PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TAXA DE JUSTIÇA
AUTOLIQUIDAÇÃO
REGIME DE SUBIDA DO RECURSO
Sumário


I - Sobe imediatamente o recurso interposto do despacho que não admitiu o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente.

II - O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


I. RELATÓRIO

No processo comum n.º 410/11.8GHSTC, da Comarca do Alentejo Litoral – Santiago do Cacém – Juízo de Instância Criminal – Juiz 2, o Ministério Público acusou JC, solteiro, nascido a 16 de maio de 1980, em Santiago do Cacém, filho..., residente...em Sines, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano qualificado, previsto e punível pelos artigos 26.º, 212.º e 213.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

O Município de Sines, pessoa coletiva número..., entretanto constituído Assistente nos autos e representado por M, na qualidade de Presidente da Câmara de Sines, deduziu pedido de indemnização com vista a obter do Arguido o pagamento da quantia de € 4 157,40 (quatro mil cento e cinquenta e sete euros e quarenta cêntimos), ou aquela que se vier a apurar em sede de execução de sentença, a título de ressarcimento dos danos que suportou.

A acusação foi recebida.

O pedido de indemnização foi rejeitado, por falta de pagamento prévio da taxa de justiça.

Inconformado, com tal decisão, o Município de Sines dela interpôs recurso, retirando da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

A) O douto despacho recorrido encontra-se ferido de ilegalidade, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs 4º, nº 1 al. n), artº 8º do RCP e artº 474º al. f) do CPC e artº 523º do CPP.

B) No douto despacho recorrido, confunde-se o regime de isenção de custas, previsto na al. m) do artº 4 do RCP com o momento em que a taxa de justiça deve ser paga pelo (s) respetivo (s) responsável (eis).

C) O pedido cível enxertado em acção penal não está dependente da auto-liquidação e pagamento prévio de taxa de justiça, sendo de aplicar o disposto no nº 5 do artº 8º do RCP, pelo que, independentemente do regime de isenção de custas previsto na al. m) do artº 4º do RCP, a taxa de justiça é fixada a final, em sede da sentença ou do acórdão que vier a ser proferido.

D) É esta a interpretação correta (a que vai mencionada na supra alínea C) do presente) por confrontação inclusive com várias normas, designadamente, com o artº 71º, 77º, nº 4, 78º, nº 3, 82º, 82º-A, 523º todas do CPP, artºs 446º a 455º do CPC. – Neste sentido vd. cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. nº 812/09.0TDEVR-A.E1, de 10/01/2012, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. nº 176/10.9AGMR-A.G1, de 12/09/2011, Acórdão da Relação do Porto, proc. nº 1838/09.9TAVLG-A.P1, de 06/04/2011, Acórdão da Relação de Coimbra, proc. nº 193/10.9GCGRD-A.C1, de 19/10/2011, entre outros.

E) Ao pedido cível enxertado em processo penal, não se aplica o vertido no artº 6º, e artº 14º do RCP, nem se aplica o disposto na al. f) do artº 474º do CPC.

F) As normas do RCP têm natureza tributária, encontrando-se por isso, sujeitas ao princípio da legalidade e da tipicidade, não sendo admissível sequer o recurso à analogia, pelo que, não constando do RCP norma expressa de onde se retire a obrigatoriedade de pagamento prévio da taxa de justiça com a apresentação do pedido cível, não pode o intérprete criar tal norma através de interpretação no sentido de que a apresentação e admissão do pedido cível em penal está dependente de auto-liquidação de taxa de justiça, sob pena de inconstitucionalidade material e formal, por violação dos artºs 1º, 2º, 13º e 113º todos da CRP, inconstitucionalidade que desde já se invoca por mera cautela.

G) Acresce que a Lei nº 26/07, de 23/07, artº 2, nº 1 – Lei de Autorização Legislativa não concedeu ao Governo poderes para alterar o regime do momento em que deve ser paga a taxa de justiça no âmbito dos pedidos cíveis enxertados na acção penal, pelo que, qualquer interpretação que se faça do artº 4º, nº 1 al. m), artº 8º, artº 14º do RCP, em sentido contrário, está ferida de inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 165º da CRP.

