CRIME DE INJÚRIA
DIFAMAÇÃO
ELEMENTO SUBJECTIVO DO TIPO DE ILÍCITO
ACUSAÇÃO PARTICULAR
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Sumário


1. A descrição dos factos integradores do elemento subjectivo do tipo (dolo genérico, exigido pelos tipos de crime em presença, injúria e difamação) é susceptível de ser integrada por recurso à lógica, racionalidade e normalidade dos comportamentos humanos, donde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum.

2. Não obstante a acusação particular ser omissa quanto ao elemento subjectivo dos crimes que imputa à arguida, o juiz de instrução, a quem foi requerida a abertura da instrução, não está dispensado de investigar tal particular, como bem decorre do que se estatue no art.288.º, n.º4, do C.P.P., aditando esse facto á decisão instrutória, caso se prove toda a factualidade que o suporta, tendo em conta o que se dispõe nos arts.303.º, n.º1 e 358.º, n.º1, ambos do C.P.P

3. O aditamento do elemento subjectivo do crime não se traduz em qualquer alteração substancial da acusação da assistente, pelo singelo facto de, com esse aditamento, se não imputar ao arguido crime diverso, nem se agravar o limite máximo da sanção aplicável.

Texto Integral


Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

Nos autos de Inquérito com o número acima referido que correm termos pelo Tribunal de Instrução Criminal de Évora, MS, divorciada, residente ...,em Alcáçovas, assistente nos autos, veio deduzir contra a arguida CG, solteira, trabalhadora rural, nascida em 04/10/1970, ...residente ...,em Alcáçovas, acusação particular, onde lhe imputa a prática de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181.º do Cód. Penal e de um crime de difamação p. p. pelo art. 180.º n.º 1 do mesmo diploma legal.

O M. P. veio acompanhar a predita acusação particular, nomeadamente quanto à prática de um crime de injúria, reiterada, p.p. pelo art. 181.º n.º 1 do Cód. Penal, com o acréscimo de que a arguida “agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito, concretizado, de ofender o bom nome, a honra e a consideração ou respeito devidos à assistente MSsabendo ser a sua conduta “ilícita e punida por lei”.

Inconformada veio a arguida requerer a abertura de instrução, onde invoca a nulidade da acusação particular, com o fundamento de dela não constarem os elementos tendentes à sua identificação, que aliás constam dos autos; a peça processual em causa não se mostrar datada e omitir os elementos subjectivos dos tipos de crime em apreço.

Sendo que esta última omissão foi detectada pelo Ministério Público que a procurou colmatar, o que não é legalmente admissível.

Mais sustentando que os autos não contêm indícios de que praticou os factos que a assistente lhe imputa, pugnando, desta forma, pela respectiva não pronúncia.

Procedeu-se á abertura da instrução com a realização de vários actos no seu decurso, tendo tido lugar o debate instrutório, findo o qual veio a ser prolatada Decisão Instrutória.

Decisão onde se apreciou, entre outras, a questão prévia suscitada no requerimento de abertura de instrução relativamente á omissão na acusação particular no que respeita ao elemento subjectivo dos crimes de injúria e de difamação.

E considerando ser a acusação particular omissa no que diz respeito à vontade dolosa da agente, quer no que concerne ao elemento intelectual, quer no que respeita ao elemento cognitivo, veio a concluir no sentido de a mesma ser manifestamente infundada.

Pelo que decidiu não pronunciar a arguida CG, pela prática um crime de injúria, p. p. pelo art. 181.º, do Código Penal e de um crime de difamação p. p. pelo art. 180.º, do Cód. Penal.

Inconformada com o assim decidido recorre a Assistente MS, formulando as seguintes conclusões:

1. O tribunal “a quo” decidira pela não pronúncia da arguida dado que deu como procedente a nulidade invocada pela Arguida, nos termos e para os efeitos nos art.ºs 285, n.º 3 e 283.º n.º3.

2. Acontece porém que, a ora recorrente, não se conforma com a decisão instrutória, porquanto, as nulidades em apreço, são, no limite, irregularidades.

3. Com efeito, e nesta senda, a acusação particular deduzida pela agora Recorrente, no seu arrazoado de forma inequívoca, inelutável e irrefutável, descreve factos que consubstanciam, quer o elemento objectivo, quer o elemento subjectivo do tipo do crime em apreço, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

Pois, o Tribunal “ a quo” atender-se por si só, à omissão da expressão ““ter a arguida actuado livre, deliberada e conscientemente, sabendo ser a sua conduta ilícita e punida por lei”, salvo o devido respeito, é um mero formalismo. Pelo que a factualidade descrita na acusação resulta inequivocamente que a arguida tinha a intenção de ofender a dignidade e honorabilidade da aqui Assistente.

