CONTRA-ORDENAÇÃO
NATUREZA DA INFRACÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
Sumário


I. A infração prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei 13/2006, de 17 de abril, constitui contraordenação, cujo processamento compete à Direção-Geral dos Transportes Terrestres e a aplicação da coima é da competência do Diretor-Geral dos Transportes Terrestres – em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril.

II. À Direção-Geral de Viação sucedeu a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – Decreto-Lei n.º 77/2007, de 29 de março. E à Direção-Geral dos Transportes Terrestres sucedeu o Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres – Decreto-Lei n.º 147/2007, de 27 de abril.

III. Não ocorrendo a previsão do artigo 131.º do Código da Estrada, a contraordenação prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei 13/2006, de 17 de abril, não tem natureza rodoviária.

Conclusão para que concorre não pressupor nem constituir mais-valia no desempenho da condução a obtenção do certificado que habilita motorista a realizar transporte de crianças e atribuir-se à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [e não ao Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres] competência para conhecimento das infrações previstas nas alíneas i), j), l), n), o), p) e q) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril – infrações estas que têm natureza rodoviária, por interferirem com a segurança da circulação.

Daí a diferença do regime evidenciado pelo artigo 24.º da Lei n,º 13/2006, de 17 de abril.

IV. E não tendo natureza rodoviária ou estradal a contraordenação prevista nos artigos 6.º, n.º 1 e 19.º, n.º 1, n.º 3, alínea e), e n.º 4, da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, é-lhe aplicável é o do Regime Geral das Contraordenações.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


I. RELATÓRIO
A.., Lda.”, com sede..., no Porto, impugnou judicialmente a decisão administrativa do IMTT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P., proferida em 2 de novembro de 2010, no processo de contraordenação n.º 300028550900, que a condenou numa coima de € 1 000,00 (mil euros) pela prática, em 10 de julho de 2009, de uma contraordenação prevista e punida pelo artigo 19.º, alínea e), da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril.

Enviados os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, remeteu-os este a juízo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, onde lhes foi atribuído o n.º 96/11.0TBSSB.

Por decisão judicial datada de 25 de janeiro de 2011, foi declarada a incompetência territorial do Tribunal de Sesimbra e ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Comarca de Setúbal – Juízos Criminais.

Admitido o recurso, entendeu-se desnecessária a realização da audiência de julgamento.
Entendimento que não mereceu oposição.

Por sentença datada de 2 de fevereiro de 2012, julgando-se parcialmente procedente o recurso de impugnação,

- foi mantida a decisão administrativa recorrida, na parte em que condenou a Arguida “A...,Lda.” pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista e punível pelos artigos 6.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, n.º 3, alínea e), n.º 4, 20.º e 21.º, todos da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril;

- foi revogada a decisão administrativa na parte em que condenou a Arguida “A..., Lda.”, na coima de valor de € 1 000,00 (mil euros), e substituída por outra que a condena no pagamento de uma coima no valor de € 700,00 (setecentos euros), pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista e punível pelos artigos 6.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, n.º 3, alínea e), n.º 4, 20.º e 21.º, todos da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril.

Inconformada com tal decisão, a Arguida dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«a) O tribunal a quo qualificou a infração pela qual a recorrente veio condenada como “estradal”.

b) Tendo-se baseado o douto tribunal a quo no regime prescricional do Código da Estrada para prolar a decisão ora posta em crise.

c) Salvo melhor opinião, tal qualificação, da qual resultou a consequente condenação da recorrente, é errónea.

d) A Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, contempla uma previsão específica para o ilícito imputado à recorrente, pelo que o Código da Estrada não é aplicável ao caso sub iudicio.

e) A aplicação das normas processuais do Código da Estrada às infrações à Lei n.º 13/2006 (ex vi do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2006) não se afigura suficiente para conferir uma natureza rodoviária aos ilícitos previstos e punidos por este último diploma legal.

f) Deste modo não se aplica o regime prescricional do Código da Estrada, pelo que os prazos de prescrição do procedimento contraordenacional são os do artigo 27.º e seguintes do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

g) Este regime – cf. o artigo 27.º, al. c) – prevê um prazo prescricional de um ano para as contraordenações nas quais a coima a aplicar seja por valor inferior a € 2.493,99.

h) A infração imputada à recorrente teve lugar no dia 10 de Julho de 2009, pelo que decorreu já bem mais de um ano e seis meses entre a prática da infração e a presente data.

i) Pelo que importa concluir que o procedimento contraordenacional se extinguiu por prescrição, e que mal andou o tribunal a quo ao condenar a recorrente.