H) SEM PRESCINDIR, por mera cautela de patrocínio, caso assim não se entenda – o que não se admite, sempre o despacho recorrido enferma de ilegalidade, porquanto, ao caso presente não seria de aplicar o vertido na al. f) do artº 474º do CPC, que se reporta aos atos da secretaria, mas antes o disposto no artº 476º do CPC, ex vi do artº 4º do CPP, pelo que, não poderia o Tribunal recorrido, ordenar o desentranhamento do pedido cível que constava de fls. 97 a 110 dos autos e assim notificado e devolvido ao recorrente.

I) Ao invés, deveria o tribunal “a quo” ter ordenado a notificação do aqui Recorrente para em 10 dias efetuar o pagamento omitido e juntar o respetivo comprovativo nos termos do artº 476º do CPC, pelo que, ao decidir pelo desentranhamento não concedendo ao aqui recorrente tal direito, o douto despacho recorrido violou incorreu em erro de julgamento e bem ainda violou os princípios da legalidade, da igualdade de tratamento e do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consignados nos artºs 2º, 13º e 20º todos da CRP.

Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que faça JUSTIÇA ao caso concreto.»

O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, respondeu, pela forma expressa de fls. 172 a 175 dos autos, onde conclui pela improcedência do recurso, por entender que a decisão recorrida não padece de qualquer vício, nem postergou qualquer normativo.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

No âmbito desta decisão, o Senhor Juiz expendeu, entre o mais, as seguintes considerações:

« (…), importará fixar os efeitos do recurso.

A regra neste tocante será a de que o recurso tenha efeito meramente devolutivo (artigo 408º a contrario do CPP).

Todavia, da articulação daquele preceito com o disposto no artigo 407º do mesmo normativo, mostra-se possível conferir ao recurso efeito suspensivo quando dele depender a validade e eficácia dos atos seguintes.

Ora, in casu, a apreciação da questão indemnizatória que encerra o recurso mostra-se indissociável, designadamente sobre o espectro da prova, da temática penal.

Complementarmente, e caso se viesse a dar procedência ao recurso, tal implicaria a “repetição” do julgamento para discussão e decisão da temática cível, o que nos parece a todos os títulos incoerente.

Assim, decidir-se-á pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso (…)»

v
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, revelando concordar com a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, o Recorrente apresentou a resposta que consta de fls. 195 e 196 dos autos, onde manteve a posição anteriormente assumida.

Concluso o processo, foi proferida decisão sumária, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, al. a), do Código de Processo Penal, onde se onde se concluiu que o recurso interposto pelo Assistente Município de Sines tem subida deferida, não se conhecendo, por isso, do seu objeto.

v
Inconformado com esta decisão, dele veio reclamar para a conferência o Recorrente, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«A) A douta decisão Reclamada efetuou uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

B) Porquanto ao recurso interposto sobre a decisão proferida pelo tribunal “a quo” que recusa o pedido cível e ordena o desentranhamento da respetiva peça processual enxertada no processo penal, deve ser atribuída subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo ao abrigo do disposto no artº 407º, nº 2 al g), 406º, nº 1 e artº 408, nº 3 por referência ainda ao disposto no artº 71º, artº 72º, nº 1 e nº 2, art.º 74º, artº 412º, nº 5, artº 401º todos do CPP, sob pena de inconstitucionalidade material por ofensa do disposto no artº 13º, nº 1, do artº 20º, nºs 1, 4 e 5 e artº 32º, nº 1 todos da CRP a qual desde já se invoca para todos os efeitos.

C) Ou, caso assim se não entenda – o que não se admite mas que se refere por mera cautela – sempre será de aplicar o disposto na alínea a) do nº 2 do artº 407º do CPP, por referência ainda aos normativos supra citados os quais se dão aqui por reproduzidos.

D) Com a revogação do artº 735º do CPC que seria aplicável ao processo penal por força do disposto no artº 4 do CPP, operada pelo DL nº 303/2007, de 24/08, deixou de ser possível que existindo recursos retidos possam os mesmos ser apreciados pela instância superior, caso não exista recurso sobre a decisão que ponha termo à causa, mediante requerimento do interessado no prazo de 10 dias a contar do respetivo trânsito em julgado, inexistindo norma semelhante.

