Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
LEITURA DA SENTENÇA
FALTA DE COMPARÊNCIA DO ARGUIDO
INÍCIO DO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
IRRELEVÂNCIA DA NOTIFICAÇÃO EFECTUADA
Sumário
I. Se o arguido, devidamente notificado, falta à leitura da sentença, ainda que por motivo justificado, considera-se o mesmo notificado nesse acto, depois de tal peça ter sido lida perante o respectivo defensor.
II. Neste caso, o prazo de interposição de recurso começa a correr com o depósito da decisão final, sendo irrelevante para o efeito eventual notificação pessoal do arguido, solicitada pela secção de processos.[1]
Texto Integral
DECISÃO SUMÁRIA:
I. No processo comum colectivo que, com o nº 389/06.8GBCCH, corre termos no Tribunal Judicial de Coruche, o arguido WB, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artº 152º, nºs 1, al. b) e 2 do Cod. Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão; pela prática de um crime de violação, p.p. pelo artº 164º, nº 1, al. b) do Cod. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; pela prática de dois crimes de maus tratos, p.p. pelo artº 152º-A, nº 1, al. a) do Cod. Penal, nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão, cada um; em cúmulo jurídico destas penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
O acórdão foi publicamente lido em 25/6/2012, às 12h00, em diligência onde esteve presente o il. defensor do arguido, estando este ausente, mas notificado da data designada para a leitura, porquanto estivera presente na sessão de julgamento anterior, realizada em 20/6/2012, onde foi designado o dia 25/6/2012 para leitura do acórdão. Nesse mesmo dia, foi tal acórdão objecto de depósito.
Ainda nesse mesmo dia, pelas 15h56m, foi recebido um fax no Tribunal Judicial de Coruche, contendo uma declaração emitida por um funcionário administrativo do Hospital Distrital de Santarém, datada de 25/6/2012, na qual se afirma que o arguido se encontrava internado naquela instituição desde 23/6/2012, às 18h06.
Por sua iniciativa, isto é, sem prévio despacho que o ordenasse, em 2/7/2012 uma Srª escrivã-auxiliar do Tribunal Judicial de Coruche enviou ao Comandante do Destacamento Territorial da GNR de Santarém um pedido de notificação pessoal do arguido “de todo o conteúdo do acórdão proferido, cuja cópia se junta para lhe ser entregue neste acto” e “de que tem o prazo de 20 dias, a contar da presente notificação, para exercer o direito de recurso do referido acórdão, devendo para o efeito contactar com o seu mandatário/defensor”.
Essa notificação foi efectuada pela GNR em 25/7/2012.
E em 14/8/2012, veio o arguido interpor recurso do acórdão, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas a partir do respectivo suporte informático):
«1 – O recorrente foi condenado, “nas seguintes penas (parcelares):
- 2 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de violência doméstica…previsto e punido pelo art. 152.º, nº 1, al. b) e n.º2 do Código Penal; - 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de violação… previsto e punido pelo art. 154.º, nº 1, al. b) do Código Penal;
- 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de maus tratos…previsto e punido pelo art. 152.º-A, nº 1, al. a) do Código Penal;
- 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de maus tratos…previsto e punido pelo art. 152.º-A, nº 1, al. a) do Código Penal”
e, em cúmulo jurídico, “na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão” (cf. douto acórdão).
2 – Satisfazendo o solicitado pelo Ofício Nº 809915, datado de 02.07.2012, do Tribunal Judicial de Coruche - Secção Única, o Posto Territorial de Coruche da G.N.R, em 25 de Julho de 2012, notificou o Recorrente do douto acórdão para “…na qualidade de Arguido… e no … prazo de 20 dias, a contar da presente notificação… exercer o direito de recurso do referido acórdão, devendo para o efeito contactar o seu mandatário / defensor.” (cf. cópia da notificação em apreço – DOC. 1).
3 – Bem andou o Tribunal ao ordenar a notificação do acórdão ao arguido, porquanto a notificação pessoal de arguido a quem foi aplicada pena de prisão efectiva, impõe-se à luz do que dispõe a Lei Fundamental, designadamente nos artigos 15º, nº 1, 27º, nºs 1 e 4, e 32º, nº 1, caso não tenha estado presente à leitura de sentença.
4 – No caso vertente, o arguido esteve impedido por razões médicas de comparecer à leitura do acórdão no dia 25 de Junho de 2012: conforme anexa Declaração passada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Distrital de Santarém, que se junta como DOC. 2, o arguido “…esteve internado naquela instituição desde o dia 23/06/2012 ao dia 28/06/2012, tendo entrado pelo Serviço de Urgência…(6 dias de internamento)”.
5 – Essa condição médico-psiquiátrica do arguido, essa menor imputabilidade, foi suscitada na audiência de julgamento e justifica plenamente a notificação pessoal ordenada pelo Tribunal: não se vê como poderia o arguido – pessoa com distúrbios de natureza psiquiátrica e, sobretudo, depois de um tão recente internamento – ter a normal diligência para discorrer da necessidade de contactar o seu Defensor e manifestar o desejo de recorrer do acórdão: facto de importância capital.
6 – É que, o Defensor não pode nem deve tomar essa decisão – ainda que no interesse do arguido – sem o acordo deste: que até pode não querer recorrer, por vários motivos. Por isso, após a leitura do acórdão, o Defensor, fez várias tentativas para contactar o arguido, a fim de aquilatar desse seu eventual propósito; só que não o conseguiu fazer – percebe-se agora porquê.
