SENTENÇA CONDENATÓRIA
PUBLICAÇÃO
ARGUIDO AUSENTE
NOTIFICAÇÃO
Sumário


1. A lei distingue claramente duas situações no que respeita à notificação da sentença – a notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333º, nº 5 do CPP), e a notificação de arguido presente no julgamento e que entretanto dele se tenha ausentado (art. 373º, nº3 do CPP).

2. Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido (“quando este se apresentar ou for detido”) valendo, para o segundo caso, a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411º, nº1 - al. a) do CPP).

3. Esta diferença de regimes assume que apenas na segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado e sabe que o julgamento terminará com a leitura da sentença.

4. Justifica-se, por isso, a exigência de alguma pro-actividade da sua parte, sendo legítimo co-responsabilizá-lo num exercício efectivo dos direitos de defesa.

5. Também o TC tem entendido que “a cognoscibilidade da decisão condenatória afere-se tendo em conta a possibilidade do arguido, actuando com a diligência devida, ter acesso efectivo ao conhecimento integral da decisão que se pretende impugnar, o que não exige necessariamente um notificação pessoal da mesma ao arguido”.

6. Encontrando-se assegurada a cognoscibilidade da decisão condenatória, só podendo “radicar numa grosseira negligência do próprio arguido um eventual e hipotético desconhecimento do exacto teor da sentença”, afigura-se também irrelevante a frustrada tentativa de notificação pessoal da data designada para a leitura da sentença, notificação que, não sendo proibida, também não é exigível no caso presente.

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No processo nº 40/09.4GFELV.E do 1º juízo do Tribunal Judicial de Elvas foi proferida decisão que julgou improcedente a nulidade suscitada pelo arguido A, consistente na omissão de notificação pessoal da sentença que o condenara como autor de um crime de ameaça agravada dos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1 a) do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 7€, no montante total de 630€.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da forma seguinte:

“A) Mal andou o despacho recorrido ao considerar o arguido notificado da sentença sem a ter notificado por qualquer forma e sem que antes tivesse sido notificado da data da sua leitura; E, que nestes casos, se considera representado para os devidos efeitos pelo defensor nomeado para o acto nos termos do artigo 373º, nº 3 do CPC.

B) Neste caso, parte do julgamento decorreu na ausência do arguido, pelo que, nos termos do artigo 333º, nº 5 do CPP “ havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.

Por outro lado e ainda em conjugação com o disposto nos artigos 113º, nº 9, 196º, nº 3, alínea d) in fine e 333º, nº 6 in fine, todos do C.P.P., a notificação da sentença ao arguido é necessariamente por contacto pessoal, não o podendo ser nunca por qualquer outra das vias previstas no artigo 113º, nº 1, alíneas b), c) e d), do mesmo diploma legal, nem mesmo através do seu defensor.” Ac. RP, de 19.04.06, Jusnet 2028/2006

C) É um dos mais elementares princípios penais e constitucionais e pilar estruturante do Estado de Direito a notificação de uma sentença condenatória ao arguido para que o mesmo possa exercer o direito ao recurso.

D) Em nome das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, a lei ordinária deve prescrever (ou nesse sentido devem ser interpretadas as normas já existentes ora em apreciação), a notificação pessoal ao arguido das decisões condenatórias, quando não tenha sido notificado da data das mesmas; OU, PELO MENOS, A NOTIFICAÇÃO VIA POSTAL.

E) A não ser assim estaria, também encontrado o caminho para impedir o arguido de exercer os seus direitos na plenitude, mormente, o recurso, pois, o mesmo só já se virá a aperceber do teor da sentença aquando da conversão da pena de multa em prisão (a menos que na senda desta interpretação extensiva entenda também a Sra. Juiz que esta última notificação é feita ao defensor e cumprirá o mesmo a pena de prisão em substituição do arguido).

F) O despacho recorrido ao desatender à notificação da sentença ao arguido e considerar a notificação do defensor que foi nomeado no momento da leitura da sentença, violou o disposto no artigo 113º, nº 9, do CPP, configurando tal violação uma nulidade processual

G) Ao prestar TIR o arguido foi expressamente advertido de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por ele indicada. Mais, o arguido não poderia ter sido julgado na sua ausência, como o foi na segunda sessão de julgamento, visto que do TIR prestado em 1º lugar, não constava tal advertência.

