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NOMEAÇÃO DE PATRONO
HONORÁRIOS DE PATRONO NOMEADO
PROCESSO JUSTO
Sumário
I - O “fair trial”, o processo justo, não é só um processo justo para com o acusado, sua origem histórica, é também um processo que deve ser justo para todos e entre todos os intervenientes e, de importância fundamental, um processo justo e que se mostra justo numa sociedade democrática, num “Estado de Direito”
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório:
Nestes autos de processo comum perante tribunal singular supra numerado que corre termos no Tribunal Judicial de Santarém – 2º Juízo Criminal - por despacho lavrado em 08 de Novembro de 2012, o Mmº. Juiz indeferiu o pedido deduzido pelo ilustre mandatário M de atribuição de honorários.
Inconformado com aquela decisão dela interpôs recurso o Ilustre causídico, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, com as seguintes conclusões:
1 – O MºPº nomeou defensora oficiosa do arguido a Sra. Dra. AB, a qual pediu escusa, pelo que a O.A. indicou em substituição a Sra. Dra. SM.
2 – Em 26.02.2008, estando de escala, o Recorrente foi nomeado Defensor ao arguido, para o ato (audiência de julgamento) em substituição da Sra. Dra. SM, que havia faltado à audiência.
3 – O Defensor / Recorrente requereu e foi-lhe deferido o pagamento dos honorários pela escala, tendo sido lavrada nota de honorários no valor de € 264,00, certificada em 27.05.2008, montante aquele que foi já pago.
4 – Por ofício datado de 29.01.2009 – Refª 2567059 – foi o Recorrente “…notificado, na qualidade de Defensor Oficioso do Arguido JM…de que se encontra designado o próximo dia 06.03.2009, às 14.00 horas, para a realização da audiência de cúmulo jurídico…”.
5 – A audiência realizou-se, o Recorrente defendeu o arguido, aí foi notificado verbalmente da data da leitura da sentença e no dia designado para leitura da sentença cumulatória – 24.03.2009 –, o Defensor aqui Recorrente esteve igualmente presente.
6 – Julgando finda a sua intervenção como Defensor do arguido, no cúmulo, o Defensor requereu a atribuição de honorários, o que foi deferido pelo Tribunal.
7 – Em 14.04.2009, o Defensor / Recorrente, interpôs recurso da sentença, em 02.07.2010, esteve presente na leitura da sentença cumulatória e em 08.09.2010 interpôs recurso da nova sentença cumulatória, com conclusões em 21.10.2010.
8 – Em 05.07.2011 foi notificado “na qualidade de Defensor Oficioso do arguido…:De que se encontra designado o próximo dia 15-07-2011, pelas 14.00 horas, para a realização da audiência para leitura da sentença…”.
9 – Em 07.07.2011, o Defensor / Recorrente, apresentou requerimento via fax, informando os autos de que o arguido já não se encontrava contactável na morada em que havia sido notificado, indicando a nova morada e mais informando que aquele se encontrava, desde o dia 16.05.2011, PRESO no EPR Leiria, à ordem do Processo nº ---/04.8GGSTB do 3º Juízo Criminal de Setúbal.
10 – Em 14.07.2011 foi notificado via fax, “na qualidade de Defensor Oficioso do arguido…:…Foi dada sem efeito a data designada para amanhã para a leitura de sentença anteriormente designada para o dia de amanhã”.
11 – Tendo sido em 15.02.2012 notificado para tal, em 20.02.2012, o Recorrente veio então “Reclamar da Conta (art. 60º, nºs 1 e 2, alínea b), “ex vi” do art. 99º, ambos do CCJ)…”, reclamação cujo conteúdo se transcreveu na motivação.
