LEGÍTIMA DEFESA
MEDIDA DA PENA
Sumário

I - Para que se conclua estar perante conduta prevalentemente orientada por propósitos defensivos, não é obrigatório que haja uma relação de equivalência entre o meio empregue pelo agressor inicial e o utilizado por quem se defende.
II - Tal ausência de equivalência não é suficiente para pôr em causa o “animus defendendi”, só assim não sucedendo se o meio utilizado na defesa ultrapassar de forma gritante o que é previsivelmente necessário.

Texto Integral


Processo nº 11/11.0GEPTG.E1


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No Processo Comum nº 11/11.0GEPTG, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Portalegre, pela Exmª Juiz titular dos autos, foi proferido em 30/1/12 um despacho com o seguinte teor:
«Fls. 246: Por intempestivo, não admito a contestação ao pedido de indemnização civil apresentada pelo demandado cível A (art.º 78.º n.º 1 do Código de Processo Penal) e, consequentemente, determino o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.
Notifique».
Do despacho transcrito o arguido e demandado civil A interpôs recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
1. As lesões reparadas podem não resultar do toque na face da arguida, Maria João;
2. A causa efeito deve ser apreciada por perícia médica;
3. Dada a natureza do processo-crime e a apreciação simplista da prova civil, deve ser apreciado em separado o pedido cível com recurso a perícia e apreciação médica pericial, tudo para a descoberta da verdade;
4. Deve assim ser concedido provimento ao presente recurso e ser ordenada a separação do pedido civil dada a sua complexidade e carecendo de perícia médica sobre a causa-efeito das lesões ordenando-se a apreciação do pedido cível em separado para se fazer a habitual e costumada Justiça.
O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo formulado, por seu turno, as seguintes conclusões:
1. Vem o recorrente recorrer do despacho da Mma Juiz a quo que manda desentranhar o seu requerimento de fls. 263, entendendo a Mma Juiz de que se tratava da contestação ao pedido cível.
2. O arguido recorrente a fls. 263 requeria que o tribunal remetesse as partes para os tribunais civis porque entendia que as lesões descritas não eram causa/efeito do possível murro na face da arguida, ao abrigo do disposto no artigo 82º/3 do Código de Processo Penal.
3. À luz do preceituado no artigo 82º/3 do C.P.P., o juiz avalia as questões suscitadas pela dedução do pedido cível e reenvia para os meios comuns, se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, ou porque as questões suscitadas inviabilizam uma solução rigorosa, havendo assim desvantagem para o pedido cível, ou retardam intoleravelmente o processo penal, havendo assim desvantagem para o processo penal.
4. O que o recorrente quer é pôr em causa a veracidade/falsidade da documentação médica e, não a complexidade fáctica ou legal dos elementos dos autos.
5. Ora, esse não é o escopo do artigo 82º/3 do C.P.P.
6. Caso entendesse que a documentação clínica e o relatório pericial não fossem verdadeiros, o recorrente, ao longo do processo, teve oportunidade de pô-los em causa, nomeadamente, nos momentos da notificação da acusação e do dia de julgamento.
7. Para elaborar o relatório da perícia médico-legal, o Senhor Perito Médico teve acesso à documentação clínica da arguida e pôde constatar in loco ainda as lesões que a arguida tinha, concluindo que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.
8. Pelo exposto, bem decidiu a Mma Juiz ao não admitir o requerimento do recorrente, formulado ao abrigo do artigo 82º/3 do CPP.
Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso.
A arguida e demandante civil B respondeu à motivação do recurso interposto do despacho interlocutório, terminando pelas seguintes conclusões:
1) Veio o presente recurso, interposto do despacho de fls.264, que decidiu da intempestividade da contestação apresentada ao pedido de indemnização cível pelo ora Recorrente;
2) O despacho recorrido é um acto de mero expediente e como tal não é passível de recurso nos termos do art.º 400 nº 1 al. a) do CPP.
3) Sendo recorrível, intempestivo é também o presente recurso.
4) O Recorrente foi dele notificado na pessoa do seu mandatário nos termos do art.º 254 nº1 do CPC a 31-1-2012;
5) O prazo para interposição de recurso é de 20 dias - art.º 411 nº 1 al. a) do CPP
6) E, apesar do acto poder ser praticado nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, dia 24-2-2012, data em que o Recorrente deu entrada do requerimento de interposição de recurso, acompanhado das respectivas motivações, é já o quarto dia útil subsequente ao termo do prazo.
7) Logo não deve ser dado provimento ao recurso.
Por sentença proferida em 7/2/12, foi decidido:
a) condenar a arguida B pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, no montante total de € 960,00;
b) condenar o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, no montante total de € 1.040,00;
c) condenar os arguidos no pagamento das custas crime que se fixam em 4 UC (art.º 8.º n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais e art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal);
d) julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por B contra A e, consequentemente, condená-lo a pagar-lhe a quantia total de € 11.906,12 acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento e absolvê-lo do restante peticionado;
e) condenar demandante e demandado cível no pagamento das custas cíveis na proporção do respectivo decaimento (art.º 446.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil);
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. No dia 12 de Março de 2011, pelas 16 horas e 20 minutos, no Monte da Biscaia, Crato, área desta comarca, a arguida B ao deparar-se com o arguido A, saiu do veículo automóvel em que seguia e dirigiu-se ao mesmo, para o confrontar com uma situação de arranque de marcos ocorrida na sua propriedade.
2. Foi então que, após uma breve troca de palavras acerca do arranque dos marcos, estando o arguido A sempre no interior do seu veículo automóvel e com o vidro da porta semi-aberto e a arguida B no exterior do mesmo, esta desferiu uma bofetada na face esquerda daquele, após o que este lhe deferiu um murro na cara.
3. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido A, a arguida B sofreu um traumatismo na face de natureza contundente, consubstanciado na lesão interna do lábio superior não sangrante, na solução de continuidade na região gengival do canino inferior direito, com afectação da mobilidade do incisivo inferior médio, que, evoluindo normalmente para a cura, determinariam um período de doença fixável em sete dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
4. Em consequência directa e necessária da conduta da arguida B, o arguido A sofreu dores no lado esquerdo da face.
5. O arguido A actuou da forma descrita, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da arguida B, bem sabendo que ao desferir-lhe um murro na cara, molestava a sua integridade física, o que representou mentalmente e quis realizar.
6. A arguida B actuou da forma descrita, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do arguido A, bem sabendo que ao desferir-lhe uma bofetada na cara, molestava a sua integridade física, o que representou mentalmente e quis realizar.
7. Os arguidos A e B agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
8. A arguida é casada e tem três filhos, com 23, 19 e 14 anos, sendo que a mais velha trabalha em part-time.
9. A arguida é doméstica, sendo que nunca exerceu actividade profissional remunerada.
10. Descende de uma família originária de Tolosa e detentora de várias propriedades das quais retiraram o seu sustento. O pai, engenheiro agrónomo, geria as propriedades e respectivos funcionários, dedicando-se ao cultivo de produtos hortícolas e à criação de rebanhos que, posteriormente, comercializava, proporcionando uma situação financeira desafogada.