E) Pelo que, a atribuição de subida deferida ao recurso que incide sobre o despacho que não admite o pedido cível apresentado pelo lesado, independentemente de este se ter constituído assistente, tem como consequência a imposição ao lesado do ónus de recorrer a todo o custo da decisão que vier a ser proferida a qual apenas incide sobre a responsabilidade criminal e não sobre a responsabilidade civil, o que contraria o espírito do legislador ordinário e bem ainda o disposto nos artºs 13º, nº 1, 20º, nºs 1, 4 e 5 e 32º da CRP.

F) O Estatuto de “Assistente” não se confunde com o instituto de “parte civil”, sendo que o despacho que recusa receber o pedido cível e ordena o desentranhamento da peça processual equivale à não admissão da intervenção da parte civil, nos termos do disposto no artº 407º, nº 2 al. g) do CPP e;

G) Impede o tribunal de 1ª instância de apreciar a matéria civil, impedindo o recorrente desde logo de recorrer da decisão, nesta parte – artºs 401º, al c), 403º, 404º, 410º, todos do CPP;

H) Acresce que a atribuição de efeito deferido ao recurso, faz impender sobre o aqui reclamante o ónus de recorrer da decisão que vier a ser proferida, a todo o custo, porquanto com ela se pode conformar e apenas para conseguir ver apreciado o despacho que recusou o pedido cível e que não admitiu a intervenção da parte cível.

I) Em última análise, o que apenas se refere por mero dever de patrocínio, o despacho que não admite o pedido cível e ordena o desentranhamento da respetiva peça processual, não consubstancia uma decisão interlocutória, tendo desde logo em consideração que o tribunal fica impedido de apurar a responsabilidade civil, pelo que tal despacho põe termo à “acção” civil, nos termos do disposto no artº 407º, nº 2, al. a) do CPP;

J) Sendo que há que ter sempre em atenção o princípio da autonomia da responsabilidade civil e criminal, princípio da adesão e que impõem uma interdependência substantiva e dependência (adesão) processual, em conformidade com o disposto nos artºs 71º, 72º, nº 1 e nº 2, 74º, 76º, nº 1, 129º todos do CPP.

Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas. mui doutamente suprirão, deve a presente reclamação ser admitida, porque em tempo e ser a mesma apreciada na Conferência e consequentemente ser proferida decisão que substitua a ora reclamada conhecendo-se do objeto do recurso

v
Determinou-se que a reclamação apresentada fosse julgada em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, «Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.os 6 e 7», ou seja, quando o relator julgue por decisão sumária.

Como se deixou dito, na decisão sumária sob reclamação, o legislador, dentro da liberdade de conformação do regime de subida dos recursos que lhe assiste, entendeu que uns deveriam ter subida imediata e os restantes subida diferida. E para além dos casos expressamente enumerados de subida imediata dos recursos, previu uma cláusula geral, subsidiária, que permite a subida imediata de outros, quando se concluir que a sua retenção os tornaria absolutamente inúteis.

Tem sido uniformemente entendido na jurisprudência que o recurso só se torna absolutamente inútil, por via da subida diferida, nos casos em que, a ser provido, o recorrente não possa aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao que se quis alcançar, sendo que aquela inutilidade respeita ao próprio recurso e não à lide em si.

A inutilidade apenas se verificará se o seu reflexo no processo for irrelevante seja qual for a solução que o tribunal superior venha a proferir, ou seja, se não subindo imediatamente, a decisão não tenha qualquer efeito útil no processo e já não quando a consequência da procedência do recurso é, tão só, a anulação dos atos processuais, incluindo até o próprio julgamento.

Não se pode confundir a inutilidade absoluta do recurso com a eventual necessidade de repetição de diligências ou mesmo de anulação do processado, inclusive o próprio julgamento. Ou seja, não se pode confundir a inutilidade do recurso com a inutilidade da lide decorrente da procedência dele.

Dito de outra forma, se a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de atos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual mas não lhe retira, em absoluto, a utilidade, já que a anulação de atos processuais é, tão-só, uma das consequências normais do recurso.

O n.º 1 do artigo 407.º do Código de Processo Penal não abrange os casos em que o provimento do recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de atos processuais entretanto praticados.

