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CORTIÇA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
FRUTOS NATURAIS
FRUTOS PENDENTES
Sumário
1 - O contrato celebrado em 2006 no qual um dos outorgantes declarou vender e o outro comprar a cortiça a extrair no ano de 2009 numa determinada propriedade, deve ser qualificado como contrato de compra e venda de frutos naturais pendentes e não como um contrato promessa de compra e venda. 2 - A transmissão da propriedade no contrato de compra e venda surge como um efeito real imediato e instantâneo da própria celebração do contrato, ou seja, pela simples força do contrato, sendo, por conseguinte, um direito com eficácia real e, nessa medida, válido «erga omnes» e não meramente obrigacional; 3 – No contrato de compra e venda de cortiça a extrair, a transferência da propriedade só se verifica com a extracção, pois é nesse momento que se dá a separação da árvore que a produziu, apesar da aquisição do direito ter ocorrido com a celebração do contrato e como directo efeito deste. 4 – A par do efeito real do contrato de compra e venda, existem os efeitos obrigacionais de entrega da coisa e do pagamento do preço. 5 – Nada tendo sido estipulado em contrário pelas partes, o pagamento do preço e a entrega da coisa devem ser contemporâneos. 6 – Enquanto a coisa não for entregue, pode o vendedor resolver o contrato por incumprimento do comprador consubstanciado na falta de pagamento do preço, já que o contrato ainda não foi totalmente executado. 7 - A resolução do contrato opera-se por meio de declaração unilateral, receptícia, do credor, que se torna irrevogável, logo que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida, sendo equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e tem efeito retroactivo. 8 – Devendo, como consequência da resolução, ser restituído tudo o que tiver sido prestado, a operada transferência da propriedade da cortiça ficou sem efeito. 9 – Rescindido o contrato pelo vendedor pode este vender a cortiça a terceiro, podendo, contudo, incorrer em responsabilidade civil no caso de ilicitude da rescisão.
Sumário do relator
Texto Integral
U…, S.A., com sede… , Cádiz, Espanha, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra M…, S.A., com sede na Praça……., Lagoa e F.., S.A., com sede na Estrada.., Alcochete, pedindo: “a) …que seja judicialmente reconhecido e declarado que a A. é a legítima proprietária de toda a cortiça extraída na Herdade da Panasqueira na sequência do contrato identificado no artº 6º desta petição, nomeadamente 11.161,30 arrobas e ainda dos bocados, cortiça virgem e similares; b) …que seja judicialmente reconhecida e declarada a ilicitude da rescisão daquele contrato operada pela Ré através da carta referida no artº 33º desta p.i.; c) …que seja judicialmente reconhecido e declarado que a venda da cortiça feita pela 1ª à 2ª Ré é nula e de nenhum efeito; d) …que em consequência da procedência dos pedidos anteriores, as Rés sejam condenadas a entregar à A. toda a cortiça referida na alínea a) supra, com os respectivos custos de transportes e outros a cargo das mesmas; e) …que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar à Autora indemnização pelos prejuízos por esta sofridos em consequência dos factos expostos nesta p.i. nomeadamente nos respectivos artºs 48º a 57º a apurar no decurso do processo ou em liquidação em execução de sentença.”
Como fundamento alegou ter celebrado com a 1ª ré um contrato de compra e venda de bens futuros tendo por objecto a cortiça a extrair no ano de 2009 na Herdade da Panasqueira e que estimavam em 15.000 arrobas ao preço de €29,93 embora podendo ser alterado para menos ou para mais em função dos preços de mercado que então vigorassem. A 1ª Ré, porém rescindiu, sem justificação, o contrato e vendeu a cortiça à 2ª Ré que bem sabia ser a cortiça propriedade da A. e do diferendo existente com a 1ª Ré, com o que lhe causaram elevados prejuízos.
Citadas, as rés contestaram.
A Ré M…, S.A. alegou que não celebrou com a A. um contrato de compra e venda mas sim um contrato promessa de compra e venda de cortiça que, efectivamente rescindiu por incumprimento definitivo da A., tendo inclusive perdido o interesse na celebração do contrato definitivo face ao reiterado incumprimento daquela. Após a rescisão e face à contínua deterioração da cortiça, que já tinha sido extraída, vendeu-a, de boa-fé, à 2ª Ré. Impugnou os danos invocados pela A. e o valor da causa.
A Ré F…, S.A. invocou a impossibilidade ou nulidade da lide pelo facto da cortiça referida pela autora já não existir, a sua ilegitimidade para o pedido formulado em e), por não ter sido parte no contrato invocado e impugnou os factos alegados.
Deduziu reconvenção para o caso de procedência dos pedidos formulados em a), b) c) e d) invocando boa fé no negócio celebrado com a 1ª ré e pediu a condenação da A. a pagar-lhe um montante correspondente ao preço que pagou à 1.ª Ré, e que se cifra em €85.000,00, acrescido das prestações do preço que entretanto se vencerem e forem liquidadas.
A A. replicou, alegando, quanto ao valor da causa, ser irrelevante o valor atribuído pelas rés ao contrato celebrado entre elas; quanto à impossibilidade ou nulidade da lide, que não aceita a alegação da ré de que a cortiça já não existe. Caso se prove que já não existe sempre se justificará uma “superveniente alteração do pedido por parte da autora”; quanto à invocada ilegitimidade da 2ª ré para o pedido formulado em e), que esta ré é parte legítima porquanto celebrou o contrato com a 1ª ré sabendo das circunstâncias em que autora e 1ª ré haviam negociado; quanto à reconvenção pugna pela sua improcedência e impugna os factos alegados.
No saneador foi julgada improcedente a invocada excepção da ilegitimidade da 2ª Ré, relegou-se para a sentença final a apreciação da invocada inutilidade/impossibilidade da lide e fixou-se o valor da acção.
Seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente e, por prejudicada, não se conheceu da reconvenção.
Inconformada com esta decisão, interpôs a A. o presente recurso de apelação.
As Rés contra-alegaram, pugnando pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Formulou a apelante, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [1] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: “a) Face à contradição existente entre as respostas dadas aos artigos 18º e 19º da BI e aos depoimentos das testemunhas H.. e A.., ouvidas nos termos referidos no corpo destas alegações, e registados nos termos também ali aludidos, impõe-se a alteração à resposta àquele artigo 18º, e de molde a que o mesmo seja dado como Provado; b) Considerando o teor das comunicações de 3 de Setembro e de 12 de Setembro de 2009 (artigos 13º, 14º e 19º da BI) e os depoimentos das mesmas testemunhas, ouvidas nos termos já referidos, impõe-se a alteração da resposta dada ao artigo 20º da BI, e de modo a que o mesmo seja dado como provado; c) Os depoimentos das testemunhas H…, A.., J.. e A.., prestados na audiência de 15 de Setembro de 2011 e registados conforme supra se aludiu, devem conduzir a que ao artigo 31º da BI seja dada resposta totalmente positiva, incluindo a que o ali perguntado emerge também da conduta da 2ª Ré, pelos motivos já, aludidos no corpo das alegações e que infra se reafirmarão no que respeita ao pedido de condenação solidária no pagamento de indemnização à Autora; d) Não sendo exigível prova documental para prova do perguntado no artigo 33º, e sendo perfeitamente justificável que a Autora não juntasse aos autos os documentos da sua contabilidade para impedir que abrisse toda a sua actividade ao conhecimento das Rés, considera-se que, pelos depoimentos das testemunhas referidas na alínea anterior, deverá ser dado como provado o perguntado no artigo 33º da BI; e) A impugnação e as alterações relativas à matéria de facto supra sustentadas são feitas com invocação no disposto nos artigos 712º nº 1 alínea a) e 685º-B do CPC; f) Logo que extraída toda a cortiça objecto do contrato de compra e venda de coisa futura celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, aquela adquiriu a respectiva propriedade face ao disposto no artigos 408º nºs 1 e 2 e 879º do CC; g) o artigo 880º nº 1 do CC, invocado na sentença recorrida, não põe em causa, na hipótese dos autos, a aquisição do direito de propriedade sobre a cortiça, porquanto a 1ª Ré exercera a actividade necessária à respectiva extracção, não se integrando na previsão daquele artigo o que se reporta ao pagamento do preço; h) Transferida que foi a propriedade da cortiça, a 1ª Ré estava obrigada a entregá-la à Autora, face ao disposto na alínea b) do artigo 879º do CC, não lhe sendo lícito rescindir o contrato, nomeadamente pelos motivos que invocou e que tiveram como pressuposto que se estava perante um contrato promessa de compra e venda; i) Sendo a Autora a proprietária da cortiça, a respectiva venda feita pela 1ª Ré à 2ª Ré é nula e de nenhum efeito, nos termos do artigo 892º do CC; j) E, ao abrigo do disposto no artigo 1311º do CC, a Autora tem o direito de reivindicar das Rés a restituição da cortiça de sua propriedade, a tal não obstando que a mesma tenha sido transformada e parcialmente vendida, circunstâncias que só terão relevância em sede de execução, nomeadamente para os efeitos do disposto no artigo 931º do CPC; l) A conduta ilícita de ambas as Rés obriga-as a indemnizar a Autora pelos prejuízos daí emergentes, - artigos 483º, 562º, 563º, 564º do CC - tendo em conta a matéria já provada e que venha a ser ainda acrescentada em provimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e cujo montante deverá ser apurado em incidente em liquidação. m) A 1ª Ré actuou ilicitamente porque declarou resolvido o contrato de compra e venda sem que o pudesse fazer, vendendo à 2ª Ré coisa que lhe não pertencia; n) A 2ª Ré também actuou culposamente, com isso gerando a obrigação de indemnizar, porque, após saber da carta de 21 de Setembro de 2009, logo no início do transporte da cortiça, teve conhecimento do litígio existente, e tendo sido citada para a presente acção em 23 de Outubro de 2011, impunha-se que tivesse actuado diligentemente, cessando de imediato todas as diligências relacionadas com o transporte, a transformação e a venda da cortiça; o) Na sequência do exposto no corpo das alegações e nestas conclusões, imputa-se à sentença recorrida a violação, por erro de interpretação e aplicação, do disposto nos artigos 408º nº 1 e 2, 483º, 562º, 563º, 564º, 879º, 880º nº 1, 883º, 885º, 886º, 892º, 1311º do CC e 931º do CPC, a interpretar e aplicar nos termos supra invocados e naqueles que V. Exªs doutamente suprirem; p) E, em consequência, deverá ser revogada a sentença recorrida, julgando-se procedentes todos os pedidos formulados.”
ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber: 1- Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto no que tange às respostas dadas aos arts. 18º, 20º, 31º e 33º da base instrutória; 2 – Se a A. com a extracção da cortiça adquiriu a respectiva propriedade, estando a 1ª Ré obrigada a entregar-lha; 3 – Se a rescisão do contrato pela 1ª Ré é ilícita; 4 – Se a venda efectuada pela 1ª à 2ª Ré é nula podendo a A. reivindicar a sua restituição; 5 - Se as Rés estão obrigadas a indemnizar a A..
Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [2].
1- Se deve ser alterada a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, no que tange às respostas dadas aos arts. 18º, 20º, 31º e 33º da base instrutória.
Invocam as recorridas que este tribunal deve rejeitar o recurso, nesta parte, por inobservância, pela recorrente, do disposto no art. 685º-B, nº 2 do Código de Processo Civil, já que não indicou as concretas passagens dos depoimentos em que se funda para requerer a alteração da decisão do tribunal “a quo”.
Estabelece, efectivamente, o art. 685º-B, nº 1, al. b) e nº 2, do Código de Processo Civil que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente, sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, visando-se os depoimentos gravados, deve, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
É certo que a recorrente não indica, por referência aos tempos de gravação, as exactas passagens de cada um dos depoimentos, cuja reapreciação pretende e que, na sua óptica, impõem a alteração da decisão recorrida. Indica, todavia, quais os depoimentos das testemunhas e o dia em que foram prestados.
Ora, tratando-se de gravação digital, o próprio sistema permite a fácil localização dos depoimentos a reapreciar, ao contrário dos idos em que a gravação era efectuada em cassetes e em que a localização de determinado depoimento obrigava à audição integral daqueles suportes.
Qualquer reapreciação da prova não pode ser cabalmente realizada se o tribunal de recurso limitar a sua audição a uma determinada parte do depoimento, quantas vezes descontextualizada. Só com a audição integral do depoimento (pelo menos na parte referente à factualidade sob reapreciação), se não mesmo com a audição integral de todos os depoimentos, é possível fazer a correcta avaliação e reponderação da prova produzida relativamente à parte questionada da decisão, permitindo a correcta sindicância desta.
Entendemos assim e chamando à colação o princípio da cooperação (art. 266º do Código de Processo Civil), que a simples identificação do depoimento por referência ao nome da testemunha e ao dia em que foi prestado, cumpre minimamente o ónus imposto no sobredito preceito.
Pelo referido não se rejeita, o recurso nesta parte, como requerido.
Convém que se refira que, se é certo que concordamos com o duplo grau de jurisdição quanto à apreciação da matéria de facto, já temos sérias dúvidas quanto à forma como deve ser assegurado e somos cépticos quanto à opção legislativa que foi feita.
De facto, de forma alguma esse desiderato é alcançado através da gravação áudio, embora muito menos o era através da redução a escrito dos depoimentos das testemunhas. Uma das grandes vantagens da oralidade e da imediação da prova é o contacto directo que o juiz tem com os intervenientes, nomeadamente as partes e testemunhas, permitindo-lhe aquilatar com maior facilidade da sua credibilidade, não só pelo que dizem e pelo que não dizem, mas também e sobretudo, pela forma como o dizem, as expressões faciais, a desenvoltura demonstrada, o grau de certeza que se pretende demonstrar, a forma como os depoimentos são prestados, a espontaneidade das respostas ou a forma sugestiva como o interrogatório é conduzido, etc., etc..
Ora, não é de forma alguma, através da leitura dos depoimentos, nem mesmo através da simples audição das gravações áudio que o tribunal de recurso consegue ir buscar algo daqueles dois princípios por forma a fazer uma análise correcta e segura dos depoimentos prestados. A aridez daqueles suportes e meios de reapreciação da prova, de forma alguma se compagina com a riqueza da personalidade humana e com a panóplia de meios que qualquer pessoa utiliza para comunicar e transmitir ao interlocutor as suas percepções, ideias, sentimentos, etc., e que também integram o depoimento.
É certo que poderia este tribunal renovar pelo menos, alguns dos meios de prova produzidos na 1ª instância, nos termos do art. 712º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Todavia, não só esta faculdade, de acordo com aquele preceito, apenas é permitida quando os meios de prova se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade [3], como também nunca o depoimento seria prestado da mesma forma.
Assim, como é evidente, e nunca será demais repeti-lo, a reapreciação da prova por este tribunal está inevitavelmente condicionada, já que é feita, em regra, com base na gravação áudio ou transcrição dos depoimentos e carecendo, como tal, da fundamental imediação, quantas vezes mais esclarecedora do que o mais seguro e peremptório dos depoimentos. Efectivamente, a forma como a testemunha depõe, a sua expressão facial e gestual, o local e forma como está sentado, a “certeza” do seu conhecimento que muitas vezes pretende transmitir e relativo a factos de que foi mero espectador, ocorridos por vezes há bastante tempo, etc., são factores imprescindíveis ao correcto aquilatar da verdade do depoimento e sua consequente credibilidade.
Igualmente a forma capciosa ou sugestiva, como foi formulada a pergunta, condiciona a resposta sem que isso signifique que não corresponda à verdade, facto que o juiz da 1ª instância pode apreender (e até intervir), mas já não os juízes do tribunal de recurso que apenas dispõem da pergunta sugestiva e da resposta sugerida e não da “forma” como foi respondida, do “facies” da testemunha ou daquele gesto ou atitude que, ainda assim, contribuiu para a credibilização da resposta. “A documentação da prova produzida em audiência e a possibilidade de reapreciação pelo Tribunal Superior da decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, de modo nenhum podem colidir com o princípio consagrado no n.º 1 do art. 655º do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, princípio que só sofre o limite previsto no n.º 2 do mesmo preceito, ou seja, nos casos em que se exija qualquer formalidade especial para a existência ou prova de determinado facto jurídico. E bem se compreende que assim seja, posto que o depoimento não pode ser valorado exclusivamente com base no que, passe a expressão, sai da boca do depoente, mas também e sobretudo, com base nas circunstâncias, gestos, esgares, espontaneidade ou hesitações que o rodeiam, o que não é obviamente apreensível por quem, depois, se limita a ouvir a respectiva gravação. Ou seja, há elementos, designadamente psicológicos do depoimento que só podem ser captados por quem o ouviu directamente, maxime o juiz que em primeira linha deve proferir decisão sobre a matéria de facto” [4].
De facto, por melhor e mais fidedigno que seja o sistema de gravação da prova (o actualmente adoptado ou outro que se pretenda implementar) “... sempre haver[á] gestos, sentimentos, respirações até, sem qualquer possibilidade de tradução áudio ou mesmo vídeo. Por mais que se ouçam as cassetes [ou CDs] – e muito nelas se perde porque muito do que se ouve é necessariamente perdível ou dispensável – há um momento em que é preciso assumir um juízo de convicção. Esse juízo é..., não a assunção pelo tribunal de 2ª instância de uma convicção probatória - a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, não pode subverter, o princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 665º, nº 1 do CPCivil - mas tão só a procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal, a quo tem um suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos dos autos, naturalmente) pode exibir perante si. Mesmo, se bem pensamos, não pode o tribunal de 2ª instância substituir uma razoabilidade por outra razoabilidade, não pode substituir a razoabilidade da convicção afirmada em 1ª instância por uma outra razoabilidade, qual seja a afirmada por si próprio. O que ao tribunal de recurso está reservado é apenas substituir uma desrazoabilidade por uma razoabilidade. Como se escreve no preâmbulo do Dec.Lei n.° 39/95, de 15 de Fevereiro, que veio ao processo civil português «prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida», o que se tem em vista é assegurar «uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionas – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito», nunca podendo envolver «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto... pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso». Veja-se o que diz Figueiredo Dias, em entrevista ao Boletim da Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, nº 21, Junho de 2002: «Não são infalíveis os juízes de primeira instância, nem os de segunda, nem os da jurisprudência suprema... erros judiciários sempre existiram e sempre existirão, nada pode garantir à partida a infalibilidade da justiça, nomeadamente em matéria de facto. ...Na apreciação da matéria de facto o tribunal de primeira instância está em melhores condições de não cometer erros do que qualquer tribunal de recurso, com gravação ou sem ela, com filmagem ou sem ela».” [5].