11. O marido é funcionário bancário e aufere um vencimento mensal líquido de € 1.300,00.
12. Habitam em casa própria integrada numa propriedade herdada da família do cônjuge e restaurada há alguns anos.
13. A arguida dedica o seu quotidiano à gestão da vida doméstica e aos filhos.
14. Tem o 9.º ano de escolaridade.
15. Nada consta do seu certificado de registado criminal.
16. O arguido é casado e não tem filhos.
17. Vive num monte, propriedade da família, com a mulher.
18. É agricultor, sendo que explora, diversas propriedades agrícolas, em vários concelhos da região de Portalegre, num total de cerca de 700 hectares de terras, com produção animal de vacas, ovelhas e porcos e com agricultura de sementeiras, auferindo rendimento não concretamente apurado, mas com uma situação económica estável e bastante favorável.
19. A mulher é também agricultora e explora outras terras além das do arguido.
20. Pagam uma prestação bancária mensal, no montante de € 150,00.
21. É proprietário de cinco casas rurais.
22. Tem o 11.º ano de escolaridade.
23. Tem antecedentes criminais:
- por sentença proferida a 23/05/2007, no âmbito do processo comum singular n.º 132/06.1TACVD do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Vide, foi o arguido condenado pela prática, em 11/2006, de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelo art.º 348.º n.º 2 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00; pena esta já declarada extinta.
24. Em consequência da conduta do arguido A e após observação clínica, foi detectada na arguida B, mobilidade grave acompanhada com lesão traumática nos dentes 3.2+3.1+4.1+4.2, tendo sido também afectada a estabilidade dos dentes 4.3+4.4+4.3-
25. Em consequência da conduta do arguido A, a arguida B foi medicada e tratada, pelo que, após ferulização dos dentes referidos em 24., detectou-se que não havia possibilidade de estabilização interna criada pelo ligamento periodontal e respectivo alvéolo, uma vez que o trauma a que foi sujeita, provocou o rompimento definitivo do ligamento à tábua óssea.
26. Por essa razão, constatou-se que os dentes identificados em 24. teriam de ser extraídos, o que veio a ocorrer em 4.
27. Foi igualmente necessário efectuar recuperação óssea e depois colocar implantes de modo a conseguir a estabilidade de uma prótese dentária.
28. Foi realizada uma biopsia óssea, bem como regularização óssea, regularização gengival, cirurgia para colocação de Bio Osso e Membrana Biológica de modo a proporcionar sustentação óssea e gengival para a realização de cirurgia de implantes e colocação de uma prótese metalo acrílica aparafusada, uma vez que, devido à acentuada degradação óssea e gengival, não seria possível colocar à requerente prótese removível em acrílico.
29. Tais tratamentos foram muito dolorosos.
30. O pós-operatório durou cerca de quatro meses, altura em que a arguida B dormia com dificuldade e alimentava-se de alimentos não sólidos e sentia dores.
31. Teve de se deslocar durante vários dias à clínica onde foi tratada, onde permaneceu por várias horas.
32. Em consequência da conduta do arguido A, a arguida B despendeu, no dia 30 de Março de 2011, a quantia de € 19,58 em medicamentos; o montante de € 8,26 em análises; a quantia de € 11.075,00 na cirurgia dentária e implantes e, para se deslocar ao INML de Portalegre, a quantia de € 61,00 em portagens e € 142,28 em gasóleo.
33. Mantêm-se as quezílias dos arguidos relativamente às questões de marcos e delimitação de propriedades.
A mesma sentença julgou os seguintes factos não provados:
a) O arguido A desferiu o murro mencionado em 2. na arguida B antes desta lhe desferir a bofetada.
b) As lesões sofridas pela arguida B em consequência da conduta do arguido A determinaram para a sua cura um período de doença de sete dias, com afectação da capacidade para o trabalho geral.
c) Em consequência da conduta do arguido, foram extraídos sete dentes à requerente.
d) Durante o pós-operatório a arguida B frequentemente chorava e, durante vários meses, teve dificuldade em realizar as tarefas domésticas, cuidar dos filhos e marido e dar-lhes afecto, como até então, fazia.
e) Em consequência da conduta do arguido A, a arguida B terá de efectuar outros e mais tratamentos, cirurgias, deslocações e terá mais dores.
Da referida sentença a arguida e demandante B veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
I – A recorrente não concorda com a sentença quanto à determinação da medida da pena que lhe foi aplicada e da indemnização cível que lhe foi atribuída em virtude dos danos não patrimoniais que sofreu com a conduta do arguido A.
II – Não relevou a sentença, em análise, devidamente, o comportamento muito grave do arguido, bem como, não relevou as muito graves consequências do seu acto.
III - Não aquilatou a sentença em apreciação, o comportamento da ora recorrente, atribuindo-lhe na pratica a mesma relevância da conduta assumida pelo arguido.
IV - In casu, inexistem ponderosas razões de prevenção geral positiva ou de prevenção especial que justifiquem uma pena, como a que foi aplicada à recorrente.
V – Refere a douta sentença “no que diz respeito às exigências de prevenção geral”, e a propósito da determinação da concreta medida da pena, que “as mesmas são bastante elevadas, dada a frequência com que ocorrem situações como a dos autos sobretudo por questões ligadas à propriedade de terras e alteração de marcos.”
VI – Olvida-se que o bem jurídico protegido e em causa nos presentes autos, não é a propriedade, mas a integridade física da pessoa humana!
VII – As consequências da conduta do arguido e consequências da conduta da arguida – factos provados em 3, 4, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31, impunham e impõem, que seja aplicada pena muito superior àquela que foi aplicada ao arguido e muito inferior àquela que foi aplicada à arguida, sendo que, no que tange ao dano moral, face às consequências gravíssimas da conduta do arguido, havia este de ter sido também condenado no pagamento da quantia de 6.000,00 e não de 600,00€
VIII- Ao não proceder como supra se descreve, violou a sentença sob crítica os artºs 70 e 71 do Código Penal, pelo que, revogando-a farão V.Exªs a costumada Justiça.
O MP respondeu à motivação da recorrente B, tendo formulado, por seu turno, as seguintes conclusões:
1 A arguida recorrente foi condenada em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física previsto e punível pelo artigo 143º/1 do Código Penal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €8,00 e o arguido condenado, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física previsto e punível pelo artigo 143º/1 do Código Penal na pena de 130 dias de multa à taxa diária de €8,00.
2 Vem a recorrente defender, em suma, que a Douta sentença deveria ter aplicado à recorrente uma pena mais leve e ao arguido uma pena mais pesada.
3 O crime pelo qual os arguidos foram condenados é punível com pena de prisão até 3 (três) anos ou multa.
4 Acolhendo, aqui, a súmula de Figueiredo Dias dir-se-á que o programa político-criminal assumido pelo legislador penal nos nºs 1 e 2 do artigo 40º da lei penal substantiva consubstancia-se em que «1.Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4.Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais» (“Temas Básicos da Doutrina Penal – Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal Sobre A Doutrina Geral Do Crime”, Coimbra Editora, 2001; pág.110-111).
5 Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção, quer geral quer especial, no processo de determinação concreta da pena impõe-se a valoração dos concretos factores de determinação de medida da pena previstos no artº 71º n.º2 do Código Penal.
6 Factores esses que a Mma. Juiz a quo fundamentou proficientemente no processo de determinação da medida concreta da pena aplicada, especificando-os e valorando-os correctamente.
7 Observou assim o disposto nos artigos 70 e 71º do Código Penal.
8 No tocante às exigências de prevenção geral, a Mma Juiz a quo considerou que as mesmas eram bastante elevadas, dada a frequência que ocorrem situações como a dos autos sobretudo motivadas por questões ligadas à propriedade de terras e alteração de marcos.