NESTES TERMOS, deve o venerando tribunal ad quem revogar a decisão proferida a final dos autos de impugnação judicial que correm os seus termos pelo 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal sob o n.º 96/11.0TBSSB, devendo a recorrente ser absolvida, Como é de JUSTIÇA !»

Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, nos seguintes termos [transcrição]:

«A douta Sentença ora colocada em crise pelo(a)(s) recorrente(s) vale por si só, mostrando-se acertada no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.

Termos em que nos louvamos na douta Sentença em crise, que, por tocar todos os pontos essenciais, logrou chegar a uma boa e acertada decisão, fazendo a Justiça no caso concreto, como se impunha.
JUSTIÇA !»

v
Admitido o recurso e enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com a seguinte argumentação:

«Louvamo-nos nos fundamentos da decisão recorrida, perante os quais a pretensão do recorrente naufraga, na insubsistência do argumentário que se colhe da motivação e conclusões do recurso

Observado o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O regime dos recursos de decisões proferidas em 1ª Instância, em processo de contraordenação, está definido nos artigos 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações [doravante designado RGCO][[1]].

Nos processos de contraordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, podendo alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido em que foi proferida, ou anulá-la e devolver o processo ao mesmo Tribunal.

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[2]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[3]].

O objeto do recurso interposto pela “A... Lda.”, delimitado pelo teor das suas conclusões, reconduz-se a determinar a natureza da contraordenação prevista nos artigos 6.º, n.º 1 e 19.º, n.º 1, n.º 3, alínea e), e n.º 4, da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril – se tal infração tem ou não natureza rodoviária – e se ocorreu o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.
v
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

«1. No dia 10 de Julho de 2009, pelas 10h30, na EN 379-1, Figueirinha, nesta comarca de Setúbal, a Guarda Nacional Republicana verificou que o veículo automóvel de matrícula xx, pertença da firma arguida, estava sendo conduzido pelo motorista B, por conta e no interesse da firma arguida, realizando um transporte colectivo de 45 crianças (TCC), sem que o referido motorista fosse titular de certificado profissional emitido pelo IMTT para o efeito.

2. A firma arguida/recorrente, através do seu legal representante, sabia que estava obrigada a assegurar-se que o seu motorista seria titular do competente certificado profissional emitido pelo IMTT para poder conduzir veículo automóvel de transporte colectivo de crianças e, não obstante, não cuidou de o fazer, permitindo, assim, que o seu motorista exercesse a condução de transporte colectivo de crianças sem que fosse possuidor do referido certificação profissional, cuidado a que a arguida estava obrigada e que era capaz de cumprir, tendo, ao invés, procedido do modo descrito, bem sabendo ser proibida e punida por lei tal conduta.

3. Apenas em 13 de Julho de 2009, o referido motorista requereu junto do IMTT a emissão do certificado profissional, na sequência de ter obtido aprovação na acção de formação que lhe foi administrada pela firma C..., S.A., em 20-06-2009.

4. A firma arguida/recorrente não procedeu ao pagamento voluntário da coima a que foi condenada.

5. A firma arguida no exercício de 2010, apresentou, para efeitos fiscais, um lucro tributável de €. 885,05.»

Relativamente a factos não provados, consta da sentença [transcrição]:

«Com relevância para a boa decisão da causa não resultou provado que o motorista, B, nas circunstâncias referidas em 1), fosse possuidor de certificado profissional emitido pelo IMTT para transporte colectivo de crianças

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«Relativamente aos factos dados como provados, o tribunal alicerçou a sua convicção com base na análise crítica conjugada da prova documental junta aos autos, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da livre convicção do julgador, cujos elementos probatórios, em concreto, foram os seguintes:

. o auto de notícia de fls. 2;

. a informação da base de dados do IMTT de fls. 20 que atesta que B, à data da prática dos factos, não era titular de certificado profissional de motorista de TCC emitido pelo IMTT;