7 – Além da eventual inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, há a ponderar que o arguido é de nacionalidade polaca (foi necessária uma tradutora para a audiência de julgamento) – não tendo, por razões culturais, a mesma percepção dos factos judiciais que se espera de um cidadão português.
8 – Por isso, mesmo alertado na notificação para contactar o seu mandatário / defensor, não o fez, embora tivesse os contactos pessoais quer do Defensor nomeado, quer do Defensor que interveio, com substabelecimento, na audiência de julgamento.
9 – Contactou antes a Dra. T, do Gabinete de Apoio ao Emigrante da C.M. de Coruche, a quem manifestou o desejo de recorrer, a qual informou via telefone o Defensor de que o arguido havia estado internado no D. Psiquiatria e Saúde Mental do H.D. Santarém e a intenção deste em recorrer do acórdão (confirmada mais tarde por contacto via telemóvel do Defensor com o arguido) e, posteriormente, a pedido do Defensor, remetendo via fax os documentos agora juntos sob os nºs 1 e 2 (cf. DOC. 3).
10 – Esse desenquadramento mental e social do arguido, cristalizado em inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, congénita – sofre, designadamente de EPILEPSIA – e adquirida – é um ALCOÓLICO CRÓNICO –, e enformado em significativas diferenças culturais, justifica, a nosso ver, o presente recurso.
11 – Na audiência de julgamento (sessão que teve lugar no dia 17.04.2012), o arguido requereu ao Tribunal, “designadamente para os efeitos e para o disposto nos artigos 140º, 159º, nº 6 e 7, e 160º, todos do Código de Processo Penal a submissão a perícia médica (psiquiátrica, necessário se afigure), uma vez que se afigura que…padece de sindroma de dependência do álcool e, além disso, também se afigura que sofre de epilepsia (cf. declarações da assistente ora prestadas em audiência), estando a ser medicado há vários anos, quer para o álcool, quer para a epilepsia, e tendo tido mais uma crise compulsiva, vulgo “ataque epiléptico”, presenciado pelo seu defensor, pela defensora da assistente, por esta e por vários funcionários deste Tribunal, inclusive, hoje, pelas 15 horas…e também a submissão a perícia sobre as suas características independentes de causas patológicas, bem como o seu grau de socialização…a primeira daquelas perícias…determinante para o apuramento do seu grau de imputabilidade (art. 20º do Código Penal), a segunda relevante para a determinação da “culpa do agente e da…sanção” (cf. art. 160º, nº 1, “in fine” do Código de Processo Penal)”.
12 – Entendeu o Tribunal que: “Não se vislumbra por ora alguma razão que justifique a realização do exame às faculdades mentais do arguido ou perícia que tenha em vista apurar a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, porquanto como aqui se referiu relativamente a essa matéria estará relacionado com hábitos de consumo excessivo de álcool”…” , indeferindo o requerido por este e outros motivos secundários.
13 – Tal argumento do Tribunal, a nosso ver, não colhe, pois, como refere o Rel. Min. LELIO BENTES CORRÊA do TST do Brasil , “O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de -síndrome de dependência do álcool-, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos”.
14 – E o Tribunal não se pronunciou sequer sobre o “ataque epiléptico”, presenciado pelo seu defensor, pela defensora da assistente, por esta e por vários funcionários deste Tribunal, inclusive, no hoje (ou seja, à data de 17.04.2012), pelas 15 horas, o que, salvo o devido respeito, também não abona o juízo feito pelo Tribunal.
15 – O cit. DOC. 2, é a prova evidente da pertinência do requerimento para realização de perícias acima transcrito e de que o Tribunal não terá feito a melhor avaliação ao indeferir o mesmo.
16 – Requer-se, pois, a junção ao presente recurso do referido DOC. 2, pois estamos perante "caso de a junção apenas se tomar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância" (artigo 706º, nº 1, ‘in fine', do CPC), pois indicia objectivamente que o arguido é uma pessoa que não tem total capacidade de discernimento sobre seus atos, de que terá uma imputabilidade diminuída.
17 – Tal DOC. 2 ora apresentado é “documento novo superveniente e que, por si só, é suficiente para destruir a prova (quanto à imputabilidade do arguido e consequente medida da pena) em que a decisão assentou” (artigo 712º, nº 1, alínea c), do CPC).
18 – Ainda que assim não se entenda, parece-nos, como diz o TRC, que “A junção de documentos admitida pelos artºs 706º e 524º do CPC não se restringe ao caso previsto no artº 712º, nº 1, al. c), do CPC, abarcando documentos sem essa virtualidade mas que, ainda assim, são susceptíveis de relevar para a decisão da causa, v.g., por poderem, ainda que em conjugação com outros elementos de prova, contribuir para a convicção do Tribunal da Relação na decisão a proferir quanto à matéria de facto impugnada com fundamento no disposto na al. a), segunda parte, do nº 1 do artº 712º do CPC” – pelo que também por esta via deve o DOC. 2 ser aceite.
19 – Pois, o Tribunal deu como provado, falando de alguns actos praticados pelo arguido, serem “Comportamentos que, com o passar do tempo, se tornaram mais frequentes, estando muitas vezes associados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte do arguido” – cf. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.6.Factos provados.5).
20 – Ora, o DOC. 2 e o facto provado 5) são susceptíveis de relevar para a boa decisão da causa, porquanto contradizem a asserção do Tribunal de que “O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, ciente do carácter ilícito e reprovável das suas condutas, sabedor que as mesmas eram, como ainda são, proibidas e punidas por lei” – cf. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.6.Factos provados.35).