9 A recorrente não aduz qualquer argumento válido que possa fundamentar a sua pretensão, invocando simplesmente os factos provados que permitiriam a justificação da sua pretensão.
10 Contudo aqueles mesmos factos provados invocados pela arguida recorrente têm de ser conjugados com os demais dados como provados.
11 A Mmª. Juiz a quo ponderou, criteriosamente, as circunstâncias que, no caso, e na justa medida, agravam e atenuam a responsabilidade da recorrente e do arguido, bem como as exigências de prevenção geral e especial.
12 Bem decidiu a Mmª. Juiz a quo ao graduar como graduou as penas que aplicou aos arguidos, pois fez uma correcta aplicação dos critérios legais para a determinação concreta da medida da pena.
13 Por todas as razões ora aduzidas entende-se que a sentença proferida pelo tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida aquela decisão, nos seus precisos termos.
Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.
Da sentença proferida interpôs recurso ainda o arguido e demandado civil A, também com a devida motivação, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. As lesões descritas na matéria dada como provada na douta sentença em 3., 24 a 31. Não são consequência directa e necessária da conduta do recorrente;
2. E tais lesões são causa natural como medico-cientificamente se pode provar além do relatório do Instituto de Medicina Legal também pela descrição dos factos face aos tratamentos debitados nos documentos que acompanharam o pedido cível;
3. Além de que mesmo a existir podem ter sido resultado do embate na porta do Jeep do arguido que abriu ou de actos instintivos ou reflexos do recorrente para se ver livre dos impulsos da co-arguida, B.
4. Há falta de dolo.
5. Agarrada à camisa e tentar continuar agarrada à camisa, tendo a testemunha Nuno sentido dificuldade em separá-la, o recorrente não a agride violentamente com a mão, dando-lhe socos ou bofetadas.
6. Agindo sempre com a intenção de repelir necessariamente a agressão da co-arguida reunindo o previsto no art. 32 do C. Penal quanto à legítima defesa.
7. Além de que será um caso de suspensa de pena face ao preenchimento do prescrito no art. 143 nº3 do Código Penal.
8. Entendendo-se ser adequada tal dispensa de pena aos arguidos, assegurando-se as necessidades de reprovação e prevenção.
9. Sendo o pedido cível consequentemente julgado improcedente por não provado sendo as lesões apresentadas causa natural e não resultantes da conduta do recorrente.
10. E só medicamente se pode apurar a destrinça entre causa natural ou provocada pela conduta do arguido.
11. Não estando os autos habilitados com matéria de certeza médica suficiente para imputar à actuação do arguido as lesões que a co-arguida diz ser resultantes da mesma.
12. Dai se ter socorrido de recurso intermédio para se proceder ao julgamento do pedido cível em separado para ocorrer peritagem(s) medica(s).
Pelo exposto e mui doutamente suprido por Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o recorrente para se fazer a habitual e costumada Justiça.
O MP respondeu à motivação do recorrente A, tendo formulado, por seu turno, as seguintes conclusões:
1 O arguido recorrente foi condenado como autor material, na forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física previsto e punível pelo artigo 143º/1 do Código Penal, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros).
2 Inconformado com a douta sentença, vem o recorrente impugná-la invocando existir insuficiência de matéria de facto dada como provada e dever haver lugar à aplicação do “instituto da dispensa de pena”.
3 Quanto à questão da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada a nosso ver tal vício não se verifica.
4 Para que exista insuficiência é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita a decisão de direito, carecendo de ser completada.
5 Ora, tal não ocorre porquanto a factualidade provada comporta a verificação de todos os elementos do tipo legal de crime pelo qual o arguido recorrente foi condenado e ainda as circunstâncias a considerar para a escolha e graduação da adequada reacção penal, tal como veio a verificar-se.
6 Assim, as provas que mereceram e podiam merecer relevância determinante para dar como provada a factualidade assente na douta sentença recorrida foram precisamente aquelas que foram atendidas pela Mma Juiz a quo, sendo as mesmas suficientes para a decisão que veio a ser tomada.
7 Quanto à não aplicação do “instituto” da dispensa de pena, a Mmª. Juiz a quo apreciou devidamente o instituto em apreço.
8 Teve em conta a censurabilidade, a culpa do arguido recorrente que, in casu, não podiam ser consideradas diminutas.
9 Mais entendeu a Mmª. Juiz a quo que a dispensa de pena no caso concreto não acautelaria as exigências de prevenção que, no caso concreto se faziam sentir. Com efeito, há que eliminar este género de arrelias relacionadas com terrenos e marcos.
Por todas as razões aduzidas, entendemos que a sentença proferida pela Mmª. Juiz a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida na integra aquela decisão, nos seus precisos termos.
Os arguidos A e B foram notificados da motivação do recurso interposto da sentença pelo respectivo co-arguido, nos termos do nº 6 do art. 411º do CPP, mas não exerceram o seu direito de resposta.
O recurso interposto do despacho interlocutório foi admitido para subir com o recurso interposto da sentença, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os recursos interpostos da sentença foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.
A Digna Procuradora-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer sobre o mérito dos recursos interpostos, em matéria penal, defendendo a sua improcedência.
Tal parecer foi notificado aos recorrentes, para se pronunciarem, nada tendo respondido.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes, as quais deixámos enunciadas supra.
No presente processo, foram apresentadas à cognição deste Tribunal da Relação, as seguintes pretensões:
a) Recurso interposto pelo arguido e demandado A do despacho interlocutório de fls. 264;
b) Recurso interposto pela arguida e demandante B da sentença final;
c) Recurso interposto pelo arguido e demandado A da sentença final.
No recurso do despacho interlocutório, o arguido pretende seja revertido o juízo de não admissão da peça processual junta a fls. 263, emitido na pressuposição de que se tratava da contestação ao pedido de indemnização civil deduzido pela co-arguida, e deferida a pretensão nela formulada no sentido de ser determinada o reenvio da demandante para os meios civis, nos termos previstos do nº 3 do art. 82º do CPP, com fundamento, em síntese, em que o apuramento do nexo de causalidade entre a conduta do arguido descrita acusação e as consequências que a mesma terá acarretado para a arguida, de acordo com o alegado no articulado do pedido indemnizatório, exigirá a efectivação de uma nova perícia médica, da qual resultará um atraso intolerável da tramitação da acção penal.
O recurso interposto pela arguida e demandante B da sentença final versa, se bem entendemos, apenas sobre matéria jurídica e desdobra-se nas seguintes pretensões:
- Alteração da medidas das penas impostas a cada um dos arguidos, condenando-se a arguida numa pena muito menos grave do que a aplicada ao arguido;
- Na vertente civil do processo, condenação do demandado a pagar-lhe, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, a peticionada quantia de 6.000 euros e não os 600 euros arbitrados na sentença recorrida.
Finalmente, o recurso interposto pelo arguido e demandado centra-se nas seguintes questões:
a) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quanto a ter o arguido agredido a arguida com um murro e ao nexo de causalidade entre a actuação do arguido e as consequências que ela terá acarretado para arguida;
b) Invocação da causa de justificação de legítima defesa, prevista no art. 32º do CP;
c) Concessão ao arguido do benefício da dispensa de pena, ao abrigo do disposto no art. 143º nº 3 do CP.
Começando pelo recurso interposto do despacho interlocutório, verifica-se que a decisão por ele impugnada recaiu sobre uma peça processual em que o arguido peticionou o chamado reenvio das partes para os meios civis, previsto no nº 3 do art. 82º do CPP, cujo teor é o seguinte:
O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.
