APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ARRENDAMENTO RURAL
DENÚNCIA DO ARRENDAMENTO PELO SENHORIO
Sumário


a) - Em termos de aplicação da lei no tempo, só é de entrar em linha de conta com as regras operativas do artº 12º do CC, no caso de a nova lei não conter disposições transitórias, que expressa e especificadamente, estatuam sobre a matéria em causa.
b) - No domínio do arrendamento rural, os prazos mínimos dos contratos, e os prazos renovatórios, são uma das questões subtraídas ao poder da autonomia da vontade e da liberdade contratual.
c) - Como a denúncia só vigora para futuro, isso significa que, no caso de contratos renováveis, a relação contratual só se extingue no último dia do prazo renovatório; portanto, entre a data da declaração denunciatória, e o termo do prazo renovatório, o contrato permanece ainda plenamente válido e eficaz, surtindo todos os seus efeitos e vinculando as partes ao cumprimento de todas as suas obrigações.
d) - Se o senhorio se vinculou a 3 renovações do contrato, terá de respeitar esse número de renovações, em obediência ao princípio da fidelidade contratual (art. 406º do CC), independentemente de a duração de cada um desses prazos renovatórios vir a ser, legal e sucessivamente alterado.

Sumário da relatora

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I - HISTÓRICO DO PROCESSO
1. C…, SA instaurou acção de despejo contra J…, e mulher, J… pedindo se decretasse a cessação do contrato de arrendamento rural entre eles celebrado, com o consequente despejo e entrega do prédio à Autora.
Como substrato do pedido, invocou que o arrendamento foi celebrado pelo prazo de 10 anos, com início em 01.01.1991, renovável por períodos de 3 anos, não podendo a Autora opor-se às primeiras 3 renovações; a Autora procedeu à denúncia do contrato com efeitos a partir de 11.10.2009. Reagindo à denúncia, os Réus procederam à notificação judicial avulsa da Autora, dando nota de que, na sequência das alterações legais no regime do arrendamento rural, a denúncia é ineficaz. Pese embora as negociações havidas entre as partes, os Réus não entregam o prédio arrendado à Autora.
Os Réus apresentaram contestação, com reconvenção, a qual veio a ser julgada extemporânea e ordenado o seu desentranhamento.
Seguidamente, foi proferida sentença, na qual se considerou eficaz a denúncia do arrendamento operada pela Autora, com efeitos a partir de 31.12.2017.

2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A) A douta sentença considerou assentes, nos termos do art. 484º/1, ex vi artigo 463º/1, ambos do Código Processo Civil, os factos alegados pela Autora.
B) Apelante e Apelados celebraram a 12/10/1990 contrato de arrendamento rural, com inicio em 01/01/1991, pelo prazo de 10 anos, com renovações de 3 anos, não podendo, nos termos contratualmente previstos, a C… opor-se ás primeiras 3 renovações, então de 3 anos cada uma.
C) A Apelante pretendeu que o contrato de arrendamento fosse renovável por um máximo de 9 anos, ou seja pretendeu que o contrato tivesse uma duração máxima de 19 anos.
D) Entretanto, a lei de arrendamento rural foi alterada pelo Dec.-Lei 524/99 de 10/12 que veio consagrar o princípio de que a renovação de tais contratos ocorreria de cinco em cinco anos.
E) Assim, as renovações do referido contrato de arrendamento passaram a ser de 5 anos, assim a 1ª renovação terminou em 31/12/2005, já pelo período de 5 anos, pelo que a 2ª renovação, também por 5 anos, terminaria em 31/12/2010. O que perfaz 10 anos de renovações.
F) A apelante através da carta de denúncia enviada a 12 de Fevereiro de 2007, manifestou de forma inequívoca e expressa, claramente perceptível, a vontade de não renovar o contrato de arrendamento com efeitos a partir de 31/12/2010.
G) Antes que terminasse a 2ª renovação a lei de arrendamento rural foi alterada pelo Dec.-Lei 294/2009 de 13 de Outubro;
H) Refere o nº 2 do artigo 39º do Decreto Lei 294/2009, de 13 de Outubro “ Aos contratos de arrendamento, existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, aplica-se o regime nele prescrito, de acordo com os seguintes princípios ( a ) O novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso.
I) Entende a apelante que fruto da denúncia anteriormente operada, ao contrato celebrado com os RR. não é aplicável o referido Decreto Lei 294/2009, de 13 de Outubro.
J) No entendimento da apelante a 3ª renovação (contratualmente prevista) não é obrigatória.
K) Dada a circunstância de, aquando do término da 2ª renovação (agora cada uma delas por 5 anos e não por 3 anos já ter sido ultrapassado o prazo global de 9 anos durante o qual o senhorio aceitou não se opor às primeiras 3 renovações.
L) Pelo que, julga a apelante que se deverá considerar como válida a denúncia do contrato de arrendamento rural celebrado entre apelante e apelados.

