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DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
DESENTRANHAMENTO DE ARTICULADO
Sumário
É recorrível, por não ser de mero expediente, o despacho do juiz da 1ª instância que, ordena o desentranhamento de um requerimento em que a parte suscita a questão da inadmissibilidade da réplica e impugna a letra e a assinatura dos documentos apresentados com a réplica.
Texto Integral
Inconformada com a decisão que não lhe admitiu o recurso, por ter considerado ser o despacho recorrido de mero expediente, veio a recorrente C… reclamar, nos termos do art. 688º do Código de Processo Civil, invocando que tendo sido apresentada réplica e com ela seis novos documentos, a ora reclamante apresentou requerimento invocando a inadmissibilidade processual daquele articulado e, do mesmo passo, impugnou a letra e a assinatura dos documentos particulares apresentados, o que fez nos termos do art. 374º, nº 1 do Código Civil.
Não houve resposta.
Para mais fácil apreensão vejamos o histórico dos autos.
No processo 2556/07.8TBSTR-A.E1 em que são AA. M… e P… e Ré a ora reclamante C…, os AA. responderam à contestação e juntaram seis documentos.
Notificada, apresentou a Ré, ora reclamante o requerimento do seguinte teor: “C…, Ré nos autos de processo em epígrafe, notificada da Réplica apresentada pelos RR, VEM EXPOR E REQUERER A V. EXAS. O SEGUINTE: 1.° Na contestação á acção, a ora Ré defendeu-se por impugnação; ou seja, contradisse alguns dos factos articulados pelos Autores - cfr. artigos 5° a 15°, 21°, 22°, 23°, 27° a final da contestação - e afirmou que outros não podiam produzir o efeito por eles pretendido - cfr. artigo 1°, 17°, 18°, 20°, 22°, 23° da contestação - vide, artigo 487°, n.º 2 do CPC. 2.° Somente sob os artigo 25° e 26° da Contestação, a Ré se defendeu por excepção dilatória, quando alegou a ilegitimidade dos AA para a acção. 3.° Dispõe o n.º 1 do artigo 502° do CPC: "Á contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta; "(o sublinhado é nosso) 4.° Acontece que os AA, vieram, através da Réplica, responder, não á única excepção deduzida pela Ré, mas ao desconhecimento que esta alegou ter de factos que consubstanciam a causa de pedir da acção. 5.° Desconhecimento esse que, a lei, expressamente faz equivaler a impugnação - cfr. 490°, n.º 3 do CPC,. 6.° Por cautela, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 374° do CC e 544° do CPC, a Ré expressamente impugna a letra e assinatura dos documentos particulares juntos à Réplica, com os n.ºs 2 a 6. Nestes termos, deve a Réplica apresentada pelos AA ser desentranhada, porque legalmente inadmissível, nos termos do disposto no artigo 502° do CPC.”
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho: “Requerimento de fls. 59 a 66. Não é admissível reposta à réplica, salvo o disposto no artigo 503° do Código de Processo Civil, para a admissibilidade da tréplica. Assim, porque processualmente inadmissível, determino o desentranhamento do requerimento da Ré, condenando-a em custas, pelo incidente, que se fixam em 1 UC.”
Notificada, apresentou a Ré requerimento do seguinte teor: “C…, Ré nos autos de processo em epígrafe, notificada do conteúdo do douto despacho saneador, VEM, EXPOR E REQUERER A V.EXAS. O SEGUINTE: 1 - Por meio do requerimento junto a fls. 59 a 66, a Ré veio arguir a inadmissibilidade processual da Réplica à Contestação e impugnar a letra e assinatura dos documentos particulares ali juntos pelos AA, com os n.º 2 e 6. 2 - Nos termos do disposto no artigo 544° do CPC, a impugnação da letra ou assinatura do documento particular apresentado pela parte, deve ser feita no prazo de 10 dias contados da sua apresentação. 3 - O tribunal, no entanto, entendeu pela admissibilidade da Réplica. 4- Pelo exposto, estamos em crer que o ordenado desentranhamento do requerimento junto a fls. 59 a 66, se deveu a manifesto lapso. Nestes termos e nos mais de direito, requer a v. Exas. se digne corrigir, por simples despacho, o ordenado desentranhamento do requerimento junto pela Ré a fls. 59 a 66, devendo este, outrossim, manter-se e, consequentemente, dar sem efeito a respectiva condenação em custas, pelo incidente - cfr. artigo 667° do Código de Processo Civil. Caso assim se não entenda, o que por mera cautela se admite, serve o presente requerimento para interpor recurso, de Agravo, do douto despacho saneador, na parte em que determinou o desentranhamento do requerimento junto a fls. 59 a 66 e condenou a Ré em custas, pelo alegado incidente - cfr. artigos 733° e seguintes do CPC, na versão anterior às alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24/08, aplicável in casu.”