Essa é uma realidade que o legislador não desconhecia ao consagrar o regime dos recursos, assumindo o risco inerente à celeridade processual, que é valor consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Sobre a conformidade de tal solução legislativa com o que consta dos artigos 13.º, n.º 1, 20.º, nºs 1, 4 e 5, e 32.º da Constituição da República Portuguesa já se pronunciou o Tribunal Constitucional – acórdãos n.º 208/93, de 16 de março de 1993 [publicado no Diário da República, II Série, n.º 124, de 28 de maio de 1993], n.º 474/94, de 28 de junho de 1994 [publicado no Diário da República, II Série, n.º 258, de 8 de novembro de 1994], n.º 1205/96, de 27 de novembro de 1996 [publicado no Diário da República, II Série, n.º 38 de 14 de fevereiro de 1997] e n.º 551/98, de 29 de setembro de 1998, n.º 435/00, de de 11 de outubro de 2000, n.º 46/01, de 31 de janeiro de 2001, n.º 350/02, de 15 de julho de 2002, n.º 417/03, de 29 de setembro de 2003, n.º 634/04, de 8 de novembro de 2004, n.º 242/05, de 4 de maio de 2005, e 476/07, de 25 de setembro de 2007, entre outros.

O recurso interposto pelo Reclamante visa a alteração de decisão judicial que não admitiu pedido de indemnização que havia formulado nos autos, por falta de pagamento prévio da taxa de justiça.

Ao abrigo do apontado entendimento sobre a absoluta inutilidade, a retenção deste recurso não o inviabiliza, na medida em que, caso obtenha provimento, a tramitação subsequente ao despacho recorrido será eventualmente anulada e o julgamento será repetido, de modo a abarcar a totalidade do objeto do processo, entretanto também definido pelo pedido de indemnização civil.

Todavia, não podemos deixar de atentar em argumento agora aduzido pelo Reclamante, relativamente ao âmbito da previsão da alínea g) do n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal – sobem imediatamente os recursos interpostos de despacho que não admitir a intervenção de parte civil. E de propender a admitir que os efeitos práticos da rejeição do pedido de indemnização civil possam equivaler à não admissão de intervenção de parte civil.

Razões de economia de meios e de celeridade processual, são também argumentos que nos levam a deferir a reclamação apresentada.
v
O deferimento da reclamação impõe se conheça o objeto do recurso interposto pelo Município de Sines.

Que, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, se reconduz a saber se deve ser admitido o pedido de indemnização civil sem autoliquidação de taxa de justiça.

A decisão recorrida, datada de 9 de fevereiro de 2012, tem o seguinte teor [transcrição]:

«Do pedido de indemnizatório formulado pelo Município de Sines:

Vem o Município de Sines formular nos autos pedido indemnizatório que computa no valor global de € 4.157,40.

Não procede, todavia, ao pagamento prévio da taxa de justiça devida, sendo certo que aqui não vigoram as normas – cingidas à componente penal – contidas no artigo 8º do RCP.

Igualmente, inexiste isenção do seu pagamento, quer por via do valor (alínea m) do n.º 1 do artigo 4º do RCP), quer por reporte à natureza do demandante (que se cinge às acções aludidas sob a alínea r) do dito dispositivo.

Assim, e nos termos previstos pelo artigo 474º, alínea f) do CPC, aplicável ex vi artigo 523º do CPP, recusa-se o recebimento do requerimento de fls. 97 a 111, o qual se deverá devolver ao apresentante (deixando-se o respectivo duplicado, como cópia, nos autos).»

Conhecendo.

A decisão recorrida alicerça-se no entendimento da inaplicabilidade das regras contidas o artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais, por serem privativas da “componente penal”. Ou seja, entende-se que ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal se não aplicam as regras penais.

Mas é entendimento que não acompanhamos.

No artigo 71.º do Código de Processo Penal consagrou-se regra de adesão do pedido de indemnização civil ao processo penal - «o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei

Regra que foi introduzida para consagração do sistema da interdependência ou da adesão do processo civil ao processo penal.

O processo penal, a que se reconhece total autonomia, tem as suas especificidades e o pedido cível nele enxertado obedece às regras processuais penais no que tange à sua tramitação – artigos 73.º a 84.º.
Atente-se que a legitimidade e poderes processuais de quem figura como parte civil, no processo penal, se apresentam com as limitações impostas pelo artigo 74.º do Código de Processo Penal, tendo inferior amplitude em comparação com a previsão do processo civil.