4. Pelo que, salvo melhor entendimento, a arguição da nulidade suscitada pela arguida deverá ser dada por não provada e, consequentemente, improcedente, “ex vi” art.º 123.º, n.º 1 e 2 do Código Processo Penal.

Respondeu ao recurso o Magistrado do M.P., Dizendo:

- Uma acusação particular omissa quanto ao elemento subjectivo não é sempre, automática e necessariamente nula, podendo, de acordo com cada caso concreto, conter todos os elementos típicos necessários para que o arguido a entenda e dela se possa defender cabalmente e pode também ser objecto de aclaramento por parte do M.º P.º – antes da sua notificação ao arguido/a - quanto a esses elementos nela implícitos.

- Consequentemente, este entendimento, serve melhor a justiça material, ao serviço da qual está a justiça adjectiva, não devendo esta, quando existe remédio alternativo, sacrificar aquela.

- Conhecendo as múltiplas adversidades deste entendimento, admite-se, apesar disso, a procedência do recurso.


Respondeu, também, ao recurso a arguida CG, Dizendo:

a) O presente recurso está centrado na impugnação da decisão de não pronúncia proferida em 21-03-2012, em concreto, porque e bem, a MM.ª Juíza de Instrução, entendeu que a acusação particular padecia de uma nulidade: não foi invocado nem demonstrado o tipo subjectivo dos crimes alegadamente praticados.

b) Foi pela assistente deduzida acusação particular, imputando à arguida a prática de um crime de difamação e de um crime de injúria, p.p. nos artigos 180.º e 181.º do CPP, respectivamente.

c) O Ministério Público, acompanhou a acusação particular apenas quanto à alegada prática de um crime de injúria.

d) Entende a Recorrida que o libelo acusatório da assistente, aqui Recorrente, consta de folhas 57, 58, 59 e 60, sendo nesta apenas parcialmente.

e) Nos termos do n.º 3, do artigo 283.º, ex vi do n.º 3 do artigo 285.º, do CPP, a acusação deve conter, sob pena de nulidade «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.» - Cfr. al. b) da referida norma.

f) A dedução da acusação particular sem observância dos requisitos daquele preceito importa uma nulidade, que deve ser arguida sob pena de ser sanada.

g) A acusação particular é manifestamente infundada, quando não contenha a narração dos factos ou se estes não constituírem crime, sendo tal omissão causa e fundamento para que o libelo acusatório seja rejeitado – cfr. artigos 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3.

h) A Assistente/ Recorrente, na acusação particular, não indicou factos que permitam concluir que a Arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua actuação era punida por lei.

i) «Tal omissão no que se refere à narração do elemento subjectivo relativo ao dolo e à culpa dos tipos legais, permite considerar manifestamente infundada a acusação particular deduzida pelos assistentes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 283.º, n.º 3, alínea b), 284.º, n.º 2 e 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alíneas b) e d), todos do Código de Processo Penal e permite formular um juízo de prognose desfavorável à possibilidade de aos arguidos poder vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança, pois mesmo em julgamento, está vedada ao Juiz a hipótese de acrescentar os aludidos factos, sob pena de alterar o objecto do processo, motivo por que se impõe a prolação de despacho de não pronúncia» - cfr. transcrição do douto despacho de não pronúncia no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20-01-2011, processo n.º 89/09.7TAABT.E1, consultado in www.dgsi.pt.

j) Portanto, mesmo que a assistente não utilizasse a formulação típica «agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», poderia ter utilizado qualquer outra locução que a substituísse e que, de facto, consubstanciasse a existência dos elementos intelectual e volitivo do dolo do tipo.

k) A falta destes elementos foi claramente detectada pelo Digno Magistrado do Ministério Público que, ao acompanhar a acusação particular, efectuou um aditamento àquela – cfr. folhas 64 dos autos.

l) Porém, «Em caso algum, a acusação do MP pode colmatar as deficiências da acusação do assistente atinentes aos ditos elementos de facto», ensina novamente Paulo Pinto de Albuquerque na obra citada, pág. 749.