12 – Em 09.08.2012, a solicitação do Tribunal, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, prestou a informação a fls. 921 a 923 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzida e que se pode sintetizar, citando a itálico, assim:
a) A nomeação de ambos os Advogados foi efectuada antes de 1 de Setembro de 2008, altura em que o Sistema de Acesso ao Direito não se encontrava em funcionamento;
b) Logo, o processamento dos respectivos honorários…não poderá ser efectuado na plataforma informática SINOA, visto que
c) Neste contexto, a inserção manual de um processo na área reservada do advogado (nomeação manual) apenas pode ser assegurada em circunstâncias devidamente fundamentadas;
d) Ou seja, a fixação dos honorários… deverá ser efectuada junto do Tribunal”.
13 – Em 18.10.2012, foi lavrada a seguinte promoção pelo MºPº:
“Na sequência da posição tomada anteriormente, renovo o ponto 1. de II da promoção de fls 912 (correcção da nota de honorários de fls. 254, sendo apenas devida a quantia de € 120,00 ao ilustre defensor Sr. Dr. M).
- Quanto ao ponto III da mesma promoção a OA informou conforme consta de fls 921 a 923, cujo teor aqui se reproduz.
- Constatando-se não ter ocorrido facto documentado nos autos, que tivesse permitido proceder à inscrição manual da nomeação do ilustre defensor Sr. Dr. M para assistir o arguido a partir de 06/03/2009, não é legalmente admissível, em face da informação da OA, remunerar-se este ilustre defensor pela prática desta última actividade processual, o que se promove” (cf. fls. 926 dos autos).
14 – Em 08.11.2012, Tribunal decidiu a questão mediante douto despacho do seguinte teor:
“Concordando-se inteiramente com a douta promoção que antecede ordena-se que se proceda como vem doutamente promovido”.
15 – O douto despacho recorrido pode ser sumarizado como segue:
a) O Tribunal entende que ao Recorrente não são devidos quaisquer honorários pelos serviços prestados nos dias 06/03/2009, 24/03/2009, 14/04/2009, 02/07/2010 e 08/10/2010 (uma audiência de cúmulo, duas leituras de cúmulo e interposição de 2 recursos ordinários);
b) Mais entende o Tribunal que o Recorrente deverá ainda repôr (ou serem-lhe descontados) € 144,00 dos € 264,00 já recebidos como honorários da escala de dia 26.02.2008.
16 – Ora, os advogados têm o direito de receber compensação material de adequada dignidade pelos serviços prestados, como condição indispensável de um efectivo acesso ao direito.
17 – Ao não atribuir qualquer compensação material ao ora Recorrente, verdadeira indignidade pelos serviços prestados por este, o Tribunal realizou o efectivo acesso ao direito por parte do arguido JM, á custa do trabalho do recorrente, mormente com os recursos interpostos nos quais, note-se, “É obrigatória a assistência do defensor …” – art. 64º, nº 1, alínea d), do CPP.
18 – Efectivamente, foi em resultado da intervenção e à custa do labor do Recorrente, ao suscitar a intervenção desse Venerando Tribunal, que acabou por, afinal, ser correctamente aplicado o Direito e, consequentemente, administrada a Justiça devida ao arguido.
19 – Por isso que o exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado (artigo 66º, nº 5, do CPP), norma esta violada pelo despacho recorrido, que é, assim, por este motivo, ilegal.
20 – O Tribunal a quo não aplicou, igualmente, as normas legais que enformam o Apoio Judiciário, mormente artigos 25º, nº 1, da Portaria n.º 10/2008, de 03.01, 1º e 2º, nº 1, da Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro – e a Tabela de honorários para a protecção jurídica anexa a esta portaria.
21 – A intervenção do ora Recorrente como Defensor Oficioso do arguido na audiência de julgamento do cúmulo jurídico, na qualidade de advogado, em processo comum, por crime da competência do tribunal singular, levava a que os honorários devessem ter sido fixados em 11 UR – cf. nº 3.1.1.2. da citada Tabela de honorários para a protecção jurídica –, a que acresceriam 3 UR, porquanto interveio em audiência de julgamento com três (3) sessões – cfr. nº 9 da mesma tabela –, e ainda 18 UR (9 UR x 2 = 18 UR), pelo facto de ter interposto dois recursos ordinários – cf. nº 3.4.1. daquela tabela.