. a cópia do recibo n.º5251014293 de pagamento de emissão certificado de motorista de TCC de 13-07-2009, de fls. 14;

. a cópia do requerimento deduzido para emissão de cartão de TCC em nome de B, com data de 13-07-2009, de fls. 15;

. a cópia do plano curricular da formação ministrada pela C..., S.A., de fls. 16;

. a cópia do certificado de formação de motorista de TCC emitido pela firma C..., S.A., a B, de fls. 17;

. a cópia da declaração que atesta a frequência do curso de formação por parte de B, de fls. 18; e

. a cópia da declaração fiscal apresentada pela arguida em sede de IRC, de fls. 71 a 73.

Cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos e relativamente aos quais todas as dúvidas foram esclarecidas.
*
Assim sendo, e considerando o auto de notícia, cujo teor faz fé em juízo [[4]], conjugado com a demais prova documental junta aos autos nos termos supra indicados, o tribunal deu como provados os factos constantes do ponto 1).

Com efeito, dever-se-á ainda acrescentar, para disso, que, na senda do decidido por Acórdão da Relação do Porto, de 24-01-2007, [disponível em www.dgsi.pt]: «se em processo de contra-ordenação, o arguido que impugna judicialmente a decisão da autoridade administrativa aceita que se decida a causa por “simples despacho”, deve entender-se que prescinde da audição das testemunhas que arrolou, conformando-se com a matéria de facto considerada provada na decisão administrativa».
*
Por sua vez, no que respeita aos factos dados como provados consignados em 2), deve esclarecer-se que os mesmos colheram a sua demonstração com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida, dado que a arguida, ora recorrente, através do seu legal representante, com base no que ficou exposto, tinha o dever de cuidado de se assegurar que o seu motorista estava dotado do competente certificado profissional para poder realizar a condução de veículo automóvel para transportar crianças, cuidado este que a arguida não observou, podendo e devendo, porém, tê-lo feito, pois era capaz de o observar, tendo ao invés permitido que o seu motorista realizasse tal transporte colectivo de crianças, sem que fosse titular do respectivo certificado profissional; mais se retira, à luz das referidas regras de experiência comum e da normalidade da vida, que a arguida, através do seu legal representante, sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.
*
Quanto aos factos dados como provados vertidos nos pontos 3) e 4), colheram a sua demonstração com base na análise da documentação junta aos autos nos termos supra indicados, mormente no teor da informação da base de dados do IMTT de fls. 20 que atesta que B, à data da prática dos factos, não era titular de certificado profissional de motorista de TCC emitido pelo IMTT; da cópia do recibo n.º5251014293 de pagamento de emissão certificado de motorista de TCC de 13-07-2009, de fls. 14; da cópia do requerimento deduzido para emissão de cartão de TCC em nome de B, com data de 13-07-2009, de fls. 15; da cópia do plano curricular da formação ministrada pela firma C..., S.A., de fls. 16; da cópia do certificado de formação de motorista de TCC emitido pela firma C..., S.A., a B, de fls. 17; e da cópia da declaração que atesta a frequência do curso de formação por parte de B, de fls. 18.
*
Por fim, no que se refere ao facto dado como provado vertido no ponto 5), deve esclarecer-se que o mesmo assim foi considerado com base na análise do teor da declaração fiscal apresentada pela arguida em sede de IRC, junta aos autos a fls. 71 a 73.
*
Quanto ao facto dado como não provado, deve esclarecer-se que o mesmo assim foi considerado por estar em contradição com a prova constante dos autos, nos termos supra explicitados

A sentença recorrida tratou a extinção do procedimento contraordenacional, por prescrição, nos seguintes termos [transcrição]:

«No seu recurso de impugnação judicial, a firma arguida veio ainda invocar a prescrição do presente procedimento contra-ordenacional, com base nas razões expressas em tal instrumento, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

Considerando o teor da decisão proferida pela autoridade administrativa, constante de fls. 22 e ss., bem como o teor dos autos elaborados, à firma arguida é imputada a prática, a título de negligência, no dia 10-07-2009, de uma contra-ordenação, p. e pelos artigos 6.º, n.º1 e 19.º, n.ºs 3, al. e) 4, 20.º e 21.º, todos da Lei n.º13/2006, de 17-04, cuja moldura abstracta varia entre €. 500,00 e €. 1 500,00.

