 1 al. d) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
Determina, por seu turno, o art. 660º, nº 2 do mesmo diploma que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras…”.
Não há dúvidas que a ora recorrente iniciou a sua contestação sob a epígrafe: “I – Incidente de falsidade”.
Como resulta dos arts. 544º e segs. do Código de Processo Civil, o incidente de falsidade, quer seja processado e julgado em conjunto com a acção (art. 544º a 549º) quer autonomamente como incidente de instância (art. 550º), visa directamente o documento enquanto meio de prova e a sua força probatória [impugnação da genuinidade do documento - letra ou assinatura do documento particular, a exactidão da reprodução mecânica ou negação das instruções a que se refere o art. 381º/1 do CC – art. 544º; ilisão da autenticidade ou da força probatória do documento presumido por lei como autêntico (art. 370º do CC), a sua falsidade (art. 372º do CC), a assinatura de documento particular por pessoa que não podia ou não sabia ler sem a intervenção notarial (art. 373º/3), a subtracção de documento particular assinado em branco ou a inserção nele de declarações divergentes do ajustado com o signatário (art. 378º do CC) – art. 546º do C. P. C.] e apenas reflexamente o seu conteúdo.
No caso, o documento visado no incidente de falsidade, é um documento presumido por lei como autêntico, sendo certo que a recorrente não argui a sua falsidade ou a falta de autenticidade do mesmo. A recorrente aceita a autenticidade e a força probatória do documento em si, e visa com o incidente demonstrar que as declarações que nele constam prestadas pelas recorridas declarando-se únicas herdeiras, não correspondem à verdade. Ora, esta arguida falta de correspondência com a verdade não é obtida através do incidente de falsidade.
Nos termos do art. 371º do CC, os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. Consequentemente, as declarações constantes do documento em causa prestadas pelas ora recorridas, não estão abrangidas pela força probatória do documento que apenas prova que aquelas declarantes, perante o notário, prestaram aquelas declarações e já não que as mesmas são verdadeiras.
A falta de correspondência das declarações com a realidade pode, por conseguinte, ser demonstrada por qualquer meio de prova admitido em direito.
Assim, não tinha o tribunal “a quo”que se pronunciar sobre o “incidente de falsidade” mas considerar o seu conteúdo em sede de apreciação da prova e factualidade provada.
Ora, consta da douta sentença recorrida: “II- O Incidente de Falsidade da escritura pública de habilitação de herdeiros e a impugnação da assinatura de documentos. Na sua contestação a Ré T... arguiu o incidente de falsidade da escritura pública de habilitação de herdeiros de fls. 25 a 27 dos autos com fundamento no facto das Autoras ao declararem que “são as únicas e universais herdeiras do falecido E...Leonardo Mendonça”, com perfeita consciência de que o não são, prestaram falsas declarações por saberem que não eram herdeiras do testador E…, não possuindo, por isso, legitimidade para, na qualidade de herdeiras do de cujus, celebrar a escritura de habilitação de herdeiros nem reivindicar de quem quer que seja bens da herança. Ora, uma escritura pública é um documento autêntico nos termos do disposto no artigo 369º do Código Civil. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 371º do Código Civil, a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público de que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes perante essa mesma autoridade ou oficial público. Assim, se no documento o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado [4]. Nestes termos, a falsidade do documento autêntico só pode ser arguida através do incidente previsto nos artigos 546º a 550º do Código de Processo Civil, enquanto o conteúdo das declarações pode ser impugnado, v. g., através de prova testemunhal, alegando-se erro, dolo, coacção.
In casu, os fundamentos que são invocados pela 2ª Ré prendem-se com a decisão de mérito da causa, com o conteúdo do que consta naquela escritura de habilitação de herdeiros, sendo que tal documento será apreciado de acordo com as regras da valoração da prova em sede de decisão de mérito, pelo que se remete para esse momento a sua apreciação, não sendo necessário lançar mão de quaisquer diligências de prova, na medida em que a 2ª Ré não impugna apresentando prova em contrário nos termos do artigo 370º do Código Civil, sendo certo que apenas revelam nos autos os factos que foram percepcionados pelo Sr. Notário e que o mesmo fez constar da escritura de habilitação de herdeiros em causa nos autos.”