22 – O Tribunal a quo omitiu, pois, (pela não atribuição) 32 UR, a título de honorários, ao aqui Recorrente, o qual, desde a sua nomeação despendeu, muitas e muitas dezenas de horas com o estudo do processo e da matéria (agora tanto administrativa como penal) !...
23 – Invocam-se, para os devidos e legais efeitos, as assinaladas ilegalidades.
24 – O art. 59º, nº 1, alínea a), da CRP, refere que “Todos os trabalhadores… têm direito… à retribuição do trabalho…”.
25 – A norma constitucional supra referida fala em “trabalhadores” de forma abrangente, não restringindo a definição apenas a “trabalhadores por conta de outrem”, pelo que o Advogado Recorrente, mesmo na qualidade de Defensor Oficioso, não deixa de ser também um trabalhador, embora independente.
26 – Assim, o despacho recorrido, ao negar o pagamento devido pelo trabalho inequivocamente realizado no âmbito dos presentes autos, está a violar a norma referida, o que consubstancia uma inconstitucionalidade e ilegalidade, que aqui também se vem invocar para os devidos e legais efeitos.
27 – A atribuição dos honorários devidos competia ao tribunal recorrido, como já se viu e consta da citada informação do Conselho Geral da O.A. a fls. 921 a 923 dos autos, onde pode ler-se, mais detalhadamente, que deverão “ser observadas as regras em vigor à data, de acordo com o nº 2 do artigo 35º da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro, ou seja, a fixação dos honorários e as compensações das despesas deverá ser efectuada junto do Tribunal”.
28 – Ao não fixar honorários, o despacho recorrido violou aquele citado art. 3º, nº 2, e o art. 37º, ambos da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro, ilegalidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
29 – Quanto à ordenada correcção da nota de honorários de fls. 254, sendo apenas devida a quantia de € 120,00, quase 4 anos depois de pagos tais honorários, entendemos que a mesma é ilegal, padecendo do vício de violação de lei. Com efeito,
30 – O MºPº que não pediu a reforma nem reclamou da conta no prazo legal de 10 dias, conforme dispõe art. 31º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
31 – Não vemos com que legitimidade veio promover a dita correcção da nota de honorários de fls. 254, aproveitando reclamação feita agora pelo ora Recorrente.
32 – Acresce que, na nota de honorários então passada neste valor, “O Secretário de Justiça deste Tribunal / Serviço, certificou que o serviço a que se refere a presente nota foi executada em obediência à legislação em vigor”.
33 – Sendo que, o MºPº nada promoveu durante todo este tempo, estes quase 4 anos.
34 – Por conseguinte, o despacho recorrido é ilegal, por violação, pelo menos, daquele citado normativo (art. 31º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
35 – Pelo exposto, o despacho recorrido deve ser substituído por outro que fixe os honorários em conformidade com as supra referidas disposições legais e ainda declare a ilegalidade da correcção da nota de honorários de fls 257.
36 – Foram violados os artigos 59º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, 64º, nº 1, alínea d), e 66º, nº 5, do Código de Processo Penal, 31º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, 25º, nº 1, 35º, nº 2, e 37º da Portaria nº 10/2008, de 03 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro, 1º e 2º, nº 1, da Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro e a Tabela de Honorários para a Protecção Jurídica anexa esta portaria, concretamente os pontos 3.1.1.2, 3.4.1 e 9 desta tabela.
TERMOS em que, e nos melhores de direito que V.Exªs suprirão, requer seja o douto despacho recorrido revogado, ordenando-se seja proferido novo despacho que atribua honorários, ao aqui Recorrente, conforme à lei, totalizando 32 UR.
Mais requer seja declarado verificado o vício de violação de lei no que respeita à ordenada correcção da nota de honorários de fls. 254, com as legais consequências.