Proferiu então a Mmª juíza o despacho ora reclamado, do seguinte teor: “Fls. 81 O despacho em causa não é recorrível, porquanto trata-se de um despacho de mero expediente (artigo 679° do Código de Processo Civil).”
Vejamos então.
De acordo com o art. 679º do Código de Processo Civil não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.
Face ao fundamento invocado para a inadmissibilidade do recurso, a questão está, pois, em saber se aquele despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento em que a R. invocou a inadmissibilidade da réplica e impugnou a letra e a assinatura dos documentos apresentados com esta, é ou não um despacho de mero expediente como o qualificou a Mmª juíza.
Estabelece o art. 156º, nº 4 do Código de Processo Civil que “os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes…”.
Como ensina Castro Mendes [1], os despachos de mero expediente “são despachos de carácter meramente interno, que dizem respeito às relações hierárquicas entre o juiz e a secretaria (p. ex., o despacho que ordena a conclusão do processo ao juiz); ou em qualquer caso são despachos que dizem respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes (ex: o despacho que marca dia para julgamento). Estes despachos são, em princípio irrecorríveis, só o sendo no caso de desarmonia com a lei”.
Nas palavras de Alberto dos Reis “despachos de mero expediente são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo… 1º Por meio deles, o juiz provê ao andamento regular do processo; 2º Não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”[2].
Perante estes ensinamentos, parece óbvio que o despacho em causa não pode ser considerado, de forma alguma, de mero expediente.
Efectivamente, perante a apresentação da réplica tem a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissibilidade, o que não se confunde com resposta à réplica.
Acresce que, no caso, com a réplica foram apresentados diversos documentos, tendo a Ré aproveitado aquele requerimento, que a Mmª juíza qualificou como resposta à réplica, para impugnar a letra a assinatura desses documentos, tendo expressamente invocado o disposto nos arts. 374º do Código Civil e 544º do Código de Processo Civil.
Ora, não só o art. 544º do Código de Processo Civil estabelece o prazo de 10 dias para a parte, contra quem é apresentado um documento, impugnar a letra a assinatura do mesmo, como, nos termos do art. 374º do Código Civil, se o não fizer e tratando-se de documentos particulares, a respectiva letra e a assinatura consideram-se verdadeiras, com as consequências necessárias a nível probatório e consequente mérito da causa.
Daqui se conclui que, a Mmª juíza ao ordenar o desentranhamento do requerimento no qual a parte impugnou a letra e a assinatura dos documentos contra si apresentados, interferiu, claramente, no conflito de interesses entre as partes e, por conseguinte, face à definição do art. 156º, nº 4 do Código de Processo Civil “a contrario”, o despacho em causa não pode considerar-se de mero expediente.
E, não o sendo, é o mesmo passível de recurso, nos termos do art. 679º do Código de Processo Civil, igualmente “a contrário”.
Conclui-se assim, que o despacho em causa não é de mero expediente, admitindo, por conseguinte, recurso, sem prejuízo obviamente do disposto no art. 689º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerandos, atendo a reclamação, revogo o despacho reclamado que deve ser substituído por outro admitindo o recurso, sem prejuízo obviamente do disposto no art. 689º, nº 2 do Código de Processo Civil, caso outros impedimentos não se verifiquem, designadamente o do valor da causa, que se desconhece, e da tempestividade do recurso, por serem elementos que não constam desta reclamação.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 25.01.13
(António Manuel Ribeiro Cardoso) (Vice-Presidente) __________________________________________________ [1] In Recursos, 1980-40. [2] In Código de Processo Civil anotado, volume V, reimpressão, 1981, pág. 250.