LIMITES À PENHORA DE PENSÕES
Sumário


Para efeitos do disposto no artº 824 nº 1 al. b) e nº 2 do CPC o rendimento a ter em conta é o rendimento líquido e não o bruto pois só aquele constitui o rendimento objectivamente disponível do executado.

Sumário da relatora

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
Nos autos de execução comum que o BANCO…, SA, move contra J… e outro, veio o Instituto da Segurança Social solicitar ao Tribunal o esclarecimento sobre a possibilidade de ser penhorado ao executado o remanescente da pensão de que é beneficiário, face à notificação que recebeu do Senhor Solicitador de Execução para proceder à penhora à ordem destes autos daquele remanescente, salvaguardando o valor do salário mínimo nacional, sendo certo que já estava a ser deduzido mensalmente o valor correspondente a 1/3 daquela pensão à ordem do processo 335/10.04TBVVC.
Após o exercício do contraditório, foi proferida a decisão certificada a fls. 18/19, na qual a Exmª Juíza determinou que “(…) respeitando-se os limites impostos pelo artº 824º nº 1 alínea b) do CPC, deverá ser penhorada, todos meses, a quantia de € 244,38.
Inconformado, apelou o executado alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 – Ao ter partido do pressuposto (errado) de que o valor a considerar para efeitos da aplicação do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 824º do CPC era o montante ilíquido da pensão do apelante, o despacho recorrido acabou por chegar à conclusão (também errada) de ser admissível penhorar-lhe ainda mais € 244,38.
2 – É Jurisprudência e doutrina há muito firmadas que os montantes das pensões a considerar para efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 824º - na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 329-A/95 de 12/12 e que se mantém actualmente ainda em vigor – são montantes líquidos.
3 – Como bem se decidiu nos Acórdãos do TRL de 02/11/2006, proc.º 8768/2006-6, do TRL de 17/09/2009, proc.º 131-D/2000.L1-6, do TRE de 03/04/2008, proc.º3024/07-3, do TRL de 17/11/2011, proc.º 457-B/2002.L1-2, do TRL de 03/12/2009, proc.º 4028/09.7TVLSB-A.L1-2, do TRG de 12/07/2006 proc.º 1086/06-2, do TRL de 23/05/2006 proc.º 1579/2006-1 e do TRL de 21/05/2009, proc.º 1075-A72001.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
4 – Ou seja, in casu, por um lado há que considerar os € 1.891,43 líquidos que o apelante efectivamente recebe – depois de lhe serem retidos na fonte, para efeitos de IRS, € 502,79 aos € 2.394,22 ilíquidos da sua pensão.
5 – Por outro lado, há que ter em conta que a pensão do apelante já está a ser objecto de penhora do montante de € 649,84 à ordem do Proc.º nº 335/10.4TBVVC.
6 – E também há que considerar que o limite máximo de impenhorabilidade, consagrado no nº 2 do artº 824º do CPC e correspondente a três salários mínimos nacionais, é actualmente de € 1.455,00 – como, aliás, vem reconhecido no despacho apelado.
7 – Em consequência é forçoso concluir a pensão do recorrente já está a ser penhorada para além do limite de impenhorabilidade legalmente admissível pelo que é evidente que não pode vir a ser objecto de mais nenhuma penhora – como se requer que venha a ser decidido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 685-A nº 1 do CPC), verifica-se que a única questão a decidir é saber qual o valor a atender, se líquido ou ilíquido, para efeitos da impenhorabilidade das prestações periódicas a que se refere a al. b) do nº 1 do artº 824º do CPC.
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Conforme resulta dos autos e do próprio despacho recorrido, é o seguinte o circunstancialismo fáctico a atender:
- O executado aufere uma pensão no montante ilíquido de € 2.394,22;
- Desse montante é-lhe retido a título de IRS o valor mensal de € 502,79;
- Encontra-se penhorada à ordem do processo nº 335/10.4TBVVC e a ser descontada mensalmente na sua pensão o montante de € 694,84.
A questão é simples e assiste razão ao recorrente.