*
Respondeu o Digno Procurador-adjunto da República junto do Tribunal da Comarca de Santarém, com as seguintes conclusões:
1ª A correcção da nota de honorários de fls 254 que foi feita a fls 930 é oportuna e legítima por obedecer ao critério estabelecido na lei, devendo manter-se;
2a O ilustre recorrente carece de legitimidade para intervir nos presentes autos por não ter sido nomeado pela Ordem dos Advogados a solicitação do tribunal após a intervenção isolada ocorrida no dia 26/02/2008, como documentado na acta de fls 174;
33 Tal falta de nomeação pela Ordem dos Advogados determina a impossibilidade de ser compensado pela intervenção processual verificada a partir de 06/03/2009, pagamento este que cabe ao IGFIJ, LP. realizar a partir do sistema de gestão, monitorização e informação do acesso ao direito assegurado pela Ordem dos Advogados;
4a Caberá eventualmente ao ilustre recorrente socorrer-se de outra instância que não a judicial para se compensar da actividade forense que realizou a partir de 06/03/2009;
5ª Em caso de improcedência do presente recurso serão devidas custas que não poderão ser imputadas ao arguido.
Face ao exposto, deverá o recurso improceder, assim se fazendo Justiça.
*
Nesta Relação o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Observou-se o disposto no nº 2 do art. 417° do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.
****** B - Fundamentação: B.1 - São elementos de facto relevantes e decorrentes do processo, para além dos que constam do relatório, os seguintes, decorrentes da análise dos autos:
1) O auto de notícia foi lavrado a 05 de Maio de 1999 – fls. 5 – e os presentes autos registados a 17-12-1999 (capa do inquérito).
2) No dia 31-01-2000, em inquérito, o MP nomeou defensora oficiosa do arguido JM a Sª Drª AB (fls. 20).
3) A 23-10-2007 (por fax de fls. 141 e original de 26-10-2007 a fls. 147) e (08-02-2008 a fls. 160) esta ilustre Advogada pediu escusa.
4) Em 18-12-2007 o tribunal por despacho ordenou que se oficiasse à Ordem dos Advogados a indicação de defensor para substituir a Sª Drª AB (fls. 150), o que foi cumprido a 30-01-2008 (fls. 154).
5) No dia 12-02-2008 a Ordem dos Advogados (OA) indicou em substituição a Sª Drª SM (fls. 165).
6) No dia 18-02-2008 o tribunal lavrou despacho a fls 168 a nomear advogada ao arguido, em substituição, a Srª Drª SM.
7) A 26-02-2008 em audiência de julgamento e perante a falta da advogada SM, o tribunal nomeou defensor ao arguido, para o acto, em substituição o Sr. Dr. MF, ora recorrente, que se encontrava de escala (v. fls 174).
8) No dia 14-03-2008, a audiência prosseguiu com a leitura da respectiva sentença e o arguido foi defendido pela Sª Drª SM (v. fls 247).
9) No dia 24-03-2008 o ilustre defensor Sr. Dr. MF requereu o pagamento de honorários (fls. 250), o que lhe foi deferido pelo Mmº Juiz nos termos despacho de 20-05-2008 (fls. 252).
10) Este despacho foi notificado ao ilustre defensor na mesma data (fls. 253), tendo-lhe sido lavrada a nota de honorários de fls. 254 pela secretaria (em 20-05-2008), no valor de € 264, a qual lhe foi paga.
11) O Ministério Público voltou a ter vista nos autos a 17-11-2008 (fls. 391).
12) No dia 29-01-2009 a secção de processos remeteu ao Sr. Dr. MF carta registada cuja cópia se encontra a fls 420, a fim de o mesmo exercer as funções de defensor do arguido em audiência para realização de cúmulo de penas.
13) No dia 06-03-2009 o Sr. Dr. MF defendeu o arguido na audiência do cúmulo (fls 424).