A disposição legal agora transcrita prevê uma excepção ao princípio da adesão obrigatória à acção penal do pedido de indemnização civil por danos emergentes da prática de crime, prescrito no art. 71º do CPP, a qual se encontra pensada em função dos casos em que prevalência desse postulado possa pôr em causa a realização dos fins quer da acção penal, quer da acção civil e a obtenção de uma decisão materialmente justa, em ambas as vertentes.
Verifica-se que, posteriormente à prolação do despacho interlocutório recorrido, foi proferida sentença final, que conheceu do mérito da acusação e do pedido de indemnização civil e da qual oportunamente interpuseram recurso ambos os arguidos, que são também partes civis.
Por força da prolação da sentença a pretensão deduzida na peça processual sobre que recaiu o despacho interlocutório impugnado perdeu o seu sentido útil, ocorrendo, por isso, a inutilidade superveniente da lide recursiva, com a consequente extinção da instância de recurso, conforme prevê o art. 287º al. e) do CPC, aplicável «ex vi» do art. 4º do CPP.
Seguidamente, passaremos a conhecer dos recursos interpostos por cada um dos arguidos da sentença final.
Seguindo a metodologia que vimos adoptando nos processos em que tenha sido interposta uma pluralidade de recursos de uma única decisão, não apreciaremos as razões de cada recorrente em separado, mas antes conheceremos das diferentes questões suscitadas, agrupadas segundo um critério de afinidade e pela ordem lógica de prioridade da sua apreciação.
Começaremos, então, pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida pelo recorrente A.
Tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre a matéria de facto não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.
Para fundamentar o juízo probatório emitido, o Tribunal «a quo» expendeu (transcrição com diferente tipo de letra):
A convicção do tribunal acerca da factualidade dada como provada assentou no conjunto da prova produzida e examinada em julgamento, nos seguintes termos:
- no que diz respeito aos factos vertidos em 1., nas declarações da arguida B que os confessou.
- relativamente aos factos narrados em 2., referentes à circunstância de ter havido uma breve troca de palavras entre ambos os arguidos acerca do arranque dos marcos e ao facto do arguido A ter permanecido sempre no interior do veículo com o vidro da porta semi-aberto, nas declarações de ambos os arguidos, coincidentes nesta parte.
No que diz respeito à conduta de cada um dos arguidos descrita na parte final dos factos vertidos em 2., o tribunal atendeu, à conjugação das declarações de ambos os arguidos, com os depoimentos das testemunhas C, D, E e F, com os relatórios periciais de fls. 36 a 38 e 74 a 76 e com as regras da experiência comum e normalidade da vida.
Com efeito, cada um dos arguidos negou ter agredido o outro e afirmou ter sofrido agressões, sendo que a versão de cada um deles, foi corroborada, no essencial, por duas testemunhas das quatro testemunhas inquiridas: a versão apresentada pela arguida B, segundo a qual não agrediu o arguido A, mas foi sim, agredida por este, pelos depoimentos das supra mencionadas testemunhas C e D, respectivamente, amigo e cessionário gratuito da exploração de propriedades da arguida e marido desta; a versão apresentada pelo arguido A, segundo a qual, não agrediu a arguida B, mas foi sim por esta agredido, pelos depoimentos das testemunha E e F, trabalhadores daquele. Cada grupo de testemunhas afirmou ter visto apenas a parte da ocorrência que “interessa” ao arguido com quem se relacionam.
Mas a verdade é que pese embora a notória parcialidade das mencionadas testemunhas, ainda assim, o tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como provado que se trataram de agressões mútuas, nos termos em que o fez.
De facto, pese embora o arguido A tenha afirmado que apenas teve um movimento reflexo de se proteger com o braço, não sabendo se atingiu ou não a arguida B; a testemunha E tenha afirmado que o arguido “se defendeu com a mão” e que “só empurrou com a mão” a arguida e a testemunha F tenha afirmado que o arguido A “segurou a mão” da arguida; a verdade é que, desde logo, daqui resulta que o arguido não ficou impávido perante a conduta da arguida. E não existem dúvidas que lhe desferiu, efectivamente, um murro, não só perante a natureza e gravidade das lesões sofridas pela arguida e que constam do relatório pericial de fls. 74 a 76, como também porque, em face das regras da experiência comum e normalidade da vida, estando o vidro da porta do veículo apenas semi aberto, só com intenção de atingir a arguida e não por mero acaso - já que ninguém mencionou que a arguida estaria debruçada no interior do veículo -, é que tais lesões teriam sido sofridas.
E não se diga que as testemunhas E e F afirmaram não ter visto a arguida com sangue, na ocasião, dado não só que, como se referiu supra, todas as testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento foram parciais, como também, porque, certamente, em face das regras da experiência comum e normalidade da vida, poderia só passado algum tempo ser visível, tanto mais que segundo afirmou a própria arguida, após ter sofrido o murro, abriu a porta, agarrou o arguido pelos colarinhos e foi a testemunha C quem a conseguiu tirar. Ora daqui resulta que os momentos seguintes foram claramente de confusão, razão pela qual, é perfeitamente admissível que as mencionadas testemunhas possam, efectivamente, não ter visto sangue, sem que daí se possa concluir que não existia.
Também não teve o tribunal, como se disse, quaisquer dúvidas que a arguida desferiu uma bofetada ao arguido A, conforme este e as testemunhas E e F referiram e foi por aquela negado.
Na verdade, também as testemunhas C e D afirmaram que a arguida saiu do veículo dizendo que “ainda bem que parou. Vou lá perguntar-lhe quando é que pára de me roubar”, denotando, desde logo, a revolta, nervosismo e até agressividade com que a arguida se dirigiu ao arguido e que este relatou e foi corroborado pelas testemunhas E e F. E a verdade é que até as testemunhas C e D acabaram por confirmar que a arguida estava bastante nervosa e mais ficou ainda após ter sofrido o murro, ao ponto, da testemunha C ter afirmado ter sentido dificuldade em conseguir que a mesma largasse os colarinhos do arguido A.
Ora daqui resulta que a arguida estava efectivamente nervosa e revoltada com a situação dos marcos arrancados, o que motivou uma troca de palavras que segundo a própria (ainda que não corroboradas pelo arguido nem pelas testemunhas que afirmaram ou não as ter ouvido ou não as ter percebido) se traduziram em perguntar ao arguido quem arrancou os marcos, ao que aquele respondeu, “foi o Dr. … e os amigos”, o que, evidentemente, irritou ainda mais a arguida, como aliás, foi notório em sede de audiência pela forma como os relatou. Assim sendo, atento o estado de espírito da arguida na ocasião, a versão apresentada pelo arguido A segundo a qual aquela lhe desferiu uma bofetada é perfeitamente compatível com as regras da experiência comum e normalidade da vida.
E diga-se igualmente que as testemunhas C e D afirmaram que a arguida, a determinada altura, fez um gesto com a mão que ainda que tenham referido ter sido para se segurar ao jeep ou subir ao estribo, não foi relatada de forma segura e convincente, pelo que, não se mostrou credível.
De salientar ainda que a convicção do tribunal não foi minimamente abalada pela circunstância do relatório pericial de fls. 36 a 38 mencionar a inexistência de lesões visíveis no arguido A aquando da realização do exame pericial, já que, naturalmente, tendo sofrido uma bofetada, não as apresentaria, muito menos dias depois, ainda que, segundo as regras da experiência comum e normalidade da vida, provoque dores, o que motivou, aliás, a circunstância de terem sido dados como provados os factos narrados em 4..