m) Em anotação ao artigo 285.º, o Autor referido enumera jurisprudência, a saber: acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 24/03/2004, in CJ, XXIX, 2, 208 que decidiu que o Ministério Público não podia ter acrescentado a expressão «a arguida agiu voluntária, livre e conscientemente, com intenção de atingir a honra e consideração do assistente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei».

n) Pelo exposto, se conclui que o aditamento realizado pelo Ministério Público deve ser rejeitado e não é susceptível de suprir a clara deficiência da acusação particular que consta de folhas 57 a 60 (parcialmente) dos autos.

o) A Recorrente invoca que resulta da sua acusação o preenchimento do elemento subjectivo do tipo.

p) Só pode seguramente estar equivocada, porquanto dos dozes factos articulados, apenas dois (números 11 e 12) dizem respeito à aqui Recorrida, e deles não se extrai o preenchimento do elemento subjectivo do crime

q) Da forma como está redigida a acusação é difícil compreender o que alegadamente terá ocorrido, mas seguramente não é difícil verificar que não são invocados factos que constituam crime.

r) Determinando expressamente a lei, que a falta da narração de elementos que traduzam a vontade de praticar o crime, como é aqui exigível, constituem uma nulidade, não pode a Recorrente dizer, porque lhe convém, que tal não passa de formalismo, porquanto se não sabe deveria saber que o elemento subjectivo do tipo deve estar preenchido para que se verifique a existência de crime.

s) O douto despacho de não pronúncia recorrido não merece qualquer reparo.

Nesta Instância, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu douto parecer, conforme decorre dos autos de fls. 168 a 171.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Como consabido são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.

Como resulta do despacho de não pronúncia, entendeu-se que a acusação particular por não conter qualquer referência ao elemento subjectivo dos crimes de injúria e de difamação que nela se imputavam á arguida era manifestamente infundada e, com esse fundamento, veio a prolatar-se despacho de não pronúncia.

Tudo, apesar de o M.P., quando veio acompanhar a acusação particular, ter procedido ao aditamento do predito elemento subjectivo, art.º 285.º, n.º4, do Cód. Proc. Pen.

O despacho recorrido, a respeito, socorrendo-se do entendimento veiculado no Acórdão da Relação do Porto, de 1 de Junho de 2011, proferido no Processo n.º 1021/09.3GDGDM.P1, veio referir que o n.º 4 do art. 285 prevê e permite é que o M.º P.º acuse, ele próprio autonomamente, nos termos acima prescritos. Mas em parte alguma consigna que poderá proceder a um aperfeiçoamento e sanação de uma omissão, que acarreta forçosa nulidade. Na verdade, aditar os factos relativos ao dolo não integra nenhuma das circunstâncias previstas no mencionado número, pois que o M.º P.º não se limitou a acusar pelos mesmos factos (aditou-os); nem por parte deles (pois que tal pressupõe uma restrição e não um aditamento, face à matéria factual já constante na acusação particular); nem por outros que não importem uma alteração substancial (pois tal implica que haja apenas uma alteração de qualificação jurídica, sem agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Para concluir que a sanação da acusação particular cuja pretensão o Ministério Público procura fazer valer nestes autos, extravasa o âmbito da actuação processual legitimada pelo legislador.

Diz-se no n.º 4, do art.º 285.º, do Cód. Proc. Pen., que o Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.

Por sua vez, no artº 1º, al. f) do Cód. Proc. Pen., define-se a alteração substancial dos factos como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Com o despacho em crise somos a firmar entendimento no sentido de o aditamento do elemento subjectivo do crime não se traduzir em qualquer alteração substancial da acusação, pelo singelo facto de, com esse aditamento, se não imputar ao arguido crime diverso, nem se agravar o limite máximo da sanção aplicável.

O que cabe decidir é se o aditamento da acusação protagonizado pelo M.P. extravasa, ou não, o âmbito da actuação processual legitimada pelo legislador, usando o linguajar vertido no despacho recorrido.

Da análise conjugada dos arts. 50.º, n.º 2 e 285, n.º4, do Cód. Proc. Pen., o M.P., tratando-se de crimes particulares, limita-se a acusar conjuntamente com a acusação particular, pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não impliquem uma alteração substancial daqueles factos.

Sendo de mencionar que o M.P., embora subordinado às decisões – processuais, seja no que respeita ao exercício da acção penal, seja no modo de exercício da acção penal – do assistente, actua de forma autónoma em relação àquele, designadamente quanto á decisão de acusar ou não[1].

Formando, assim, estas acusações um todo, em termos de definição do thema decidendum e, concomitantemente, dos poderes de cognição do tribunal de julgamento.