21 – Uma pessoa com problemas psiquiátricos e cronicamente alcoólica não terá seguramente uma vontade livre e esclarecida, daí que se nos afigure que existe contradição insanável da fundamentação quando o Tribunal dá como provados “Comportamentos … muitas vezes associados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte do arguido” e depois assevera que “O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, ciente do carácter ilícito e reprovável das suas condutas, sabedor que as mesmas eram, como ainda são, proibidas e punidas por lei”.
22 – Se o arguido estava excessivamente etilizado em muitos ou alguns dos actos que lhe foram imputados e pelos quais foi condenado, é porque NÃO“agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, ciente do carácter ilícito e reprovável das suas condutas…” – contradição insanável da fundamentação é motivo de recurso – art. 410º, nº 2, alínea b), do CPP.
23 – Por outro lado, parafraseando, com a devida vénia, o Tribunal da Relação de Coimbra – cf. Acórdão citado na Motivação (adaptação nossa, do sumário e parte do corpo do acórdão, a letra “verdana”):
I – A determinação da medida da pena é um procedimento vinculado vinculado - (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, 194 e seguintes) - que impõe ao Juiz a necessidade de dentro, dos limites da lei, proceder, oficiosamente, às diligências necessárias para que a determinação da medida concreta da pena se opere numa perspectiva objectiva.
II. - A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela …pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.
III. – Não tendo o tribunal indagado das condições pessoais (limitações de natureza médico-psiquiátrica, orgânicas e/ou adquiridas, com reflexo no grau de imputabilidade) …do agente (o arguido / Recorrente) verifica-se o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
24 – “No caso vertente, todavia, ficou-se aquém do mínimo razoavelmente exigível, carecendo a sentença recorrida de elementos que habilitassem o tribunal a quo a, conscienciosamente, levar a bom termo o procedimento de determinação individualizada da pena, dentro dos parâmetros legais… – pois…releva o conhecimento de quem é, afinal, o arguido: Sofre de epilepsia? Desde quando? Toma medicamentos para esta grave afecção? É ou não alcoólico crónico? Qual o seu grau de socialização, uma vez que não fala correntemente a Língua Portuguesa?
Esta situação traduz-se na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, integradora do mencionado vício da alínea a) do artigo 410.º, n.º2, do C.P.Penal, determinante do reenvio do processo para novo julgamento quanto ao recorrente, relativo às questões (de facto) pertinentes para a determinação da pena – condições pessoais de natureza médico psiquiátrica, de alcoolismo crónico e de integração social do arguido – e, bem entendido, à questão (de direito) do reflexo desses factores na medida concreta da respectiva pena (cfr. Ac. do S.T.J., de 06/11/2003, proc. nº 03P3370,http://www.dgsi.pt)”.
25 – Invocando-se, pois, aqui expressamente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, integradora do mencionado vício da alínea a) do artigo 410º, nº 2, do C.P.P., requer-se V.Exªs, Venerandos Juízes do Tribunal da Relação, se dignem revogar o acórdão recorrido e ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426.º do C.P.P., mas apenas para averiguação das mencionadas condições pessoais (de natureza médico-psiquiátrica, de alcoolismo crónico e de integração social) do arguido e consequente determinação da pena.
26 – No estudo intitulado “A Violência Doméstica na Polónia”, realizado pela ONG Minnesota Advocates for Human Rights, com Estatuto Consultivo Especial junto das Nações Unidas, em conjunção com as organizações sediadas em Varsóvia e Washington, DC, respectivamente, Women’s Rights Center e International Women’s Human Rights Clinic, avultam os seguintes pontos com relevo para os autos (tradução livre, nossa):
a) A violência doméstica (que engloba o crime homónimo e o crime de maus tratos p.p. no nosso C.P.) é punida com pena de prisão de 3 meses a 5 anos.
b) O crime de violação, no segmento que interessa (nº 2 do artigo 197 do Código Penal Polaco), é punido com pena de prisão de 3 meses a 5 anos.
c) O referido art. 197 do Código Penal Polaco não aborda a questão da relação entre a vítima e o perpetrador num caso de violação. Consequentemente, qualquer relação sexual forçada é proibida independentemente de a vítima e o perpetrador serem casados um com o outro.
d) Na prática, no entanto, a violação conjugal não leva a qualquer acusação no sistema legal Polaco. Na opinião de um médico forense, “Não existe isso de violação conjugal na Polónia”.
e) Uma advogada dos direitos das mulheres descreveu a sua frustração com a incapacidade do sistema de justiça criminal Polaco em reconhecer o crime de violação conjugal, “A violação conjugal não está na lei portanto não é crime”
f) Tais atitudes, bastante espalhadas na sociedade Polaca, reflectem a crença de que um crime cometido entre pessoas íntimas e/ou no interior do lar conjugal é menos sério que o mesmo crime cometido entre pessoas não relacionadas entre si.
g) De acordo com um estudo piloto…envolvendo a Polícia e o MºPº, 33 por cento dos agentes da Polícia e dos Procuradores do sexo masculino responderam que as vítimas, através do seu comportamento, contribuíam para a violência sofrida às mãos dos perpetradores. Outros 60 por cento responderam que as vítimas contribuem “de algum modo” para a violência.
h) Apesar do facto de a Polónia ter especificamente reconhecido o problema da violência doméstica no seu Código Penal, os problemas persistem. O comentário ao art. 207 do Código Penal Polaco indica que nele se procura proteger a família, acima de tudo o mais; os direitos individuais à vida, à saúde, à liberdade, e à integridade física, são apenas uma preocupação secundária. Em resultado disso, os Tribunais Polacos têm interpretado o art. 207 no sentido de permitir a um homem que abuse da sua mulher a fim de preservar o casamento ou para o próprio “bem estar” da mulher”. (cf. a versão integral do documento no abaixo indicado sítio de internet: http://www.theadvocatesforhumanrights.org/uploads/poland_domestic_violence_(2002)_10-18-2002_2.pdf)
27 – É o próprio Tribunal que confirma que “Entre 1989 e 22 de Fevereiro 2009o arguido viveu em comunhão de leito, mesa e habitação, como se casados fossem, com B Z, inicialmente na Polónia e, desde 2004…em Coruche” – cf. douto acórdão, Facto Provado 1).