Em face do mencionado supra e dos elementos probatórios referidos, o tribunal deu, necessariamente, como não provados os factos vertidos em a).
- no que diz respeito aos factos vertidos em 3., o tribunal atendeu ao relatório pericial de fls. 74 a 76. Foi precisamente em face do teor do mesmo que o tribunal teve que dar, necessariamente, como não provados os factos vertidos em b).
- relativamente à intenção com que os arguidos agiram, a mesma resulta evidente da forma como os factos ocorreram, sendo certo que, no que diz respeito à conduta do arguido A o tribunal não teve quaisquer dúvidas que o fez intencionalmente e não, inadvertidamente, ou em sua defesa, não só pelos motivos já aduzidos supra que se prendem com a questão física das agressões se terem perpetrado através do vidro do carro, parcialmente aberto, como também porque, naturalmente, estando no interior do veículo, ao volante do mesmo, necessariamente, estava numa situação de superioridade face à arguida e, como tal, não necessitava de qualquer conduta defensiva. A conduta do arguido A foi intencional e deliberada.
- no que diz respeito às condições de vida dos arguidos, nas declarações dos próprios e nos respectivos relatórios para determinação de sanção que se mostram juntos aos autos.
- no que concerne ao facto de nada constar do certificado de registo criminal da arguida B e aos antecedentes criminais do arguido A, o tribunal teve em consideração os últimos certificados de registo criminal que se mostram juntos ao processo.
- relativamente aos factos vertidos de 24. a 32, nos depoimentos das testemunhas C e D em conjugação com os documentos de fls. 181 a 202, sendo certo que deles resulta, de forma evidente, o nexo de causalidade entre a conduta do arguido A e os mesmos, tanto mais que, já constava do relatório pericial de fls. 74 a 76 a menção à existência de lesões num dente e na gengiva, sendo assim, perfeitamente compatível com os tratamentos que se vieram a revelar necessários.
Foi precisamente em face do depoimento da testemunha D e dos documentos juntos a fls. 200, que o tribunal teve, necessariamente, que dar como não provados os factos vertidos em c).
- no que diz respeito aos factos vertidos em 33., os mesmos resultaram evidentes das declarações dos arguidos.
O tribunal deu como não provados os factos vertidos em d) e e), uma vez que não foi produzida qualquer prova sobre os mesmos.
No trecho da sentença recorrida, que acabámos de transcrever, o Tribunal «a quo» expõe as razões que o levaram a julgar provado que os arguidos se agrediram mutuamente da forma descrita no ponto 3 da factualidade assente.
Sustenta o recorrente A, em síntese, que não agrediu voluntariamente a co-arguida com um murro na face, admitindo como possível, apenas, ter-lhe tocado nessa região corporal por força de algum gesto instintivo, para se proteger da atitude agressiva da arguida ou para a afastar de si.
O Tribunal «a quo» desvalorizou, na formação da sua livre convicção os elementos de prova, que poderiam confortar a versão factual defendida pelo arguido, mormente, os depoimentos das testemunhas E e F, com argumentos que se nos afiguram razoáveis, racionais e não arbitrários, apresentando-se, por isso, compatíveis com os critérios que devem presidir à valoração probatória.
De resto, convergimos também com o Tribunal «a quo» ao considerar que a versão factual sustentada pelo recorrente A não é compatível coma dinâmica dos acontecimentos, tal como emerge da generalidade dos depoimentos e declarações recolhidos, pois não há notícia de a arguida se ter debruçado para o interior da viatura, dentro do qual o arguido se encontrava, circunstância que aquela versão necessariamente pressupõe.
Por fim, a versão dos factos propugnada pelo arguido não é compaginável com as lesões sofridas pela arguida e descritas no ponto 3 da matéria de facto assente.
O arguido esgrimiu, contra o juízo probatório subjacente ao ponto 3 da factualidade provada, o argumento segundo o qual as lesões físicas ali referidas não se ajustariam à eventualidade por ele defendida de ter dado um toque involuntário na face da arguida ou de a ter ligeiramente empurrado.
Ora, pelo contrário, é a prova material em que se apoiou o juízo que está na base do ponto 3 da factualidade assente que desmente a versão defendida pelo recorrente A.
O relatório pericial médico-legal de fls. 74 a 76 faz referência a uma informação clínica que o acompanha a fls. 78, na qual se baseou o juízo pericial.
Tal informação é proveniente do Hospital Privado de Braga e dá conta que a arguida foi assistida no serviço de urgência desse estabelecimento de saúde no dia 12/3/11, pelas 23h04m, pelo clínico Dr. …, apresentando «pequena lesão interna do lábio superior não sangrante, mobilidade do incisivo inferior médio e solução de continuidade na região gengival do canino inferior dto.».
Parece-nos ser pacífico entre os sujeitos processuais que os factos discutidos tiveram lugar pelas 16h20m do dia 12/3/11, num local sito na área da comarca de Portalegre.
Segundo consta dos seus elementos de identificação trazidos aos autos e reproduzidos na sentença recorrida, a arguida reside em Braga.
Nesta conformidade, e tendo também em conta que, pela sua natureza, as lesões, que a arguida apresentava nesse dia 12/3/11, não demandavam assistência de forma premente, não é estranhar que ela tenha optado por ser assistida num hospital da cidade onde reside, em vez de recorrer um estabelecimento de saúde das proximidades do local onde os factos ocorreram.
É certo que o clínico, que, de acordo com a informação junta a fls. 78, atendeu a arguida no dia 12/3/11, no Hospital Privado de Braga, tem de comum com ela o seu apelido de casada, mas tal facto, por si só, não é susceptível de abalar a credibilidade do registo de episódio de urgência em que assentou tal informação.
Embora as lesões descritas na informação clínica a que nos vimos referindo não sejam particularmente graves, não são ainda assim, de acordo com a experiência comum e a normalidade das coisas, susceptíveis de terem sido causadas por um mero toque involuntário na face ou sequer um empurrão, mas antes se compaginam, em termos de causalidade, com um murro com que a arguida tivesse sido atingida.
Por conseguinte, teremos de concluir que o juízo emitido pelo Tribunal «a quo» relativamente aos factos descritos na parte final do ponto 2 e no ponto 3, ambos da matéria provada, não merece censura, à luz dos critérios de apreciação da prova, pelo que terá de ser confirmado.
Quanto às consequências da apurada conduta do arguido A, importa estabelecer uma distinção entre o conteúdo factual do ponto 3 da matéria assente, que se encontra abrangido na factualidade alegada no libelo acusatório, e o dos pontos 24 a 31 da mesma sucessão, que o arguido igualmente impugnou em sede de recurso, mas que foram trazidos ao processo apenas no articulado do pedido de indemnização civil e que não podem, em homenagem ao princípio da vinculação temática do julgador à acusação, ser tomados em consideração no ajuizamento da responsabilidade criminal do arguido, relevando unicamente para a determinação da medida da sua responsabilidade civil.
O recorrente A veio invocar uma causa de exclusão de ilicitude (legítima defesa) que, a proceder, se reflectirá também na sua responsabilidade civil, decorrente da conduta apurada.
Assim sendo, não conheceremos, por ora, da impugnação da decisão matéria de facto relativamente aos factos descritos nos pontos 24 a 31, que só será objecto de apreciação, no caso de se julgar improcedente a arguição da causa de justificação de legítima defesa, de qual passaremos a conhecer de imediato.