H) O Tribunal, à margem de tal notificação, optou pela notificação da data da leitura da sentença por OPC, a qual se frustrou, desconhecendo-se os motivos.

I) Tendo ainda decidido não notificar a sentença ao arguido nem à sua mandatária nem por via postal nem pessoalmente.

J) A interpretação de que a sentença condenatória pode ser notificada unicamente ao defensor nomeado exclusivamente para o acto, em substituição do defensor primitivo, sendo o arguido representado para todos os efeitos legais pelo seu defensor, incluindo o dever ter-se por notificado do dia designado para a leitura da sentença e, consequentemente, o prazo de interposição do recurso começar a contar desde esse dia, violam o disposto no artigo 32º, nº1 da CRP, o que expressamente se invoca.

L) Ao não ter sido cumprido o disposto no artigo 113º, nº 9 do CPP, violou-se o direito de defesa do arguido, o qual se viu impossibilitado de interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de ameaça agravada; com efeito, dispõe o referido artigo que a sentença deve ser notificada não só ao mandatário ou defensor nomeado, mas também ao arguido.

M) Não é aplicável ao caso o artigo 332º, nº 4 do CPP, uma vez que o arguido não assistiu à totalidade da produção de prova, e não teve conhecimento da data designada para leitura de sentença. A letra do artigo 332º, nº 4 do CPP não se compagina com a situação em apreço.

P) Decidindo como decidiu, a Sra. Juiz violou os artigos 113º, nº 9, 333º, nº 5, 334º, nº 2 e 373º do CP e 32º da CRP

Pelo que urge declarar a nulidade arguida bem como a violação do direito à defesa do arguido. Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente Recurso obter provimento, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a notificação da Sentença ao arguido”

Na resposta ao recurso, o M.P. pronunciou-se no sentido da improcedência, concluindo por seu turno:

“1. O recorrente vem interpor recurso do despacho que decidiu não ordenar a notificação da sentença condenatória em que o mesmo foi condenado, por se entender que o mesmo havia já sido notificado da mesma, ao abrigo do disposto no artigo 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

2. Pretende o recorrente ser notificado da sentença, a fim de poder interpor recurso da mesma
.
3. O arguido compareceu na primeira sessão de audiência de julgamento, e não compareceu à segunda sessão, não obstante estar pessoalmente notificado da data da mesma, não tendo, de igual modo, comparecido na data designada para leitura da sentença.

4. No dia 01 de Abril de 2011, a mandatária do recorrente requereu cópia da gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, alegando destiná-la à interposição de recurso.

5. Dispõe o artigo 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.

6. Assim, não foi violado qualquer preceito legal, nomeadamente os artigos 113.º, n.º 9, 333.º, n.º 5, 334.º, n.º 2 e 373.º todos do Código de Processo Penal.

7. Pelo que a decisão recorrida não nos merece qualquer reparo. “

Neste Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência.

Colhidos os Vistos, teve lugar a Conferência.

2. A decisão recorrida é do seguinte teor:

A fls. 258, vem a ilustre mandatária do arguido invocar que este não foi notificado da sentença proferida nos autos, o que, em seu entender, consubstancia uma nulidade insanável e requerer que se proceda à notificação em falta.

A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de não ocorrer a nulidade invocada e de se indeferir o requerido.

Cumpre decidir.

Compulsados os autos, verifica-se que o arguido foi pessoalmente notificado pela GNR da data designada para realização da audiência de julgamento, isto é, 9 de Março de 2011, tendo, nesse mesmo acto, prestado TIR – cfr. fls. 138 a 141.

Conforme resulta da respectiva acta, o arguido esteve presente no dia supra mencionado acompanhado da sua ilustre mandatária e, inclusivamente, nela prestou declarações – cfr. fls. 214 a 219.

Nessa sessão da audiência de julgamento foi designado o dia 16 de Março de 2011 para sua continuação, uma vez que nela não compareceu uma testemunha arrolada, sendo que o arguido foi pessoalmente notificado de tal data – cfr. fls. 214 a 219.

Contudo, no dia 16 de Março de 2011, o arguido não compareceu nem justificou a sua falta, tendo sido representado pela sua ilustre mandatária que se encontrava presente – cfr. fls. 226 a 228.

Nessa data, foi designado o dia 23 de Março de 2011 para leitura da sentença, tendo a ilustre mandatária do arguido sido dela pessoalmente notificada e frustrando-se a notificação pessoal do arguido que, ainda assim, se logrou tentar obter – cfr. fls. 226 a 228, 230 e 248 e 249.