Seja como for, apesar das referidas condicionantes, face ao imperativo legal, não pode este tribunal eximir-se à requerida, mas sempre condicionada e limitada, reapreciação da prova.
Artigo 18ºda base instrutória
Pretende a recorrente que se altere a resposta de «não provado», dada pelo tribunal “a quo”, para “provado”, face à existência de contradição entre a resposta dada e a matéria do quesito 19º que as partes acordaram em dar como assente e consta da acta de julgamento do dia 15 de Setembro.
Acresce que o depoimento das testemunhas J.., H… e A… impõem que se julgue provado o perguntado no quesito 18º.
Perguntava-se no quesito 18º: “A autora não concordando com o preço considerado nas contas, desenvolveu diligências com a intervenção de terceiros para chegar a um acordo?”
O tribunal “a quo” julgou esta matéria não provada, tendo fundamentado esta resposta nos seguintes termos: «quanto ao artigo 18° foi fundamental o depoimento de J… (presidente do conselho de administração da Caixa de Crédito Agrícola…, e que referiu que o próprio, e por sua iniciativa, diligenciou pela resolução das divergências que existiam entre autora e 1ª ré)».
É certo que por acordo das partes, consignado na acta da audiência de julgamento do dia 15 de Setembro, foi considerada assente a seguinte factualidade perguntada no quesito 19º: «Na sequência das diligências aludidas em 18°, a autora remeteu à 1ª ré fax (confirmado por carta), datado de 12 de Setembro de 2009, em que sugere, além do mais: "1. Tentando interpretar a manifestação de V Exas., sugerimos que o capital e respectivos juros entregues até este momento por nós, fosse imputado a arrobas de cortiça amadia já pesada ao preço de €29,93 por arroba."»
Tem, assim, “a priori” razão a recorrente quando invoca contradição entre a resposta de não provado dada ao quesito 18º com a matéria provada e que constava no quesito 19º. Efectivamente, se a A.não desenvolveu diligências com a intervenção de terceiros para chegar a um acordo, o fax de 12 de Setembro de 2009 nunca poderia ser consequência dessas diligências inexistentes.
Mas da fundamentação exarada pelo tribunal relativamente à resposta que deu ao quesito 18º resulta que, efectivamente, foram efectuadas diligências visando a resolução das divergências que existiam entre autora e 1ª ré e levadas a cabo pela testemunha J…, embora por sua iniciativa e não, como perguntado, por iniciativa da autora.
E, efectivamente, a testemunha A.. referiu que o Sr. J.., que “conhecia ambas as partes”, “ao saber deste problema, desta falta de entendimento, chegou a ir ter com a outra parte no sentido de dar uma palavra”.
Também a testemunha H… referiu ter havido intervenção do Sr. da Caixa Agrícola “um Sr. J..” “interferiu nesse negócio”, falou com o “Sr. Silva e com o Sr. engenheiro J…”.
Resulta destes depoimentos que terá havido intervenção da testemunha J…, mas por iniciativa própria, tanto assim que falou com os representantes da A. e da 1ª Ré.
Isso mesmo foi confirmado pela própria testemunha J. que disse ter falado com ambas as partes “a título pessoal e de boa vontade”, por “iniciativa própria”, “ vejam lá se chegam a acordo”, esclarecendo até “nunca me apercebi exactamente o que estava em causa”.
Concluímos assim, que ocorreu a intervenção da testemunha J.., por iniciativa própria e não da A., no sentido da obtenção do acordo, pese embora se tenha tratado de diligências sem significado, até porque, como a testemunha referiu, “nunca [se] aperceb[eu] exactamente [d]o que estava em causa”.
Em face desta prova e de forma a colmatar a invocada contradição altera-se a resposta dada ao quesito 18º que passará a ser a seguinte [6]: “Provado apenas que ocorreu a intervenção de um terceiro para a A. e a 1ª Ré chegarem a acordo”.
Por consequência e até porque se mostra redigido em desconformidade com a decisão da matéria de facto do próprio tribunal “a quo”, altera-se a matéria de facto consignada na sentença recorrida sob o nº 30, que passará a ter a seguinte redacção: 30. - Na sequência da intervenção do terceiro referida, a autora remeteu à 1ª ré fax (confirmado por carta), datado de 12 de Setembro de 2009, em que sugere, além do mais: “1.Tentando interpretar a manifestação de V. Exas., sugerimos que o capital e respectivos juros entregues até este momento por nós, fosse imputado a arrobas de cortiça amadia já pesada ao preço de €29,93 por arroba.” (19 da base instrutória).
Artigo 20ºda base instrutória
Perguntava-se neste quesito se “com a sugestão aludida no artº 19º, a autora pretendia que se considerasse que todo o capital entregue até então, desde o início da relação contratual, em Fevereiro de 2002, fosse imputado a arrobas de cortiça já pesada mas ao preço de € 29,93 por arroba, reportando-se este valor a toda a cortiça já anteriormente entregue, com as extracções de 2006 e 2007”. A sugestão aludida no artº 19º foi a seguinte, consignada no fax remetido pela A. à 1ª Ré em 12 de Setembro de 2009: "1. Tentando interpretar a manifestação de V Exas., sugerimos que o capital e respectivos juros entregues até este momento por nós, fosse imputado a arrobas de cortiça amadia já pesada ao preço de €29,93 por arroba."
O tribunal “a quo” respondeu «não provado» com o fundamento de que «não foi feita prova suficiente de semelhante intenção por parte da autora. De resto, a que resulta dos documentos é a de que o valor referido se tivesse por imputado à cortiça de 2009. Só assim se compreende a referência à "cortiça amadia já pesada" no 1 e 2 parágrafo desse documento. Bem como no facto de, no resto do documento, a referência seja sempre, e só, à cortiça da extracção de 2009. Não há uma única referência às extracções dos anos anteriores».
Pretende que tal resposta seja alterada para “provado” tendo em conta a correspondência trocada entre as partes como os depoimentos das testemunhas H… e A...
Mas, com todo o respeito não tem razão.
Na interpretação do documento em causa (fax de 12.09.2009 e carta que se seguiu) temos que ter em consideração o facto aceite pela A. e pela 1ª Ré, de que existia à data um saldo a favor da A. decorrente dos pagamentos da cortiça extraída nos anos anteriores e dos adiantamentos efectuados referentes à cortiça de 2009.
Ora, refere a A. no nº 1 do documento: “sugerimos que o capital e respectivos juros entregues até este momento por nós, fosse imputado a arrobas de cortiça amadia já pesada ao preço de 29,93 € por arroba”.
Como consta dos autos, em 12.09.2009, já toda a cortiça extraída naquele ano havia sido pesada havendo apenas divergência quanto ao preço a pagar apesar de ter sido acordado que seria de 29,93 € por arroba, ainda que com possibilidades de revisão.
No transcrito nº 1, o que a A. propõe é fazer a compensação daquele seu crédito com parte da cortiça extraída em 2009 e já pesada.
Não faz qualquer sentido que visasse rever os preços que pagara nos anos anteriores (2006 e 2007), pese embora a existência de um certo encadeamento nos diversos contratos, aditamentos e pagamentos.
Refere a A. no nº 2: “embora a cortiça já tenha sido pesada, teria que o ser novamente em camião à saída da propriedade para se efectuar o confronto de contas entre o valor e o número de arrobas”.
Como é evidente, apenas a cortiça de 2009 poderia ser pesada “novamente em camião à saída da propriedade”. Perguntamos: como é que se poderia pesar “novamente em camião à saída da propriedade” a cortiça extraída em 2006 e 2007?
Por outro lado, a referência à compensação é clara: “para se efectuar o confronto de contas entre o valor e o número de arrobas”.
E acrescenta no nº 3: “levar-se-ia em linha de conta ainda as despesas por nós efectuadas respeitantes à extracção de toda a cortiça amadia, virgem, bocados e similares, assim como o Seguro de Acidentes de Trabalho e Segurança Social, pois é justíssimo que paguemos somente as despesas correspondentes ao número de arrobas com que ficamos (e não a do remanescente que é de vossa titularidade).”
Resulta deste nº 3, com clareza, que a A. propunha a compensação referida através da entrega de parte da cortiça extraída em 2009, levando-se também em conta nessa compensação as despesa por [ela] efectuadas respeitantes à extracção de toda a cortiça amadia, virgem, bocados e similares, assim como o Seguro de Acidentes de Trabalho e Segurança Social. E porque é que no entendimento da A. tais despesas deviam ser tidas em conta e compensadas em arrobas de cortiça? Ela própria justifica: porque é justíssimo que paguemos somente as despesas correspondentes ao número de arrobas com que ficamos (obviamente, da cortiça de 2009) e não a do remanescente que é de vossa titularidade. É claro que o remanescente não pode referir-se a outra que não à cortiça de 2009, já pesada mas ainda não levantada. A cortiça de 2006 e 2007 há muito que tinha sido levantada e, seguramente, processada, pelo que nunca poderia voltar à titularidade da 1ª Ré, nem havia remanescente. Os negócios da cortiça de 2006 e 2007 “estavam fechados” como referiu a testemunha H...