A propósito da verificação dos pressupostos da legítima defesa (ou de outras causas de exclusão da ilicitude), diz-se na sentença sob recurso (transcrição com diferente tipo de letra):
Inexiste qualquer causa de exclusão da culpa e da ilicitude, sendo certo que não resulta minimamente da factualidade dada como provada que, pese embora o arguido Francisco tenha agido em segundo lugar, o tenha feito em legítima defesa, já que é evidente da forma como os factos ocorreram a inexistência, desde logo, de “animus defendendi”.
O art. 31º nº 2 al. a) do CP dispõe que não é ilícito o facto praticado em legítima defesa.
O art. 32º do CP define legítima defesa como «o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro».
A figura da legítima defesa, enquanto causa da exclusão de ilicitude penal, tem sido objecto de amplo tratamento ao nível da jurisprudência e da doutrina.
De todo o modo, a generalidade dos desenvolvimentos jurisprudenciais feitos sobre converge em desdobrar o tipo justificativo em apreço em dois elementos, que subdividem, cada um deles em outros dois.
Assim, para haver legítima defesa é necessário que se verifique, por um lado, uma agressão e por outro lado, uma defesa, sendo que primeira terá de estar revestida das características de ilicitude e de actualidade, enquanto que a segunda deverá ser necessária e levada a cabo com vontade de defesa (o chamado «animus deffendendi»).
A conduta do arguido A Relvas sob censura foi levada a cabo em resposta a uma «agressão», entendendo-se como tal a lesão por parte de outrem de bens jurídicos do defendente ou de terceiro.
No caso em apreço, trata-se de uma actuação da co-arguida B, lesiva da integridade física do arguido, concretizada no facto de aquela ter avançado para este, no momento em que ele se encontra no interior de um veículo, no local referido no ponto 1 da factualidade provada e lhe ter desferido uma bofetada na face esquerda.
A agressão verificada era necessariamente ilícita, pois a integridade física é um bem jurídico tutelado criminalmente (vd. art. 143º do CP), não se vislumbrando que pudesse então ter ocorrido qualquer circunstância idónea a excluir a ilicitude da conduta da arguida.
Para ser relevante do ponto de vista da reunião dos requisitos da legítima defesa, a agressão terá de ser também actual, considerando-se tal aquela que já tenha começado e que ainda não tenha terminado.
O ajuizamento da verificação deste e doutros pressupostos da causa de justificação, que agora nos ocupa, terá de ser feito objectivamente, «segundo o exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido» (Leal-Henriques e Simas Santos, «Código Penal», 2ª edição, volume I, pág. 336).
A factualidade provada não nos permite estabelecer, com todo o rigor, se à bofetada com que a arguida atingiu o arguido se seguiriam outros actos dirigidos contra a integridade física deste, já que a actuação da primeira foi interrompida pela reacção do segundo.
De todo o modo, não seria razoável exigir ao arguido que, depois de ter recebido a primeira bofetada, ficasse na expectativa do ulterior comportamento da arguida, antes de agir contra ele, pois constitui um dado da experiência comum que a um lesivo da integridade física se sucedem frequentemente outros.
Além disso, não há notícia que a arguida, depois de ter atingido o arguido com uma bofetada tenha feito algum gesto susceptível de denunciar que não pretendia continuar com a actuação agressiva.
Pelo contrário, foram as próprias testemunhas de defesa da arguida que afirmaram, conforme se referiu no trecho da sentença recorrida dedicado à fundamentação do juízo probatório, que ela, depois de ter sido atingida pelo murro que o arguido lhe desferiu continuou agarrada aos colarinhos dele, o que parece ilustrativo da intensidade dos propósitos agressivos que a moviam.
Nesta ordem de ideias, e segundo a percepção que uma pessoa média teria das circunstâncias, uma vez colocada na posição do arguido, a agressão contra este empreendida pela arguida B terá de considerar-se actual, no sentido anteriormente explicitado, quando o arguido atinge a co-arguida com um murro na face.
Por outro lado, o encadeamento factual em análise comporta também o elemento defesa, que deve ser entendido como a actuação do agredido ou de um terceiro, dirigida contra o agressor e idónea a fazer cessar a agressão.
No caso em apreço, a defesa concretiza-se no murro desfechado pelo arguido na face da co-arguida.
O carácter necessário da defesa é frequentemente um dos elementos do tipo justificativo em apreço cuja verificação é mais controversa.
A este respeito, expendem Leal Henriques e Simas Santos (op. cit., loc. cit.):
«A necessidade da defesa tem de ajuizar-se segundo o conjunto de circunstâncias em que se verifica a agressão e, em particular, na base da intensidade desta, da perigosidade do agressor e da sua forma de actuar. Como deverá atender-se igualmente aos meios de que se dispõe para a defesa».
No âmbito da necessidade da defesa, tem de ser ponderada a possibilidade ou impossibilidade de recurso à força pública para fazer cessar a agressão, à qual não se refere expressamente o art. 32º do CP, mas a que alude o art. 21º da Constituição da República, cuja disposição confere fundamento constitucional ao direito de legítima defesa.
Sobre a questão em apreço, importa ter presente o ensino de Fernanda Palma («A Justificação por Legítima Defesa como Problema de delimitação de Direitos», pág. 834, cit. Leal-Henriques e Simas Santos, op. cit., pág. 336 e 337):
«A defesa evitável contra uma agressão ilícita não se pode considerar necessária, não satisfazendo o requisito objectivo previsto no art. 32º do C. Penal, que refere a “necessidade” ao próprio facto defensivo e, não, estritamente, ao meio de defesa. Por outro lado, necessidade do meio e a necessidade da defesa exprimem um mesmo princípio de subsistência do valor relativo dos bens do agressor, sendo recusável, até por um argumento a fortiori, o reconhecimento do primeiro e a negação da segunda.
A inevitabilidade da defesa afirma-se sempre que a não defesa acarrete a lesão de bens jurídicos do defendente, como, designadamente, a honra e a liberdade – ou quaisquer outros que confiram um conteúdo material à salvaguarda da autonomia».
Não se apurou se o arguido A, no momento em que foi alvo da anteriormente evocada actuação agressiva, por parte da co-arguida, tinha na sua disponibilidade meio de comunicação à distância, que lhe permitisse entrar em contacto com o força pública de forma a obter a comparência no local dos respectivos agentes.
Também ignoramos qual a distância entre o local onde os factos ocorreram e o posto policial mais próximo.
Contudo, as características de imediação da actuação agressiva desenvolvida pela arguida contra o arguido tornam absolutamente inviável que se promova a comparência no local de agentes da autoridade em tempo útil de evitar o prosseguimento de tal actuação.
Neste contexto, interessa também averiguar se o arguido A teria podido defender-se eficazmente da actuação agressiva da co-arguida por meios menos gravosos, isto é que não envolvessem o sacrifício de bens jurídicos da agressora.
Concretamente, dado que o arguido recebeu a bofetada que lhe foi desferida pela arguida, quando se encontrava no interior de um veículo automóvel parado, através do vidro da janela que se encontrava semi-aberto, poderá colocar-se a questão de saber se poderia ter posto cobro à referida actuação agressiva, fechando simplesmente o vidro da janela.