14) No dia 24-03-2009 o mesmo defensor esteve presente na leitura da decisão que operou o cúmulo de penas (fls. 439).
15) No dia 25-03-2009 o recorrente, invocando expressamente a qualidade de defensor oficioso do arguido, requereu a atribuição de honorários (fls. 442), o que lhe foi deferido por despacho de 06-05-2009 (fls 451).
16) No dia 14-04-2009 o mesmo ilustre defensor interpôs recurso da sentença que operou o cúmulo de penas (fls. 458-461).
17) No dia 02-07-2010 o tribunal lavrou nova sentença de cúmulo de penas, à qual assistiu o ilustre defensor (fls. 609).
18) No dia 08-09-2010 este causídico interpôs recurso da nova sentença de cúmulo de penas (fls. 614 e ss) e na sequência do douto despacho de fls 673, apresentou nova peça de recurso desta vez com conclusões no dia 21-10-2010 (fls 719 e ss).
19) No dia 29-03-2011 o Tribunal da Relação de Évora proferiu novo acórdão (fls 779 a 807), o qual transitou em julgado a 04/06/2011 (fls 811).
20) No dia 07-07-2011 o ilustre defensor prestou a informação que consta de fls. 823 a informar que o arguido já não se encontrava contactável na morada para o qual foi notificado, mas se encontrava, desde o dia 16.05.2011, preso no EPR Leiria, à ordem do Processo n° --/04.8GGSTB do 3° Juízo Criminal de Setúbal.
21) Em 14-07-2011 foi notificado via fax, "na qualidade de Defensor Oficioso do arguido” de que fora dada sem efeito a data designada para a leitura de sentença.
22) No dia 12-02-2012 foi elaborada a conta de custas, beneficiando o arguido de apoio judiciário (fls. 901).
23) No dia 15-02-2012 foi o recorrente, na qualidade de “defensor oficioso do arguido”, notificado da conta de custas para reclamar em 10 dias, querendo (fls. 903).
24) Em 20-02-2012 o recorrente reclamou da conta pedindo o pagamento de honorários no valor de 32 URs (fls. 905-907).
25) Em 18-10-2012, foi lavrada a seguinte promoção pelo MºPº: "Na sequência da posição tomada anteriormente, renovo o ponto 1. de II da promoção de fls 912 (correcção da nota de honorários de fls. 254, sendo apenas devida a quantia de € 120,00 ao ilustre defensor Sr. Dr. MF). Quanto ao ponto III da mesma promoção a OA informou conforme consta de fls 921 a 923, cujo teor aqui se reproduz. Constatando-se não ter ocorrido facto documentado nos autos, que tivesse permitido proceder à inscrição manual da nomeação do ilustre defensor Sr. Dr. MF para assistir o arguido a partir de 06/03/2009, não é legalmente admissível, em face da informação da OA, remunerar-se este ilustre defensor pela prática desta última actividade processual, o que se promove" (fls. 926 dos autos).
26) Em 08-11-2012 - a fls. 927 - foi lavrado o despacho recorrido, do seguinte teor: "Concordando-se inteiramente com a douta promoção que antecede ordena-se que se proceda como vem doutamente promovido".
* B.2 – Cumpre conhecer.
O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
As questões abordadas no recurso reconduzem-se a apurar se:
- A nota de honorários de fls 254 se deve manter inalterada;
- Se o ilustre recorrente é defensor oficioso e se lhe devem ser fixados honorários correspondentes a todos os actos em que interveio no processo;
As questões serão conhecidas pela ordem inversa, na medida em que necessário se torna esclarecer, em primeiro lugar, qual a posição do recorrente no processo, o que supõe a análise das normas sobre acesso ao direito, seguindo a questão sobre honorários, o que supõe tomada de posição sobre custas.