Na data designada para leitura da sentença não compareceu nem o arguido, nem a sua ilustre mandatária pelo que foi nomeada uma ilustre defensora oficiosa ao arguido para o acto – cfr. fls. 241 e 242.

No dia 1 de Abril de 2011, a ilustre mandatária do arguido requereu cópia da gravação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, alegando destiná-la à interposição de recurso – cfr. fls. 254.

Dispõe o art.º 113.º n.º 9 do Código de Processo Penal que “as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”.

Em face de tal disposição legal, em princípio, a sentença tem de ser notificada ao arguido e ao seu defensor.

Contudo, no que diz respeito à notificação da sentença, existem igualmente outras disposições legais específicas a que importa atender.

Desde logo, o disposto no art.º 333.º n.º 5 do Código de Processo Penal segundo o qual, “no caso previsto nos n.º 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. (..)”.

Trata-se pois, do caso em que o arguido está notificado da data designada para realização da audiência de julgamento, mas não comparece e a mesma tem início e lugar sem a sua presença.

Por outro lado, dispõe o art.º 373.º n.º 3 do Código de Processo Penal que “o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”.

Entendo pois que este último preceito legal tem aplicação nos casos em que o arguido tenha estado presente na audiência de julgamento, mas não o esteja na data designada para a leitura da sentença.

Conforme se referiu supra, no caso concreto, o arguido compareceu e prestou declarações na primeira sessão da audiência de julgamento, não compareceu à segunda sessão não obstante estar pessoalmente notificado da data da mesma e não compareceu na data designada para a leitura para a qual não se mostrava notificado.

Não tem assim, obviamente, aplicação o disposto no art.º 333.º n.º 5 do Código de Processo Penal e não haveria qualquer dúvida acerca da aplicação do disposto no art.º 373.º n.º 3 do mesmo diploma legal, caso a leitura da sentença tivesse ocorrido na segunda sessão, uma vez que o arguido estava notificado pessoalmente da data da mesma e nela também se encontrava presente a sua ilustre mandatária.

Contudo, no caso presente, na data designada para leitura da sentença, não estava presente nem o arguido que, igualmente, não estava notificado da mesma, nem a sua ilustre mandatária, esta sim, pessoalmente notificada, tendo, consequentemente e, em conformidade com o disposto no art.º 330.º do Código de Processo Penal, sido nomeada defensora oficiosa, para o acto, ao arguido.

Entendo pois que tem aplicação o disposto no art.º 332.º n.º 4 do Código de Processo Penal, segundo o qual, “o arguido que tiver comparecido à audiência não pode afastar-se dela até ao seu termo. O presidente toma as medidas necessárias e adequadas para evitar o afastamento, incluída a detenção durante as interrupções da audiência, se isso parecer indispensável”.

O n.º 5 do mesmo preceito legal acrescenta que “se, não obstante o disposto no número anterior, o arguido se afastar da sala de audiência, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor”.

E o n.º 6 que “o disposto no número anterior vale correspondentemente para o caso em que o arguido, por dolo ou negligência, se tiver colocado numa situação de incapacidade para continuar a participar na audiência”.

Ora o arguido, nos presentes autos tendo estado presente na primeira sessão da audiência de julgamento e tendo-se ausentado da mesma na segunda sessão e, inclusivamente, frustrando-se à notificação (que entendo que nem sequer é legalmente exigida) da data designada para leitura da sentença, tem de se considerar representado, até ao final, pelo seu defensor, tendo aqui plena aplicação, o disposto no art.º 373.º n.º 3 do Código de Processo Penal.

A entender-se de modo diferente, estaria encontrada a forma de o arguido, sabendo que está a ser julgado e tendo, inclusivamente, participado na audiência, se furtar depois à notificação da sentença e às consequências penais da sua conduta. E o mesmo raciocínio vale para a falta da ilustre mandatária do arguido na data designada para leitura da sentença, sendo que, inclusivamente, no caso concreto, está demonstrado que, não obstante, teve conhecimento do teor da sentença, atento o requerimento apresentado a solicitar cópia da gravação para interposição de recurso da mesma.

Em face de tudo o que ficou exposto, indefiro o requerido porquanto não existe qualquer nulidade e o arguido encontra-se devidamente notificado da sentença proferida, nos termos do disposto no art.º 373.º n.º 3 do Código de Processo Penal.”.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar é a do eventual cometimento de nulidade insanável decorrente da omissão de notificação (pessoal) ao arguido de sentença condenatória lida na sua ausência, na presença de defensor oficioso.