É certo que as testemunhas A… e H. disseram que aquele nº 1 visava toda a cortiça extraída em 2006, 2007 e 2009. Porém, tais afirmações não têm correspondência no texto global da missiva, pelas razões apontadas.
Estabelece o art. 236.º do Código Civil que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Por seu turno, o art. 238.º determina que, nos negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Refira-se que a testemunha José Mateus foi peremptório em referir que, em determinada altura, a A. quis levantar cortiça ao preço que constava do contrato até ao valor que tinha entregue.
É assim, óbvio que a resposta dada pelo tribunal ao perguntado no quesito 20º não poderia ser outra que a de “não provado” e, por isso, a mantemos.
Artigo 31ºda base instrutória
Perguntava-se neste quesito se “em consequência do comportamento das rés, a unidade industrial da autora, sita em Cadiz, está parada, encontrando-se os respectivos trabalhadores sem qualquer actividade?”
O tribunal “a quo” respondeu «não provado», fundamentando que teve «em consideração o teor dos depoimentos de J… (pelos motivos já referidos) e das testemunhas J… e A.. (trabalhados da A na referida fábrica) dos quais resultou que a paragem da unidade fabril não resultou do comportamento das rés porquanto já ocorria anteriormente, continuou a ocorrer e a quantidade de cortiça dos autos não era suficiente para permitir a manutenção da laboração de tal unidade sem paragens.»
Alega a recorrente que dos depoimentos dessas testemunhas não resulta o consignado na fundamentação, mas que “embora com produção reduzida, a unidade industrial mantinha-se em laboração”.
É certo que as testemunhas A.. e H….. depuseram nesse sentido. Porém a testemunha A… (um dos dois trabalhadores da A.) referiu que antes de 2008 estiveram no desemprego e depois voltaram a trabalhar “a pintar e a apanhar ervas”. Desde 2008 que a A. não tem cortiça.
Também a testemunha A.. depôs em sentido semelhante. Referiu que em 2008 trabalharam um resto de cortiça que tinham do ano anterior e depois não voltaram a ter cortiça.
Parece assim inquestionável que, em 2009, a fábrica da A. não estava em laboração. Os dois únicos trabalhadores, que mantinha, pintavam paredes e arrancavam ervas, tarefas que nada têm a ver com a laboração da fábrica.
É claro que a cortiça em causa nestes autos teria permitido alguma laboração. Mas, como referiu a testemunha J…, 11.000 arrobas são uma gota de água e não dava para mais de um mês, um mês e meio de laboração. Referiu ainda que já anteriormente eram conhecidos os problemas financeiros da A. e terá sido por essa razão que não tem comprado cortiça. Nas negociações referentes à cortiça de 2009 era evidente, referiu, que o objectivo da A. era levar a cortiça, mas sem pagar ou garantir o pagamento.
A conclusão que se retira dos depoimentos referidos é a de que a A. está sem laboração e a de que, embora os factos dos autos possam para tal ter contribuído, não foram a sua causa.
A resposta de «não provado» está, pois em consonância com a prova produzida e, por isso, a mantemos.
Artigo 33ºda base instrutória
Perguntava-se aqui se “A autora não adquiriu mais nenhuma cortiça para além da objecto do acordo aludido em E)?”
O tribunal respondeu «não provado» pelo facto de não ter sido feita «prova suficiente já que facilmente se demonstraria tais factos com documentos da contabilidade da autora, necessariamente em seu poder».
Na alínea E) constava: «Por escrito denominado "contrato de compra e venda de cortiça com execução específica", datado de 16 de Fevereiro de 2004, a autora, como primeira outorgante declarou aceitar comprar e a primeira ré, como segunda outorgante, declarou vender toda a sua cortiça amadia e outras, calculada em 9.000 arrobas, com idade legal de extracção correspondente a 9 ou mais anos de idade, existente no ano de 2009 na Herdade da Panasqueira (parte)».
Alega a recorrente que o fundamento invocado para a resposta dada é inconsistente já que «não é legalmente exigível que a prova daquele facto seja feita documentalmente. A junção pela Autora de documentos da sua contabilidade,- e não se esqueça as limitações de sigilo que a própria lei, em benefício do comerciante, estabelece relativamente à escrita, conduziria a que as Rés, e, eventualmente, terceiros que a tais elementos tivessem acesso, por intermédio destas, ficassem a conhecer integralmente a actividade comercial e industrial da Autora. Ora, movendo-se todos na mesma área de actividade, aquela junção revelar-se-ia mais prejudicial do que benéfica para a Autora. Daí que a mesma tenha optado pela prova testemunhal e que, pelo depoimento das testemunhas J…, A…, H…, A.., ouvidas conforme já supra referido, se afigura totalmente concludente no sentido de que a Autora não adquiriu qualquer outra cortiça para além da do objecto do contrato celebrado com a 1ª Ré.»
É certo que a A. era livre de escolher quais os meios de prova que pretendia utilizar para demonstrar os factos cujo ónus sobre si impendia. Mas, como é evidente, como decorrência dessa mesma opção, apenas sobre si recai a responsabilidade pelo êxito ou “inêxito” da prova produzida.
Do depoimento das testemunhas referidas apenas é possível concluir que desde 2008 a A. não adquiriu qualquer cortiça. Ora, o acordo referido em E) foi celebrado em 2004. Se entre 2004 e 2008 a A. adquiriu ou não outra cortiça, desconhece-se.
Sabe-se, como atrás referido, que em 2008, na fábrica da A. apenas foram processados os restos da cortiça comprada no ano anterior. Desconhece-se, todavia, se terá sido o resto da cortiça comprada à 1ª Ré em 2007 pelo acordo referido, ou a qualquer outro fornecedor.
A testemunha J. referiu, como se disse, que 11.000 arrobas de cortiça são, para uma fábrica, uma “gota de água”. É assim incompreensível, embora possível, que a A. se tenha limitado a comprar a cortiça da 1ª Ré e mantenha uma fábrica em funcionamento apenas para processar tal cortiça.
Pelo referido e respeitando o princípio da livre apreciação da prova orientador da decisão do tribunal “a quo”, entendemos que a resposta dada está em conformidade com a escassez e pouca fiabilidade da prova produzida.
Mantemos, assim, a resposta de «não provado» dada ao quesito 33.
MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Estão, pois, provados os seguintes factos: “1. - Por escrito denominado “contrato de compra e venda de cortiça”, datado de 1 de Fevereiro de 2002, a autora, U…, S.A., como primeira outorgante declarou aceitar comprar e a primeira ré, M.., S.A., como segunda outorgante, declarou vender toda a sua cortiça amadia e outras, calculada em 15.000 arrobas, com idade legal de extracção correspondente a 9 ou mais anos de idade, existente no ano de 2006 na Herdade da Panasqueira (parte), sita na Freguesia de Figueira de Cavaleiros, concelho de Ferreira do Alentejo, registada na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Alentejo sob os nºs 0273/141279 e 00038/010485 (A dos factos assentes). 2. - Na cláusula 4ª do acordo aludido em 1º estabeleceram: “O preço da cortiça amadia será de € 29,93 por cada arroba de cortiça de 15 Kg” (B dos factos assentes). 3. - Na cláusula 18ª estabeleceram: “Os primeiros e segundo outorgante acordaram que o preço estipulado por arrobas na cláusula 4ª do presente contrato poderá ser alterado para mais ou menos, segundo as alterações de mercado que se verificarem na data de pesagem em relação à data de assinatura do presente contrato” (C dos factos assentes). 4. - Por escrito denominado “contrato de compra e venda de cortiça com execução específica (…)”, datado de 16 de Fevereiro de 2004, autora e 1ª ré alteraram o acordo aludido em 1º no que diz respeito às condições de pagamento (D dos factos assentes). 5. - Por escrito denominado “contrato de compra e venda de cortiça com execução específica”, datado de 16 de Fevereiro de 2004, a autora, como primeira outorgante declarou aceitar comprar e a primeira ré, como segunda outorgante, declarou vender toda a sua cortiça amadia e outras, calculada em 9.000 arrobas, com idade legal de extracção correspondente a 9 ou mais anos de idade, existente no ano de 2009 na Herdade da Panasqueira (parte) (E dos factos assentes). 6. - Na cláusula 4ª do acordo aludido em E) estabeleceram: “O preço da cortiça amadia será de € 29,93 por cada arroba de cortiça de 15 Kg” (F dos factos assentes). 7. - Na cláusula 13ª estabeleceram: “Os pagamentos serão efectuados da seguinte forma: a) Como primeiro pagamento, entregará neste data a primeira outorgante à segunda outorgante em aceite (…), no valor de 500.000,00 € (…). 350.000,00 € para parte da compra da cortiça a extrair no ano de 2006 de acordo com o contrato celebrado nesta data, ou seja 16 de Fevereiro de 2004. 75.000,00 € como princípio de pagamento da cortiça a extrair no ano de 2007, de acordo com contrato celebrado nesta data, ou seja 16 de Fevereiro de 2004. 75.000,00 € como princípio de pagamento da cortiça a extrair no ano de 2009, de acordo com o presente contrato. (…) c) Entre a primeira e a segunda outorgante poderá ser acordado com a concordância de ambas, que a primeira outorgante poderá efectuar mais algum ou alguns adiantamentos à segunda outorgante por conta do presente contrato. d) O último pagamento será efectuado depois de toda a cortiça pesadas e todas as contas acertadas” (G dos factos assentes). 8. - Na cláusula 16ª estabeleceram: “A primeira e segunda outorgante acordaram que o preço estipulado por arrobas na cláusula 4ª do presente contrato poderá ser alterado para mais ou menos, segundo as alterações de mercado que se verificarem na data de pesagem em relação à data de assinatura do presente contrato” (H dos factos assentes). 9. - Na cláusula 17ª estabeleceram: “A primeira e segunda outorgante, acordaram conferir ao presente contrato execução específica, pelo que o mesmo vai ser assinado e reconhecido notarialmente pelos presentes” (I dos factos assentes). 10. - A cortiça de 2009, objecto do acordo aludido em E), foi extraída em Julho, com conhecimento da autora (J dos factos assentes). 11. - Por escrito particular, denominado “contrato de compra e venda”, datado de 7 de Outubro de 2009, a 1ª ré declarou vender e a 2ª ré declarou comprar a cortiça amadia, virgem e bocados de cortiça, com idade legal, a extrair ou extraída no ano de 2009, na propriedade denominada Panasqueira, sita na freguesia de Figueira de Cavaleiros e concelho de Ferreira do Alentejo (L dos factos assentes). 12. - A 1ª ré tem como objecto: agricultura, pecuária, silvicultura, cinegética e actividades conexas; compra e venda de prédios urbanos, rústicos, mistos e lotes de terreno, administração, arrendamento ou exploração de bens próprios ou alheios, construção, urbanização e promoção de imóveis, aquisição, negociação e venda de participações, quotas ou qualquer forma de participações em sociedades com o mesmo objecto social, bem como negócios directa ou indirectamente ligados ao objecto principal podendo, ainda, dedicar-se a outras actividades comerciais ou industriais complementares ou afins destas, mediante decisão da administração, fazendo parte da sua actividade profissional há vários anos, a venda de cortiça (M dos factos assentes). 13. - Em termos de pagamentos e facturação, os acordos celebrados aludidos em A), D) e E), interligaram-se e prolongaram-se no tempo, abrangendo as extracções de 2006, 2007 e 2009 (1 da base instrutória). 14. - Em 21 de Setembro de 2009 existia um saldo de € 124,539,37 a favor da autora, a imputar no preço da cortiça extraída em 2009 (2 da base instrutória). 15. - A 1ª ré remeteu à autora carta, datada de 11 de Agosto de 2009, na qual, além do mais, informa: “3. Informamos que iremos proceder à pesagem das pilhas de cortiça, após os trinta dias do fecho das mesmas – A pilha nº 1 (nascente, a partir de 20-08-2009 (pilha fechada a 19-07-2009) – A pilha nº2 (poente), a partir de 31-08-2009 (pilha fechada a 30-07-2009). (…) 9. Dada a situação financeira geral, não nos é possível autorizar a saída da cortiça da Herdade da Panasqueira, nem conferir posse da mesma, antes da sua integral liquidação (…).”(3 da base instrutória). 16. - À carta aludida em 3º respondeu a autora, por carta datada de 17 de Agosto de 2009, em que refere, além do mais: (…) Como pensamos cumprir escrupulosamente as cláusulas do nosso contrato de compra e venda da cortiça extracção de 2009, sugerimos a necessidade imediata de se encontrar o verdadeiro preço por arroba de cortiça, considerando a cláusula 18ª do nosso contrato de 16 de Fevereiro de 2004” (4 da base instrutória). 17. - A autora na carta aludida em 4º pretendia referir-se à cláusula 16ª, uma vez que a cláusula 18ª, de teor idêntico, era a constante dos dois contratos anteriores (5 da base instrutória). 18. - A 1ª ré remeteu à autora carta datada de 19 de Agosto de 2009, da qual consta, além do mais, que: “1. No dia 6 de Agosto de 2009, por reunião havida (…), ficou assente que, por proposta da U…, o contrato de venda de cortiça, referente ao ano de 2009, seria anulado, obrigando-se a S…, S.A., a devolver todas as verbas já recebidas, bem como os juros compensatórios das referidas verbas. (…)”(6 da base instrutória). 19. - Na mesma carta, refere ainda: (…) 6. No que diz respeito ao preço por arroba de cortiça ele é subjectivo e segundo as nossas informações, tal preço situa-se entre os €30,00 e os €35,00 por arroba. (…)”(7 da base instrutória). 20. - Autora e 1ª ré não acordaram em considerar o contrato por anulado, conforme aludido em 6º (8 da base instrutória). 21. - Por fax datado de 19 de Agosto de 2009, a autora comunicou à 1ª ré que estaria presente no dia 20-08-2009, na Herdade da Panasqueira, para assistir à anunciada pesagem (9 da base instrutória). 22. - A 1ª ré remeteu à autora carta datada de 25 de Agosto de 2009, na qual, nomeadamente, solicita informação “dos juros a aplicar ao sinal feito por V. Exas.” (10 da base instrutória). 23. - A autora respondeu por carta datada de 26 de Agosto de 2009, sugerindo que se faça reunião para acertar a taxa de juro (11 da base instrutória). 24. - A 1ª ré respondeu por carta datada de 28 de Agosto, na qual refere: “(…) esta se deverá situar na taxa média entre o juro aplicado em empréstimos com garantia real e a taxa aplicada a desconto de letras comerciais, sem garantia real”. Na falta de comunicação da taxa de juro pretendida, faremos a média das taxas pagas por M.., SA à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo… (…)”(12 da base instrutória). 25. - A autora remeteu à 1ª ré carta datada de 3 Setembro de 2009, da qual consta além do mais: “ (…) 3. Quanto à taxa de juro a aplicar, nós sugerimos (…) que a taxa de juro poderia ser a praticada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.., pelo que aceitamos ser esse o critério (…)”(13 da base instrutória). 26. - A autora remeteu outra carta à 1ª ré, datada de 3 de Setembro de 2009, da qual consta, além do mais: “ (…) tomamos a liberdade de sugerir que se dignem designar a data, hora e local em que nos possamos reunir. O objectivo é encontrar-se o verdadeiro preço unitário de arroba de cortiça amadia no mercado actual, conforme o preceituado nas cláusulas 1& a 18ª dos contratos que celebramos em 16 de Fevereiro de 2004. (…) Aconteceu assim nos anos 2006 e 2007 em que pagamos por arroba de cortiça amadia (respectivamente 30,00 € e 35,00 €), portanto parece-nos justo e legitimo que pela extracção deste ano se pague quantia inferior aos €29,93 referidos na cláusula 4ª dos aludidos contratos. É que é sobejamente conhecido que o valor comercial da cortiça desceu (refugo e aparas no mercado nacional e internacional 40%, os delgados 50% e a cortiça cheia cerca de 30%. Neste condicionalismo não espanta que o valor das cortiças da Herdade da Sanguessuga, contigua à Panasqueira tenha sido vendida pelo preço de 23,00 € por arroba, com a extracção de conta do proprietário, ficando o seu preço líquido por arroba em 18,70 € e da propriedade da Ameira, pelo preço de 25,00 € por arroba, sendo a extracção por conta do comprador, cortiças que serviram de base para encontro do valor do preço da cortiça da Panasqueira nos anos de 2006 e 2007.” (14 da base instrutória). 