Recorde-se que não ficou apurado se a viatura em cujo interior o arguido então se encontrava dispõe de sistema automático de fecho de janelas ou este tem de efectuado manualmente, sendo que, nesta última hipótese, a arguida sempre poderia ter tido a possibilidade de se opor ao fechamento da janela, e que, de todo o modo, a averiguação das características do veículo, no referido aspecto, se mostra inviável, pois o mesmo não se encontra identificado nos autos.
Em todo o caso, o fecho do vidro da janela não seria susceptível de obstar a futuras atitudes agressivas da parte da arguida, dirigidas não contra a integridade física do arguido, mas sim contra o veículo deste.
Poderia ainda argumentar-se que, estando o arguido, quando foi atingido pela arguida com uma bofetada, ao volante de um veículo automóvel sempre poderia ter colocado o veículo em movimento e afastar-se do local.
Como pode verificar-se, a eventual opção do arguido pelo configurado comportamento alternativo acarretaria necessariamente o sacrifício da sua liberdade ambulatória, que ele estava a exercer negativamente ao permanecer parado no local onde os factos ocorreram.
Não se vislumbra justificação razoável para que o arguido devesse conformar-se com tal limitação à sua liberdade de movimentos, sendo esta um afloramento do princípio geral da liberdade pessoal, consagrado pelo art. 27º da CRP.
Nesta ordem de ideias, e de acordo com a posição doutrinária de Fernanda Palma, acima transcrita e à qual aderimos, a circunstância de o arguido não se ter afastado do local onde os factos ocorreram, no sentido de evitar a previsível continuação da agressão de que fora alvo, não é de molde a excluir o carácter necessário da defesa por ele levada a cabo, porquanto essa opção impor-lhe-ia um sacrifício injusto da sua liberdade.
Quanto ao requisito do «animus deffendendi», cuja inexistência a sentença considerou evidente, o mesmo terá de ser ou não inferido de todo o contexto factual apurado, que antecedeu a actuação do arguido sob censura, à luz das regras da experiência comum.
Entendemos que, uma vez verificada, como se verificou, uma situação de defesa objectiva, a intenção defensiva que normalmente lhe corresponderá só deverá ser afastada perante sinais claros de que o agente se aproveitou da agressão inicial para realizar outros propósitos que não apenas o de proteger-se (ou a terceiro, tratando-se de heterodefesa) contra essa actuação, nomeadamente, o de tirar desforço do agressor.
É claro que, na vida real, converge frequentemente na mesma actuação humana uma pluralidade de propósitos, sendo, pois, admissível que, quando alguém reage contra uma agressão, através de uma conduta lesiva de bens jurídicos, nele coexistam a intenção defensiva e a de retaliação.
De todo o modo, afigura-se-nos que, em casos semelhantes, o «animus deffendendi» só deve ser desvalorizado, para o efeito da verificação dos pressupostos da legítima defesa, quando os demais vectores subjectivos o sobrelevem ao ponto de o reduzir a um mero pretexto ou cobertura para realização de outros propósitos.
De acordo com o que resultou provado em julgamento, o arguido reagiu à bofetada que a arguida lhe desferiu com um único murro, não tendo ido mais longe na sua actuação agressiva, como poderia ter acontecido se a sua intenção prevalecente tivesse sido a de tirar desforço da primitiva agressora.
Poderá colocar-se a questão de saber se o facto de o arguido ter usado de um meio mais gravoso do que aquele que a arguida previamente usou contra ele deverá acarretar a exclusão da prevalência do «animus deffendendi».
Com efeito, é da experiência comum que um murro, entendido como um golpe desferido com a mão fechada, provoca estragos mais graves do que aqueles a que dá origem uma simples bofetada, ou seja, um golpe vibrado com a mão aberta.
Ilustrativo dessa realidade será a diferença entre as consequências de cada uma das condutas em causa nos autos, as quais foram, a bem dizer inexistentes, para além das meras dores, no caso da bofetada administrada pela arguida ao arguido, e sensíveis, no caso do murro aplicado pelo arguido à arguida, mesmo abstraindo do conteúdo dos pontos 24 a 31 da factualidade assente.
Em todo o caso, afigura-se-nos que, para que nos encontremos perante uma conduta prevalentemente orientada por propósitos defensivos, não é obrigatório que haja uma relação de equivalência entre o meio empregue pelo agressor inicial e o utilizado por aquele que se defende.
Pelo contrário, a eficácia do acto defensivo parece recomendar que aquele que se defende lance mão de um meio algo mais drástico do que aquele que foi empregue pelo agente da agressão inicial.
A prevalência do «animus deffendendi» só deve ser posta em causa quando o diferencial entre o meio utilizado na defesa e o empregue na primitiva agressão, seja pela sua complexidade ou sofisticação, seja devido ao seu potencial destrutivo, ultrapasse de forma gritante aquilo que será previsivelmente necessário, na percepção de um indivíduo médio, para assegurar a eficácia da acção defensiva, sendo necessário levar, em conta, nesse ajuizamento, os meios que o agente tenha ao seu dispor na situação concreta.
Embora o arguido tenha utilizado contra a arguida um meio reconhecidamente mais gravoso, ao nível da sua capacidade destrutiva (já não em termos de sofisticação ou complexidade), do que aquele que ela usou ele, não se verifica entre um e outro uma discrepância notável ao ponto de indiciar que a actuação do arguido possa não ter tido por motivação predominante assegurar a defesa da sua integridade física contra a agressão contra si perpetrada pela arguida.
Neste contexto, importará ponderar a eventual relevância, para a questão que nos ocupa, do facto de o arguido ser do sexo masculino e a arguida do sexo feminino.
A este respeito, convirá recordar que o normativo do direito penal português em vigor não acolhe, se bem entendemos, o conceito de uma superioridade geral fundada no sexo, que tornasse os homens mais perigosos enquanto agentes activos de crimes e as mulheres mais vulneráveis, como seus sujeitos passivos, pelo menos, em relação a condutas que envolvam algum emprego de violência física.
Diferentemente sucedeu sob regimes legais mais antigos, designadamente, no domínio do CP de 1886, o qual tipificava o aproveitamento pelo agente do crime da sua superioridade sobre a vítima, baseada no sexo, como agravante geral da responsabilidade criminal.
Embora se possa admitir que, estatisticamente, os homens são dotados de um grau de força muscular superior ao das mulheres, a questão terá de ser apreciada casuisticamente, pelo que a diferença de sexo não implica, por si própria, um desequilíbrio na balança de forças entre os intervenientes, ao ponto de indiciar que uma conduta traduzida em responder com um murro a uma bofetada tenha sido predominantemente orientada por motivo diverso da intenção defensiva.
Não resulta dos autos qualquer elemento de facto que permita concluir pela existência de um agravamento do desequilíbrio de forças entre a arguida e o arguido, para além daquele que pode decorrer da diferença de sexo, sendo os dois arguidos, nomeadamente, de idades muito próximas.
Nesta conformidade, teremos de concluir, ao arrepio da sentença recorrida, que o contexto factual apurado não justifica o afastamento do «animus deffendendi», em relação à apurada conduta do arguido A.
Em face do exposto, verifica-se que se mostram reunidos, relativamente à actuação do arguido A, todos os elementos do tipo justificativo da legítima defesa, tal como o define o art. 32º do CP.
A ocorrência de uma causa de exclusão da ilicitude acarreta a improcedência da acção penal e a consequente absolvição do arguido.