3. Os Réus recorridos não contra-alegaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. OS FACTOS [1]
São os seguintes os factos considerados na douta sentença:
- A A. é dona e legítima proprietária do prédio denominado “Herdade da Barrosinha” sito na freguesia de Santiago, concelho de Alcácer do Sal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o nº 882 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 4 da secção CC a CC2 e ainda sob diversos (59) artigos matriciais urbanos, composto por arrozal, pinhal, hortejo, cultura arvense, olival, vinha, montado de sobre e 59 prédios urbanos.
- Por despacho do Ministro da Agricultura Pescas e Alimentação de 25 de Novembro de 1989, foram reconhecidos direitos de reserva incidentes no prédio rústico identificado no artigo anterior.
- Em vista e para execução desse despacho, a A. deu de arrendamento rural ao R. marido uma parcela de terreno, parte integrante do prédio identificado no artigo 1º desta p.i., com a área de 4,8250 ha., correspondente às courela n.º 13, da divisão efectuada pelo Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, confrontando a Norte com courela n.º 17, a sul com courela n.º 9, a nascente com a courela n.º M-2, e a poente com courela n.º 14.
- O referido contrato de arrendamento de arrendamento rural foi celebrado a 12 de Outubro 1990, e destinou-se ao cultivo do arroz ou de outra cultura ajustada à capacidade do solo.
- O referido contrato de arrendamento rural teve inicio na data de ultimação da entrega da reserva referida no art. 2º desta p.i, tendo sido celebrado pelo período de 10 anos., contados do primeiro dia do ano civil subsequente, ou seja, o referido contrato teve inicio em 01/01/1991.
- E seria sucessivamente renovável por períodos de 3 anos, não podendo a A. opor-se às primeiras 3 renovações.
- Pelo contrato de arrendamento foi fixada uma renda anual de 114.352$00, podendo esta renda ser actualizável, nos anos posteriores, anualmente, nos termos da legislação do arrendamento rural, actualmente 1.263,23 €.
- Por carta registada com aviso de recepção enviada pela A. aos RR. a 12 de Fevereiro de 2007, a A. procedeu à denúncia do referido contrato de arrendamento rural, com efeitos a partir de 11 de Outubro de 2009.
- Os RR., em reacção á referida carta, vieram, em conjunto com outros, notificar judicialmente a A. – Notificação Judicial Avulsa nº 122/10.OT2ASL, por esta recebida em 27 de Maio de 2010 – onde após algumas considerações iniciais sobre o arrendamento e a denúncia por si recebida, concluem que devido às alterações introduzidas no regime jurídico do arrendamento rural com a Lei nº 524/99 e o DL nº 294/2009, os contratos de arrendamento que terminam em 31-12-2010 renovar-se-ão por um período de 7 anos.
- A A. respondeu por carta registada com Aviso de Recepção, negando as conclusões formuladas.
- Na sequência da carta remetida pela A. aos requerentes da Notificação Judicial Avulsa, alguns deles vieram a proceder à entrega das parcelas arrendadas, outros, como é o caso dos RR., mantiveram-se na posse da parcela arrendada, motivo pelo qual foi intentada a presente acção.