* B.3.1 – Dispõe o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Relativamente ao arguido, face à sua especial posição no processo penal, a garantia é mais densa e concretiza-se na previsão do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, designadamente – e para o que ao caso concreto interessa – o seu nº 1 que garante ao arguido que o “processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
Dentro dessas garantias de defesa cabe reconhecer ao arguido o direito a ter defensor, que a Constituição da República Portuguesa consagra no mesmo normativo e nº 3: “O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória”.
O mesmo sistema, de dupla previsão/estatuição em sequência, é seguido pelo artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (vulgo, Convenção Europeia dos Direitos do Homem) quando afirma que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial…”
Em concretização destes princípios gerais, a CEDH reconhece, na al. c) do nº 3 do artigo 6º, que o acusado tem, como mínimo, entre outros (“minimum rights”) o direito de se defender a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem.
Naturalmente que os artigos 57º a 67º do Código de Processo Penal são a consagração legislativa regulamentar destes grandes princípios civilizacionais de qualquer estado de Direito que se preze.
Designadamente os artigos 61º, nº 1, als. e), f) e i) e 64º, nº 1, als. c) e e) e nº 3.
E o artigo 66º, nº 5 afirma que as funções de defensor oficioso são sempre remuneradas, o que não passa de regra de bom senso e é regulamentada em profusos e sempre alteráveis diplomas, à mercê do que é contingente, no pressuposto explícito de que se pretende uma defesa oficiosa eficaz e de que os causídicos devem ser pagos, tanto que se prevêm tabelas de honorários.
Estas são as linhas básicas, no que ao caso interessa, de um processo penal equilibrado e justo.
Os diplomas que têm regulado o acesso ao direito têm, de forma sistemática mas redundante, afirmado que para o processo penal “a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º.” – nº 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho. [1]
Estes preceitos – realcemos o óbvio e argumentemos ab absurdo – não foram revogados pela Portaria nº 10/2008 ou pela Portaria 210/2008 ou por qualquer regulamento da Ordem dos Advogados, essa associação pública profissional agora regulada pela Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro, cujo artigo 5.º (Atribuições) não lhe atribui competência para derrogar actos legislativos da República ou convenções internacionais.
O que se segue àqueles preceitos, que são uma marca civilizacional, tem que ser a concretização, com equilíbrio, dos princípios gerais de forma sucinta expostos supra.
E, parece-nos, equilíbrio foi coisa que andou arredada dos autos nesta questão.
Parece que aquilo que o tribunal passou a defender - e que o Ministério Público sustenta em contra-alegações - contrariamente ao por si defendido em anteriores despachos, é que o arguido nos autos não tem defensor oficioso desde 14-03-2008, data em que se evaporou a defensora nomeada pela AO.
Dito de forma clara, se o recorrente não é defensor oficioso do arguido este não tem defensor oficioso desde aquela data, ou seja, desde a data em que a causídica nomeada pela OA deixou de aparecer nos autos.
Ou seja, seguindo com gosto o absurdo, desde 06-03-2009, data em que o recorrente Sr. Dr. M defendeu o arguido na audiência, que os actos praticados no processo são nulos, a pedido do Ministério Público e com homologação do Tribunal, já que várias diligências foram praticadas sem a presença de defensor oficioso do arguido.
Até esta Relação andou a lavrar acórdãos sem nomeação de defensor oficioso ao arguido. É obra. O non sense como categoria jurídica.
Não bastando isto, ainda perguntou o Tribunal à Ordem dos Advogados se seria de pagar ao defensor oficioso, tendo esta entidade respondido, com uma afável ameaça ao advogado recorrente no parágrafo 3º do inacreditável parecer de fls. 921-923 que está nos autos para ser lido.
Assim se constata que o Tribunal, na acta de audiência de julgamento de 26-02-2008, nomeou o recorrente como defensor oficioso - que se encontrava de escala (v. fls 174) - ao arguido, face à falta da advogada indicada pela AO, no que foi uma decisão legal, legítima e louvável, já que a inoperância da Ordem dos Advogados foi patente.