E mais adiante, na factualidade provada limitou-se o tribunal a dar como provada a outorga da escritura pública de habilitação de herdeiros e o que os intervenientes nela declararam e não que as AA. são as herdeiras do falecido E...Leonardo Mendonça.
Consignou-se ainda na factualidade provada o decreto judicial proferido na acção 26/1995, intentada pela, também aqui A., Associação…, declarando nula a escritura de compra e venda do prédio aqui em causa celebrada entre M... e a aqui também Ré V…, Lda., subjacente à qual estava o pressuposto de que a aludida A. era uma das herdeiras de E…, no caso do falecimento da M... sem deixar descendentes.
Consta da douta sentença ora em apreço: “Assim sendo, não obstante apenas a 1ª Autora, a Associação…, ter intervindo na acção n.º 26/1995, por existir identidade de sujeitos entre aquela concreta Autora e as Rés na primeira acção, é inegável que entre estas operam os efeitos do caso julgado e nesta segunda demanda apenas poderá discutir-se se as restantes Autoras, que não a Associação…, por não terem intervindo na primeira acção com decisão transitada em julgado, podem aproveitar-se e em que termos, em função da sua posição jurídica (e não física ou numérica), dos efeitos do trânsito em julgado, sem que seja legítimo repetir-se novamente a discussão da relação material controvertida objecto do litígio que originou a decisão transitada em julgado, isto é, sem que se possa discutir novamente se as Casas de Caridade de Olhão receberam ou não de E… os bens pertencentes ao seu acervo hereditário em virtude da deixa testamentária. Aliás, se não fosse esta a solução adoptada, estaria encontrado o modo de obviar à força e à eficácia do caso julgado, bastando para tal introduzir-se na demanda qualquer outra pessoa que não tivesse intervindo na acção anterior, o que seria suficiente para se despoletar nova discussão sobre a mesma matéria e, em abstracto, impedir ad eternum o trânsito em julgado de uma decisão legitimamente proferida pelo Tribunal. Importa ainda salientar que, apesar de tal não ter ocorrido, a mera circunstância das Autoras Centro…, Grupo… e Santa… poderem ter agido em juízo em pluralidade activa na primitiva acção contra as ali Rés, o que poderia corresponder a uma situação de litisconsórcio ou coligação, factor que não importa aqui analisar, em nada alteraria a matéria jurídica em discussão, nem os contornos da questão fundamental em litígio. De facto, “a identidade de sujeitos que é pressuposto do funcionamento da excepção de caso julgado não corresponde a uma identidade física e numérica, ou seja, a mera circunstância de existirem outros sujeitos na anterior acção que não têm intervenção na posterior ou a circunstância de existirem, na acção posterior, outros sujeitos que não tiveram intervenção na anterior, não obsta ao funcionamento da excepção de caso julgado entre os sujeitos que tiveram intervenção em ambas as acções. (…) A mera circunstância de o A. ter optado por demandar no mesmo processo duas ou mais pessoas, em litisconsórcio voluntário ou coligação, não poderá obstar a que uma delas possa, fundadamente, invocar a excepção de caso julgado que se formou em anterior acção, desde que, relativamente a ela, se verifiquem os pressupostos da referida excepção.” Atento o exposto, no que concerne ao lado activo, a mera circunstância de um dos herdeiros já ter obtido por decisão transitada em julgado a declaração de nulidade do contrato de compra e venda, tal nulidade abrange os demais herdeiros porque a compradora já não pode reconhecida a validade do negócio jurídico atenta a decisão transitada em julgado pelos seus próprios efeitos, para além de resultar inequívoco do instituto de petição de herança que um dos herdeiros desacompanhado dos demais pode exigir judicialmente da sua qualidade sucessória e a consequente restituição de todos os bens da herança, não lhe podendo ser oposto que os bens não lhe pertencem por inteiro tal como resulta dos artigos 2075º e 2078º do Código Civil. Em síntese, entende-se ocorrer, para efeitos de caso julgado, uma identidade de sujeitos quer do lado activo, quer do lado passivo, em relação à acção n.º 26/1995, tendo em conta a qualidade jurídica das partes.”