28 – Ora, se o arguido é “natural da Polónia, de onde é nacional…nasceu em “30 de Outubro de 1965” – cf. douto acórdão, I. RELATÓRIO – e viveu na Polónia pelo menos até 2003 (cit. facto provado 1), então viveu no seu país natal durante 38 anos, durante os quais absorveu o melhor e, como são testemunha os presentes autos, o pior da realidade juridico-social desse país.
29 – Nesse contexto, somos de opinião que, não estando em causa a competência dos Tribunais Portugueses e a aplicação da lei penal portuguesa (art. 4º, alínea a), do Código Penal), devia ter sido administrada justiça ao arguido, à luz do seu quadro mental.
30 – Ou seja, se “Não existe isso de violação conjugal na Polónia”, se neste país “A violação conjugal não está na lei portanto não é crime” e se “Na prática… a violação conjugal não leva a qualquer acusação no sistema legal Polaco”deverá o arguido ser punido como foi pelo Tribunal, “na pena de três (3) anos e seis (6) meses”?
31 – Que consciência da ilicitude poderá ser exigida ao arguido?
32 – Se o arguido só veio para Portugal em 2004 e praticou os actos pelos quais vinha acusado e foi condenado ainda nesse ano e até 2009, é patente, à luz das regras de experiência e das leis da psicologia – art. 127º do CPP – que praticou tais actos ainda dentro do quadro conceptual de convicções arreigadas durante 38 anos de vida na Polónia – país onde até os Tribunais têm interpretado o art. 207 do CP Polaco no sentido de permitir que um homem abuse da sua mulher a fim de preservar o casamento ou para o próprio “bem estar” da mulher” (ainda que apenas no caso de conduta inadequada desta, crê-se).
33 – O Tribunal está obrigado a aplicar a lei penal portuguesa, mas nesta também se prevê explicitamente o erro sobre a ilicitude: “Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável” – art. 17º, nº 1, do Código Penal.
34 – Entendemos, face ao supra exposto, que o arguido actuou sem consciência da ilicitude do facto, pois o erro lhe não é censurável: o arguido agiu na convicção que o seu acto não era punível por lei, convicção porventura reforçada no facto de que nem sequer chegou a introduzir o pénis na vagina da companheira, assistente nos autos – apenas “introduziu os dedos na vagina dela” – facto provado 38).
35 – Se “Não existe isso de violação conjugal na Polónia” e se neste país “A violação conjugal não está na lei portanto não é crime” com toda a probabilidade não terá, pensamos nós, sequer passado pela cabeça do arguido estar a cometer um crime.
36 – O Tribunal diz, ecoando apenas a versão da assistente, que o arguido disse à assistente “Então vou-te violar!” – facto provado 36): em que Língua é que o arguido proferiu tal frase? Em Língua Polaca não deverá ter sido pois “Não existe isso de violação conjugal na Polónia”. E em Língua Portuguesa é muito pouco crível, pois o arguido mal fala a nossa Língua: precisou de intérprete na audiência.
37 – É questão sobre a qual o Tribunal se devia ter pronunciado e que não apreciou, configurando “nulidade da sentença”, que se vem arguir – art. 379º, nºs 1, alínea c), e 2, do CPP.
38 – Seja como for, epiléptico, alcoólico, mal remunerado, mal alimentado, socialmente desajustado, quiçá não aguentando mais a recusa do débito conjugal pela assistente, o arguido ainda que não consciente do ilícito, à luz da lei portuguesa, praticou o crime de violação.
39 – Fê-lo de uma forma censurável, e sê-lo-ia sempre contra a vontade da vítima, mas a censura quanto a este crime de violação, tem que ser matizada a essa luz e à referida herança cultural do seu país, onde parece ser pervasiva a aceitação social e mesmo institucional de abusos, designadamente violação conjugal e violência doméstica.
40 – Serve tanto para dizer que a pena devia ter sido “especialmente atenuada” – arts. 17º, nº 2, e 72º, nº 1, do Código Penal.
41 – Considerando que o mínimo previsto na moldura penal do crime de violação p.p. no art. 164º, nº 1, alínea b) do Código Penal é de 3 anos de prisão e que “O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual…a 3 anos…” – art. 73º do Código Penal – deveria o Tribunal ter aplicado ao arguido tão-somente este limite mínimo, isto é, a pena de 7 meses e 20 dias de prisão, reduzindo concomitantemente a pena aplicada em cúmulo.
42 – Se é pervasiva na Polónia a crença de que um crime cometido entre pessoas íntimas e/ou no interior do lar conjugal é menos sério que o mesmo crime cometido entre pessoas não relacionadas entre si, parece de concluir que o arguido não terá tido a noção da gravidade de tais crimes quando praticados em Portugal.