Donde, só formalmente se poder falar no plural, de acusações, mesmo no caso de o M. P. vir a proceder a qualquer acrescento á acusação da particular, como fez no caso em apreço aditando o elemento subjectivo dos crimes em presença, pois, substancialmente, há apenas uma, ou a acusação, que é o resultado da acusação do assistente e do acrescento do Ministério Público.

E será admissível o acrescento levado a efeito pelo M.P?

Pela admissibilidade de um tal actuação, vemos, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto, de 24 de Março de 2004, no Processo:0346640, onde se referiu que a alegação pelo Ministério Público do elemento subjectivo, ainda na fase da acusação, é uma correcção admissível que não contende com qualquer direito do arguido. Tanto mais que o elemento subjectivo resulta também como extrapolação e efeito lógico e coerente do conjunto dos factos objectivos que são imputados ao arguido na acusação do assistente.

Perfilhando idêntico entendimento, vemos o Acórdão da Relação do Porto, de 13 de Dezembro de 2006, em que se veio entender que no caso de crime particular, se o Ministério Público adere à acusação do assistente, e acrescenta os factos que integram o elemento subjectivo da infracção, não descritos na acusação particular, não se pode dizer que o Ministério Público acusa por factos que representam uma alteração substancial dos descritos na acusação do assistente[2].

Em sentido contrário vemos o Acórdão do mesmo Tribunal datado de 3 de Novembro de 2010, no Processo n.º 972/07.4GCSTS.P1, em cujo sumário se diz:

I- O crime de injúria assume natureza dolosa, não sendo suficiente para o preenchimento do respectivo elemento subjectivo a alegação de que o agente sabia que estava a dirigir expressões cujo significado ofensivo do bom nome e consideração do ofendido conhecia.

II- É equiparável à imputação de crime diverso, a consubstanciar alteração substancial dos factos, a articulação pelo M.P., no acompanhamento da acusação particular, de factos integradores do elemento subjectivo, omitidos nesta.

III- A lacuna da acusação não pode ser colmatada em sede de julgamento através do cumprimento do disposto nos artigos 358 ou 359º do CPP.

Como vemos o Acórdão da relação de Guimarães, de 28 de Maio de 2012, no Processo n.º 615/11.1TAVCT.G1, onde se referiu que:

I) Não contendo o requerimento da assistente a descrição dos necessários elementos objectivos e subjectivos do crime de falsificação de documento que imputa aos arguidos, os factos narrados não integram qualquer ilícito criminal e como tal nunca poderia ser proferido despacho de pronúncia.

II) O juiz não pode substituir-se ao assistente, colocando por iniciativa própria os factos em falta referentes aos elementos objectivos e subjectivos, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal e do direito de defesa do arguido.

III) O facto do dolo poder ser provado com recurso a presunções naturais ou com recurso às regras da experiência comum, não significa que se possa dispensar a respectiva alegação.

Ou o Acórdão da Relação de Coimbra, de 4 de Maio de 2011, no Processo n.º 102/09.8GAAVZ.C1, em cujo sumário se pode ler que o dolo como elemento subjectivo - enquanto vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objectivas - constitutivo do tipo leal de crime de injúria, será, em definitivo, um dos elementos que o artigo 283º, n.º 3, do C. Proc. Penal, impõe que seja incluído na acusação[3].

COMO DECIDIR?

Como se vem entendendo, os elementos subjectivos do crime pertencem á vida íntima e interior do agente. Sendo possível captar a sua existência através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permita divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum.

Ou dito de outro modo, uma vez que o dolo pertence á vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos matérias comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção.

Podendo, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência.[4]

Vejamos em que termos foi deduzida, elaborada, a acusação pelo aqui assistente, no particular:

6. Com efeito, passado alguns meses dos factos acima referidos, a Assistente, no dia 28 de Junho 2011 pelas 14H30, deslocara-se ao Hospital do Espírito do Santo em Évora, para fazer uma visita a uma sobrinha que tivera uma filha.

7. À entrada do referido Hospital, nesse dia, a aqui Assistente, fora abordada pela Senhora MC, quando esta estava acompanhada de algumas pessoas, e, proferiu a seguintes palavras; " é hoje que ela leva aqui uns puxões de cabelos"

8. De imediato, a aqui Assistente perguntara à Senhora MC porque motivo a estava a insultar.

9. A senhora MC respondera-lhe que ela, a Assistente, era amante do seu marido.

10. De imediato a Assistente a jeito de pergunta/resposta disse o seguinte; " tens que me dizer quem é que te disse que eu sou amante do teu marido"

11. Respondendo à Assistente, a senhora MC, disse que a denunciada lhe dissera que o seu marido e aquela foram vistos dentro de um "Jeep" à porta de casa da aqui Assistente e esta "levava grandes avios".