Resulta daqui que, no que tange ao “incidente de falsidade” o tribunal entendeu que carecia de objecto já que não foi arguida a falsidade ou falta de autenticidade do documento. Quanto à questão de serem as AA. as herdeiras de E…, pronunciou-se o tribunal em sentido positivo, não por força da escritura de habilitação, mas porque assim foi decidido com trânsito em julgado relativamente à ora também A. Associação… e que aproveitava às demais AA.
Em suma, é inquestionável que o tribunal não omitiu a pronúncia em causa, não se verificando, por conseguinte, a invocada nulidade.
Invoca ainda a recorrente a nulidade da sentença pelo facto de não se ter pronunciado sobre a suscitada ilegitimidade substancial das AA.
Mas também aqui não tem razão.
Como atrás se referiu, o tribunal “a quo” assentou a sua decisão no acórdão proferido no processo 26/1995, no qual se declarou a nulidade da escritura de compra e venda que transferira para a Ré V… a propriedade do prédio aqui em causa e que esta vendeu à ora recorrente já depois de ter transitado em julgado aquela sentença, tratando-se, por conseguinte, de venda de coisa alheia.
Ora, perante este entendimento, é óbvio que saber se as AA. são ou não as herdeiras de E…, é questão que não releva.
Acresce que, como referimos, apesar de naquela acção não ter sido expressamente declarado que a Associação… era herdeira de E…, porque essa declaração não constava do pedido, foi nessa consideração que assentou a sentença em causa pois, de outro modo, teria a acção sido julgada improcedente já que a sua procedência assentou na obrigatoriedade do consentimento desta Associação para a venda do prédio e na omissão desse consentimento. Ora, na tese do aresto em causa, o consentimento na venda era necessário porque a A. era uma das herdeiras de E...
E, na sentença ora em recurso, entendeu-se que aquela qualidade de herdeira da Associação… não só abrangia as AA. por força do caso julgado, como era irrelevante para a decisão uma vez que a Ré V… vendeu à co-Ré T… um bem alheio sendo indiferente que seja apenas uma ou todas as AA. as herdeiras de E… e proprietárias do prédio.
É assim óbvio que também esta nulidade não se verifica.
2 – Qualidade da 1.ª Autora Associação… como herdeira do testador E…
Refere a apelante, nas suas conclusões e a este propósito, o seguinte: O Tribunal entende que há caso julgado reflexo, porque na acção n.º 26/95, que a 1.ª Autora Associação…, instaurou contra M… e a V…, Lda., ficou reconhecido que a Autora Associação…, é (indiscutível) herdeira do testador E.... 24. Na acção n.º 26/95 não ficou decidido nem reconhecido que 1.ª Autora Associação… é herdeira de E.... 25. Aliás, nem tal questão foi discutida na referida acção como se pode verificar através da leitura da Sentença de 1.ª Instancia, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, juntos ao processo. 26. O que se discutiu e decidiu na acção n.º 26/95, foi a de saber se a clausula testamenteira constante no Testamento feito pelo E... se tratava de um fideicomisso ou não. 27. Isto é, se a M... poderia vender o prédio objecto da escritura de compra e venda de 28 de Julho de 1994. 28. Não se discutiu essa questão, nem se poderia discutir, pois, a sentença de 1.ª Instancia transitou em 12 de Julho de 2005 e a M... faleceu em 6 de Dezembro de 2005. 29. Isto é, só após o óbito da M... seria legítimo discutir quem eram as herdeiras E.... 30. Dado que na acção n.º 26/95, não foi discutido nem decidido que a 1.ª Autora Associação… é herdeira E..., consequentemente, não existe decisão a reconhecer a 1.ª Autora Associação… como herdeira do testador E.... 31. O Tribunal a quo ao julgar a acção procedente com o fundamento que estamos em presença de caso julgado reflexo, em virtude de na acção n.º 26/95 se ter reconhecido a 1.ª Autora Associação…, herdeira E..., fez uma vez mais, uma errónea interpretação dos factos perfeitamente contrária à prova produzida e aplicação do direito.