27. - Nos anos de 2006 e 2007 a autora pagou respectivamente € 35,00 e €30,00 (15 da base instrutória). 28. - A 1ª ré remeteu carta à autora, datada de 3 de Setembro de 2009, na qual refere: “Foi concluída a pesagem da cortiça amadia propriedade da M…, S.A., tendo sido apurado o peso de 11.161,30 arrobas” (16 da base instrutória). 29. - E, na qual, apresenta as suas contas, tendo como base o valor de € 29,93 por arroba, contabilizando encargos, no valor total de €4.752,40 e verbas recebidas €75.000, referente ao contrato inicial e €100.000, com vencimentos parcelares de €25.000 em 30-07-2009, 30-09-2009, 30-10-2009 e 30-11-2009 (17 da base instrutória). 29-A. - Ocorreu a intervenção de um terceiro para a A. e a 1ª Ré chegarem a acordo. 30. - Na sequência da intervenção do terceiro referida, a autora remeteu à 1ª ré fax (confirmado por carta), datado de 12 de Setembro de 2009, em que sugere, além do mais: “1.Tentando interpretar a manifestação de V. Exas., sugerimos que o capital e respectivos juros entregues até este momento por nós, fosse imputado a arrobas de cortiça amadia já pesada ao preço de €29,93 por arroba.” (19 da base instrutória). 31. - A 1ª ré respondeu por carta datada de 14 de Setembro de 2009, com o seguinte teor: “A S… S.A. está disposta a rescindir o amigavelmente o contrato de compra e venda de cortiça, nos seguintes termos: 1. Devolução dos cheques de €50.000,00, pagos a 3 de Julho; 2. Devolução dos dois cheques de €25.000,00 cada, com vencimento a 31-10-2009 e 30-11-2009, respectivamente; Devolução de €50.000,00 relativos à extracção de cortiça; Retenção de €75.000,00 entregues a título de sinal e principio de pagamento, por forma a fazer face às despesas de: pesagem por inútil; reempilhamento; perdas; oportunidades de negócio perdidas; advogados e consultoria; atrasos de pagamento relativos à cortiça de 2007. Relativamente à proposta contida no fax, não será possível, aceitar, visto a mesma omitir vários problemas surgidos da responsabilidade da U…, tais como: 1.A cortiça está disponível para entrega e devidamente pesada; 2.Verifica-se incumprimento contratual da v/ parte ao não liquidar o valor liquido de €151.810,10, na data estabelecida; 3. O eventual encontro de contas com a entrega parcial da cortiça, levantaria problemas de ordem operativa (…)”(22 da base instrutória). 32. - A autora respondeu, por fax de 17 de Setembro de 2009 (confirmado por carta), referindo: “1. A cortiça relativa à extracção de 2009, na Herdade da Panasqueira, por força do contrato de compra e venda entre nós existente, e por força da lei, é propriedade do comprador, U…, S.A. 2. Está apenas à guarda do vendedor, M.., S.A. até à entrega e pagamento do restante preço. 3. Falta determinar o preço do mercado por arroba, para a cortiça da região, à data da pesagem (Agosto de 2009), de acordo com o previsto nas cláusulas 16ª e 18ª dos contratos. (…)”(25 da base instrutória). 33. - Respondeu a 1ª ré, por carta de 18 de Setembro de 2009, em que, além do mais, refere: “ (…) 1. O preço de € 29,93 por arroba de cortiça amadia foi estabelecido no contrato e já expressamente aceite por V.Exas., inclusivamente na carta de 12 de Setembro de 2009 (…)”(26 da base instrutória). 34. - A 1ª ré, por carta datada de 21 de Setembro de 2009, refere: “Chegados à data intimada a V. Exas. para o cumprimento total do contrato de compra e venda de cortiça e no seguimento de toda a correspondência anterior, verificando-se que a U… não procedeu ao seu levantamento, mediante pagamento à vista dos valores em dívida, somos por este meio informar que, nesta data, consideramos rescindido o supra mencionado contrato de compra e venda de cortiça, por incumprimento contratual da parte da mesma” (27 da base instrutória). 35. - Desde 17 de Outubro de 2009, nomeadamente nos dias 21,22 e 23 de Outubro, a 2ª ré transportou a cortiça da Herdade da Panasqueira para as suas instalações em Alcochete (28 da base instrutória). 36. - A autora entregou à 1ª ré dois cheques, no valor de €25.000,00 cada, datados de 31-10-2009 e 30-11-2009, por conta do pagamento da cortiça (29 da base instrutória). 37. - A autora suportou parte dos custos de extracção da cortiça (30 da base instrutória). 38. - A autora contava com a entrega da cortiça em Setembro de 2009, para a colocar na fábrica para transformação e posterior colocação no mercado (32 da base instrutória). 39. - A autora entregava à ré cheques pré-datados que, nas datas dos respectivos vencimentos eram substituídos por outros ou desdobrados por outros de valores inferiores e com dilação das datas de pagamentos (35 da base instrutória). 40. - A Autora está numa situação financeira complicada (36 da base instrutória). 41. - Em consequência do que a sua unidade fabril, sita em Cádiz está praticamente inactiva há cerca de 2 anos, apenas mantendo dois trabalhadores, quase sem ocupação e com o propósito de manter as aparências (38 da base instrutória). 42. - Na carta aludida em 16º, a 1ª ré refere também: “Quanto à questão do preço, vimos reafirmar o que dissemos nos pontos 6 e 7 da nossa carta de 19-08-2009. Acresce que as cortiças que lhes serviu de exemplo no vosso fax de 03-09-2009 foram vendidas em Abril de 2009, altura em que o mercado se encontrava totalmente desregulado” (40 da base instrutória). 43. - E acrescenta: “(…) Pelo exposto vimos por este meio e nos termos legais, intimar V.Exas. ao levantamento da referida cortiça, mediante o pagamento até às 17h30 do próximo dia 18-09-2009, de forma a dar integral cumprimento ao contrato. (…) Findo este prazo sem que o pagamento seja efectuado, consideraremos o contrato incumprido por parte de V.Exas., com as respectivas consequências legais” (41 da base instrutória). 44. - A qualidade e valor da cortiça são afectados pelas alterações meteorológicas ocorridas após a extracção da cortiça (44 da base instrutória). 45. - A 1ª ré explora a Herdade da Panasqueira com base em contrato de arrendamento rural com termo em 31 de Dezembro de 2009 (45 da base instrutória). 46. - A 2ª ré apenas acordou a compra da cortiça com a 1ª ré por considerar que o contrato entre a autora e a 1ª ré havia sido rescindido por incumprimento daquela (47 da base instrutória). 47. - O preço da cortiça foi estabelecido de acordo com os valores correntes de mercado (47-A da base instrutória). 48. - O acordo aludido em L) teve por objecto 11.000 arrobas de cortiça amadia e 1.700 arrobas de cortiça virgem e bocados, pelo preço, respectivamente, de €374.000,00, acrescido de IVA e de €7.140,00 acrescido de IVA, no total de €457.368,00, que corresponde a €34,00 por arroba de cortiça amadia e €4,20 por arroba de cortiça virgem (48 da base instrutória). 49. - A venda aludida em 48º foi titulada por duas facturas emitidas pela 1ª ré, em 15 de Outubro de 2009, no valor, respectivamente, de €374.000,00, acrescido de IVA e de €7.140,00 acrescido de IVA (49 da base instrutória). 50. - A 2ª ré entregou à 1ª ré para pagamento da cortiça aludida em 48º, a quantia de €85.000,00, €60.000 de adiantamento e €25.000 de prestação do preço (50 da base instrutória). 51. - A cortiça aludida em 48º foi transportada para as instalações da 2ª ré pelo menos entre os dias 13 e 23 de Outubro de 2009 (51 da base instrutória). 52. - Durante os dias 16, 19, 21, 23, 26 e 27 de Outubro de 2009 decorreu o processo de transformação da cortiça (52 da base instrutória). 53. - Em 27 de Novembro de 2009, toda a cortiça aludida em 48º já tinha sido transformada (53 da base instrutória). 54. - Parte dos produtos objecto de transformação da cortiça referida em 48º já foram vendidos a terceiros (53-A da base instrutória). 55. - A 2ª ré celebrou o acordo aludido em L) na convicção que a 1º ré podia dispor da cortiça, por esta ser pertença sua (54 da base instrutória). 56. - A 2ª ré apenas tomou conhecimento da carta aludida em 27º após 7 de Outubro de 2009 (55 da base instrutória). 57. - A 1ª ré informou a 2ª ré de que a autora não respondeu à carta aludida em 27º (56 da base instrutória). 58. - A autora remeteu à 1ª ré a missiva constante do documento n. 18, junto com a petição, e que se dá por integralmente reproduzido (57 da base instrutória).”
Vejamos agora as demais questões submetidas à nossa apreciação.
2 – Se a A. com a extracção da cortiça adquiriu a respectiva propriedade, estando a 1ª Ré obrigada a entregar-lha.
Acolhendo parcialmente a tese da A. ora recorrente, entendeu-se, na douta sentença recorrida, que o contrato celebrado entre aquela e a 1ª Ré foi, efectivamente, um contrato de compra e venda, mas de bens futuros, previsto nos arts. 874º e segs. e, em especial, no art. 880º todos do Código Civil (diploma a que se reportarão todos os preceitos doravante invocados sem indicação de outra fonte), e não um contrato promessa de compra e venda como defendiam as Rés nas respectivas contestações.
Não vem questionada no recurso, nem mesmo em sede de contra-alegações, a qualificação dada na douta sentença.
Embora concordemos que foi celebrado um efectivo contrato de compra e venda e não um contrato promessa de compra e venda, entendemos, tendo em conta a definição que é dada pelo art. 212º, nºs 1 e 2, que deve, mais precisamente, ser qualificado como contrato de compra e venda de frutos (naturais) pendentes [7], [8] e não simplesmente de bens futuros ainda que, como tal, possa ser considerado.
Na definição do art. 874º do Código Civil, a “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”
Nos termos do art. 879º “a compra e venda tem como efeitos essenciais: a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa; c) A obrigação de pagar o preço.”
A transmissão da propriedade surge, assim, em conjugação com o disposto no art. 408º, nº 1 [9], como um efeito real imediato e instantâneo [10] da própria celebração do contrato, ou seja, “pela simples força do contrato, [sendo, por conseguinte] um direito com eficácia real, portanto, válido «erga omnes»”[11] (doutrina consensualista) e não meramente obrigacional.