43 – Se não domina a Língua Portuguesa, seguramente que o noticiário televisivo é para ele abstruso, pelo que nem por esta via terá podido apreender tal gravidade. E é pouco provável que o Código Penal Português tenha sido traduzido em Língua Polaca, para que, em teoria, o arguido pudesse ter acedido a tal informação.
44 – A falta de preparação para manter uma conduta lícita (art. 71º, nº 2, alínea f), do Código Penal) não pode ser assacada individualmente ao arguido, fruto que é de uma sociedade onde é pervasiva a aceitação social e mesmo institucional de abusos, designadamente, violação conjugal, violência doméstica e maus tratos – deve funcionar pois a favor do arguido e não contra ele.
45 – Note-se que no relatório social a fls. 816 a 826 dos autos se refere que “O arguido referiu não estar preocupado com a existência deste processo…” – portanto das duas uma:
ou precisa de tratamento psiquiátrico (daí a requerida necessidade de novo julgamento para apurar o seu grau de imputabilidade) ouestá mesmo convencido que os seus actos não configuram qualquer ilícito criminal e / ou não implicam pena de prisão (pois se é assim na Polónia!)
46 – Consequentemente, o grau de ilicitude (art. 71º, nº 2, alínea a), do Código Penal) também devia e deve ser ponderado a favor do arguido.
47 – No caso do crime p.p. pelo art. 152º, nº 1, alínea b), do C.P. – violência doméstica de que foi vítima a assistente – é verdade que a pena aplicada não está longe do limite mínimo da moldura penal respectiva.
48 – No entanto, mesmo se aparentemente razoável, por todo o exposto, uma pena de 2 anos e 2 meses de prisão – mais próxima do limite mínimo – é que se afigura adequada à convicção do arguido da menor seriedade do crime e à inexistência de antecedentes criminais (facto provado 61).
49 – Cremos, pois, que a pena aplicada – 2 anos e 9 meses de prisão – é excessiva, exorbitando da concreta “medida da culpa” / “…do agente e das exigências de prevenção” (arts. 40º e 71º do Código Penal), como também exorbita da culpa, ainda mais vincadamente, a pena aplicada pelo crime p.p. pelo art. 152º-A, nº 1, alínea a ), do Código Penal – crime de maus tratos de que foi vítima OZ –, face a todo o supra exposto e ainda porque as sequelas físicas foram diminutas (apenas “sofreu dores” – facto provado 46).
50 – Considerando que este crime é punido com pena de prisão de “um a cinco anos”, não se vislumbra porque razão o Tribunal aplicou uma “mão pesada”, passe a expressão, condenando o arguido “na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão”, ao arrepio dos normativos invocados, porquanto, além do mais, relativamente ao crime de maus tratos de que foi vítima MB – que sofreu lesões efectivas que “…lhe determinaram…10 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho” – o Tribunal aplicou idêntica “pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão”.
51 – Tal discrepância é questão sobre a qual o Tribunal se devia ter pronunciado e que não apreciou, configurando “nulidade da sentença”, que se vem arguir – art. 379º, nºs 1, alínea c), e 2, do CPP, e manifesta contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – art. 410º, nº 2, alínea b), do CPP, que é motivo de recurso.
52 – A pena pelo crime de maus tratos de que foi vítima OZ deveria situar-se próximo do, senão corresponder ao, limite mínimo da moldura penal respectiva que é de 1 ano de prisão.
53 – Em cúmulo jurídico resultante das novas penas parcelares achadas, entendemos que seria justa, adequada à (in) consciência da ilicitude e à concreta culpa do arguido, e à inexistência de antecedentes criminais (não devidamente valorada pelo Tribunal – art. 71, nº 2, alínea e), do CP), uma pena de, no máximo, 3 anos e 6 meses de prisão.
54 – Em suma: o arguido não se pretende furtar ao cumprimento de pena de prisão pelos crimes que cometeu, à luz da lei portuguesa, está consciente que praticou alguns actos verdadeiramente desprezíveis, dos quais está arrependido, mas ainda assim considera que a que lhe foi aplicada é injusta, na medida em que extravasa largamente da ilicitude e da culpa e torna altamente duvidosa a sua reintegração na sociedade (art. 40, nº 1, do Código Penal).
55 – Pelo que, venha ou não a ser ordenado o requerido reenvio para novo julgamento, deverá ser aplicada pena mais consentânea com todas as alegadas atenuantes, incluindo os factos dado como provados que lhe são favoráveis, designadamente inexistência de antecedentes criminais.
56 – Foram violados os artigos 17º, nºs 1 e 2, 40º, nºs 1 e 2, 71º, nºs 1 e 2, alíneas a), e) e f), 72º, nº 1, 73º, do CÓDIGO PENAL, e 127º, 379º, nºs 1, alínea c), e 2, 410º, nº 2, alíneas a) e b), do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL».
O Magistrado do MºPº que, em turno, recebeu a notificação das motivações do recurso, entendeu que os prazos neste processo não corriam em férias, razão pela qual opinou no sentido de o MºPº ser notificado após férias. A assim não ser, entendeu que tal recurso era extemporâneo.