Independentemente de se conceder ou não provimento à pretensão da recorrente, importa que se lhe reconheça alguma razão quando refere que “só após o óbito da M... seria legítimo discutir quem eram as herdeiras E...”.
Este reconhecimento não importa, porém, que se lhe confira a mesma agnição quanto ao argumento que aduz de que “na acção n.º 26/95 não ficou decidido nem reconhecido que 1.ª Autora Associação… é herdeira de E....”
Efectivamente, como atrás já referimos, apesar de naquela acção não ter sido expressamente declarado que a Associação… era herdeira de E…, porque essa declaração não constava do pedido, foi nessa consideração que assentou a decisão em causa pois, de outro modo, teria a acção sido julgada improcedente já que a sua procedência assentou na obrigatoriedade do consentimento desta Associação para a venda do prédio e na omissão desse consentimento ou do seu suprimento judicial. Ora, na tese do aresto em causa, o consentimento na venda era necessário porque a A. era uma das herdeiras de E…
Consta do referido acórdão: “…A limitação do direito de alienar os bens da herança, prevista no citado normativo legal, foi estabelecida para proteger os interesses do fideicomissário, tendo este toda a legitimidade para pedir a anulação da venda. A A., na medida em que se apresentou na petição inicial como herdeira fideicomissária da herança a que pertencia o imóvel vendido, tem interesse directo em demandar e é parte legítima (artº. 26° n° 3 do CPC).A recorrente confunde a legitimidade com o direito da A., que, no caso vertente, também se provou existir…”.
Este acórdão confirmou o acórdão desta Relação e no qual se pode ler: “…Tendo presente o caso em apreço, há que ter em conta que sendo, conforme se assinalou, a inexistência de bens próprios, com exclusão do prédio de residência habitual do fiduciário, e a autorização do fideicomissário ou o seu suprimento judicial, elementos constitutivos do direito de alienar, competia à Ré e ora Apelada M…, a fiduciária, a prova da sua verificação na venda do bem da herança que efectivou pela escritura de 28.7.1994 (art. 342° nº 1 do C.Civil).Ora, estando provado - ponto 9 dos factos dados como provados - que essa venda foi efectuada pela M... sem autorização da Autora e ora Apelante ou sem o seu suprimento judicial, está-se perante um acto praticado contra disposição injuntiva, da lei (parágrafo único do art. 1871º), o que o torna nulo.”
Estabelece o art. 661º/1 do Código de Processo Civil que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Para que se respeite o estabelecido neste preceito, “tem que haver identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, ou seja, sem embargo de o tribunal ser livre na qualificação jurídica dos factos, tem de manter-se, ao julgar, dentro da causa de pedir invocada pelo A.”[5]. “O tribunal não pode decidir fora dos limites do pedido e da causa de pedir”[6]. “Os limites objectivos da sentença estão condicionados pelo objecto da acção, integrado não só pelo pedido formulado mas, ainda, pela causa de pedir”[7].
Entre o sistema da individualização (em que ao autor bastaria a indicação do pedido, “devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor”), e o da substanciação da causa de pedir (que “implica para o autor a necessidade de articular os factos donde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada”), o legislador português optou claramente por este último [8].
A sentença tem, por conseguinte, que se conter não só nos limites quantitativos e qualitativos do pedido mas também nos limites do objecto da causa aferidos não só pelo pedido mas também pela causa de pedir [9] que o juiz tem que respeitar, sob pena de violação do disposto no art. 661º/1 e de incorrer na nulidade cominada no art. 668º/1/e).
Como se vê da petição da acção 26/95 certificada a fls. 629 e segs., a aqui e ali A. Associação…, apresentou como causa de pedir o facto da Ré M… não ter descendentes e ser, por conseguinte, a A. herdeira de E...e o facto daquela ter procedido à venda de um dos bens da herança sem o seu consentimento pedindo, em consequência, a declaração de nulidade do contrato de compra e venda, desiderato que alcançou em sede de recurso.