Todavia estabelece o art. 408º, nº 2, segunda parte, que “se a transferência respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação.
Assim, embora a A. tenha adquirido a propriedade da cortiça como efeito do contrato que celebrou com a 1ª Ré, a transferência desse direito só ocorreu com a sua extracção pois foi esse o momento em que se deu a separação da árvore que a produziu.
Para além do referido efeito real do contrato de compra e venda, existem os efeitos obrigacionais (entrega da coisa e pagamento do preço).
“Em relação ao vendedor, a obrigação que surge através do contrato de compra e venda reconduz-se essencialmente ao dever de entregar a coisa. Além de se efectuar a transmissão da propriedade por mero efeito do contrato[12] é assim atribuído ao comprador um direito de crédito à entrega da coisa pelo vendedor”[13].
Temos assim que, mercê da celebração do contrato de compra e venda e da ocorrida transferência da propriedade para a A., com a extracção da cortiça, tinha a 1ª Ré/vendedora, se outras vicissitudes não surgissem, obrigação de a entregar à A./compradora, podendo essa entrega ser exigida a todo o tempo [14] uma vez que não foi convencionado prazo certo para a sua concretização (art. 777º, nº 1).
Toavia outras vicissitudes surgiram, como veremos.
Mas se, para o vendedor o efeito obrigacional da compra e venda é a entrega da coisa, o efeito obrigacional para o comprador é o dever de pagar o preço, sendo certo que esta obrigação está igualmente sujeita a regras específicas quanto ao tempo e lugar do cumprimento.
Não tendo as partes estipulado o contrário, nos termos do art. 885º, nº 1, o preço deve ser pago no momento da entrega da coisa vendida (caso a transmissão do direito de propriedade tenha já ocorrido [15]).
No caso dos autos, não só não foi estipulado um prazo de pagamento, total ou parcial, posterior à entrega, como os próprios termos do contrato sugerem a respectiva contemporaneidade parcial e até a sua antecipação pelo menos parcial.
Estabeleceu-se na cláusula 13ª: “Os pagamentos serão efectuados da seguinte forma: a) Como primeiro pagamento, entregará neste data a primeira outorgante à segunda outorgante em aceite (…) 75.000,00 € como princípio de pagamento da cortiça a extrair no ano de 2009, de acordo com o presente contrato. (…) c) Entre a primeira e a segunda outorgante poderá ser acordado com a concordância de ambas, que a primeira outorgante poderá efectuar mais algum ou alguns adiantamentos à segunda outorgante por conta do presente contrato. d) O último pagamento será efectuado depois de toda a cortiça pesada e todas as contas acertadas”.
Acresce que, no diferendo surgido relativamente ao preço da cortiça, a 1ª Ré, por carta de 11 de Agosto de 2009, comunicou expressamente à A.: “9. Dada a situação financeira geral, não nos é possível autorizar a saída da cortiça da Herdade da Panasqueira, nem conferir posse da mesma, antes da sua integral liquidação (…)”.
E que a A. concordava com a simultaneidade da entrega e do pagamento demonstra-o o que referiu no fax que, em 17 de Setembro, remeteu à 1ª Ré:
“1. A cortiça relativa à extracção de 2009, na Herdade da Panasqueira, por força do contrato de compra e venda entre nós existente, e por força da lei, é propriedade do comprador, Union Ibérica del Corcho, S.A. 2. Está apenas à guarda do vendedor, M…, S.A. até à entrega e pagamento do restante preço.”
Concluímos assim que a prestação da 1ª Ré (entrega da cortiça) apenas ocorreria com a prestação da A. (pagamento do preço).
Dito de outra forma, enquanto não fosse pago o preço a 1ª Ré não estava obrigada a entregar a cortiça.
E que a 1ª Ré estava na disposição de cumprir a sua quota-parte da obrigação demonstra-o a carta que em 17 de Agosto remeteu à A. na qual refere: “(…) Pelo exposto vimos por este meio e nos termos legais, intimar V.Exas. ao levantamento da referida cortiça, mediante o pagamento até às 17h30 do próximo dia 18-09-2009, de forma a dar integral cumprimento ao contrato. (…) Findo este prazo sem que o pagamento seja efectuado, consideraremos o contrato incumprido por parte de V.Exas., com as respectivas consequências legais”.
É certo que surgiu entre a A. e a 1ª Ré o diferendo relativo ao preço a pagar por arroba de cortiça, não tendo sido obtido o consenso antes daquela data.
Mas, sobre esta questão adiante nos debruçaremos.
Não tendo a A. pago o preço e procedido ao levantamento da cortiça até à data indicada pela 1ª Ré (17h30 do 18-09-2009), esta, por carta que remeteu à A. em 21 de Setembro de 2009, rescindiu o contrato, nos seguintes termos: “Chegados à data intimada a V. Exas. para o cumprimento total do contrato de compra e venda de cortiça e no seguimento de toda a correspondência anterior, verificando-se que a U… não procedeu ao seu levantamento, mediante pagamento à vista dos valores em dívida, somos por este meio informar que, nesta data, consideramos rescindido o supra mencionado contrato de compra e venda de cortiça, por incumprimento contratual da parte da mesma” (27 da base instrutória).
Temos assim que a 1ª Ré rescindiu o contrato. “A resolução opera-se por meio de declaração unilateral, receptícia, do credor (art. 436º), que se torna irrevogável, logo que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (art. 224º, 1; cfr. art. 230º, 1 e 2)”[16].
Pode colocar-se a questão de saber se a resolução é eficaz mesmo sendo ilícita.
Remetemos aqui para as transcrições dos ilustres mestres a este propósito consignadas nas alegações e na sentença recorrida e que, por fastidioso, não iremos aqui repetir.
Dir-se-á apenas que, operando-se a resolução por declaração unilateral e sendo a mesma receptícia e irrevogável, ela é eficaz independentemente da sua licitude e, por isso, não pode o outro contraente continuar a exigir o cumprimento do contrato.
No caso, tendo a 1ª Ré resolvido o contrato (lícita ou ilicitamente, não importa [17]), deixou de estar obrigada a proceder à entrega da cortiça à A.
Aqui chegados estamos em condições de responder À questão proposta.
E fazendo-o diremos que, com a celebração do contrato a Ré adquiriu a propriedade da cortiça, mas a transferência do direito apenas se operou com a sua extracção. Tendo a 1ª Ré rescindido o contrato após a extracção, mas antes de proceder à sua entrega à A., deixou aquela, por força dessa rescisão, de estar obrigada a entregar-lha.
3 – Se a rescisão do contrato pela 1ª Ré é ilícita.
Vê-se pela factualidade provada que entre a A. e a 1ª Ré surgiu o desentendimento quanto ao preço a pagar por cada arroba de cortiça.
Alega a A. que a questão do desacordo quanto ao preço não constituía fundamento para a resolução do contrato e deveria ser resolvido nos termos do art. 883º.
Mas a questão não é assim tão linear.
Efectivamente as partes estabeleceram na cláusula 4ª do contrato que “o preço da cortiça amadia será de € 29,93 por cada arroba de cortiça de 15 Kg”.
É também certo que “na cláusula 18ª estabeleceram: “Os primeiros e segundo outorgante acordaram que o preço estipulado por arrobas na cláusula 4ª do presente contrato poderá ser alterado para mais ou menos, segundo as alterações de mercado que se verificarem na data de pesagem em relação à data de assinatura do presente contrato”.
Ou seja, foi estabelecido um preço, embora podendo ser alterado para mais ou para menos em função dos preços de mercado que à data vigorassem.
É sabido que os preços de mercado não são fixos, ou seja, são praticados entre um máximo e um mínimo dependendo dos negócios, formas de pagamento, datas de entrega do bem, qualidade do produto, capacidade de negociação, etc., etc.. Trata-se, assim, de uma referência extremamente indefinida e daí a disparidade de preços patente nas missivas trocadas entre a A. e a 1ª Ré.
Perante esta indefinição afigura-se-nos que, não sendo possível as partes acordarem num preço, seria aplicável o preço fixado no contrato, aliás como a 1ª Ré comunicou à A. na carta que lhe remeteu em 3 de Setembro de 2009 [“a 1ª ré remeteu carta à autora, datada de 3 de Setembro de 2009,… na qual, apresenta as suas contas, tendo como base o valor de € 29,93 por arroba”] e na carta de 18 de Setembro de 2009 [“1. O preço de € 29,93 por arroba de cortiça amadia foi estabelecido no contrato e já expressamente aceite por V.Exas., inclusivamente na carta de 12 de Setembro de 2009 (…)”] e a 1ª Ré aceitou no fax de 12 de Setembro, ainda que limitada às arrobas necessárias para compensar o crédito que detinha sobre a 1ª Ré [“a autora remeteu à 1ª ré fax (confirmado por carta), datado de 12 de Setembro de 2009, em que sugere, além do mais: “1.Tentando interpretar a manifestação de V. Exas., sugerimos que o capital e respectivos juros entregues até este momento por nós, fosse imputado a arrobas de cortiça amadia já pesada ao preço de €29,93 por arroba].
Alega a A. que sendo a cortiça de sua propriedade a 1ª Ré não poderia rescindir o contrato por falta do pagamento do preço.
Mas não é assim.