A contra-ordenação em causa tem natureza rodoviária (artigos 131.º, 132.º e 188.º, todos do Cód. Estrada, e art. 20.º, n.º1 da Lei n.º13/2006), logo o prazo prescricional a considerar é de dois (2) anos.

A prescrição do procedimento contra-ordenacional, cujo regime se encontra previsto no Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (DL n.º433/79, de 24 de Julho, com as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas por diversos diplomas), constitui uma causa de extinção da responsabilidade contra-ordenacional.

Com efeito, ensinam MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA [in Contra-Ordenações, Anotações, 2.ª Ed., p. 219], que:

«No âmbito contra-ordenacional há prescrição quando o Estado, por não o haver exercido em tempo considerado útil, perde o direito de perseguir contraordenacionalmente o agente de uma contra-ordenação, (…).»

Assim, decorridos que sejam os períodos referidos na lei, sem que o processo se encontre findo, entende-se não ser razoável sujeitar o arguido às consequências da prática de uma contra-ordenação, cuja repercussão social se foi diluindo no tempo.

Como já se afirmou, in casu, o prazo prescricional a considerar nos presentes autos, é de dois (2) anos.

Tal prazo teve o seu início com a alegada prática da contra-ordenação, ou seja, in casu, em 10-07-2009. Assim, ocorreria a prescrição em 10-07-2011.

Contudo, nos termos dos artigos 27.º-A e 28.º, ambos do RGCOC, a prescrição está ainda sujeita a diversas causas gerais de suspensão e de interrupção.

Considerando o estipulado no Cód. Penal, há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (art. 120.º, n.º3); existe interrupção, quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se o período logo que desapareça a mesma causa (121.º, n.º2).

Compulsados os autos, verifica-se que, antes do termo do prazo de três anos (prazo normal de 2 anos acrescido de 1 ano, mercê das causas de interrupção que in casu operaram, conforme infra melhor se explicitará), ocorreu, desde logo, a causa de suspensão previstas no citado art. 27.º-A do RGCOC, com a notificação do despacho proferido a fls. 52 dos autos.

No que concerne às causas de interrupção da prescrição previstas no art. 28.º do mesmo diploma legal, constata-se que várias se verificaram. Desde logo, com as notificações efectuadas à arguida, as quais, considerando as datas em que ocorrerem, impediram a prescrição do procedimento contra-ordenacional, por não ter, ainda, decorrido, continuamente, o prazo de dois (2) anos.

Porém, importa ter presente o disposto no n.º3 do art. 28.º do RGCOC.

Dispõe o mesmo que: «A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».

Estamos aqui perante um novo prazo prescricional, que no caso dos autos será de três (3) anos, ressalvados os períodos de suspensão.

Estabelece, assim, o citado art. 28.º, n.º1, alíneas a) a d) do RGCOC, que o prazo prescricional se interrompe, além do mais, com a(s) notificação(ções) feitas ao arguido, e com a prolação da decisão da entidade administrativa [interrupção que, nos termos do art. 121º do Cód. Penal, aplicável ex vi do art. 32º do R.G.C.O.C., tem a virtualidade de inutilizar o tempo de prescrição já decorrido, iniciando-se a contagem de tal prazo desde o início].

Nos termos do preceituado supra mencionado é estabelecido um prazo limite, findo o qual o procedimento contra-ordenacional prescreverá independentemente do número de causas interruptivas ou suspensivas que possam ter tido lugar, [cf. artigos 27º-A, nº1, alíneas a), b) e c) e 28º, nº1, alíneas a), b) e c) do R.G.C.O.C.].

Ora, in casu, deve considerar-se que o procedimento contra-ordenacional ainda não se encontra prescrito, já que, compulsados os autos, desde a data em que os factos terão sido praticados [em 10-07-2009 – cf. fls. 24] até hoje ainda não decorreram mais de três (3) anos e seis (6) meses – [prazo máximo de prescrição considerando as causas de interrupção e de suspensão que in casu operaram].