Repetida a notificação após férias, o Magistrado do MºPº respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas a partir do respectivo suporte informático):
«1) O recorrente invocou expressamente a alínea b) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, a qual excepciona a cognição unicamente em matéria de direito, referindo-se a vícios, de conhecimento oficioso, que têm necessariamente de se extrair do texto da decisão e que, por si só ou em conjugação com as regras de experiência comum, evidenciem notórias insuficiências, contradições ou erros no teor da decisão proferida;
2) E, quanto ao conteúdo textual, não se manifesta qualquer contradição entre os factos dados como provados quanto à presença dos elementos subjectivos do ilícito e quanto ao facto de também ser dado como provado que o arguido ter estes comportamentos muitas vezes associados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas;
3) Como é consabido, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas é acção livre na causa, que ocorre quando a anomalia psíquica contemporânea do facto tiver sido provocada pelo agente, sendo este assim considerado pelo sistema penal como plenamente imputável;
4) Assim, não se vislumbra qualquer contradição semântica, conceptual ou ideológica que resulte vertida no texto do douto acórdão;
5) Na sessão de julgamento, realizada no dia 17-04-2012, foi decidido pelo douto Tribunal a quo indeferir a submissão do arguido a perícia médica, designadamente psiquiátrica, por não se vislumbrar a sua necessidade ou interesse;
6) O ilustre defensor do arguido encontrava-se presente na audiência e, seja nesse acto, seja no prazo de 20 dias, previsto no art.º 411.º, n.º 1, alínea c), do CPP, não foi apresentado recurso da referida decisão, pelo que a mesma transitou em julgado;
7) Assim, afigura-se não poder o ora recorrente, desta vez sob as vestes de insuficiência da matéria de facto para a decisão, colocar em crise caso já julgado e os seus demais efeitos processuais;
8) E, mesmo que assim tal não se entendesse, esse eventual vício nunca poderia ser arguido após o encerramento da audiência, pois sempre se consideraria sanado, nos termos do art.º 121.º, n.º 1, alínea b), do CPP;
9) O vício invocado de omissão de pronúncia, nos termos da previsão constante na alínea c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, pressupõe que tenha existido omissão de pronúncia sobre factos concretos constantes da contestação que sejam relevantes para a boa decisão da causa;
10) O ora recorrente não apresentou contestação da acusação e, como tal, não elencou quaisquer factos que pretendesse submeter à apreciação do Tribunal;
11) Como veiculado jurisprudencialmente, no que respeita à matéria de facto provada e não provada, “(…) a sentença só é nula se o tribunal deixar de se pronunciar sobre factos alegados na acusação ou na contestação e só padece da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal se a omissão se referir a uma questão em sentido técnico, não enfermando desse vício se ela apenas não tiver tomado em consideração um fundamento para decidir essa questão num ou noutro sentido. (…)”;
12) De igual forma “(…) A causa de nulidade da sentença prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, ocorre, assim, quando esta é omissa (ou seja, quando o tribunal não toma posição) relativamente às questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, às questões de conhecimento oficioso e àquelas cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais – cfr. o art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal (…)”;
13) O douto acórdão em recurso não padece do vício de nulidade invocado pois, objetivamente, a defesa não concretizou, seja em sede de contestação, seja em sede de julgamento, quaisquer factos, nem tão pouco formulou questões passíveis de serem judicialmente apreciadas, sendo certo que foi emitida cabal pronúncia sobre todos os factos que os sujeitos processuais levaram ao conhecimento e que houvessem de ser conhecidos oficiosamente pelo Tribunal;
14) Face à gravidade dos factos dados como provados, o dolo intenso da actuação do arguido, o lapso temporal em que se perpetuaram as condutas e ainda bem a personalidade demonstrada pelo arguido, permitem afirmar com segurança que a pena única aplicada de seis anos e seis meses de prisão não se apresente excessiva, porquanto as suas penas parcelares fixaram-se longe dos limites máximos das respectivas molduras penais;
15) As necessidades de prevenção geral e especial assumem particularmente intensidade, atentas as naturezas dos crimes em apreço, a forma de actuação e a personalidade demonstrada pelo arguido;
16) É absolutamente incompreensível e inaceitável a justificação que o recorrente apresenta no articulado 58.º para ter violado a sua esposa, nomeadamente que, eventualmente não terá aguentado a sistemática recusa do débito conjugal e, qual homem dessentado no deserto, apenas terá procurado desesperadamente “sorver” um pouco de “água”;
17) É que, mesmo podendo tratar-se de uma figura de estilo, só falta mesmo ter a audácia de afirmar que a ofendida é responsável por ter sido violada, face a não cumprir com o débito conjugal.
Conclui-se assim, necessariamente, que o douto acórdão não padece dos vícios invocados pelo ora recorrente.
Pelo exposto,
Deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente o acórdão recorrida, assim se fazendo Justiça».
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve resposta.
II. É tempo de efectuar exame preliminar.
E a primeira questão a decidir, nesta sede, é saber da (in)tempestividade do recurso oferecido.
Nos presentes autos o arguido vinha acusado e foi condenado, entre o mais, pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artº 152º, nºs 1, al. b) e 2 do Cod. Penal.
Nos termos do disposto no artº 28º da Lei 112/2009, de 16/9, “1. Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos. 2. A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no nº 2 do artigo 103º do Código de Processo Penal”.
Como elucidativamente se afirma no Ac. RP de 19/1/2011 (rel. Eduarda Lobo), www.dgsi.pt., “a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a lei que vigorar no momento em que é proferida a decisão de que se recorre”. E assim, “se a decisão é proferida no domínio da lei antiga, ou melhor antes da entrada em vigor da Lei nº 112/2009 que não o considerava como processo urgente, não se aplicará a lei nova. Mas se a decisão é proferida já no domínio da lei nova, aplicar-se-á esta, mesmo que o processo já se tenha iniciado na vigência da lei antiga”, solução que não determina qualquer agravação da situação processual do arguido, como repetidamente o tem afirmado o Tribunal Constitucional [2 ].
A decisão recorrida foi proferida em 25/6/2012, em plena vigência da Lei 112/2009, de 16/9.