Embora o recorrente não concretize qual a nulidade insanável a que se refere, compreendemos que pretende invocar a prevista na al. c) do art. 119º do Código de Processo Penal – ausência do arguido e do seu defensor nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência –, já que de outra não se poderia tratar.

Com relevo para a decisão, retiramos dos autos as seguintes ocorrências processuais:

- O arguido foi pessoalmente notificado da data designada para realização da audiência de julgamento e na ocasião prestou TIR.

- O julgamento iniciou-se nessa data (a 9 de Março de 2011), na presença do arguido e da sua mandatária.

- Nesta sessão da audiência o arguido prestou declarações e foi ouvido pelo tribunal.

- Nela foi designado o dia 16 de Março de 2011 para continuação do julgamento.

- O arguido foi pessoalmente notificado desta data visto que se encontrava presente.

- No dia 16 de Março de 2011, teve lugar a continuação do julgamento, com audição de uma testemunha e produção de alegações orais.

- O arguido não compareceu e não justificou a falta, tendo sido representado pela sua mandatária, presente.

- Foi, então, designado o dia 23 de Março de 2011 para leitura da sentença, tendo a mandatária do arguido sido pessoalmente notificada desta data.

- O tribunal ordenou entretanto, ainda, a notificação pessoal do arguido (da data designada para leitura da sentença) por intermédio da autoridade policial, a qual não se veio a conseguir.

- A sentença foi lida a 23 de Março de 2011, na ausência do arguido e da sua mandatária, tendo sido nomeado para o acto defensor(a) ofícios(a).

- No dia 01.04.2011 a mandatária do arguido requereu cópia da gravação da prova produzida em julgamento com vista a interposição de recurso.

- No dia 06.04.2011, o arguido compareceu no tribunal e prestou um novo T.I.R..

Será este o circunstancialismo a que concretamente se atenderá para aferir do eventual cometimento da nulidade prevista na al. c) do art. 119º do Código de Processo Penal.

Vejamos agora o quadro legal de referência, convocável para a decisão.

O art. 113º do CPP trata das regras gerais sobre notificações.

No seu nº 9, estatui que as notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando destas, tão só, as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, à decisão sobre medida de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido cível.

A notificação por via postal simples para a morada do TIR pressupõe previsão legal expressa, de acordo com a al. c) do nº1 do art. 113º do CPP (as notificações se efectuam mediante “via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos”).

Do art. 196º do CPP resulta que a constituição de arguido implica a simultânea prestação de TIR, neste devendo o arguido indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do nº1 do art. 113º do CPP.

Do TIR consta ainda que é dado conhecimento ao arguido da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o local onde possa ser encontrado (al. b) do nº3 do art. 196º do CPP), de que as posteriores notificações serão feitas por esta via (via postal simples para a morada constante do TIR), excepto se o arguido comunicar uma outra (al. c) do nº3 do art. 196º do CPP), e de que o incumprimento legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º.

Assim, em processo penal, a notificação de arguido que prestou TIR processa-se nos termos da al. c) do nº1 do art. 113º do CPP, já que a via postal simples está, quanto a ele, “expressamente prevista na lei”.

E o T.I.R., como qualquer outra medida de coacção, é um meio processual de limitação de liberdade pessoal, que serve a eficácia do procedimento (art. 191º, nº1 do CPP); dele resultam deveres de identificação, de indicação de residência, de não mudança de residência sem comunicação, de comparência, de manutenção à disposição da autoridade (art. 333º do CPP). De específico tem apenas o ser aplicável em qualquer processo, relativamente a todos os crimes (logo que haja constituição de arguido), por qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.

À semelhança de qualquer medida de coacção, é uma medida intraprocessual que limita a liberdade pessoal – no caso, a liberdade ambulatória como disponibilidade de livre movimentação e deslocação; tem natureza instrumental relativamente às finalidades intrínsecas do processo penal; obedece às mesmas condições gerais de aplicação, de natureza formal – prévia constituição como arguido, art. 192º, nº1, e existência de um processo criminal já instaurado; sujeita-se aos mesmos princípios gerais – da legalidade (tipicidade e taxatividade), art. 191º, nº1 CPP; da necessidade, adequação e da proporcionalidade, art. 193º, nº1; da precariedade, as medidas de coacção não devem ultrapassar a barreira do comunitariamente suportável (prazos legais de duração máxima).