Com efeito, resulta do disposto na al. b) do nº 1 do artº 824º do CPC que são impenhoráveis dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação, ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou quaisquer outras pensões de natureza semelhante, sendo que, tal impenhorabilidade tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja alimentos, o montante equivalente a cada salário mínimo nacional (nº 2 da mesma disposição).
Explicando o alcance desta disposição, diz Lopes do Rego o seguinte: “(…) A regra da impenhorabilidade de 2/3 dos vencimentos ou pensões deixa de valer em termos gerais, passando a estar conexionado com o montante de tais rendimentos do executado. Assim, a referida impenhorabilidade parcial passa a ser tabelarmente:
- um limite máximo, equivalente a três salários mínimos à data da apreensão (o que significa que passará a ser inteiramente penhorável a parcela dos ditos rendimentos que ultrapassem a soma de três salários mínimos, permitindo ao exequente agredir, com muito maior intensidade, o rendimento do trabalho ou pensões sociais e montantes elevados);
- um limite mínimo – equivalente ao salário mínimo nacional – o qual todavia, depende da verificação de duas condições: não ter o executado outro rendimento senão a percepção do salário mínimo e o crédito exequendo não ser de alimentos por ele devidos (…)” (in “Comentários ao C.P.C.”, Almedina, 2ª ed., 2º vol., p. 50)
No que respeita aos rendimentos relevantes e a natureza dos montantes a considerar para efeitos de penhora, constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores o entendimento de que o rendimento a que se deve atender para efeitos do disposto na al. b) do nº 1 do artº 824º do CPC, é o rendimento líquido por ser este o rendimento objectivamente disponível sob pena de se desvirtuar o princípio ínsito no artº 59º da C.R.P. quando se refere ao mínimo de subsistência.
Como se refere no Ac. da RL de 17/09/2009, proc.º 131-D/2000.L1-6, também citado pelo recorrente “(…) quando a lei fala em vencimento, salário ou prestação a título de aposentação está a reportar-se ao montante líquido, pois só este constitui rendimento do executado. Na verdade, é com a parte líquida do vencimento – a que efectivamente é percebida – que o executado faz face às suas despesas, e apenas esta pode ser considerada para efeito de penhora (…)” (acessível in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, conferir ainda, além dos citados pelo recorrente, o recente acórdão da RL de 8/11/2012, proc. 3686/11.7TJLSB-B.L1-2, acessível no mesmo sitio.
Assim sendo, errou o despacho recorrido ao atender para efeitos de cálculo do montante disponível da pensão de reforma do recorrente, não ao rendimento líquido por ele percebido, mas antes ao seu rendimento bruto.
Erro que, aliás, veio a ser reconhecido pela Exmª Juíza a quo no seu despacho de fls. 15.
Assim sendo, atendendo ao valor líquido da pensão de reforma que o recorrente aufere (€ 1.891,43), ao montante de € 649,84 que já está a ser descontado na mesma por força da penhora decretada no processo nº 335/10.4 e considerando que o valor máximo de impenhorabilidade legalmente estabelecido se cifra em € 1.455,00 (correspondente a três salários mínimos nacionais) verifica-se que a pensão do executado não comporta outra penhora.
Procedem, pois, as conclusões da alegação do recorrente, impondo-se a revogação da decisão recorrida, decretando-se que a pensão do recorrente não pode ser objecto de outra penhora no âmbito deste processo de acordo com o disposto no artº 824º nº 1 al. b) e nº 2 do CPC.
DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, decidem que a pensão do recorrente não pode ser objecto de outra penhora no âmbito deste processo de acordo com o disposto no artº 824º nº 1 al. b) e nº 2 do CPC.
Sem custas
Évora, 7.02.13
Maria Alexandra A. Moura Santos
Eduardo José Caetano Tenazinha
António Manuel Ribeiro Cardoso