E assim sendo, é de concluir que nestes autos os prazos processuais, maxime o relativo ao prazo de interposição de recurso, correm em férias judiciais, por força do estatuído nos artºs 103º, nº 2 e 104º, nº 2 do CPP – neste sentido se pronuncia, de forma que nos parece unânime, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores [cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. RC de 1/6/2011 e de 26/9/2012 (ambos relatados por Abílio Ramalho), de 18/4/2012 (rel. Paulo Guerra), RP de 19/1/2011 (rel. Eduarda Lobo) e desta RE de 28/6/2011 (Martins Simão)], entendimento que, aliás, foi recentemente considerado conforme à Constituição da República Portuguesa pelo Ac. TC 158/2012, de 28/3/2012, publicado na II série do DR nº 92, de 11/5/2012, http://dre.pt/pdf2sdip/2012/05/092000000/1657216575.pdf.
Aqui chegados:
O arguido e o seu defensor estiveram presentes na sessão de julgamento que teve lugar em 20/6/2012 e onde foi designado o dia 25/6/2012 para leitura do acórdão.
O il. defensor compareceu no Tribunal na data designada para leitura da sentença; à mesma não compareceu, contudo, o arguido, que na altura se encontrava internado no Hospital de Santarém (de onde, conforme consta da declaração junta aos autos pelo recorrente e que se encontra a fls. 1142, saiu 3 dias depois, em 28/6/2012).
Tendo, porém, conhecimento do dia em que ia ser feita a leitura da sentença, a sua não comparência à mesma não impede que dela se considere notificado nessa data, nos termos do nº 3 do artº 373º do CPP.
Como esta Relação de Évora já decidiu, no seu Ac. de 13/1/2011, processo 434/09.5PBEVR.E1, www.dgsi.pt, “se o arguido e seu mandatário sabiam que a audiência para leitura da sentença estava marcada para determinado dia, devem considerar-se notificados da sentença, não obstante terem faltado, depois de esta ter sido lida no dia indicado perante o defensor nomeado para esse acto” (neste mesmo sentido, cfr. Ac. RG de 7/2/2011, proc. 1015/08.6GAEPS-A.G1, www.dgsi.pt).
E é solução que, salvo o devido respeito por melhor opinião, decorre da leitura conjugada dos artºs 373º e 113º, nº 9 do CPP e que o Tribunal Constitucional já considerou conforme à Constituição da República Portuguesa, no seu Ac. nº 489/2008, onde se decidiu “não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 373.°, n.° 3, e 113.°, n.° 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado”.
Notificado o arguido do acórdão, no dia em que o mesmo foi publicamente lido, o prazo para interposição do recurso conta-se a partir da data do respectivo depósito – artº 411º, nº 1, al. b) do CPP.
Na realidade, como bem se decidiu no Ac. RC de 14/1/2004, proc. 3729/03, www.dgsi.pt, «a consequência de o arguido não estar presente na audiência da leitura da sentença é a de ser representado para todos os efeitos legais pelo respectivo defensor, nomeado ou constituído. Pelo que, o prazo do recurso se conta a partir do depósito da sentença, conforme preceituado no art. 411.º n.º 1 do CPP, (só não é assim, na situação excepcional prevista no art. 333.º n.º 5 do CPP). Enviada cópia da sentença aos arguidos faltosos, esta “notificação” é mero acto de cortesia, sem obrigação legal e sem qualquer consequência, nomeadamente para efeito de prazo de interposição de recurso» (neste mesmo sentido, cfr. a decisão sumária proferida pelo Exmº Presidente desta Relação de Évora em 22/6/2006, www.dgsi.pt).
No mesmo sentido opina o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do CPP”, 4ª ed., 961: “A decisão de interposição do recurso é, com efeito, uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor (artigo 64º, nº 1, alínea d) e a jurisprudência do TEDH citada na anotação ao artigo 62º), pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, estão asseguradas quando se procede à notificação da sentença apenas ao defensor, mas o arguido esteve na audiência de julgamento (artigo 373º, nº 3) (…). Nestes casos, o arguido é representado para todos os efeitos legais pelo seu defensor, incluindo para os efeitos da notificação penal, fixando-se o início do prazo legal para o recurso na data da notificação do defensor. O conjunto normativo fixado nos artigos 373º, nº 3, 332º, nºs 5 e 6, e 334º, nºs 2 e 4 do CPP, interpretado neste sentido, não viola, pois, a CRP”.
E na verdade, o Trib. Constitucional, no seu Ac. nº 483/2010, www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100483.html, considerou já que não enferma de inconstitucionalidade o entendimento acabado de referir, adiantando: “Em tais circunstâncias (notificação da data em que iria ocorrer a leitura da sentença, falta do arguido a essa sessão, presença do defensor constituído, justificação posterior da falta), o arguido que não compareceu no acto de leitura pública da sentença só verá o seu direito ao recurso afectado se for grosseiramente negligente, desinteressando-se totalmente do desfecho do julgamento em que plenamente participou. Juízo este que se conforta ou pressupõe, de um lado, um mínimo de interesse (ou a irrelevância da indiferença) do arguido perante as decisões judiciais que lhe digam respeito e a presunção do cumprimento dos seus deveres deontológicos por parte do respectivo mandatário judicial”.