Tendo sido esta a causa de pedir, é óbvio que a decisão proferida assentou no reconhecimento da qualidade de herdeira da aqui recorrida.
Todavia esta questão, ou seja, o reconhecimento da qualidade de herdeira da referida Associação, tem escassa relevância para a decisão, como já referimos.
Efectivamente, o que se pediu nesta acção foi a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre as Rés, tendo como causa de pedir o facto do contrato de compra e venda pelo qual a Ré V… adquiriu a propriedade dos bens que transmitiu à ora apelante, ter sido anulado.
Não invocam as AA. como causa de pedir a sua qualidade de herdeiras. Esta qualidade é invocada apenas para assentar a sua legitimidade.
Como consta dos factos provados (e dos documentos juntos aos autos) a Ré V… comprou o prédio em causa nestes autos por escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 28 de Julho de 1994. Porém, por decisão transitada em julgado em 12 de Julho de 2005, foi tal contrato anulado [10].
Apesar desta decisão e da sua força obrigatória dentro e fora do processo (art. 671º do C.P.C.), a Ré V…, por escritura pública de compra e venda celebrada em 18 de Setembro de 2007, vendeu à ora apelante o prédio em causa.
É, assim, evidente que a Ré V… procedeu à venda à apelante de um bem alheio, sendo irrelevante para o caso, saber quem era o seu proprietário.
Sejam ou não as AA. herdeiras do testador E…, é inquestionável que a Ré V… não detém tal qualidade, tendo adquirido a propriedade do prédio por contrato de compra e venda que veio a ser anulado.
Tendo o título translativo sido anulado, não podia a mesma proceder, posteriormente, à venda do bem em causa, já que não era de sua propriedade.
Por conseguinte, para os fins da presente acção é irrelevante, como dissemos, saber se todas ou apenas alguma das AA. é herdeira do testador ou até mesmo, diríamos, saber se alguma delas o é.
É que, sendo inequívoco que estamos perante uma venda de coisa alheia, o contrato é nulo (art. 892º do CC). E sendo a nulidade invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e podendo mesmo ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do CC), aquela qualidade de herdeiro apenas releva para alicerçar o interesse no pedido, sendo que, repete-se, o tribunal poderia conhecer oficiosamente dessa nulidade.
Mas ainda assim se dirá que, a qualidade das AA. como herdeiras do testador consta da escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada em 19 de Abril de 2007, como tal antes da outorga da escritura que titulou o contrato visado nesta acção, sendo ainda certo que a M... faleceu no dia 6 de Dezembro de 2005, no estado de solteira, sem descendentes e com 90 anos de idade. Acresce que, como dissemos, o reconhecimento da qualidade da Associação…, como herdeira do testador, foi um dos fundamentos para a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a M... e a Ré V…
Em suma, por ter sido anulada a transmissão da propriedade do bem para a vendedora V…, a presente acção teria que proceder, fosse, como decidido, por via da ineficácia da transmissão para a apelante, fosse por via da sua nulidade, como peticionado.
Pelo referido, o recurso improcede, impondo-se a confirmação da douta sentença recorrida. DECISÃO Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em negar provimento ao recurso;
2. Em confirmar a douta sentença recorrida;
3. Em condenar a recorrente nas custas.
Évora, 27.09.2012
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos) __________________________________________________
[1] Relatório elaborado com base no consignado na douta sentença recorrida.
[2] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[4] Neste sentido, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 4ª edição, 1987, pp. 327 e 328.
[5] Ac. STJ de 31.01.91, in AJ, 15º/16º-25.
[6] Ac. da RE de 10.03.88, in BMJ, 375º/468.
[7] A. S. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, pág. 176, Almedina, 1997.
[8] A. S. Abrantes Geraldes, in ob. e loc. citados.
[9] “Causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor, tendo em vista não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto cujos contornos se enquadram na definição legal. A causa de pedir é, pois, o facto produtor de efeitos jurídicos apontados pelo A. e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entendeu dar-lhe”. Ac. STJ de 27/1/90, in BMJ 401º/579.
[10] Concorde-se ou não com esta decisão.