A ser assim como é, deve concluir-se que o procedimento contra-ordenacional instaurado contra a arguida ainda não se encontra extinto por via do instituto da prescrição, devendo assim os presentes autos prosseguir para ser apreciada a responsabilidade contra-ordenacional da arguida.»

v
Conhecendo.

Como se deixou já dito, em causa no presente recurso está a natureza da infração prevista nos artigos 6.º, n.º 1 e 19.º, n.º 1, n.º 3, alínea e), e n.º 4, da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril[[5]]. Se tal infração tem ou não natureza rodoviária.

A decisão recorrida, nesta matéria, limitou-se a afirmar a natureza rodoviária da referida contraordenação, invocando o disposto nos artigos 131.º, 132.º e 188.º do Código da Estrada, e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril.

Dizem-nos tais regras que:

- constitui contraordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, e para o qual se comine uma coima. – artigo 131.º

- as contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações. – artigo 132.º

- o procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contraordenação, tenham decorrido dois anos. – artigo 188.º

E no n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, estabelece-se que as coimas a aplicar estão sujeitas ao regime geral das contraordenações.

A mera invocação destas regras não permite a conclusão a que se chegou na decisão recorrida. E revela omissão de outras com relevo para a decisão.

Atente-se que a infração em causa não corresponde a nenhuma das previstas no Código da Estrada. Daí que não possa deixar de se indagar a quem a lei atribui competência para o seu processamento e punição.

Quanto a este aspeto, importa considerar:

- o artigo 19.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, onde se estabelece que:

«1 — As infracções à presente lei constituem contra-ordenações.

2 — As contra-ordenações são sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei geral, com as adaptações constantes desta lei e, no caso de contra-ordenações cujo processamento compete à DGV, com as adaptações constantes do Código da Estrada.

3 — Para os efeitos do disposto na presente lei, constitui contra-ordenação:

a) O exercício, a título profissional, da actividade sem alvará, nos termos do artigo 3.º;
b) A falta dos requisitos de acesso à actividade previstos no artigo 4.º;
c) A utilização de automóveis não licenciados ou cuja licença tenha caducado ou se encontre suspensa, nos termos do artigo 5.º;
d) A não utilização do dístico e da placa, e ostentação desta, a que aludem os n.ºs 4 e 5 do artigo 5.º;
e) A condução de automóveis por parte de motoristas não certificados, inclusive o incumprimento do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º;
f) A ausência ou insuficiência de vigilantes, assim como o não uso de colete retrorreflector, nos termos do artigo 8.º;
g) A falta de documento comprovativo da satisfação do requisito de idoneidade do vigilante, a que se refere o n.º 5 do artigo 8.º;
h) A falta de seguro de responsabilidade civil, nos termos do artigo 9.º;
i) O excesso de lotação, nos termos dos artigos 10.º e 26.º;
j) O incumprimento das normas relativas aos cintos de segurança previstas no artigo 11.º;
l) O incumprimento das normas relativas às portas e janelas dos automóveis, nos termos do artigo 12.º;
m) A falta de tacógrafo ou a sua utilização ilegal, nos termos do artigo 13.º;
n) A não utilização dos equipamentos de segurança previstos no artigo 14.º;
o) A circulação de automóveis sem as luzes de cruzamento acesas, nos termos do artigo 15.º;
p) A tomada e largada de passageiros em desrespeito das obrigações previstas no artigo 16.º;
q) O transporte de volumes em violação do artigo 17.º.

4 — São contra-ordenações muito graves as previstas nas alíneas a), b), c), e) e h) do número anterior.

5 — São contra-ordenações graves as previstas nas alíneas f), g), i), j), l), m), p) e q) do n.º 3 do presente artigo.

6 — São contra-ordenações leves as previstas nas alíneas d), n) e o) do n.º 3 do presente artigo

- o artigo 24.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, onde se estabelece que:

«1 — O processamento das contra-ordenações previstas nas alíneas a) a h) do n.º 3 do artigo 19.º compete à DGTT, e a aplicação das coimas é da competência do director-geral de Transportes Terrestres.

2 — O processamento das contra-ordenações previstas nas alíneas i), j), l), n), o), p) e q) do n.º 3 do artigo 19.º, com excepção do número seguinte, compete à DGV, e a aplicação das coimas é da competência do director-geral de Viação.