12. Acresce ao agora exposto que, no dia 9 de Agosto de 2011, cerca das 19H00, junto à sua residência, aqui denunciada, quando a Assistente aí passava para regressar a casa, proferiu a seguinte frase; “ Ouve lá ó Bea - diminutivo da assistente - não queres falar comigo eu não sou como tu minha puta, os teus amantes quando não estão a entrar estão a sair da tua casa"

13. Pelo que se acaba de expor, resulta inequívoco que a conduta da aqui denunciada, salvo melhor e douta opinião, é susceptível de preencher, objectiva e subjectivamente os tipos dos ilícitos criminais de Injúria, p.p. pelo art.º 181.º,n.º 1, e, Difamação, p.p. pelo art.º 180.º, n.º 1, ambos, do Código Penal.

O que se quer ver discutido é se os autos contêm factos que permitam assacar ao arguido a prática dos crimes de difamação, p. e p. pelo artigo 180, n.º1.º e de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º1, ambos do Código Penal.

Face ao que vem exposto, vemos que a peça em causa não prima, de modo algum, pela perfeição na sua elaboração.

Porém, no caso concreto, não é difícil surpreender, a partir da nua objectividade dos factos comprovados, os questionados elementos subjectivos dos crimes em presença e sem que seja de exigir ao Sr. Juiz algum esforço para além do que lhe é pedido no exercício regular do seu múnus.

Até por essa descrição dos factos integradores do elemento subjectivo do tipo (dolo genérico, exigido pelos tipos de crime em presença) ser susceptível de ser integrada por recurso à lógica, racionalidade e normalidade dos comportamentos humanos, donde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum.

E isto, apesar de se não verem descritos na acusação particular quer o elemento volitivo, quer o elemento cognitivo do dolo, recorrendo-se á usual fórmula.

É sabido que “não compete ao juiz perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes. "[5]

Porém, não está o juiz de instrução dispensado de investigar tal particular, como bem decorre do que se estatue no art.288.º, n.º4, do C.P.P., aditando esse facto á decisão, caso se prove toda a factualidade que o suporta, tendo em conta o que se dispõe nos arts.303.º, n.º1 e 358.º, n.º1, ambos do C.P.P.[6]

Sendo certo que no caso concreto, e atendendo ao modo como se mostram narrados os factos, os elementos subjectivos em causa são de fácil apreensão, até por meramente descritivos e, por tal, não levantarem qualquer tipo de dificuldade.

O bastante para se concluir que a Sra. Juiz de Instrução, com o fundamento invocado, não poder vir a rejeitar a acusação particular da assistente da forma como o fez.

Impondo-se, desta via, a revogação do despacho recorrido, devendo a Sra. Juiz apreciar do mérito da instrução, concluindo pela suficiência ou insuficiência dos indícios, vindo a decidir em conformidade.

Termos são, em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam o despacho recorrido, passando a Sra. Juiz de Instrução a conhecer do mérito da instrução e a decidir em conformidade.

Sem tributação, por não devida.

(texto elaborado e revisto pelo subscritor).


Évora, 20 de Novembro de 2012.

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(José Proença da Costa)

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(Sénio Alves)
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[1] Ver, Damião da Cunha, in A Participação dos Particulares no Exercício da Acção Penal, na R.P.C.C., Ano 8, Fasc. 4, págs. 625 a 626.

[2] Cfr., ainda, o Ac. R.P., de 20 de Outubro de 2010, no Processo n.º 872/09.3PBVLG.P1.

[3] Ver, ainda, o Acórdão do mesmo Tribunal de 6 de Junho de 2011, no Processo n.º 2184/06.5 JFLSB-C1 e o Ac. da Relação do Porto, de 1 de Junho de 2011, no Processo n.º 1021/09.3GDGDM.P1.

[4] Cfr. Acs. S.T.J., de 25.09.97, no processo n.º479/97 e de 23.02.83, no B.M.J.342-620.

[5] Ac. Relação de Coimbra, de 24.11.93, na C.J., tomo V, pags.61.

[6] Ver, Ivo Miguel Barroso, in ob. Cit., pags.38 a 40.