E fê-lo por necessitar de assegurar os direitos do arguido.
Temos assim que a legislação aplicável, para além do sempre presente Código de Processo Penal, é a referida Lei nº 34/2004, de 29-07, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28-08, e as Portarias nº 1.386/2004, de 10-11 e 10-2008, de 03-01.
De notar que todos os diplomas que regulam o acesso ao direito fazem depender a sua entrada em vigor da data do pedido de apoio judiciário e não da data da pendência dos processos em que esse apoio judiciário se irá concretizar, como se extrai facilmente dos artigos 57º, nº 1 e 2 da lei nº 30-E/2000, de 20-12 e artigo 51º da Lei nº 34/2004, de 29-07.
Também é certo que ao caso dos autos não é aplicável a Portaria nº 210/2008, de 29-02-2008, entrada em vigor a 01-03-2008, mas as regras de selecção e participação dos “profissionais forenses envolvidos no sistema” só são alteradas em 01-09-2008 (artigo 35º da Portaria nº 10/2008, inicialmente com prazo até 29-02-2008 - mantendo-se em vigor norma específica para as nomeações anteriores a 01-01-2008 no nº 3 do preceito - com a alteração introduzida pela Portaria nº 210/2008, que transfere a data para 31-08-2008).
Há que louvar a consistência, coerência e clareza do legislador, que demonstra saber o que quer.
Assim a nomeação do recorrente como defensor oficioso do arguido teve por base decisão acertada e legalmente fundada no Código de Processo Penal e na Lei 34/2004, de 29-07 (o despacho de nomeação do recorrente em audiência de julgamento é de 26-02-2008), face à inoperância de nomeação pela AO e usando as escalas de presença.
Assim como já havia sido feita, correctamente, a nomeação de defensora ao arguido pelo Ministério Público no final do inquérito – em 31-01-2000 - nos termos do artigo 64º, nº 3 do Código de Processo Penal – fls. 20.
E é que, após tal despacho de nomeação do recorrente como defensor oficioso em audiência, não foi lavrado qualquer outro despacho judicial a substituir o nomeado, pelo que o recorrente, bem, continuou a assegurar a defesa oficiosa, nos termos claros da previsão do artigo 42º, nº 3 da Lei 34/2004, complementada no caso com a previsão do nº 4 do artigo 18º do mesmo diploma (extensão dos efeitos ao recurso).
Por outro lado o próprio tribunal sempre continuou a tratar o recorrente como defensor oficioso. Todas as notificações para todos os actos praticados no processo foram feitas ao recorrente a partir de então.
O recorrente teve intervenção – de forma presente e competente – sem alegar impedimentos e quejandos (com o único senão de ser prolixo nas conclusões dos recursos), assegurando a defesa do arguido no decurso de todo o processo, ou seja, precisamente 5 (cinco) anos.
* B.3.2 – Acresce que o processo penal é um processo onde a lealdade é regra, principalmente por parte das magistraturas e muito particularmente da magistratura judicial.
No seu acórdão de 24 de Setembro de 2003 (Rel. Henriques Gaspar, DGSI, proc. 03P243, também publicado na CJ, 2003, T.III, 177) afirma o Supremo Tribunal de Justiça: “……… O processo equitativo, como "justo processo", supõe que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa. Mas determina também, por correlação ou contraponto, que as autoridades que dirigem o processo, seja o Ministério Público, seja o juiz, não pratiquem actos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais actos.
A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual”.
O seja, o “fair trial”, o processo justo, não é já só um processo justo para com o acusado, sua origem histórica.
É também um processo que deve ser justo para todos e entre todos os intervenientes e, de importância fundamental, um processo justo e que se mostra justo numa sociedade democrática, num “Estado de Direito”.
Ser e parecer. Mais uma vez se realça a primordial função da “mulher de César”.