Estabelece o art. 886º que “transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço.”
Decorre deste preceito que, para alem dos casos em que a transmissão da propriedade ainda não ocorreu, a resolução do contrato com fundamento na falta do pagamento do preço, é possível nas seguintes situações, mesmo tendo sido já transmitida a propriedade:
1 – Haver convenção em contrário;
2 – Ainda não ter sido entregue a coisa;
Assim, no caso dos autos, apesar de já ter sido transmitida a propriedade da cortiça, como ainda não havia sido entregue (e esta entrega estava dependente do pagamento do preço), podia a vendedora resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento.
Vemos assim que a transmissão da propriedade da cortiça para a A. não constituía óbice à resolução do contrato por incumprimento de um dos seus efeitos obrigacionais.
Mas terá a resolução, apesar de eficaz, ilícita?
Entendemos que não.
Como dissemos, tinha sido contratualmente estabelecido um preço por arroba de cortiça, que a 1ª Ré, no desenrolar das conversações, aceitou, tendo também sido aceite pela A. ainda que limitado a parte da cortiça, nos termos atrás referidos.
É certo que se batia pelo estabelecimento de um preço inferior.
Sendo esta uma questão do seu exclusivo interesse, sobre si impendia o ónus de, não aceitando o preço contratado, recorrer aos meios previstos no art. 883º, nº 1, por forma a ser estabelecido o preço do mercado ou mesmo recorrendo ao tribunal, e não o fez.
Aliás, nos próprios termos do contrato, a revisão do preço contratado, em função dos preços de mercado, era uma mera faculdade e não uma obrigação que se impunha a ambas as partes [poderá ser alterado, e não, será alterado].
Assim, inexistindo acordo quanto à revisão do preço, vigoraria o contratado.
Para além disso, como se provou, a qualidade e valor da cortiça são afectados pelas alterações meteorológicas ocorridas após a extracção da cortiça. Ora, tendo esta sido já extraída impunha-se o seu rápido processamento.
Acresce que, como se provou “a autora entregava à ré cheques pré-datados que, nas datas dos respectivos vencimentos eram substituídos por outros ou desdobrados por outros de valores inferiores e com dilação das datas de pagamentos. A Autora está numa situação financeira complicada, em consequência do que a sua unidade fabril, sita em Cádiz está praticamente inactiva há cerca de 2 anos, apenas mantendo dois trabalhadores, quase sem ocupação e com o propósito de manter as aparências.”
Perante este quadro, o receio da 1ª Ré de que a A. não lhe pagasse o remanescente do preço da cortiça era legítimo e temendo esse incumprimento e que a cortiça ali ficasse indefinidamente, foi justificada a intimação que por carta de 17 de Agosto de 2009 fez à A.: [“(…) Pelo exposto vimos por este meio e nos termos legais, intimar V.Exas. ao levantamento da referida cortiça, mediante o pagamento até às 17h30 do próximo dia 18-09-2009, de forma a dar integral cumprimento ao contrato. (…) Findo este prazo sem que o pagamento seja efectuado, consideraremos o contrato incumprido por parte de V.Exas., com as respectivas consequências legais”].
Nesta interpelação admonitória foi concedido um prazo perfeitamente razoável – 1 mês.
Não tendo a A. cumprido pagando o preço e levantando a cortiça, entendemos que a rescisão operada foi perfeitamente lícita e legal “ até porque tal se apresenta preferível a prolongar artificialmente a suspensão da execução do contrato até à cobrança coerciva do preço”[18].
4 – Se a venda efectuada pela 1ª à 2ª Ré é nula podendo a A. reivindicar a sua restituição.
Rescindido, como foi, o contrato, a A. deixou de poder reivindicar a cortiça. É que, apesar de se ter já transmitido a propriedade para a A/compradora, o contrato ainda não se encontrava totalmente executado.
Nos termos do art. 433º e 434º, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e tem efeito retroactivo.
Consequentemente, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art. 289º, nº 1), a operada transferência da propriedade ficou sem efeito.
Por isso, mesmo que a resolução fosse ilícita, a 1ª Ré podia vender a cortiça à 2ª Ré, sem que a A. pudesse reivindicar a sua restituição.
Como dissemos, a ilicitude da resolução apenas seria passível de obrigar a 1ª Ré a indemnizar a A., em sede de responsabilidade civil, podendo essa indemnização consistir até no pagamento do valor da cortiça, mas não na sua restituição até porque, como vem provado, a mesma já não existe no estado em que estava, tendo durante os dias 16, 19, 21, 23, 26 e 27 de Outubro de 2009 decorr[ido] o processo de transformação da cortiça de tal forma que em 27 de Novembro de 2009, toda a cortiça… já tinha sido transformada e parte dos produtos objecto de transformação… já foram vendidos a terceiros, não sendo, assim, possível a reconstituição natural.
Mas, como atrás concluímos, a rescisão do contrato foi lícita.
Respondendo à questão proposta diremos que, a venda efectuada pela 1ª à 2ª Ré não é nula, não podendo a A. reivindicar a sua restituição.
5 - Se as Rés estão obrigadas a indemnizar a A..
A resposta negativa a esta questão impõe-se como corolário lógico das respostas dadas às questões anteriores.
Tendo sido lícita a resolução e sendo esta equiparada à nulidade ou anulabilidade, e sendo os seus efeitos retroactivos, não estão as Rés obrigadas a indemnizar a A. nos termos peticionados.
É claro que, devendo ser restituído tudo o que foi prestado, assistirá à A. o direito a ver devolvido tudo o que prestou à 1ª Ré em cumprimento do contrato.
Porém, não tendo tal pedido sido formulado, nem subsidiaria nem residualmente, e estando, como está o tribunal balizado na sua decisão pelo pedido e pela causa de pedir formulados, não pode ser a 1ª Ré, aqui e agora condenada em tal restituição.
Em suma, o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se a sentença recorrida, embora por fundamentos não coincidentes com os ali exarados. DECISÃO Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em negar provimento ao recurso;
2. Em confirmar a douta sentença recorrida, embora por fundamentos não totalmente coincidentes;
3. Em condenar a recorrente nas custas.
Évora, 17.01.2013
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos)
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[1] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[3] E repare-se na forma enfática da expressão legal “absolutamente indispensáveis”, sendo certo que se é indispensável é-o absolutamente, donde se infere que o legislador quis que, apenas em último caso e muito excepcionalmente, a prova pode ser renovada na 2ª instância.
[4] Ac. RE de 20/2/03, apelação 1535/02, proc. 83/87 do 1º juízo da comarca de Lagos, relatado pelo Ex.mº Des. João Marques e votado favoravelmente pelo aqui relator.
[5] Extracto do artigo do Ex.mº Sr. Des. João Pires da Rosa, intitulado “DOS VISTOS AOS OUVISTOS OU DA FÉ E DA JUSTIÇA”, in jornal COMUNICAR JUSTIÇA, n.º 1, ano II de Janeiro de 2003.
[6] E será integrado na matéria de facto sob o nº 29-A.
[7] Frutos pendentes – “são os que estão ligados à coisa produtora”. A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979-291.
Frutos pendentes – “em relação aos naturais são os ainda não separados da coisa principal”. Castro Mendes, Dir. Civil, Teoria Geral, 1979, 2.º - 247.
Bens futuros – “são os bens que à data da convenção não existem separadamente ou não pertencem ao contraente, mas podem vir a existir, com autonomia ou a pertencer-lhe”. V. Serra R.L.J., 104º-284.
Bens futuros – “são realidades que, podendo vir a existir, não têm existência actual”. O. Ascensão, Dir. Civ., Reais, 4.ª ed.-45.
[8] Sobre a qualificação da cortiça como fruto natural cfr. o ac. desta Relação de 2.06.2010, proferido por este mesmo colectivo no processo 3110/01.4TBLLE.E1 (in www.dgsi.pt) e ainda o de 12.02.81, também desta Relação, proc. 237/80, ID 2697, in www.datajuris.pt; o ac. STJ de 28.05.96, in BMJ 457/35.
Frutos naturais – “são os que provêm directamente de uma coisa, quer por efeito das forças da natureza, quer por acção do homem com elas conjugada”. Luís A. Carvalho Fernandes, Teor. Ger. Dir. Civ., ed. 1983, 2º-157.
Art. 212º - 1. Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância.
2. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.
[9] Art. 408º, nº 1 - A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.
[10] Cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 6ª ed., pág. 22.
[11] Almeida Costa “Direito das Obrigações” 2005, 264 e segs.
[12] Ainda que, no caso, como referido, a transferência do direito só tenha ocorrido com a extracção.
[13] Menezes Leitão, in ob.cit., págs. 31-32.
[14] Refira-se que a contratada execução específica se insere na previsão do art. 827º, faculdade que não é privativa do contrato promessa, podendo existir nos contratos definitivos de compra e venda e relativa ao efeito obrigacional da entrega da coisa.
[15] Situação que não se verifica quando a entrega da coisa antecipa a transmissão do direito de propriedade.
[16] Antunes Varela, in ob. cit. pág. 105.
[17] A ilicitude da rescisão transfere-se para o campo da responsabilidade civil contratual.
[18] Menezes Leitão in ob. cit., pág. 39.