3 — O processamento das contra-ordenações fundadas na alínea m) do n.º 3 do artigo 19.ºcompete à Inspecção-Geral do Trabalho (IGT), e a aplicação das coimas é da competência do inspector-geral do Trabalho

Ou seja, a infração em causa nos presentes autos – prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei 13/2006, de 17 de abril – constitui contraordenação, cujo processamento compete à Direção-Geral dos Transportes Terrestres e a aplicação da coima é da competência do Diretor-Geral dos Transportes Terrestres – em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril.

À Direção-Geral de Viação sucedeu a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária – Decreto-Lei n.º 77/2007, de 29 de março.

À Direção-Geral dos Transportes Terrestres sucedeu o Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres – Decreto-Lei n.º 147/2007, de 27 de abril.

Por assim ser, não ocorre a previsão do artigo 131.º do Código da Estrada, pelo que a contraordenação em causa nos presentes autos não tem natureza rodoviária.

E convenhamos que face ao disposto na Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, a emissão do certificado que habilite motorista a realizar transporte de crianças não pressupõe nem constitui mais-valia no desempenho da condução de quem o obtém.

Por outro lado, para o conhecimento das infrações que podem interferir com a segurança da circulação rodoviária – as previstas nas alíneas i), j), l), n), o), p) e q) do n.º 3 do artigo 19.º –, atribuiu-se competência à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Daí a diferença do regime evidenciado pelo artigo 24.º da Lei n,º 13/2006, de 17 de abril.

E não tendo natureza rodoviária ou estradal a contraordenação prevista nos artigos 6.º, n.º 1 e 19.º, n.º 1, n.º 3, alínea e), e n.º 4, da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril, a entidade competente pelo seu processamento e punição foi o Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres, I.P., e o regime aplicável é o do RGCO.

Pelo que assiste razão à Recorrente.

Interessa-nos, agora, o prazo de prescrição.

A contraordenação em causa, imputada a título de negligência, foi cometida no dia 10 de julho de 2009.

Corresponde-lhe coima entre € 500,00 (quinhentos euros) e € 1 500,00 (mil e quinhentos euros) – artigos 20.º e 21.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de abril.

Do disposto no artigo 27.º do RGCO resulta que:

«O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorridos os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.»

Considerando a moldura abstrata da coima aplicável pela prática da contraordenação acima identificada, a prescrição do procedimento contraordenacional respetivo ocorre em 1 (um) ano.

A este prazo acresce o de 6 (seis) meses – prazo de suspensão do procedimento contraordenacional – previsto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 27.º -A do RGCO.

Bem como o de 6 (seis) meses previsto no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO.

Ou seja, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional ocorre decorridos que sejam 2 (dois) anos.

E tal prazo completou-se no dia 10 de julho de 2011.

Prescrição que importa declarar e, em consequência, julgar extinto o respetivo procedimento contraordenacional.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, revogando-se a sentença recorrida, declara-se a extinção do procedimento contraordenacional, em virtude da prescrição.

Sem tributação.
v

Évora, 13-11-2012

(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela primeira signatária)
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(Ana Luisa Teixeira Neves Bacelar Cruz)
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(Maria Cristina Capelas Cerdeira)
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[1] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e alterado pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, n.º 244/95, de 14 de setembro, n.º 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.

[2] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[3] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[4] Com efeito, a título meramente exemplificativo, retira-se da jurisprudência das nossas instâncias superiores que: «O valor conferido no auto de notícia não visa inverter o ónus da prova, mas fundamentalmente para que, na ausência de defesa, por parte do arguido, este possa prescindir de julgamento e pagar, voluntariamente, a multa ou a coima» - [Ac. da Relação de Lisboa, de 15-10-2003, CJ XXVIII, 4, 139, apud de MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, in op. cit., p. 366]. Para uma análise mais aturada da valia probatória do auto de notícia, não compatível com a economia desta decisão, veja-se, por todos, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCP, 2011, pp. 190 a 195.

[5] Que define o regime jurídico do transporte coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos – designado por transporte de crianças –, com as alterações decorrentes da Lei n.º 17-A/2006, de 26 de maio, e do Decreto-Lei n.º 255/2007, de 13 de julho