5. O MÉRITO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 684º nº 2 e 3, art. 685º-A nº 1 e 660º n.º 2 Código de Processo Civil (CPC).
QUESTÕES A RESOLVER:
ü Da sucessão de leis no tempo, no âmbito do regime do arrendamento rural
ü Da operância da denúncia efectuada pela Autora em 12.02.2007, para retirar o contrato do domínio da aplicabilidade do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13.10.

5.1. DA SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO, NO ÂMBITO DO REGIME DO ARRENDAMENTO RURAL
Em causa está uma relação jurídica entre particulares, que se estabeleceu e foi conformada pelo quadro legal vigente na altura do seu início; contudo, essa relação jurídica perdurou no futuro, sendo que entretanto houve alteração da lei reguladora da relação.
A questão a decidir contende com o problema da aplicação da lei no tempo.
Para o efeito, dispõe o art. 12º do Código Civil (CC):
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade, substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Mas, como é sabido, só é de entrar em linha de conta com os comandos do artº 12º do CC, no caso de a nova lei não estatuir expressa e especificadamente sobre o assunto, o que se processa mediante as ditas disposições transitórias.
Portanto, incumbe antes de mais, verificar a evolução do regime do arrendamento rural no período pertinente para o caso dos autos.

O contrato foi celebrado em 12.10.1990, para surtir efeitos a partir de 01.01.1991, portanto em plena vigência do Decreto-Lei nº 385/88, de 25.10.
Sobre a questão particular da denúncia do contrato de arrendamento rural, dispunha este diploma (não se atende aqui, por não vir ao caso, ao regime particular do “agricultou autónomo”):
· Que o arrendamento não podia ser celebrado por prazo inferior a dez anos e que, findo tal prazo, o contrato se entendia renovado por períodos sucessivos de três anos, enquanto não fosse denunciado nos termos legais. (artigo 5º)
· Quanto à denúncia em geral, operada pelo senhorio (hipótese de que tratam os autos), o senhorio deveria avisar o arrendatário, por escrito, com a antecedência mínima de dezoito meses, relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação. (artigo 18º)
· Tratando-se de denúncia para exploração directa, essa finalidade devia ser expressamente indicada na comunicação da denúncia e o arrendatário não podia opor-se-lhe nos termos do art. 19º (artigo 20º)

Sabemos que o contrato teve o seu início em 01.01.1991 e por um período de 10 anos.
Para além disso, estipularam as partes, que o contrato seria renovável, se não denunciado, por períodos de 3 anos.
E mais acordaram que a Autora não podia opor-se às primeiras 3 renovações.
Dentro deste quadro legal e contratual, e tendo ainda em conta o preceituado no art. 279º al. c) do CC, os 10 anos completavam-se em 01.01.2001; em 01.01.2004, a 1ª renovação; em 01.01.2007, a 2ª renovação e, em 01.01.2010 a 3ª renovação.
Não pretendendo a continuação do arrendamento, a Autora teria de exercer o direito de denúncia (assim impedindo uma 4ª renovação), até 31.06.2008.

Entretanto, no decurso da vigência do contrato, o Decreto-Lei nº 524/99, de 10.12, veio alterar o nº 3 do art. 5º do Decreto-Lei nº 385/99, em termos de “Findos os prazos estabelecidos nos números anteriores, ou convencionado, se for superior, entende-se renovado o contrato por períodos sucessivos de cinco anos, enquanto o mesmo não for denunciado nos termos do presente diploma.”
Mais se estatuiu, no art. 2º do Decreto-Lei nº 524/99, que “A alteração introduzida no nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, aplica-se aos contratos em vigor à data do início da vigência do presente diploma, não se aplicando, porém, aos períodos de renovação em curso.”
Ora, esta norma integra uma dita disposição transitória formal [2], e, portanto, a ela se deve atender para a solução do caso.
Como nada se refere quanto à sua entrada em vigor, o Decreto-lei nº 524/99 iniciou a sua vigência em 15.12.1999 (cf. art. 5º nº 1 do CC e art. 2º nº 2 da Lei nº 74/98, de 11.11).