O TIR é uma medida de coacção e, uma vez prestado no processo, as obrigações dele decorrentes subsistem enquanto não operar causa de extinção. E esta no geral ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Uma das finalidades das medidas de coacção e, logo, também do T.I.R., é garantir a presença do arguido em julgamento. Julgamento para o qual deve ser notificado o arguido (e o seu defensor), podendo-o ser na modalidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 113º do Código de Processo Penal (por via postal simples).

A presença do arguido em julgamento é obrigatória.

A norma processual penal de que parte a regulamentação da presença do arguido em julgamento é o segmento inicial do nº 1 do art. 332º do Código de Processo Penal que preceitua “é obrigatória a presença do arguido na audiência”.

Esta inequívoca regra de obrigatoriedade de presença visa prosseguir não apenas o processo justo, que assegure as garantias de defesa do arguido, mas também o processo que viabilize a boa decisão da causa.

A boa decisão da causa pressupõe a descoberta da verdade. E não há garantia de mais verdade ou de melhor verdade fora do arguido ou sem o arguido. Daí que se não trate apenas de um direito de presença em julgamento, mas também de um dever de presença em julgamento.

Deste direito/dever de presença não pode decorrer, porém, a inviabilização do julgamento na falta do arguido, o que, no limite, colocaria na sua disponibilidade a própria sujeição a julgamento, ou pelo menos a possibilidade de retardar intoleravelmente o processo.

E o retardamento intolerável do processo violaria também, por seu turno, o art. 6º da C.E.D.H., que garante o direito ao processo equitativo, por incumprimento do “prazo razoável”.

O actual regime previsto no art. 333º do Código de Processo Penal, surge precisamente como resposta ao problema antigo da morosidade processual decorrente dos adiamentos sucessivos da audiência de julgamento com fundamento na falta de arguido (sobre a evolução histórica do preceito vide ARL de 03-03-2009, Nuno Gomes da Silva, e ARE de 31-01-2012, António João Latas).

Assim, a obrigatoriedade-regra da presença do arguido na audiência afirma-se “sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 333º e nºs 1 e 2 do art. 334º do CPP”.

E o art. 333º preceitua:

nº1. Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência;

nº 2. Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º;

nº 3. No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312.º, n.º 2.

nº 5. No caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença.

nº 6. Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.

nº 7. É correspondentemente aplicável o disposto (…) no art. 254º, nº4 (…).

O nº 4 do art. 254º dispõe que “sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo seu defensor.

Ainda com interesse para a decisão, o art. 373º, nº 3 do Código de Processo Penal preceitua que “o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído” e o art. 411º, nº1 - al. a) que estatui “O prazo para interposição de recurso (…) conta-se, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria”.

De todo o exposto resulta que, de acordo com o actual modelo do Código de Processo Penal, devem retirar-se as seguintes conclusões:

- A notificação para a audiência de julgamento tem de ser feita ao arguido e ao seu mandatário ou defensor.

- Tendo o arguido prestado TIR essa notificação pode ser feita, e considera-se feita, por aviso postal simples.

- A obrigatoriedade-regra da presença do arguido em julgamento não é absoluta.

- A lei prevê a possibilidade da efectivação de julgamento na ausência de arguido.

- Nesta situação o arguido é representado pelo seu defensor.

- Ainda neste caso – de julgamento na ausência de arguido – e só neste caso, a notificação da sentença é feita pessoalmente ao arguido.

- Nas restantes situações, a notificação considera-se feita com a leitura da sentença.

- A notificação feita na (ou com a) leitura da sentença abrange tanto os casos em que o arguido esteja presente como aqueles em que, embora presente no início da audiência, se tenha entretanto ausentado.

- Nestes casos, de notificação na leitura da sentença, o prazo para recorrer conta-se a partir do depósito da sentença.

Como se vê, no que respeita especificamente à notificação da sentença, a lei distingue, claramente, duas situações – a da notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333º, nº 5 do CPP), e a da notificação de arguido presente em julgamento e que entretanto se tenha ausentado (art. 373º, nº3 do CPP).

Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido (“quando este se apresentar ou for detido”) valendo para o segundo a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411º, nº1 - al. a) do CPP).

A diferença de regimes é axiologicamente compreensível já que apenas nesta segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado, que o julgamento terminará inevitavelmente com a leitura da sentença, sentença da qual ele é o primeiro interessado.