Por outro lado, a formulação do pedido de indemnização não está sujeita a exigências idênticas às previstas no Código de Processo Civil. O mesmo se passa com a contestação, cuja falta não implica a confissão dos factos.

E há a possibilidade, em processo penal, de o tribunal remeter as partes para os tribunais civis. Bem como de fixar, oficiosamente, indemnização à vítima.

Posto isto, temos como assente que ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal se aplicam, no domínio da tramitação, as regras processuais penais.

Um dos acórdãos invocados pelo Recorrente, em apoio da posição que defende nos presentes autos, desta Relação de Évora, datado de 10 de janeiro de 2012 – relatado pelo Senhor Desembargador João Gomes de Sousa, no processo n.º 812/09.0TDEVR-A.E1, e subscrito pela ora relatora – contém argumentação que, por se revelar perfeitamente adequada à resolução da questão em apreço, adiante utilizaremos.

E que é coincidente com a restante jurisprudência invocada pelo Recorrente [tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 176/10.9, a “extensão” TAGMR-A.G1] e, ainda, com a exposta nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, proferidos nos processos n.º 410/11.8TBGRD-A.C1 e n.º 146/10.7TACDN-A.C1 e no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 4515/09.7TAMTS-B.P1.

Por terem sido instaurados após 20 de abril de 2009 – concretamente, em 6 de outubro de 2011 –, aos presentes autos aplicam-se as regras do Regulamento das Custas Processuais, (artigos 26.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, na redação resultante da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro).

«E aqui, para além da norma geral contida no artigo 13º do Regulamento e das dispensas de pagamento prévio da taxa de justiça previstas no artigo 15º do mesmo diploma, rege a norma especial quanto à forma e ao momento de pagamento em processos criminais e contra-ordenacionais que se surpreende no artigo 8º.

Aqui determina-se – para o que diz respeito ao processo penal - que a taxa de justiça devida pela constituição como assistente e a devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é auto liquidada (nsº. 1 e 2 do artigo).

Mas, nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III (nº 5 do preceito).

Ora, o pedido cível deduzido em processo penal, porque não previsto como exigindo uma auto liquidação, é reconduzido à categoria de “restantes casos” de não exigência de auto liquidação.

Poderá aparentar haver alguma contradição entre o disposto no artigo 8º e no artigo 15º do Regulamento.

Essa contradição é meramente aparente, pois que o legislador optou no artigo 15º por definir a dispensa de pagamento prévio para várias categorias de processos (constitucionais, cíveis, administrativos, fiscais e criminais), por razões de subjectividade (intervenientes Estado, Regiões autónomas, arguidos em processo criminal) ou por razões objectivas (processo no Tribunal Constitucional), mas reservou para norma específica – o artigo 8º - a definição rigorosa dos casos de auto liquidação em processo criminal, que expressamente previu, relegando para o caldeirão final (o nº 5 do preceito) um regime especial geral de não exigência de prévia auto liquidação da taxa de justiça, no qual se inclui o regime do pedido cível deduzido em processo penal.»

Consequentemente, não tinha o demandante que auto liquidar taxa de justiça por força da dedução de pedido de indemnização cível, não sendo lícita a rejeição daquele pedido com tal fundamento.

Resta acrescentar que, em sintonia com a posição expressa no acórdão do Tribunal da Relação do Porto supra mencionado – proferido no processo n.º 4515/09.7TAMTS-B.P1 – também entendemos que os casos em que se exige o prévio pagamento de taxa de justiça como condição de validade da prática de atos processuais deve estar claramente regulamentada, não podendo ser deduzida “a contrario” pelo intérprete a partir de outras normas, como as que se referem à dispensa de prévio pagamento de taxa de justiça.

E que a recente alteração ao Regulamento das Custas Processuais, operada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, e atualmente em vigor, veio consagrar a solução que defendemos ao dispensar do pagamento prévio da taxa de justiça o demandante, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respetivo valor seja igual ou superior a 20 UC – artigo 15.º, n.º 1, alínea d).

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, determinar a substituição do despacho recorrido por outro que admita o pedido de indemnização civil deduzido pelo Município de Sines e ordene o prosseguimento dos autos.

Sem tributação.

Évora,26 de FEVEREIRO DE 2013

(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

______________________________________
(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)
______________________________________
(Maria Cristina Capelas Cerdeira)