Dado que o contrato teve o seu início em 01.01.1991, e por um período de 10 anos, temos que ele ainda se encontrava a vigorar pelo período inicial, sem qualquer renovação, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 524/99 (15.12.1999).
Daí que, a alteração do período renovatório de 3 para 5 anos, passasse a ser de imediato aplicável ao contrato aqui em causa.
Só o não seria, como expressamente ressalva o art. 2º do Decreto-Lei nº 524/99, se já estivesse a decorrer algum período de renovação, o que não era o caso.
Assim, face a este novo enquadramento legal e contratual, os 10 anos completavam-se em 01.01.2001; a 1ª renovação, em 01.01.2006; a 2ª renovação em 01.01.2011 e, a 3ª renovação em 01.01.2016.
A Autora teria de exercer o direito de denúncia (assim impedindo uma 4ª renovação), até 31.06.2014.

Sucede que, ainda na vigência do contrato, nova alteração legal surge, o Decreto-Lei nº 294/2009, de 13.10.
Quanto à sua entrada em vigor, este diploma determinou 90 dias após a data da sua publicação (art. 44º nº 1), pelo que a mesma ocorreu em 11.01.2010.
E, com pertinência para o caso, quais as inovações deste diploma?
· As renovações do contrato passaram a ser pelo mínimo de 7 anos: art. 9º nº 3.
· O direito de denúncia, quer pelo arrendatário, quer pelo senhorio, passou a ter de ser exercido com um ano de antecedência: art. 19º nº 3.
Quanto a normas transitórias com relevância, temos:
Art. 39º nº 2 - Aos contratos de arrendamento, existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, aplica-se o regime nele prescrito, de acordo com os seguintes princípios:
a) O novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso;
Ora, quando se iniciou a vigência do Decreto-Lei nº 294/2009 (11.01.2010), o contrato aqui em causa encontrava-se em vigor e no decurso da 2ª renovação, que, como atrás referido, se completava em 01.01.2011.
Portanto, face ao seu art. 39º nº 2 al. a), o novo prazo renovatório de 7 anos, bem como o novo prazo para exercer o direito de denúncia, só passaram a operar em 01.01.2011, vinculando apenas a 3ª renovação, que passou a ser de 7 anos.
Assim, face a este novo enquadramento legal e contratual, a 3ª renovação só se completa em 01.01.2018.
E, face ao novo prazo de um ano, a Autora teria de exercer o direito de denúncia (assim impedindo uma 4ª renovação), até 31.12.2017.
Estamos, pois, completamente de acordo com o decidido em 1ª instância.

5.2. DA OPERÂNCIA DA DENÚNCIA EFECTUADA PELA AUTORA EM 12.02.2007, PARA RETIRAR O CONTRATO DO DOMÍNIO DA APLICABILIDADE DO DECRETO-LEI Nº 294/2009, DE 13.10.
Entende a Autora que, pelo facto de ter manifestado a vontade de não renovar o contrato de arrendamento aqui em apreço, por carta de denúncia enviada a 12 de Fevereiro de 2007, o contrato foi validamente denunciado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 294/2009, pelo que não há que entrar em linha de conta com a aplicabilidade deste diploma.