Ora, nomear um causídico como defensor oficioso, notificá-lo mais de uma dezena de vezes (mais propriamente dezoito vezes) como “defensor oficioso”, admitir a junção, como defensor, de vários requerimentos e dois recursos, deferir por duas vezes o pagamento de honorários, ter o processo pendente por cinco anos e reconhecer essa qualidade ao recorrente ao longo desse tempo e, agora, negar a sua qualidade de defensor oficioso para não lhe pagar o devido não é um acto de “boa-fé”. É má-fé. É conduta não aceitável a um tribunal.
Mesmo que se considere que o recorrente apenas foi nomeado para a audiência – o que não é aceitável já que o despacho ali lavrado não pode ser lido restritivamente – a secretaria do tribunal passou, a partir dessa data a notificar o recorrente como defensor oficioso. E o recorrente agiu como tal, pelo que não pode ser prejudicado por acto do tribunal, como se extrai da leitura do artigo 161.º, nº 6 do Código de Processo Civil: “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
Assim, o pagamento das despesas do defensor oficioso sempre se imporia.
Mas impõe-se, prima facie, por razões substanciais: a nomeação é legal e a defesa foi assegurada.
Assim e porque a legislação relativa a custas e a definição dos honorários está balizada pelo Dec-Lei nº 224-A/96, de 26/11, na redacção dada pelo Dec-Lei nº 324/2003, de 27/12 e pela Portaria nº 1.386/2004, de 10-11 e 10/2008, de 03-01, são devidos os seguintes honorários ao recorrente, a suportar pelo tribunal:
3.1.1.2 da Tabela - processo perante tribunal singular – 11 UR;
3.4 da Tabela - dois recursos ordinários – (9+9) - 18 UR;
9 da Tabela - (sessão a mais fls. 424, 439 e 609) – 3 UR;
Num total de 32 URs., tendo presente o valor de UC à data (anos de 2007 a 19-04-2009= 96 €).
* B.4 – A nota de honorários de fls. 254 deve manter-se inalterada, não só pelo que se disse anteriormente, também porque se consolidou na ordem jurídica com o trânsito do despacho judicial que a autorizou.
Requerido o pagamento de honorários em 24-03-2008, o que lhe foi deferido por despacho de 20-05-2008 (fls. 252) e realizada e junta aos autos na mesma data, o Ministério Público voltou a ter vista nos autos a 17-11-2008 (fls. 391) e nada disse.
Este despacho foi notificado ao ilustre defensor na mesma data (fls 253), tendo-lhe sido lavrada a nota de honorários, no valor de € 264, quantia que lhe foi paga.
O Ministério Público só vem a tomar posição em 18-10-2012 (mais de quatro anos depois e depois de várias intervenções no processo), quando promove a renovação do “ponto 1. de II da promoção de fls 912 (correcção da nota de honorários de fls. 254, sendo apenas devida a quantia de € 120,00 ao ilustre defensor Sr. Dr. MF).”
Para além de haver despacho judicial transitado em julgado, razão alguma, de facto ou de direito, justifica alterar o ali decidido.
Não há, pois que fazer qualquer desconto, excepto a consideração de que os honorários a serem pagos ao recorrente devem levar em conta o já pago naquela nota de honorários.
Por isso o recurso deve proceder na totalidade.
* C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência:
A) – Declaram que o recorrente é defensor oficioso nos autos desde 26-02-2008;
B) – Determinam o pagamento, pelo Tribunal, ao ilustre mandatário dos honorários pelo do cargo de defensor oficioso nos presentes autos num total de 32 URs., descontando-se o já pago.
Notifique. Sem custas.
Évora, 16 de Abril de 2013
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa
Ana Bacelar Cruz
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[1] - As Leis nº 387-B/87, de 29-12 e 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que antecederam o actual regime de acesso ao direito tinham, igualmente, um capítulo de disposições especiais aplicáveis ao processo penal, com redacção semelhante, excepção feita às posteriores Portarias, então inexistentes: “1 — A nomeação do defensor ao arguido e a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal e em conformidade com os artigos seguintes.”