É certo que o Trib. Constitucional tem oscilado, nesta matéria, entre posições nem sempre convergentes, como informa Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., 960/963, identificando 3 teses (minimalista, compromissória e maximalista) seguidas por esse Tribunal. Contudo, como bem se assinala no Ac. RP de 24/10/2012 (rel. Eduarda Lobo), www.dgsi.pt., «a aparente contradição das decisões do Tribunal Constitucional pretende, porém, realçar que o Tribunal atendeu à efetiva possibilidade de exercício do direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório que o afeta na concretização dessa oportunidade. Assim, o Tribunal tem reconhecido um princípio de “oportunidade” de acesso pessoal do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder organizar posteriormente a sua defesa. Esse princípio decorre em particular do Acórdão do TC n.º 545/2006 que sintetizou a jurisprudência do Tribunal Constitucional na matéria da seguinte forma: “o critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), atuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda”».
No caso em apreço, o arguido esteve presente na sessão da audiência que teve lugar em 20/6/2012, onde foi designado o dia 25/6/2012 para leitura do acórdão. Na leitura da sentença esteve presente o seu defensor, perante o qual foi lido o acórdão recorrido que, na mesma data foi depositado na secretaria do tribunal.
Após a realização da sessão da audiência a que esteve presente, «o arguido alheou-se, por completo, do seguimento do processo e do seu desfecho, o que, não tendo sido invocado qualquer impedimento [3], traduz negligência grosseira na gestão dos seus próprios interesses. E, como se enfatizou no Acórdão do TC n.º 378/2003, a “negligência e desinteresse não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido”. Estas não dispensam o interessado do ónus de uma conduta ativa de obtenção de uma informação decisiva para a efetivação do direito ao recurso, como componente dessas garantias. Colocado numa situação como a dos autos, de possibilidade eminente de sujeição a uma pena de prisão, um arguido medianamente diligente não se teria desligado do andamento do processo» - Ac. RP de 24/10/2012, que vimos seguindo de perto. E como neste aresto se acrescenta (em situação com algum paralelismo com a dos autos, a conduta do arguido revela «um desinteresse e uma inércia em informar-se que justificam a afirmação da sua auto-responsabilidade, na medida em que um simples contacto com a sua defensora oficiosa para informação como a audiência decorrera, propiciaria certamente uma informação sobre» o conteúdo da sentença. «Como se refere no Ac. do TC nº 81/2012 de 09.02.2012 “o sistema pode, em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passa nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão”».
É tese que, igualmente, perfilhamos.
O arguido foi, pois, notificado do acórdão em 25/6/2012. E porque nesse mesmo dia foi depositado o acórdão, aí se iniciou o decurso do prazo para interposição do recurso.
No caso, relevância alguma pode ter a “notificação do arguido” efectuada pela GNR de Coruche, em cumprimento de um ofício expedido pela secção de processos do Tribunal de Coruche, sem que um prévio despacho judicial tivesse sido proferido.
Quer dizer: a “notificação” pedida pelo ofício de fls. 1097, aliás redigida em termos que seriam adequados se o arguido tivesse sido julgado na sua ausência [4], o que manifestamente não foi o caso, não é apta a derrogar o que expressamente se estatui nos artºs 373º, nº 3 e 411º, nº 1, al. b) do CPP. Neste sentido, isto é, apontando para a irrelevância da notificação pessoal ou postal do arguido, em momento posterior à leitura da sentença, na contagem do prazo para a interposição do recurso, aponta a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores (cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. RP de 18/11/92 e 3/5/200, rel. Luís Vale e Nazaré Saraiva, respectivamente, www.dgsi.pt.).
Note-se, aliás, que no momento em que o arguido foi “notificado” pela GNR (25/7/2012) já havia, inclusive, decorrido o prazo de 20 dias de que dispunha para recorrer do acórdão recorrido [5]. Com efeito, iniciado o prazo do recurso em 25/6/2012, o prazo de 20 dias de que o arguido dispunha para recorrer (artº 411º, nº 1, al. b) do CPP) terminava em 16/7/2012 (ou em 19/7/2012, com pagamento da multa a que se refere o artº 107º-A do CPP).
Atribuir relevância processual à “notificação” efectuada pela GNR é, seguramente, calçar sapatos novos a defunto: no dia em que o arguido foi “notificado” pela GNR, já o prazo de que dispunha para interpor recurso (nos termos em que o veio a fazer) se mostrava esgotado.
É manifesto, pois, que o recurso do arguido, interposto em 14/8/2012, é extemporâneo e, como tal, não devia ter sido admitido – artº 414º, nº 2 do CPP.
Tendo-o sido, tal decisão não vincula este tribunal de recurso – nº 3 do mesmo dispositivo – sendo fundamento para a sua rejeição – artº 420º, nº 1, al. b) do CPP – a determinar em decisão sumária, neste exame preliminar – artº 417º, nº 6, al. b) do CPP.
IV. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, em decisão sumária rejeito o recurso interposto pelo arguido WB, por extemporâneo.
Custas pelo arguido/recorrente. Taxa de justiça: 3 UC´s.
Pagará este recorrente, ainda e nos termos do artº 420º, nº 3 do CPP, a quantia correspondente a 3 (três) UC’s.
Évora, 20 de Dezembro de 2012 (processei e revi)
__________________________
Sénio Manuel dos Reis Alves
__________________________________________________
[1] - Sumariado pelo relator
[2] Cfr. os arestos citados no douto Ac. RP de 19/1/2011, que vimos citando.
[3] No caso, nenhum impedimento válido a partir de 28/6/2012, data em que o arguido teve alta hospitalar.
[4] Cfr. o disposto no artº 333º, nºs 5 e 6 do CPP.
[5] Posto que o recurso fosse restrito à matéria de direito, como sucede in casu.