Justifica-se, por isso, alguma exigência de pro-actividade da sua parte, sendo legítimo co-responsabilizá-lo num exercício efectivo dos direitos de defesa.

Note-se agora que é precisamente nesta situação que se encontra o recorrente.

Ele foi notificado da data designada para a audiência de julgamento, pessoalmente, pela via mais garantística.

E prestou TIR nessa ocasião (sendo que da prestação posterior de um segundo TIR, já após leitura da sentença, não poderão ser retirados efeitos retroactivos).

Compareceu e foi ouvido pelo tribunal.

Na segunda sessão faltou (injustificadamente), mas esteve representado pela sua mandatária.

Esta foi, então, pessoalmente notificada da data de leitura da sentença.

A sentença foi lida perante defensora nomeada para o acto, na falta do arguido e da mandatária.

Neste contexto, afigura-se irrelevante a tentativa frustrada de notificação pessoal ao arguido, entretanto diligenciada, da data designada para a leitura, que, não sendo proibida, também não é exigível por lei no caso presente.

O arguido deve considerar-se notificado da sentença nesta data (da leitura da sentença), contando-se o prazo do recurso a partir do depósito (da sentença).

A conformidade constitucional deste entendimento é também evidente.

Assim o tem dito o Tribunal Constitucional.

No acórdão nº 483/2010 “o Tribunal Constitucional não julga inconstitucionais as normas dos arts. 113º, nº9 e 411º, nº1 – als. a) e b) do CPP, na interpretação de que o prazo de interposição de recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória.”

Também no acórdão nº 81/2012 decidiu que “o Tribunal Constitucional seguindo na esteira da sua jurisprudência anterior (cfr. entre outros os acs nºs 75/99, 109/99, 87/2003, 378/2003 429/2003 e 483/2010) decide não julgar inconstitucional a norma do art. 334º, nºs 2 e 4 do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido se encontra notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor oficioso, iniciando-se, a partir daí, o prazo para a interposição do recurso”.

Neste acórdão, incisivamente se consigna que “a cognoscibilidade da decisão condenatória afere-se tendo em conta a possibilidade do arguido, actuando com a diligência devida, ter acesso efectivo ao conhecimento integral da decisão que se pretende impugnar, o que não exige necessariamente um notificação pessoal da mesma ao arguido”.

E assim se conclui que “no presente caso estava assegurado, senão o conhecimento efectivo, pelo menos a cognoscibilidade da decisão condenatória imposto ao arguido, pelo que um eventual e hipotético desconhecimento do exacto teor da sentença só poderá radicar numa grosseira negligência do próprio arguido – que não merece tutela ao abrigo das garantias de defesa constitucionalmente fixadas –, ou do defensor, não havendo razão para, nesta matéria do prazo do recurso, se questionarem do ponto de vista constitucional as opções do legislador”.

Por último, de lembrar que o art. 6º da C.E.D.H. garante o direito a um processo equitativo e, embora a comparência pessoal do acusado não esteja expressamente consagrada na Convenção, “a própria ideia de um processo equitativo e as als c), d) e e) do nº3 requerem essa presença no processo penal, onde a personalidade do acusado tem um papel importante na formação da decisão (…)” (Irineu Cabral Barreto, C.E.D.H., 2004, p. 138).

Mas, mesmo para os casos de julgamento na ausência do arguido – que não é o presente – afigura-se “duvidoso, que esta garantia subsista quando o interessado renuncia ao direito de comparecer e de defender-se e, sobretudo, quando esta renúncia é inequívoca e se apresenta com um mínimo de garantias correspondentes à sua gravidade”. (Irineu Cabral Barreto, loc. cit.)

O direito de defesa pessoal foi amplamente assegurado ao recorrente, contendo ainda os autos elementos objectivos que indiciam que aquele, independentemente da sua maior ou menor diligência, teve acesso efectivo e conheceu, em tempo útil, a sentença (vide as duas últimas ocorrências processuais supra consignadas).

Por tudo, conclui-se que o arguido se encontra regularmente notificado da sentença, que não ocorreu a nulidade insanável prevista no art. 119º nº1 c) do Código de Processo Penal nem qualquer outra, e que não merece reparo o despacho recorrido.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em 3 UCC.

Évora, 20.11.2012

(Ana Maria Barata de Brito)
(António João Casebre Latas)