Relativamente à vertente civil do processo, importa ter presente que a arguida B deduziu contra o co-arguido A um pedido de indemnização, tendente ao ressarcimento dos danos para ela resultantes da conduta do demandado incriminada nos autos, no montante global de 17.306,12 euros, compreendendo 11.306,12 euros a título de danos patrimoniais e 6.000 euros relativos a danos não patrimoniais.
O pedido indemnizatório formulado pela arguida baseia-se na responsabilidade civil por actos ilícitos, cuja sede legal é o nº 1 do art. 483º do CC:
Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Da disposição legal agora transcrita resulta que um dos pressupostos da responsabilidade civil, na modalidade em que se apoia o pedido de indemnização, reside na ilicitude da conduta lesante.
Verificando-se que se encontra excluída a ilicitude da apurada conduta do arguido A, por força da ocorrência da causa de justificação de legítima defesa, falece à demandante tal pressuposto da pretensão indemnizatória formulada, a qual soçobra por completo.
Por conseguinte, impõe-se a absolvição do demandado do pedido de indemnização civil.
Resta conhecer do recurso interposto pela arguida e demandante B.
Dado que já concluímos, conforme deixámos expresso, pela absolvição do arguido e demandado A da acusação criminal e do pedido de indemnização civil, a pretensão recursiva encabeçada pela arguida e demandante encontra-se necessariamente prejudicada na parte em que visa a condenação daquele a pagar-lhe a totalidade da peticionada quantia de 6.000 euros, para ressarcimento de danos não patrimoniais, e o agravamento da pena em que aquele foi condenado, ainda que, quanto a esta última questão, sempre careceria a arguida e demandante, não constituída assistente de legitimidade «ad causam» para recorrer da sentença em matéria criminal, em detrimento do co-arguido.
Pendente de apreciação subsiste apenas a pretensão formulado pela arguida no sentido da redução da medida da pena em que foi condenada.
O nº 1 do art. 40º do CP estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos, que se reconduz, essencialmente, à prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade e o nº 2 estatui que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Os critérios de determinação da medida concreta da pena são definidos pelo art. 71º do CP, cujo teor é o seguinte:
1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
O nº 1 do art. 143º do CP comina ao crime por cuja prática a arguida foi condenada pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, cuja moldura vai de 10 a 360 dias, por força do disposto no nº 1 do art. 47º do mesmo Código.
Por seu turno, o nº 2 do art. 47º do CP estatui:
Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
A sentença recorrida fundamenta a determinação da medida concreta da pena em que foi condenada a arguida B (transcrição com diferente tipo de letra):
Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar.
O art.º 40.º do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
Segundo o disposto no art.º 71.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena deverá, por seu turno, ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Saliente-se ainda que nos termos do disposto no art.º 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Assim, há que considerar no caso concreto:
- o grau de ilicitude do facto que se considera mediano, atendendo ao modo de execução dos crimes e natureza das agressões perpetradas;
- a circunstância das agressões terem sido recíprocas;
- o facto de a arguida ter agido em primeiro lugar, ainda que tenha sofrido lesões mais gravosas;
- as consequências sofridas por cada um dos agredidos;
- o motivo que determinou a prática dos crimes;
- a intensidade do dolo que se considera elevada, dado que os arguidos agiram com dolo directo;
- as condições pessoais dos arguidos;
- o facto de nada constar do certificado de registo criminal da arguida B e os antecedentes criminais do arguido A,.
No que diz respeito às exigências de prevenção geral, considero que as mesmas são bastante elevadas, dada a frequência com que ocorrem situações como a dos autos sobretudo motivadas por questões ligadas à propriedade de terras e alteração de marcos.
A prática do crime de ofensa à integridade física simples previsto no art.º 143.º n.º 1 do Código Penal é punida com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Pese embora os arguidos se encontrem bem inseridos social e familiarmente e ou não tenham antecedentes criminais – no caso da arguida – ou o tenham mas relativamente a crime de diversa natureza do que está em causa nos presentes autos – no caso do arguido –, a verdade é que as quezílias entre ambos mantém-se, pelo que, entendo que as necessidades de prevenção especial são algo elevadas.
Ainda assim e pese embora também as fortes necessidades de prevenção geral que, no caso concreto, se fazem sentir, entendo que a aplicação de uma pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Deste modo, ponderando todas as circunstâncias supra referidas, entendo adequado aplicar (…) à arguida B uma pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, no montante total de € 960,00 (…).
O Tribunal «a quo», no trecho de sentença recorrida acabado de transcrever, equaciona correctamente, de um modo geral, os parâmetros que devem presidir à determinação da medida concreta da pena de multa, quanto á sua duração temporal.
Em divergência dessa fundamentação, diremos apenas que o grau de ilicitude da conduta por que a arguida responde deve ser considerado relativamente modesto, tendo em conta a forma rudimentar da sua execução, o ter-se resumido a uma única bofetada e não ter acarretado para o co-arguido outra consequência corporal que não dores, às quais deve se acrescentada, a esse nível, a humilhação inerente a ter sido atingido com uma bofetada na cara, na presença de terceiros.
A arguida não tem antecedentes criminais e contava, ao tempo em que ocorreram os factos por que responde, 48 anos de idade, o que é revelador de um percurso de vida minimamente consolidado, sem colisão com as regras de direito.
Nestas condições, a primodelinquência da arguida somada ao bom nível de integração de que beneficia permite concluir que, relativamente a ela, as exigências de prevenção especial se apresentam pouco intensas, com referência à generalidade dos contextos sociais em que intervém, permanecendo, contudo, o diferendo que a opõe ao co-arguido, a propósito da demarcação de propriedades rurais, como uma fonte potencial de conflitos, que podem conduzi-la a incorrer em condutas agressivas, como aquela por que respondeu no presente processo.
Tudo visto, importa concluir que a satisfação das finalidades da punição a que se refere o art. 40º do CP pode tolerar ainda uma ulterior compressão da medida temporal da pena de multa em que a arguida foi condenada, mas não para o mínimo legal ou um quantitativo muito próximo deste, pois a tal se opõe o seu grau de culpa, sendo certo que não beneficia da atenuante da confissão ou de um arrependimento credível.
Consequentemente, entende-se por justo e adequado fixar em 75 dias a duração temporal da pena de multa a aplicar à arguida.
Na determinação da taxa diária da pena pecuniária não valem os critérios definidos pelo art. 71º do CP, apenas se atendendo à situação económica e financeira do condenado e aos seus encargos pessoais.
Nesse domínio, ficou provado que a arguida não exerce qualquer actividade remunerada, mas aufere rendimentos de propriedades agrícolas, beneficiando o seu agregado familiar de uma situação relativamente desafogada, pelo que não merece censura a fixação em 8 euros da taxa diária da multa, decidida pelo Tribunal «a quo».
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
a) Declarar extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância do recurso interposto pelo arguido A do despacho interlocutório de fls. 264;
b) Conceder provimento ao recurso interposto da sentença pelo arguido e demandado A e revogar a decisão recorrida, absolvendo-o da acusação e do pedido de indemnização civil contra si deduzidos;
c) Condenar a demandante a suportar a totalidade das custas do pedido de indemnização civil;
d) Conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida demandada B e revogar a sentença recorrida, condenando-a, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143.º n.º 1 do Código Penal, mas alterando a medida da pena para 75 dias de multa, à taxa diária de 8 euros;
e) Negar provimento ao mesmo recurso, quanto ao mais.
Sem custas
Notifique.
Évora 30/10/12 (processado e revisto pelo relator)

Sérgio Bruno Povoas Corvacho
João Manuel Monteiro Amaro
.