A denúncia integra um direito potestativo e, salvo raras excepções, é livre (no sentido de dependente apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de reunir quaisquer pressupostos ou invocar qualquer justificação perante a contraparte) e só opera para futuro.
Nessa previsão geral, uma única condicionante se lhe impõe: que respeite o período de aviso prévio.
«Tendo o vínculo um prazo de duração limitado, renovável automaticamente, qualquer das partes pode inviabilizar a renovação por um novo período, recorrendo à denúncia.» [3].
Como a denúncia só vigora para futuro, isso significa que, à data da declaração, o contrato se mantém plenamente válido e eficaz, surtindo todos os seus efeitos e vinculando as partes à manutenção de todas as suas obrigações, até ao dia em que a denúncia opera.
No caso de contratos renováveis, a relação contratual só se extingue no último dia do prazo renovatório.
Portanto, quando em 12.02.2007, a Autora enviou a carta de denúncia, estávamos em plena vigência da 2ª renovação do contrato que, como atrás vimos, só se completava em 01.01.2011.
Os vínculos obrigacionais entre Autora e os Réus só cessavam em 01.01.2011.
Assim, nos termos estritamente legais, assistiria razão à Autora, uma vez que, pese embora o Decreto-Lei nº 294/2009 tenha entrado em vigor no dia 11.01.2010, ele determinou que o prazo renovatório de 7 anos (novo regime) só se aplicaria a partir da renovação, em curso.

Sucede que, para além dos termos legais, existe a vinculação contratual: de acordo com a cláusula inserida no contrato, a Autora não podia opor-se às primeiras 3 renovações, que é o mesmo que dizer que a Autora se comprometeu a aceitar, pelo menos, 3 renovações do contrato.
Portanto, segundo a estipulação acordada entre as partes, e a não ser que a denúncia fosse da iniciativa dos Réus arrendatários, o contrato manter-se-ia em vigor, e eficaz, por um período de 10 anos, mais 3 renovações.
É certo que, na altura da contratação, o prazo legal mínimo dessas renovações era de 3 anos, coincidente com o prazo contratado.
No entanto, como é sabido, no domínio do arrendamento rural, as partes não são absolutamente livres de estipularem o que bem entenderem, estando sujeitas a um conjunto de regras legais modeladoras do contrato.
A Autora não se vinculou a não denunciar o contrato pelo prazo de 9 anos, mas sim por 3 renovações, o que é algo substancialmente diferente.
Os prazos mínimos dos contratos e os prazos renovatórios são uma dessas regras subtraídas ao poder da autonomia da vontade e da liberdade contratual, como expressamente resulta do art. 5º nº 1 e 3 e art. 4º al. c) e d) do Decreto-Lei nº 385/88 (com a competente alteração dada pelo Decreto-Lei nº 524/99) e art. 8º al. b) e c) e art. 9º nº 1 a 3 do Decreto-Lei nº 294/2009.
Assim,
ü tendo-se a Autora obrigado a 3 renovações do contrato, tem de as respeitar e cumprir.
ü porque subtraído à liberdade contratual, o prazo renovatório a atender no arrendamento rural é aquele que, legal e sucessivamente, for sendo estabelecido enquanto o contrato perdurar.
ü assim, a carta de denúncia enviada a 12 de Fevereiro de 2007, porque ainda durante a 2ª renovação, não impedia a manutenção da relação contratual por mais uma 3ª renovação.
ü como quando o Decreto-Lei nº 294/2009 entrou em vigor, o contrato aqui em causa ainda subsistia, no decurso da 2ª renovação, o prazo da 3ª renovação passou a ser de 7 anos.
ü a denúncia efectuada foi inoperante para extinguir a relação contratual antes da entrada em vigor desse Decreto-Lei nº 294/2009.
Concluindo: a 3ª renovação não era legalmente obrigatória, mas era contratualmente vinculante para a Autora.

III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Évora em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Autora apelante.

Évora, 21.03.2013
(Relatora, Maria Isabel Silva)
(1ª Adjunta, Alexandra Moura Santos)
(2º Adjunto, Eduardo Tenazinha)
__________________________________________________
[1] São os factos constantes da decisão proferida pela primeira instância e que __ por não impugnados e por não se verificar qualquer uma das circunstâncias referidas nas diversas alíneas do nº 1 do art. 712º do CPC __, aqui cumpre manter.
[2] «Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA (sigla de lei antiga) ou a LN (sigla de lei nova), é aplicável a determinadas situações» __ João Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 13ª reimpressão, pág. 230.
[3] Pedro Romano Martinez, «Da Cessação do Contrato», 2ª edição, Almedina, pág. 59-63.